INTERFACES DA ENFERMAGEM NO CUIDADO RURAL: REVISÃO INTEGRATIVA

RESUMO

Objetivo:

conhecer os temas em evidência na enfermagem no território rural.

Método:

revisão integrativa composta por seis etapas. Os dados foram coletados no período de maio a julho de 2017, nas bases SciELO, CUIDEN, PubMed, ScienceDirect, com o descritor “Rural nursing”. A análise utilizada foi qualitativa com a construção de subconjuntos e tópicos.

Resultados:

dos 30 artigos analisados 32% abordavam a formação profissional; 25% ações relacionadas a saúde coletiva; 12% assistência hospitalar; 10% a satisfação no trabalho; 7% dedicaram a telessaúde e 3% dos estudos trataram dos temas: recrutamento e permanência das Enfermeiras no Espaço rural, educação permanente e a atuação profissional em central de regulação de urgência e emergência.

Conclusão:

a atuação no território rural demanda à enfermeira enfrentar particularidades como isolamento, dificuldade de acesso, condições socioeconômicas diversas e perfis epidemiológicos específicos, que influenciam a prática profissional, o que a torna um desafio.

DESCRITORES:
Enfermagem rural; Saúde da população rural; Saúde pública; Enfermagem em saúde comunitária; Cuidado de enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to know the issues in evidence in rural nursing.

Method:

a six-stage integrative review. Data was collected from May to July 2017, in the SciELO, CUIDEN, PubMed, and ScienceDirect databases, with “Rural nursing” as descriptor. The analysis used was qualitative with the construction of subsets and topics.

Results:

of the 30 articles analyzed, 32% addressed professional training; 25% collective health-related practices; 12% hospital care; 10% job satisfaction; 7% were dedicated to telehealth and 3% of the studies addressed the following topics: nurses' recruitment and permanence in rural areas, continuing education, and professional practice in urgency and emergency regulation centers.

Conclusion:

working in rural areas demands that nurses face particularities such as isolation, difficulty of access, diverse socioeconomic conditions and specific epidemiological profiles, which influence the professional practice, making it a challenge.

DESCRIPTORS:
Rural nursing; Health of the rural population; Public health; Nursing in community health; Nursing care

RESUMEN

Objetivo:

conocer los temas en evidencia en la enfermería en el territorio rural.

Método:

revisión integradora compuesta por seis etapas. Los datos se recolectaron de mayo a junio de2017 en las bases de datos SciELO, CUIDEN, PubMed y ScienceDirect, con el siguiente descriptor: “Rural nursing”. El análisis empleado fue el cualitativo con la elaboración de subconjuntos y temas.

Resultados:

de los 30 artículos analizados, el 32% abordaron la formación profesional; el 25%, acciones relacionadas con la salud colectiva; el 12%, la atención hospitalaria; el 10%, la satisfacción en el trabajo; el 7% estaban dedicados a la telesalud y el 3% de los estudios trataron dos temas: reclutamiento y permanencia de las enfermeras en el Espacio rural, educación permanente y desempeño profesional en la central de regulación de urgencias y emergencias.

Conclusión:

para desempeñarse profesionalmente en el territorio rural, una enfermera debe hacer frente a diversas particularidades como el aislamiento, la dificultad de acceso, condiciones socioeconómicas diversas y perfiles epidemiológicos específicos, que influyen sobre la práctica profesional, factores que la convierten en un desafío.

DESCRIPTORES:
Enfermería rural; Salud de la población rural; Salud pública; Enfermería en salud comunitaria; Atención de enfermería

INTRODUÇÃO

Assegurar às pessoas, que vivem em áreas rurais e remotas, acesso à profissionais de saúde qualificados, em número suficiente, no lugar certo e no momento certo, é um dos desafios mais complexos da atualidade. Estima-se que, aproximadamente, metade da população mundial viva em áreas rurais, no entanto, apenas 38% dos profissionais de enfermagem atuam nessas áreas.1

As populações rurais possuem particularidades culturais e histórias de cuidado que as diferenciam de populações de outros contextos. Destacam-se a valorização da terra, o contato com animais e vegetais, como parte de um complexo de valores que compreendem o viver, a produção, as relações sociais e o cuidado. Nesse território, o trabalho envolve todos os membros da família, e nele se expressam as emoções, as pactuações, os conflitos éticos, a identidade, as doenças, a resiliência e a morte.2^-3A saúde assume uma perspectiva ampla, interconectando-se com o processo de produção da vida em interface ao ambiente.4

Esses territórios apresentam diversos desafios aos profissionais de saúde, em específico a enfermagem: a distância geográfica, dificuldade de transporte e de acesso aos recursos de saúde, fatores associados a necessidade de prestar cuidados às pessoas que desenvolvem atividades laborais com predominância do trabalho braçal e insalubre. O trabalho é realizado em condições climáticas adversas, com a utilização de produtos químicos, muitas vezes nocivos, como agrotóxicos e adubos. Essa interação impacta diretamente no processo saúde-doença e no sistema de cuidado dessas famílias.

Estudos apontam2^-4que os serviços de saúde ainda não conseguem atender as especificidades da população rural. Evidencia-se a necessidade de realizar uma prática profissional direcionada à saúde do território rural, que colabore para a promoção e a prevenção de agravos que afetam essa população. O sistema de cuidado é considerado, pelos agricultores, como distante do seu território e pertencente ao urbano, com poucas interfaces de troca e sem diálogo com as práticas de cuidado familiar.3

Estudo de revisão realizado na base do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme) e na página da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), apontou um crescimento da produção científica sobre a população rural, com a predominância de estudos clínicos epidemiológicos, sem, contudo, revelar aspectos envolvendo a prática da enfermagem, identificando essa presente lacuna.5 Diante do exposto essa revisão integrativa teve como objetivo conhecer os temas em evidencia na enfermagem no território rural.

MÉTODO

Realizou-se uma revisão integrativa composta por seis etapas.6 Na primeira, identificou-se a questão de pesquisa: Quais as temáticas desenvolvidas pela enfermagem no contexto rural nacional e internacional? Essa questão fundamenta-se no fato de que a enfermagem por ser uma prática que busca realizar o cuidado integrando saberes populares e científico, considerando os aspectos culturais e regionais, desenvolve diferentes ações que possibilitam qualificar a assistência no contexto rural. Na segunda, estabeleceram-se critérios de inclusão: (i) apresentam ações desenvolvidas pela enfermagem em serviços de saúde rural; (ii) tratam da qualificação em enfermagem rural; (iii) abordam aspectos relacionados a educação permanente desenvolvidas para enfermeira, no contexto rural. Os critérios de exclusão utilizados foram: (i) artigos de revisão; (ii) publicação anterior há 2006; (iii) abordar atividades de parteiras rurais; (iv) tratar de questões de saúde da população rural; (v) investigar o cuidado ou autocuidado desenvolvidos pelas famílias e comunidades rurais; (vi) ação de enfermagem desenvolvida a população indígenas e aborígenes.

A busca foi realizada no período de maio a julho de 2017, nas bases SciElo org, CUIDEN, PubMed, ScienceDirect, com o descritor “Rural nursing”, nos três idiomas: inglês nas bases PubMed, ScienceDirect, português no SciElo org e espanhol no CUIDEN. Utilizou-se as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses (PRISMA). A busca se deu no refinamento avançado, sendo que, no PubMed, buscou-se por MeshTerms e estudos em humanos.

Foram encontrados 460 artigos distribuídos: 58 no PubMed, 110 no SciElo, 67 no ScienceDirect e 225 na base CUIDEN. Após a leitura dos títulos e resumos foram excluídos: 42 artigos de revisão; 34 duplicatas; 348 por não atenderem aos critérios de inclusão; restando 36. Após a leitura na íntegra, oito artigos foram excluídos da amostra: por abordar população indígena; avaliação de software, por não adorarem temáticas desenvolvida pela enfermagem rural; referenciar serviços no território urbano que atendem população rural; não abordarem a enfermagem e por serem estudos quantitativos. E dois outros estudos citados pelos estudos, foram incluídos na amostra, totalizando 30 artigos (Figura 1).

Figura 1 -
Base de dados e estratégia de busca selecionada. Pelotas, RS, Brasil, 2018.

A seguir, extraiu-se, eletronicamente, os dados usando um formulário de dados pré-constituído e padronizado, contendo: base de dados, título, autores, ano, instituição, país, revista de publicação, metodologia e resultados.

Iniciou-se, então, a análise qualitativa7 com a elaboração transversal de conjunto ou subconjunto de ideias presentes no texto. Num primeiro momento, os dados foram organizados por base, em uma tabela, contendo número, acesso, autores, instituição revista, metodologia e principais resultas. Após a leitura na integra dos artigos, foram extraídos fragmentos do texto conforme apresentados nos resultados e considerações finais dos artigos, os quais foram organizados em subconjuntos: saúde coletiva; recrutamento, telessaúde; formação; atenção hospitalar; educação permanente; central de regulação e satisfação no trabalho. Esses subconjuntos constituíram a primeira classificação dos dados.

A seguir, os dados de cada subconjunto foram novamente lidos com intuito de compreender as estruturas de relevância apresentadas, as quais deram origem a dois tópicos, a saber: Aspectos que influenciam a prática de enfermagem rural; habilidades e desafios da enfermagem rural. A quinta etapa, consistiu na discussão e interpretação dos resultados obtidos, seguida da sexta etapa, com a apresentação das evidências encontradas.

RESULTADOS

Identificou-se que 80% foram publicados após 2010, ano que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou ampliar a oferta e garantir a permanência de profissionais da saúde em áreas rurais e remotas.

Em relação ao país de origem, 84% eram oriundos da Austrália (40%), EUA (27%) e Canadá (17%), países que possuem grande extensão territorial, sendo que os dois primeiros se destacam na produção agropecuária.

Entre os estudos, 32% abordavam a formação profissional; 25% ações relacionadas à Saúde Coletiva; 12% assistência hospitalar; 10% satisfação no trabalho; 7% Telessaúde e 3% trataram dos temas: recrutamento e permanência das Enfermeiras no Espaço rural; educação permanente e a atuação profissional em central de regulação de urgência e emergência (Quadro 1).

Quadro 1 -
Síntese de artigos incluídos na revisão integrativa. Pelotas, RS, Brasil, 2018.

Autores	País	Temática
Knight K, Kenny A.8	Austrália	Central de Regulação
Bish M, Kenny A, Nay R.9	Austrália	Assistência hospitalar
Beckstrand RL, Rohwer J, Luthy KE, Macintosh JLB, Rasmussen RJ.10	EUA	Assistência hospitalar
Kenny A, Allenby A.11	Austrália	Assistência hospitalar
Beckstrand RL, Giles VC, Luthy KL, Callister PLC, Heaston S.12	EUA	Assistência hospitalar
Fairchild MR, Everly M, Bozarth L, Bauer R, Walters L, Sample M, et al.13	EUA	Educação permanente
Lea J, Cruickshank M.14	Austrália	Formação
Hauenstein EJ, Glick DF, Kane C, Kulbok P, Barbero E, Cox K.15	EUA	Formação
Tschetter L, Lubeck P, Fahrenwald N.16	EUA	Formação
Pront L, Kelton M, Munt R, Hutton A.17	Austrália	Formação
Yonge OJ, Myrick F, Ferguson LM, Grundy Q.18	Canadá EUA	Formação
Sanderson H, Lea J.19	Austrália	Formação
Place J, MacLeod M, John N, Adamack M, Lindsey AE.20	Canadá	Formação
Sedgwick MG, Yonge O.21	Canadá	Formação
Mills J, Francis K, Bonner A.22	Austrália	Formação
Latham H, Giffard L, Pollard M.23	Austrália	Formação
Kulig JC, Kilpatrick K, Moffitt P, Zimmer L.24	Canadá	Recrutamento
Yates K, Kelly J, Lindsay D, Usher K.25	Austrália	Satisfação
Terri Bolin T, Peck D, Moore C, Ward-Smith P.26	EUA	Satisfação
Hoodless M, Bourke L.27	Austrália	Satisfação
Knight K, Kenny A, Endacott R.28	Austrália	Saúde coletiva
MacKinnon K, Moffitt P.29	Canadá	Saúde coletiva
Moules NJ, MacLeod MLP, Thirsk LM, Hanlon N.30	Canadá	Saúde coletiva
Fraile MB, Peña ET, González JG, Pozo JG, Vasco IG, Rodríguez BP.31	Espanha	Saúde coletiva
Marilaf MC, Alarcón AM, Illesca MP.32	Chile	Saúde coletiva
Jiménez-García Á, Granados-Bolívar ME, Fernández-Moreno C.33	Espanha	Saúde coletiva
Sivamalai S.34	Austrália	Saúde coletiva
Rolland RA.35	EUA	Saúde coletiva
Pimmer C, Brysiewicz P, Linxen S, Walters F, Chipps J, Gröhbiel U.36	África do Sul e Suíça	telessaúde
Carter-Templeton HD, Wu L.37	EUA	telessaúde

A seguir, serão apresentadas as temáticas abordadas nos artigos: formação e educação permanente, saúde coletiva, assistência hospitalar, satisfação no trabalho, telessaúde, central de regulação e recrutamento.

Formação e Educação permanente

Dos 30 artigos que compuseram essa revisão, dez14^-23tratavam especificamente da formação em enfermagem rural e um da educação permanente.13 Esses estudos têm abordado diferentes aspectos relacionados à educação em enfermagem rural, que compreendem estágios curriculares em serviços de saúde rural; cursos de qualificação profissional semipresenciais. Os dados evidenciaram que essas atividades visam melhorar o acesso de estudantes oriundos de áreas rurais; incentivar que as escolas assumam a responsabilidade de formar enfermeiras devidamente qualificados para atender às necessidades da sua região geográfica, com a utilização de recursos culturalmente aceitos; ofertar estágio curricular em áreas rurais aos alunos de graduação, bem como, educação permanente e programas de desenvolvimento profissional.

Saúde coletiva

Os estudos28^-35identificaram que as atividades desenvolvidas pela enfermagem rural vão desde: a função assistencial como visita domiciliar, consulta de enfermagem; atividades de gestão; até a educativa, como atividades com grupos comunitários. Para isso o profissional necessita possuir habilidades e competências especializadas sobre as desigualdades em saúde vivenciadas pelas comunidades; a bioética rural; consciência política; criatividade e comunicação assertiva.

Assistência hospitalar

Os estudos9^-12abordam a atuação de enfermagem em pequenos hospitais rurais, nos quais assumem um papel importante no serviço saúde local, regional e nacional, desenvolvendo ações curativas, preventivas, de urgência e emergência. Conforme a legislação de saúde do país, estes profissionais podem realizar procedimentos como parto e pequenas cirurgias.

Satisfação no trabalho

Os dados25^-27revelam que o estilo de vida rural foi apontado como motivo dos profissionais escolherem atuarem nessas áreas, embora esta escolha limite a prática e qualificação profissional. Os participantes independentemente da idade, anos de experiência e preparação educacional, relatam estarem satisfeitos com o trabalho e a remuneração.

Telessaúde

Esse tema foi discutido em dois estudos,36^-37ambos avaliaram o uso de recursos online para a tomada de decisão clínica. Identificaram que o acesso à informação permitiu a construção e troca de conhecimento e apoio emocional, contribuindo no processo de trabalho e cuidado. É uma ferramenta que pode ofertar aos profissionais, que atuam em áreas rurais, atividades de capacitação e educação permanente, bem como promover o desempenho de atividades de qualidade em tempo oportuno. No entanto, o uso da tecnologia não resulta somente em efeitos positivos, também, traz uma série de questões éticas como a realização de consultas online, telediagnóstico, administração de fármacos e a realização de procedimentos prescritos por médicos consultados remotamente. Estes desafios dizem respeito ao desenvolvimento profissional, adoção de práticas seguras e a proteção da privacidade dos novos espaços.36^-37

Central de Regulação

Um estudo8 objetivou conhecer as ações desenvolvidas em cinco Centrais de Regulação de Urgência e Emergência e os fatores que influenciam a realização das mesmas. Identificou que a enfermeira presta um atendimento ágil e eficiente, utilizando-se dos conhecimentos clínicos que possui acerca da população, para determinar a intervenção necessária. O estudo conclui que a inclusão desse serviço na área rural oferta à população um cuidado único, que se beneficia da experiência profissional no território rural e do conhecimento sobre as particularidades da população atendida para a tomada de decisão.

Recrutamento

Estudo realizado no Canadá24 que objetivou discutir a política de recrutamento e a permanência de enfermeiras nas áreas rurais identificou que vários aspectos influenciam essas questões, dentre esses destacam-se: a escassez de mão-de-obra; a falta de infraestrutura nas organizações de saúde e o desinteresse pela saúde rural por parte dos representantes do poder público.

DISCUSSÃO

Em relação aos aspectos que influenciam a prática de enfermagem rural, destacam-se o isolamento social, geográfico ou profissional,20^,24^,28^-29que exige o desenvolvimento de uma prática independente, com pouco ou nenhum auxílio de outros profissionais, e ainda com o desempenho de funções independentes na gestão primária à saúde, tratando sinais e sintomas simples e complexos, em locais de prática variados, como unidades básica de saúde, hospitais, clínicas, casas geriátricas, central de regulação de urgência e telessaúde.

Estudo realizado nos EUA aponta que as enfermeiras prestam cuidados a pessoas que vivem em áreas rurais ou remotas, que muitas vezes não possuem plano de saúde ou acesso a outros serviços. Suas ações têm ênfase na promoção da saúde, prevenção de doenças e na prestação de cuidados primários, constituindo-se em uma atividade significante na solução da crise de cuidados de saúde nas comunidades rurais.38

O isolamento, associado à necessidade de tomar decisões independentes,24 cria um território de risco clínico que exige mais do profissional, sendo necessário unir os conhecimentos clínicos e o conhecimento acerca das particularidades de cada população para atender as necessidades de cuidado. Isso permite atuar diante de um evento crítico, momento em que conhecer a experiência rural e compreender o comportamento da população torna-se um fator importante para a tomada de decisões.28

Esses cenários evidenciam a necessidade de aproximar a prática clínica da enfermagem ao pensamento reflexivo aplicado à ação, que busca agir sobre a prática, e postula a adaptação de teorias, métodos e técnicas que permitam a fluidez da comunicação e a participação dos indivíduos envolvidos no cuidado.39

O isolamento também compreende a distância de outros serviços de saúde, que também influencia a prática rural, visto que, os profissionais raramente têm oportunidade de realizarem atividades de troca de experiências e, na maioria das vezes, desconhecem as práticas de enfermagem rural produzidas em outros serviços e países.20 Soma-se a isso o fato de ter que lidar com os recursos limitados,8a falta de mão de obra20^,24e a infraestrutura precária das organizações de saúde.24

Identificou-se que esses profissionais têm experiências singulares em diferentes territórios, cuidando de indivíduos que possuem perfis de saúde únicos,20muitas vezes, necessitando cuidar de pessoas com quem possuem laços afetivos como amigos, vizinhos e até membros da família.29^-30Assim, o fazer em enfermagem rural torna-se uma prática comprometida com a soluções de problemas, de cada um dos distintos cenários, que possibilita o exercício da reflexão crítica sobre as ações realizadas e a construção de diferentes possibilidades de cuidado.

Nesse território conhecer a comunidade auxilia no desenvolvimento do senso criativo e responsivo,20 quanto maior o tempo de permanência de atuação na mesma comunidade mais fácil será o manejo de situações de risco e estresse.9^,28No entanto, esse vínculo poderá propiciar o desenvolvimento de sentimentos de obrigação para com a comunidade,20 podendo levar a realização de ações que fogem da assistência,30 tornando o fazer em enfermagem rural uma maneira única de cuidar em cada território.

Os estudos também apontam como uma competência importante, no território rural, conhecer a cultura dos usuários, para ofertar cuidados pertinentes com o autocuidado realizado pela família e comunidade.32 O caráter sócio antropológico e cultural da enfermagem, que tem o ser humano como seu objeto de trabalho e estudo, foi reconhecido nesses territórios de cuidado, que atender diferentes ciclos de vida, em situação de saúde-doença, objetivando ofertar um cuidado holístico, que supera a fragmentação, contemplando hábitos, cultura e mecanismo de satisfação de necessidades e educação em saúde.40

Viver e trabalhar em comunidades rurais requer aprender e exercer diferentes formas de estar na prática e estar em relação. A privacidade, confidencialidade e equilíbrio entre vida profissional e pessoal são alguns dos desafios enfrentados.20 Em pequenas comunidades os limites do equilíbrio do papel da enfermeira e do ser social, pode ter uma linha tênue difícil de visualizar, que possuem regras próprias que visam a construção e manutenção de um bom relacionamento com as famílias.30

Essas relações não começam, necessariamente, na consulta de enfermagem, na realização de um procedimento ou visita domiciliar; e nem se encerram em si, apenas mudam. Tudo isso requer habilidades como: coragem, ousadia, criatividade, inovação, tenacidade, comunicação e uma boa compreensão de si.9 A enfermeira que atua em áreas rurais, além de lidar com relações que vão além do cuidar, tem que continuamente superar a forte história de opressão, para garantir que a prática de enfermagem seja reconhecida, em uma sociedade onde predomina a prática médico hospitalar, o desequilíbrio de gênero e as relações de poder desiguais, que podem ser mais presentes e evidentes em áreas rurais do que nas áreas urbanas.41

Em concordância, estudo aponta que são poucas as profissões que vivenciaram tantas lutas ao longo de sua história, e que a enfermagem está inevitavelmente ligada ao gênero feminino, portanto falar de identidade feminina e de identidade de enfermeira, é falar da mesma história. A opressão de gênero oprime a enfermagem, as dificuldades das mulheres rurais em serem ouvidas, de terem seu trabalho reconhecido, não apenas como ajuda, reflete diretamente na dificuldade da enfermeira rural de ser reconhecida como profissional de saúde que presta um cuidado essencial aos sujeitos, famílias e comunidade.42

Para a enfermeira rural, a vida em comunidade continua após a realização do cuidado, diferentemente do que ocorre com os profissionais que atuam em comunidades urbanas ou hospitais. Na área rural, o que muda são as formas de se relacionar, as necessidades, os territórios e as circunstância.14^,22A enfermeira ora cuida, ora é a cliente que compra os produtos produzidos na comunidade, ora é a mãe do aluno da escola.

Para exemplificar essa vida contínua, um estudo30 usa como referência a mercearia, como uma metáfora para um comum denominador de humanidade do cuidador e do ser cuidado, necessidade básica de comer, viver, coexistir, sustentar e constituir uma família. A natureza efêmera do dia-a-dia da existência humana, que lembra que não há ninguém que possa escapar da condição humana: a tragédia, a beleza, a contradição e complexidade do viver. Estudos reconhecem20^,28que não importa o quão entusiasmadas com a profissão as enfermeiras rurais possam ser, enfrentam barreiras como o isolamento, a inflexibilidade da carga horária de trabalho, recursos limitados, falta de apoio financeiro e tempo. Na área rural, a falta de pessoal torna o trabalho mais estressante. A escassez de mão-de-obra é um problema de áreas rurais e urbanas, mas naquelas é mais provável que se tenha que fazer horas extras, devido a inexistência de alternativa de assistência à população nas proximidades.

A análise dos dados revelou que, um dos maiores desafios a longo e médio prazo é formar enfermeiras que desempenhem atendimento de qualidade, respeitando as especificidades das comunidades rurais, nas áreas geográficas onde são necessárias.

Baseado na discussão, considera-se que a enfermagem rural possui especificidades que vão além da prática clínica generalista; abrangem a capacidade de lidar com problemas; agir em nome da comunidade; ofertar um apoio intencional; conhecer a cultura local e atuar como educadora.9^,17^,33Para prestar um serviço de qualidade devem ter independência e auto direção, desenvolver o raciocínio crítico e possuir uma base sólida na arte e ciência da enfermagem,28 oriundas do sistema biomédico e de outros sistemas de cuidados.

Revela-se, assim, a importância da qualificação permanente visando o desenvolvimento de habilidades práticas no exercício das ações cotidianas. Estudo oriundo da Austrália,34 identificou que em áreas rurais, devido as especificidades locais e populacionais, a enfermeira necessita estar apta a realizar atividades de educação em saúde. Pois, embora a modernidade oferte informação de saúde, esses profissionais continuam sendo um apoio importante para as comunidades, que muitas vezes, não dispõem de recursos tecnológicos. Essa atribuição se destaca principalmente em regiões menos desenvolvidas, como é o caso das comunidades rurais brasileiras, que além de não disporem dos recursos tecnológicos, têm uma população rural idosa e com poucos anos de estudos, devido ao déficit histórico de educação formal nas áreas rurais.43

Nesse interim, a enfermeira realiza um trabalho em parceria com as pessoas, reconhecendo e apoiando suas capacidades, dando oportunidades para se expressarem, e por possuir conhecimento especializado sobre as desigualdades em saúde vivenciadas, pelas comunidades, que são frequentemente isoladas, utiliza-se de seu trabalho de tentar minimizar essas desigualdades por meio de ações emancipatórias denominada responsabilização.12

Esses profissionais, em muitas ocasiões, passam a agir em nome da comunidade e em outras ofertam um apoio intencional, um encorajamento, atuando como educador, promovendo inter-relações humanas saudáveis e positivas, mesmo quando os indivíduos ainda não estão prontos para fazerem uma mudança de vida cotidiana.13 Torna-se um integrante da comunidade, preocupado com todos tudo que afeta direta ou indiretamente essa e não apenas um apoio em casos relacionados ao processo saúde-doença.

Na prática da enfermagem rural, o diálogo com outras áreas como sociologia, filosofia, antropologia e educação, reveste-se de grande importância, devido ao componente sociopolítico e educativo da atuação da enfermeira. Nos estudos que compuseram essa revisão, o diálogo com a antropologia se apresentou pelo reconhecimento da necessidade de conhecer as especificidades culturais de cada local e os recursos de saúde utilizados nesses territórios.12^,28^,32

Um estudo realizado na Espanha, apontou que as enfermeiras consideram uma competência importante, no âmbito rural, conhecer a cultura dos sujeitos, e utilizar esse como base para a realização de cuidados pertinentes com as práticas desenvolvidas pelas famílias e comunidades. Esse conceito, de cuidado cultural, emergiu como um pilar fundamental das especificidades da enfermagem rural.32

Esses profissionais compreendem que, sem conhecer o que significa cuidar para a população rural, não há como realizar as principais funções da enfermagem (assistencial, educativa e de administração), pois essas não atenderão suas necessidades de cuidado. Por isso, para a enfermagem rural é especialmente importante que o profissional dedique um tempo maior de contato com a comunidade, demandando uma atenção de excelência em conteúdo e qualidade.32

Considerando essas especificidades encontradas na prática da enfermagem rural, destaca-se a necessidade de direcionar um olhar sensível a população rural, que se encontra inserida em um território social, político, histórico, econômico e cultural específico. Esse dado está em consonância com o estudo44 realizado com enfermeiras, que aponta este ser, pensar e agir profissional requer a construção de valores e maneiras de compreender o mundo e os sujeitos, almejando sua autonomia em seu cuidado. No caso de comunidades rurais, pode ser familiar ou comunitária.

O estudo⁴⁴ também aponta a necessidade da aproximação dos saberes, em uma perspectiva de respeito e compreensão às crenças e valores da comunidade. Reforçando as contribuições da teoria sociocrítica para ampliar a visão que se têm do ser humano, decorrente da formação influenciada pelo sistema biomédico, que direciona práticas verticalizadas e descontextualizadas.

Na perspectiva rural, a compreensão das crenças e valores podem ser ampliadas à família e até mesmo aos indivíduos, devido aos complexos arranjos encontrados em cada família, considerando que esses valores são atribuídos da interação com o ambiente, animais e plantas. Esses territórios constituem-se em laboratórios vivos, que no território histórico acumulam saberes valorizados pelos diferentes grupos culturais que os compõem. A enfermeira, no território apresentado, desempenha o papel de observador e comunicador, o qual implica no desenvolvimento de uma relação de ajuda, cuidado, afeto e crescimento.

Como limites do estudo, aponta-se os artigos que eram oriundos do Brasil exploravam a perspectiva de saúde da população e investigação acerca do cuidado familiar ou autocuidado, não ressaltando a prática da enfermagem e por isto não se adequaram nos critérios de inclusão.

CONCLUSÃO

Os desafios de prestar cuidados de enfermagem qualificados, de forma oportuna e humanizada, aos indivíduos, famílias e comunidades que vivem em áreas rurais são complexas em sintonia com as formas de vida da contemporaneidade.

Essas temáticas abordaram a formação em enfermagem rural desde a graduação até a oferta de cursos de pós-graduação específicos para atuação rural; atividades de educação permanente; atuação da enfermeira na saúde coletiva, na assistência hospitalar, em serviços de telessaúde e central de regulação de urgência e emergência. Além de abordar à satisfação no trabalho e sistema de recrutamento de profissionais para atuarem nas áreas rurais, revelando uma diversidade de ações desenvolvidas no território rural.

O desempenho destas ações demanda enfrentar particularidades como isolamento, dificuldade de acesso, condições socioeconômicas diversas e perfis epidemiológicos específicos, que influenciam a prática profissional, o que torna essa experiência criativa e ímpar.

Esses desafios iniciam na graduação, na qual por se preconizar uma formação generalista, na maioria das vezes acabam não oportunizando a experiência de cuidado no território rural. Destaca-se, a importância de aproximação do conhecimento de enfermagem a outras áreas como sociologia, antropologia e ciências agrarias, os quais podem contribuir no desenvolvimento de um cuidado de qualidade e significativo, diante das inúmeras especificidades elencadas.

Entende-se que os desafios para o futuro da enfermagem rural é promover uma ampla pactuação enquanto política pública dentro de cada nação, para indução de uma formação crítica que contemplem os diversos desafios para a superação das fragilidades do processo saúde-doença. A formação do enfermeiro deve ser sensível ao território rural contemplando as especificidades e carências se houverem, trazendo no seu projeto pedagógico a importância da formação crítica e emancipatória, sob as especificidades encontradas, contribuindo para a qualidade de vida e saúde da população rural em todos os ciclos da vida.

AGRADECIMENTO

Ao grupo de Pesquisa Enfermagem Rural e Sustentabilidade da Universidade Federal de Pelotas.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Extraído da tese - Possibilidades de cuidado na enfermagem rural: aproximações a partir da Teoria Sociocrítica, apresentada ao Programa de Pós-graduação de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, em 2018.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Maio 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  20 Nov 2018
• Aceito
  17 Abr 2019