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A investigação sociológica em prol de um diagnóstico crítico da sociedade informacional

Sociological investigation for a critical assessment of the informational society

RESENHA

A investigação sociológica em prol de um diagnóstico crítico da sociedade informacional

Sociological investigation for a critical assessment of the informational society

Daniela Alves de Alves

Doutoranda do PPGS/UFRGS

RESUMO

As "Metamorfoses do Emprego", de Ilona Kovács, trata de uma contribuição para o debate em torno das transformações no trabalho e no emprego, no cenário da globalização, e de adoção de discursos e práticas de inovação, tecnológicas e organizacionais. A reflexão teórica sobre os diversos temas abordados é amparada nas investigações conduzidas pela autora nos últimos anos e apresenta resultados sobre a realidade européia, em especial portuguesa. Os principais temas enfocados são as conseqüências da globalização e da difusão das tecnologias de informação e comunicação, as propostas de inovação organizacional e seus efeitos, a relação entre qualificação, formação e empregabilidade, a flexibilidade das empresas e do emprego e a discussão em torno da centralidade do trabalho.

Palavras-chaves: emprego, trabalho, inovação organizacional e sociedade da informação.

ABSTRACT

Ilona Kovács’ As Metamorfoses do Emprego is a contribution to the debate on changes in labor and employment within the scenario of globalization and the adoption of innovative technological and organizational discourses and practices. The theoretical reflection on the several subjects approached is supported by investigations conducted by the author in recent years, from which she presents results about European – especially Portuguese – reality. The main issues approached are the consequences of globalization and the diffusion of information and communication technologies, the proposal for organizational innovation and its effects, the relationship between qualification, training and employability, the flexibility of businesses and the debate on the centrality of labor.

Key words: employment, labor, organizational innovation, information society.

As Metamorfoses do Emprego: ilusões e problemas da sociedade da informação.

KOVÁCS, Ilona. Oeiras: Celta Editora, 2002. 167 p.

As Metamorfoses do Emprego1 1 Esta obra contou com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) de Ilona Kovács2 2 A autora é professora catedrática do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa e membro do Centro de Investigação em Sociologia Econômica e das Organizações (SOCIUS). se insere na discussão contemporânea sobre os problemas e desafios da sociedade da informação no que se refere às transformações no emprego e no trabalho, enfatizando, em alguns capítulos, o caso de Portugal. A obra é de interesse não somente para profissionais da sociologia, em especial a sociologia do trabalho e a sociologia das organizações, mas também profissionais ligados à gestão de políticas sociais de emprego e qualificação e administradores.

O texto está dividido em oito capítulos dos quais alguns são mais voltados para a reflexão teórica em torno de conceitos como sociedade da informação e sociedade do trabalho, e outros são dedicados principalmente à exposição de resultados empíricos das investigações conduzidas pela autora. Cada capítulo pode ser lido separadamente, na medida em que são artigos ou capítulos de livros já publicados anteriormente e revisados para comporem esta coletânea. Daí a rica diversidade de temáticas abordadas.

No primeiro capítulo, a autora resgata as principais teorias que abordam as transformações da sociedade industrial, a crescente difusão das tecnologias de informação e comunicação e suas implicações. A autora explora algumas perspectivas como a da sociedade pós-industrial (Daniel Bell), a sociedade programada (Alain Touraine), a sociedade da Terceira Vaga (Alvin Toffler), a sociedade da informação (John Naisbitt; Masuda) e também a perspectiva marxista de Henry Bravermann. O que a autora critica nessas abordagens, aspecto presente mais em umas do que em outras, é a sobrevalorização dos efeitos da expansão das tecnologias de informação e comunicação sobre a sociedade.

Na sua revisão da literatura, concede particular espaço e importância para as reflexões de Manuel Castells e do Grupo de Lisboa3 3 A obra publicada por este grupo e citada por Kovács é de 1994, intitulada Limites à Competição, publicada em Lisboa pela Publicações Europa-América. a respeito da rede como modelo da nova estrutura social, mostrando uma clara identificação teórica com ambas.

A autora também critica a abordagem generalizada da globalização como uma panacéia para resolver as questões da competitividade e do emprego. A postura assumida junto ao Grupo de Lisboa é de crítica à excessiva competitividade existente na globalização, apontando suas conseqüências negativas, ao mesmo tempo em que propõe um conjunto de "medidas" para a construção de uma globalização alternativa, em benefício da coletividade.

A autora também argumenta contra a idéia generalizada sobre a existência de um sistema único e indiferenciado de economia global (p.24). O equívoco do tecno-determinismo da maioria dos estudos sobre a sociedade da informação é o conjunto de previsões unilineares quanto ao emprego, no sentido positivo ou negativo. As conseqüências dependem de outras variáveis sociais enumeradas pela autora. O desemprego, a precarização, a realocação espacial dos empregos convivem na mesma sociedade com o trabalho inteligente como realidade em alguns setores e como potencialidade em outros.

Por último Kovács apresenta dados da situação portuguesa, mostrando que assim como há algumas tendências da OCDE se confirmando no país, há também particularidades do emprego em Portugal, corroborando a tese anteriormente explorada de que a reestruturação produtiva e a expansão tecnológica estão inseridas em um contexto social e político específico e, por isso, as conseqüências para o emprego não são iguais em todo lugar.

No capítulo 2, Kovács expõe e avalia os modelos de gestão organizacional em voga nos discursos e nas empresas, mostrando sua preferência pelo modelo antropocêntrico. Os modelos e métodos de inovação explorados pela autora são a lean production, a reengenharia, o modelo antropocêntrico e a organização em rede ou empresa virtual. A autora aborda os aspectos negativos e as contradições implícitas de alguns dos modelos e defende o modelo antropocêntrico por causa de suas "vantagens econômicas, ambientais, sociais e humanas (p.52)".

O modelo antropocêntrico se distingue pela centralidade do fator humano no processo produtivo, reconhecendo a importância do conhecimento tácito dos trabalhadores, do desenvolvimento de novas competências, e da participação e negociação dos empregados nos processos de inovação. As pesquisas de Kovács mostraram que experiências de inovação organizacional em Portugal são ainda limitadas tanto em extensão como em qualidade. A autora faz considerações sobre os motivos pelos quais o modelo antropocêntrico ainda é pouco adotado, ao contrário do lean production e da reengenharia, mais freqüentes.

No capítulo três, são abordadas as conseqüências das mudanças no emprego em termos de novas qualificações e modelos de aprendizagem requeridos. Esse texto também tem o objetivo de criticar a postura assumida pela Comissão Européia, expressa no Livro Branco sobre a Educação e Formação,4 4 Publicado por ocasião do Ano Europeu da Educação e da Formação ao Longo da Vida, em 1996. sobre a sociedade da informação e as conseqüências para a aprendizagem do trabalhador. As principais premissas desse livro, criticadas em pormenor nesse capítulo, são a visão de que os resultados da inovação tecnológica são necessariamente positivos em termos de emprego e trabalho e a responsabilização individual dos trabalhadores pela renovação contínua das competências, que tende a agravar ainda mais, segundo Kovács, as já existentes desigualdades nas "oportunidades de aprendizagem no trabalho (p.67)".

Para Kovács a valorização das pessoas pela gestão, as estratégias para a competitividade adotadas pela empresa, a situação socioprofissional do trabalhador e a desigual divisão de trabalho entre as empresas são aspectos importantes para a emergência de oportunidades para a aprendizagem, mas geralmente não são considerados na prática empresarial e na literatura sobre o tema. A autora ainda argumenta que, mesmo adotando-se um dos dois grupos de estratégias de flexibilização – a flexibilização quantitativa e a flexibilização qualitativa _, esta segunda baseada na valorização da polivalência ou no trabalho em grupo, nem sempre há aumento da qualificação de forma generalizada.

A autora defende, como em outros capítulos, a necessidade de se considerarem as tecnologias também como opções políticas e estratégicas e de se pensar um modelo alternativo de globalização que seja satisfatório não apenas em termos econômicos, mas também sociais, humanos e ambientais, fatores estes que não seriam colocados como problemáticas pela Comissão Européia.

Nesse capítulo, ainda é apresentada uma tipologia das "possibilidades de aprendizagem no trabalho", cuja variação depende dos níveis de formação/qualificação do trabalhador e do grau de estabilidade do emprego. São quatro situações apresentadas na figura 3.1, na página 74, as situações 1 (emprego instável e trabalho desqualificante) e 2 (emprego relativamente estável, trabalho pouco qualificado) são as mais desvantajosas em relação às situações 3 (emprego independente, trabalho altamente qualificado) e 4 (emprego estável, trabalho qualificante).

Apenas na situação 1, não há possibilidades de aprendizagem no trabalho, em todas as outras situações há possibilidades de aprendizagem no trabalho e fora dele. Para Kovács a situação 1 tem-se generalizado na Europa, ao contrário do que quer fazer crer o livro Branco que sobrevaloriza a situação 3. É apenas nas situações vantajosas que o contato com as tecnologias da informação e comunicação representam possibilidades de aprendizagem no trabalho.

O capítulo 4 apresenta-se na continuidade da discussão presente no capítulo anterior, enfatizando dois aspectos aparentemente contraditórios entre si: as novas competências requeridas hoje e a difusão crescente de formas de emprego atípicas e precárias. Da aquisição de competências dependeria a empregabilidade dos trabalhadores. Mas Kovács argumenta que a melhoria da empregabilidade fica prejudicada em um contexto de redução de custos, demonstrando sua preocupação em buscar alternativas de inclusão para aqueles que estão à margem do mercado de trabalho.

Segundo a autora, tem predominado um modelo de empresa flexível em que há uma segmentação interna em núcleos dos mais qualificados e estáveis aos mais periféricos. Kovács mostra a contradição implicada na coexistência destas práticas de gestão baseadas na desregulamentação e precarização do emprego, orientadas pelos objetivos da redução de custos, com o discurso em torno da empregabilidade pressionando pela formação e pela aprendizagem contínua do trabalhador.

O esquema de análise sobre as possibilidades de aprendizagem no trabalho (figura 3.1), reaparece nesse capítulo de uma forma mais sofisticada, enfatizando as situações relativas ao emprego e à empregabilidade, divididas novamente em quatro situações nomeadas flexibilidade precarizante (situação 1), estabilidade ameaçada (situação 2), flexibilidade qualificante (situação 3) e estabilidade profissional (situação 4). A tipologia é construída a partir das seguintes variáveis: a flexibilidade como escolha ou como imposição, a qualificação, a capacidade de negociação com o empregador, o grau de mobilidade profissional no mercado de trabalho, o tipo de perspectivas profissionais e as estratégias da empresa com relação à formação.

A autora demonstra, com o auxílio de dados sobre a mobilidade no emprego na Europa, quanto a "reconversão qualificante" dos trabalhadores tem sido mínima, principalmente em função da escassez de situações de trabalho favoráveis à aprendizagem e em função da falta de motivação daqueles que se encontram em situações fragilizadas de trabalho.

São apresentados alguns dados estatísticos sobre as situações de emprego em Portugal, provenientes de várias fontes, no entanto a autora alerta sobre a falta de dados que permitam a clara distinção dos empregos precários no interior dos empregos atípicos. A proposta defendida para avaliar as condições atuais do mercado de trabalho e a empregabilidade é a criação de um "indicador composto que tenha em conta a taxa do desemprego, a proporção de activos com fraco nível de formação e a proporção de activos sem vínculo contratual estável..." (p.94).

O capítulo 5 é dedicado à exploração de uma tipologia dos novos modelos de produção empregados pelas indústrias portuguesas. É o resultado de uma investigação com 18 empresas de diferentes regiões (Lisboa, Setúbal, Aveiro, Porto, Leiria, Guimarães-Braga) e setores (automóvel, metalmecânica, eletrônica e material elétrico, têxtil, calçado e químico), mostrando principalmente as incompatibilidades entre o discurso dos empresários em torno do lean production e a execução na prática do modelo neotaylorista-neofordista, criticado pela autora pelo seu conservadorismo. Além do objetivo de investigar quais modelos de produção estão em voga nas indústrias portuguesas a autora faz uma avaliação ampla sobre as implicações sociais desses modelos.

Em um quadro na página 96, Kovács apresenta os três tipos ideais forjados para a investigação dos novos modelos de produção, o modelo neo-taylorista/fordista, o modelo lean production e o modelo antropocêntrico, partindo de 7 dimensões quais sejam: objetivos do modelo, tipo de tecnologia e a relação das pessoas com esta, estrutura organizacional, organização do trabalho, recursos humanos, modalidade dos sistemas de informação e comunicação e, por último, nível da participação e relações de trabalho.

Os principais resultados dos estudos de caso nas empresas mostraram: a vigência de uma visão mais abrangente da modernização na década de 90 em relação à década anterior; a diversidade das estratégias de reorganização (just-in-time, total quality management, kaizen); a forte "influência do modelo japonês no discurso empresarial" (p.98); a diversidade tecnológica e a visão tecnicista dos empresários; a qualificação média da mão-de-obra acima da maioria das indústrias e o elevado número de trabalhadores não qualificados; a valorização das qualidades de autonomia, responsabilidade, disponibilidade de aprender e capacidade de trabalhar em grupo no nível da execução; a organização do trabalho variada entre as empresas; a expansão da flexibilidade horizontal limitada; a reduzida participação dos trabalhadores nos processos de decisão em torno da reorganização.

A constatação a que chega Kovács nos estudos de caso é a de que muitos dos objetivos presentes no discurso empresarial não são colocados em prática, as mudanças em geral são parciais e apresentam elementos incongruentes entre si. Muitos dos obstáculos a uma reorganização mais completa e positiva, segundo Kovács, surgem da "falta de recursos humanos qualificados" (p.99) e da falta de envolvimento dos trabalhadores. Defensora do modelo antropocêntrico, a autora reconhece os obstáculos à implantação deste modelo, quando até mesmo o modelo lean production, mais aceito na retórica, não é implantado completamente.

O capítulo 6 apresenta um apanhado das contradições e problemas, característico do modelo pós-fordista,5 5 Que a autora também denomina ao longo do texto de empresa flexível ou empresa rede. seja enquanto proposta teórica, seja na prática de organização produtiva. Muitos dos argumentos apresentados nesse capítulo já estavam presentes em capítulos anteriores, a novidade se encontra na introdução da problemática da relação entre PMEs e grandes empresas e a organização das empresas em rede.

Kovács ressalta, em primeiro lugar, que nem as tendências de mudanças, nem os resultados das mudanças são homogêneos. A organização horizontal e em rede, que implica "divisão do trabalho entre empresas que se especializam em determinada fase da cadeia produtiva" (p.115), não é suficiente para garantir uma distribuição igual de poder econômico e tecnológico. A autora aponta para a diversidade dos modelos organizacionais de empresas em rede, em que se estabelecem os mais variados tipos de relações, mais cooperativas ou menos cooperativas.

Quanto aos trabalhadores, Kovács alerta para as diferenças de perspectivas adotadas dentro do modelo pós-fordista. Em algumas empresas predomina a flexibilização apenas quantitativa da mão-de-obra na qual os trabalhadores são vistos como recursos a serem gerenciados, e a participação, a melhoria do trabalho e a qualidade de vida ficam em segundo plano. Um segundo modelo é aquele que acarreta mudanças qualitativas nas quais os trabalhadores são tratados como elementos fundamentais à "performance econômica e social da empresa", através da sua mobilização e envolvimento no trabalho (p.118).

Também são afirmações criticadas pela autora nesse capítulo: primeiro a associação entre trabalho por conta própria e autonomia na gestão da carreira e segundo, a idéia de que, com o crescimento da institucionalização da participação dos trabalhadores, cresceria a sua capacidade de negociação. O que se percebe é a individualização das relações de trabalho e da capacidade de negociação.

O capítulo 7 faz uma crítica aos processos de flexibilização das empresas, baseados no enxugamento e na flexibilização do emprego, apontando aspectos negativos tanto para as empresas como para os indivíduos. Critica a ideologia que atribui a estes mecanismos capacidade de expansão da competitividade e autonomia para os trabalhadores gerenciarem o tempo de trabalho e de não-trabalho. Kovács mostra como o modelo americano – baseado no aumento dos empregos de baixos salários, baixa produtividade, baixa taxa de sindicalização, rápida realocação dos desempregados e condições de trabalho decadentes – tem-se difundido entre os empresários e especialistas de todo o mundo. A autora se filia ao argumento desenvolvido por outros autores que ela cita, da inexistência de "ligação direta entre flexibilidade e a taxa de desemprego (p.129)".

Diante da flexibilidade, o resultado para os indivíduos é uma situação de fragilidade, vulnerabilidade e imobilidade. A flexibilização do tempo de trabalho seria resultante da imprevisibilidade característica do emprego flexível e não de uma situação favorável à autonomia do indivíduo no gerenciamento do tempo. Kovács concorda com a avaliação de Castells de que há uma valorização da lógica de curto prazo e uma redução dos tempos de operação, características das decisões na esfera econômica, promovendo a convivência de temporalidades diversas: a temporalidade econômica que é de curto prazo, e a temporalidade social de longo prazo.

Por fim, a autora encerra essa obra com um capítulo dedicado a criticar os discursos dominantes sobre o emprego e o trabalho, bem como a sociologia que aceita e embasa suas pesquisas nesses falsos discursos. A autora refere-se aos "discursos do neoliberalismo, ao tecnicismo determinista da sociedade da informação e aos gurus de gestão".

A globalização neoliberal e o tecno-optimismo futurista não levam em consideração os problemas políticos, sociais, econômicos e ambientais decorrentes de sua implantação, preocupações centrais para o pensamento crítico. As tendências da situação do emprego e do trabalho, mostradas ao longo do texto, permitem à autora desmistificar as teorias dominantes.

Quanto à discussão da centralidade do trabalho, Kovács se afasta dos autores do fim da centralidade do trabalho, dos quais cita nesse capítulo André Gorz e Dominique Medá, embora não negue que o trabalho assalariado esteja em crise. Explora as soluções para a crise propostas por diversas frentes teóricas. A perspectiva liberal defende a "generalização do modelo empresarial do trabalho, em que o trabalho passa a ser uma empresa individual no interior do mercado mundial" (p.144). Robert Reich e Manuel Castells defendem o maior investimento em recursos humanos. Clauss Offe, Jeremy Rifikin e Ulrich Beck destacam o desenvolvimento do terceiro setor e da "economia social", proposta que coloca o político e o social subordinados à economia. André Gorz propõe o desenvolvimento da sociedade de multiatividade, em que o trabalho deixa de assumir papel central, passa a ser "descontínuo" e realizado por vontade própria. A autora expõe características de cada uma das alternativas avaliando a viabilidade, os riscos e os obstáculos que se interpõem para cada uma delas.

A proposta alternativa na qual se insere Kovács é aquela formulada pelo Grupo de Lisboa, por uma regulação econômica, social e ambiental em âmbito global, a denominada governação global. Para a autora, o trabalho continua sendo "um espaço estratégico para a construção de um futuro melhor", embora tenha perdido espaço como fator de integração social (p.149). Mesmo o trabalho voltado para objetivos econômicos satisfaz necessidades psicológicas e sociais. Termina o capítulo 8 apresentando quatro cenários possíveis para a evolução do trabalho, conforme a regulação social e a centralidade ou não do trabalho, quais sejam: sociedade de trabalho regida pelo mercado (cenário 1); sociedade de mercado (cenário 2); sociedade de trabalho renovada (cenário 3) e sociedade de multiatividades (cenário 4).

Kovács propõe uma sociedade do trabalho renovada, como alternativa à postura teórica do fim da sociedade do trabalho. Neste sentido, alfineta as investigações sociológicas que, segunda pensa, não são capazes de tomar distância do pensamento dominante. Defende a investigação interdisciplinar como alternativa à fluidez em que se transformou o objeto de estudo trabalho. E por fim, e não menos importante, a autora alerta sobre a necessidade de se pesquisarem os resultados objetivos, mas também subjetivos das formas flexíveis de trabalho e de emprego. Assim é preciso "produzir um conhecimento sobre as conseqüências psicológicas, sociais, econômicas e culturais da gestão flexível da força de trabalho e sobre a maneira como as pessoas vivem e sentem as práticas de trabalho produzidas pela racionalização flexível (p.157)".

A principal contribuição dessa obra parece-nos ser, além da riqueza quantitativa e qualitativa das temáticas abordadas e dos dados apresentados, a postura crítica diante das teorias deterministas da sociedade da informação. Os argumentos empresariais em torno das transformações do capitalismo recente, fazendo crer naturais e homogêneas as conseqüências das inovações tecnológicas e organizacionais, têm sido incorporados pela sociologia do trabalho sem o devido exercício crítico com o qual nos presenteia a obra de Ilona Kovács.

Assim, destaca-se o alerta da autora de que a investigação sociológica não pode confundir-se com o discurso dominante, já que seu compromisso é com a produção do conhecimento e com o desenvolvimento e bem estar da sociedade e dos indivíduos. Ao desenvolver a argumentação a favor do modelo antropocêntrico, Kovács faz uma escolha teórica e política por uma via mais benéfica e socialmente justa, para a sociedade e para os indivíduos, da globalização e da reorganização das empresas.

Portanto essa obra, pelos aspectos já mencionados, e pela riqueza analítica, é uma importante contribuição para a reflexão sociológica crítica na área do trabalho e das organizações.

Recebido: 15/03/2004

Revisado: 23/04/2004

Aceite final: 12/05/2004

  • 1
    Esta obra contou com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT)
  • 2
    A autora é professora catedrática do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa e membro do Centro de Investigação em Sociologia Econômica e das Organizações (SOCIUS).
  • 3
    A obra publicada por este grupo e citada por Kovács é de 1994, intitulada Limites à Competição, publicada em Lisboa pela Publicações Europa-América.
  • 4
    Publicado por ocasião do Ano Europeu da Educação e da Formação ao Longo da Vida, em 1996.
  • 5
    Que a autora também denomina ao longo do texto de empresa flexível ou empresa rede.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Nov 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2004
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