As fronteiras do pertencimento étnico na pauta separatista do movimento “O Sul é o meu país”

Kulaitis, Fernando; Aver, Gabriel Pancera

doi:10.1590/18070337-123675

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Brasil

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Sumário

ARTIGOS • Sociologias 25 • 2023 • https://doi.org/10.1590/18070337-123675 copiar

As fronteiras do pertencimento étnico na pauta separatista do movimento “O Sul é o meu país”

The boundaries of ethnic belonging in the separatist agenda of the “O Sul é o meu país” movement

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Resumo

O artigo propõe uma análise do discurso oficial do movimento separatista O Sul é o Meu País (OSMP), indagando-se: como as múltiplas categorias discursivas mobilizadas no interior do discurso oficial do movimento são articuladas no sentido de legitimar a pauta separatista do OSMP? Para tanto, realizou-se uma pesquisa documental que resultou na coleta e catalogação de 91 artigos de opinião publicados no site oficial do OSMP entre 2015 e 2020. Com base em uma análise do discurso, foram categorizadas cinco dimensões simbólicas da etnicidade: do descontentamento, histórica, identitária, cultural e diferencialista. Por conseguinte, os resultados alcançados demonstram que a articulação das múltiplas categorias discursivas está ancorada em uma tênue relação entre aspectos essenciais e circunstancias de uma etnicidade imaginada.

Palavras-chave
etnicidade; separatismo; movimento “O Sul é o meu país”

Categoria discursiva	Descrição da categoria
Categoria 1: Discursos sobre desenvolvimento socioeconômico	A moralização do crescimento, isto é, a noção de que o Sul é mais desenvolvido do que as demais regiões do Brasil, ligada à moralização do trabalho, ou seja, à noção de que o ser sulista é, em sua essência, um dedicado trabalhador, tendo em vista o histórico do pioneirismo da ocupação das terras do Sul, faz com que o separatismo assuma uma dimensão socioeconômica simbólica: a separação torna-se sinônimo da realização do pleno desenvolvimento econômico e social do ser sulista.
Categoria 2: Discursos históricos e de unificação nacional	São discursos que mobilizam elementos relacionados à formação da unidade do povo sulista, bem como da identificação grupal que almeja a construção de uma nova nação e de uma nova identidade nacional. Os discursos históricos mobilizam a noção de que os sulistas têm uma tradição de luta e precisam honrar sua história de resistência, sua cultura e tradições.
Categoria 3: Discursos identitários e diferencialistas	Baliza a noção de que os sulistas são diferentes dos brasileiros, do ponto de vista histórico, cultural, étnico e ético, o que leva ao tema do racismo – tanto discriminatório, quanto diferencialista. Na busca por adquirir uma autoconsciência histórica e um senso de identidade peculiar, há uma excessiva valorização da identidade e dos elementos naturais do território, assumindo uma conotação de superioridade da comunidade sulista frente aos não sulistas.
Categoria 4: Discursos políticos de ingovernabilidade e de descontentamento	Versa sobre os descontentamentos psicológicos, econômicos, políticos e culturais que afetam as múltiplas dimensões da vida cotidiana do povo sulista. Nesses discursos, destacam-se elementos como a corrupção, a incapacidade do Estado brasileiro de gerir o seu vasto território, a má administração e distribuição dos recursos públicos etc. A imposição da federação simboliza a frustração do potencial desenvolvimento do Sul, enquanto povo e nação.
Categoria 5: Discursos sobre políticas étnicas e separatistas	Abrange a necessidade de ação frente às injustiças praticadas pela federação brasileira. Engloba uma constelação de fatores políticos e sociais que acentuam a consciência política da comunidade étnica, caracterizando-se como discursos orientados à ação de revolta contra os maus, em todos os aspectos (históricos, morais, étnicos, culturais, etc.) e como realização dos sonhos de crescimento (socioeconômico, político, etc.). Configura-se como um discurso em que bem e mal se contrapõem, o que justifica todas as ações empreendidas em prol da separação.

Dimensão simbólica da etnicidade	Marcadores de posição étnica	Marcadores de oposição étnica
Descontentamento	Sulista	Brasília
Histórica	Herói	Ameaça/invasores
Identitária	Congênito/locais	Alienígena
Cultural	Belo	Medíocre
Diferencialista	Desejável/qualificado	Indesejável

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[1] Fernando Kulaitis é Doutor em Sociologia e Professor Adjunto no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina.

i) Dimensão do descontentamento: As múltiplas formas do descontentamento são caracterizadas pelo discurso de frustração do potencial de desenvolvimento regional e pelos múltiplos prejuízos que a imposição do pacto federativo brasileiro causa aos sulistas. A secessão permitiria a concretização de um maior desenvolvimento econômico, político, ético e social.	iii) Dimensão identitária: A dimensão histórica, atrelada aos elementos da geografia física da região Sul, compõe o quadro formativo de uma identidade étnica singular, a sulista, que, por oposição, distingue-se da brasileira. Aqui a relação desigual entre os oprimidos – sulistas – e opressores – Brasília – assume um sentido de fixação identitária.
ii) Dimensão histórica: A unicidade territorial e étnica do povo sulista é construída a partir da histórica tradição de luta por autodeterminação. É a resistência contra as ameaças externas que faz brotar o sentimento de conterraneidade (bairrismo) e de pertencimento ao território.	iv) Dimensão cultural: Afirma-se a necessidade de proteção dos valores morais, sociais e culturais que historicamente foram forjados como características inerentes e hereditárias do povo sulista, conformando um discurso maniqueísta entre o belo (as tradições regionais) e o medíocre (as manifestações culturais não tradicionais).
v) Dimensão diferencialista: Vincula-se o caráter pejorativo do que é externo à tradição cultural sulista ao próprio corpo do imigrante que se faz presente no território, assumindo um alto grau de diferencialismo ao classificar quem deve ou não compor, cultural e fisicamente, a comunidade étnica sulista.