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DINÂMICA ESPACIAL DA SERRA DO GANDARELA E ENTORNO: UMA ANÁLISE A PARTIR DE REPRESENTAÇÕES CHOREMATICS

Spatial dynamics of the Serra do Gandarela and around: an analysis from representations coremáticas

RESUMO

Este trabalho emprega a modelização coremática como procedimento metodológico passível de representar a dinâmica espaço-temporal da Serra do Gandarela e entorno. Tal modelização dialoga com conceitos geográficos que, uma vez mobilizados, possibilitam o uso de categorias analíticas necessárias para a compreensão da organização espacial por meio de imagens gráficas. Deste modo, os coremas apresentados objetivam transcender as informações comunicadas por meio de mapas convencionais. Contrapondo-se à atual realidade econômica, minerária e ambiental do Quadrilátero Ferrífero, a Serra do Gandarela constitui hoje um dos últimos remanescentes naturais em bom estado de conservação dessa região mineira. No entorno dessa serra estão presentes comunidades locais que fazem uso de territórios para produção de subsistência, coletas e extrativismo. Nesse cenário se formaram, nos últimos anos, campos de pressões polarizados: de um lado mineradoras e produtores de eucalipto reivindicam a legalização do uso do solo para suas atividades fins; do outro, ambientalistas, pesquisadores e moradores locais, com apoio do ICMBIO e ONGs, posicionam-se a favor da criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela e de uma reserva de desenvolvimento sustentável. Tais reinvindicações e posicionamentos instauraram pressões territoriais que configuram o atual e complexo quadro ambiental da área investigada, marcado por interesses divergentes de múltiplos atores e, consequentemente, por conflitos e mudanças espaciais, aqui registrados em modelos coremáticos.

Palavras-chave:
Conflitos socioespaciais; Pressões ambientais; Modelização coremática; Quadrilátero Ferrífero

ABSTRACT

This work employs the chorematic modeling as methodological procedure liable to present the spatiotemporal dynamic of the Gandarela Ridge and surroundings. Such modeling interacts with geographical concepts that once mobilized, become possible the use of analytical categories necessary for understanding spatial organization by means of graphic images. Therefore, the chorems presented aim to transcend the information communicated through conventional maps. Opposing to the current economic, mineral and enviromental reality of the Quadrilátero Ferrífero, the Gandarela Ridge is nowadays the latest natural remaining in good state of repair in this region of Minas Gerais. In the vicinity of this ridge, there are local communities that do use areas for subsistence production, collection and extraction. In this scenario, in the last couple of years, polarized pressure fields have been formed: on one hand mining companies and eucalyptus producers claim the legalization of the land use for their core activities; on the other hand, environmentalists, researchers and local residents, with the support of the ICMBio and NGOs, have positioned themselves in favour of the creation of the Parque Nacional do Gandarela and a sustainable development reserve. Those vindications and placements have established territorial pressures that set the current and complex environmental framework of the investigated area, marked by conflicting interests of multiple actors and consequently by conflict and spatial changes, registered here in chorematics models.

Keywords:
Sociospatial Conflicts; Environmental pressures; Chorematic modeling; Quadrilátero Ferrífero

INTRODUÇÃO

A área investigada neste trabalho possui 1.113 km2 e compreende a Serra do Gandarela e parte do seu entorno. Está inserida no Quadrilátero Ferrífero (QF), região produtora de minério de ferro e de outros minerais, unidade geológica localizada na porção centro-sudeste do estado de Minas Gerais. Essa área, do ponto de vista ambiental, é de significativa valoração. Constitui importante campo de recarga, armazenamento e dispersão de águas, por ser parte integrante do Aquífero Cauê, um sistema de circulação profundo cujas formações ferríferas bandadas apresentam grande capacidade de armazenamento e velocidade de circulação de água (RODRIGUES et al., 2012RODRIGUES, P. C. H; GAZZINELLI, G. T. Segurança hídrica e novo modelo econômico para o Gandarela (Parte 1). MPSG, 2012.). Abriga biomas diversificados, com espécies de Campos Rupestres, Cerrado e Mata Atlântica; nesse último ocorrem remanescentes de matas primárias, notadamente no interior do Sinclinal Gandarela (LAMOUNIER, 2009LAMOUNIER, W. M. Patrimônio natural da Serra do Gandarela e seu entorno: análise ambiental como subsídio para a criação de unidades de conservação no Quadrilátero Ferrífero - Minas Gerais. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: UFMG - IGC, 2009.). Os Campos Rupestres estendem-se sobre unidades litológicas de pequena extensão no país, as cangas lateríticas, fato que explica sua raridade; cerca de 40% das áreas restantes de canga do QF estão na Serra do Gandarela (CARMO, 2010CARMO, F. F. Importância ambiental e estado de conservação dos ecossistemas de eangas no Quadrilátero Ferrífero e eroposta de áreas-alvo para a Investigação e Proteção da Biodiversidade em Minas Gerais. UFMG, Programa de Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre (ECMVS): Belo Horizonte\MG, 2010.), onde a riqueza florística é significativa e inclui espécies desconhecidas e até então não catalogadas. Em relação ao patrimônio geológico a área possui relevância devido à existência de elementos atrelados à história de formação do planeta e da paleontologia. O ICMBIO (2010ICMBIO. Proposta De Criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela. ICMBIO/MMA: Brasília - DF, 2010.) enfatiza que há na Serra do Gandarela afloramentos, cavernas e sítios paleontológicos, a exemplo de tocas habitadas por extinta espécie de tatu gigante há mais de 10 mil anos.

No âmbito social, destacam-se comunidades localizadas no entorno da serra, as quais estão inseridas na área investigada neste trabalho. Tais comunidades, em sua maioria, praticam agricultura familiar, coleta, extrativismo e, em algumas áreas, o plantio de eucalipto em pequena escala (PROCITTÁ et al., 2012PRÓ-CITTÁ & MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL E JARDIM BOTÂNICO DA UFMG. Avaliação do patrimônio biológico da Serra do Piaco e identificação de alternativas econômicas sustentáveis nas comunidades adjacentes. Minas Gerais, 2012.). Essas comunidades fazem uso de territórios que estão em disputa entre empresas e o ICMBIO, onde, concomitantemente, praticam: i. coleta de musgos (Bryophyta) empregados como matéria prima para o artesanato local; ii. manejo da candeia (Eremanthus erythropappus) utilizada principalmente para extração do óleo, cujo componente matriz (alfabisabolol) possui propriedades antiflogísticas, antibacterianas, antimicóticas, dermatológicas e espasmódicase (SCOLFORO et al., 2002SCOLFORO, J. R; OLIVEIRA, A. D; DAVI, A. C. Manejo sustentado das candeias Eremanthus erytropappus (DC.) McLeish e Eremathus incanus (Less.) Less. Lavras: UFLA -Departamento de Ciências Florestais, 2002.); iii. criação de abelhas, tanto para fins alimentícios com a coleta do mel, quanto medicinais com a extração do própolis (PROCITTÁ et al., 2012). Por meio de cooperativas e empresas alimentícias, algumas comunidades se tornaram fornecedoras de produtos naturais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e outros municípios.

Contraposto aos aspectos naturais e à economia local, a Serra do Gandarela é também área de interesse de empresas que almejam produção em alta escala. Por conter considerável reserva de minério de ferro e de outros jazimentos em seu subsolo, há várias propostas de instalação ou expansão de minas nas áreas serranas. A aquisição da propriedade da terra na serra e em seu entorno, a exemplo do projeto Apolo da empresa Vale S/A, tem sido empregada, na prática, como estratégia de se garantir reservas minerais para futura explotação (COELHO, 2012COELHO, T. P. Mineração e dependência no Quadrilátero Ferrífero - o discurso do desenvolvimento minerador e o projeto apolo. UERJ\Instituto de Filosofia e Ciências Humanas: Rio de Janeiro\RJ, 2012.). Todavia, até o momento, tais propostas aguardam licença ambiental com vistas à concessão de seu funcionamento.

Além da mineração, há também fazendas de eucalipto que praticam ações voltadas para a expansão de suas áreas sobre as formações nativas. Costa (2012COSTA, A. Evolução do uso e cobertura do solo e fragmentação da paisagem na serra do gandarela (mg): análise a partir de métricas de paisagem. Belo Horizonte, MG. UFMG, Instituto de Geociências, 2012.) enfatiza que o eucalipto surgiu na região na década de 1920 com a instalação de siderúrgicas no Vale do Aço e nas adjacências do Sinclinal Gandarela, em substituição ao tradicional uso de madeira nativa no aquecimento de fornos. O eucalipto se tornou uma espécie conveniente, pois além de suprir os fornos, foi enquadrado legalmente como reflorestamento por meio da Lei Federal 5106/66.

Essas pressões sobre a Serra do Gandarela impulsionaram investigações científicas que subsidiaram a proposta de criação pelo ICMBIO, em 2010, do Parque Nacional Serra do Gandarela (PNSG). Neste ensejo, as comunidades, por meio de associações em audiências públicas, solicitaram ao ICMBIO em 2012 a inclusão de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) à proposta inicial, com vistas a garantir a manutenção das atividades de subsistência. A RDS é uma modalidade de conservação prevista na Lei Federal 9.985/2000, que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

Apesar da Serra do Gandarela ser alvo de diversas pressões engendradas por atores distintos, foram eleitos neste trabalho fenômenos que ocasionaram notória modificação espacial no período de 24 anos (1989 a 2013), com destaque para a mineração, silvicultura, unidades de conservação e comunidades locais. Acredita-se, também, que tais fenômenos exercerão papel relevante na reconfiguração espacial futura da área investigada. Na atualidade o cenário da serra contempla tanto fenômenos naturais quanto aqueles de derivação antropogênica, com destaque neste trabalho para alvos perceptíveis em imagens de satélite que viabilizem sua representação espacial. Todavia, considera-se aqui que a trama estrutural que possibilita as formas vai além da medição da geometria espacial, de modo que se faz necessário entender que o espaço geográfico é composto, também, pelos aspectos invisíveis aos olhos (SANTOS, 1997SANTOS, M. Espaço e Método. São Paulo\SP: Nobel, 1997.). Em razão disso, elegeu-se a coremática como procedimento metodológico para a representação da organização espacial da Serra do Gandarela e entorno. A coremática constitui método que possibilita expressar, por meio de modelos gráficos, a análise que se faz do espaço. Esse método foi sistematizado por Roger Brunet, em 1980BRUNET, R. La Composition des modèles dans l’analise spatiale. Paris, France: L’Espace Geographique, 1980., após a publicação com outros colaboradores de trabalhos de base acerca dessa temática.

O atual cenário de pressões, disputas e conflitos que se verifica na Serra do Gandarela constituiu peça-chave no estabelecimento da questão norteadora deste trabalho: Pode a coremática contribuir na investigação da complexa dinâmica socioespacial cuja Serra do Gandarela e entorno constituem cenário principal? Em atendimento a esse questionamento, o objetivo geral deste trabalho está voltado para compreender a organização espacial da área investigada, no período de 1989 a 2013, mediante construção e análise de coremas que expressam a dinâmica espacial estabelecida entre a atividade mineradora, a urbanização, o reflorestamento e a composição de unidades de conservação.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Com relação às dinâmicas espaciais e seus significados este trabalho se apoia nas concepções de espaço geográfico (CORRÊA, 1995CORRÊA, R. L. Espaço, um conceito-chave da geografia. In: CASTRO, I. E; GOMES, P. C. C; CORRÊA, R. L. (Org.). Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.; SANTOS, 1997SANTOS, M. Espaço e Método. São Paulo\SP: Nobel, 1997. e SANTOS 2002), território (RAFFESTIN, 1993RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.; SOUZA 1995SOUZA, M. J. L. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, I. E; GOMES, P. C. C; CORRÊA, R. L. (Org.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Berttrand Brasil, 1995. e SAQUETT, 2007SAQUET, M. A. As diferentes abordagens do território e a apreensão do movimento e da (i)materialidade. Florianópolis\SC: Geosul, 2007.), pressões territoriais (MARCHAND, 1996MARCHAND, J. P. Les contraintes naturalles et l’organisation de l’espace. In: GeoPoint. Avignon, France: Université d’Avignon, 1996.) e conflitos (LITTLE, 2001LITTLE, P. E. Os Conflitos socioambientais: um campo de estudo e de ação política. In: BURSZTYN, M. (Org.). A difícil dustentabilidade: política energética e conflitos ambientais. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2001. e RUIZ, 2005RUIZ, S. Cambios institucionales y conflitos sociales en el uso del bosque del norte amazónico boliviano. Tese de Doutorado. Albert-Ludwigs-University, Freiburg, Germany.2005.). Procurou-se investigar essas dinâmicas a partir da coremática (BRUNET, 1980BRUNET, R. La Composition des modèles dans l’analise spatiale. Paris, France: L’Espace Geographique, 1980.; BRUNET, 2000BRUNET, R. Des modèles em géographie? Sens d’une recherche. Disponível em: <http://www.mgm.fr/ARECLUS/page_auteurs/Brunet3.html.>. Acesso em: set. de 2013. França/Paris, 2000.
http://www.mgm.fr/ARECLUS/page_auteurs/B...
; BRUNET, 2001BRUNET, R. Le déchiffrement du monde: théorie et pratique de la géographie. França, Paris: Belin, 2001.; THÉRY, 2004THÉRY, H. Modelização gráfica para a análise regional: um método. São Paulo: Revista GEOUSP - Espaço e Tempo, n. 15, 2004.; THÉRY, 2005THÉRY, H. A dimensão temporal na modelização gráfica. São Paul: Revista GEOUSP - Espaço e Tempo, n. 17, 2005.; GIRARDI, 2008GIRARDI, E. P. Proposição teórico-metodológica de uma cartografia geográfica crítica e sua aplicação no desenvolvimento do atlas da questão agrária brasileira Tese de Doutorado. Presidente Prudente, SP: UEP - Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2008.; PANIZZA, 2004PANIZZA, A. C. Imagens orbitais, cartas e coremas: uma proposta metodológica para o estudo da organização espacial. Aplicação ao município de Ubatuba, litoral norte de São Paulo, Brasil. Tese de Doutorado. São Paulo: USP - FFLCH, Departamento de Geografia, 2004.; MATINUCI, 2009MARTINUCI, O. S. Da Cartografia a Coremática: representações espaciais para uma espacialidade mutante. Fortaleza: Revista Mercator, vol. 8, n. 17, 2009.; DUTENKEFER, 2010DUTENKEFER, E. Representações do espaço geográfico: mapas dasimétricos, anamorfoses e modelização gráfica. Dissertação de Mestrado. São Paulo, SP: USP - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia, 2010. e MENEGATTO, 2012MENEGATO, M. S. A coremática e o tempo: um retrato geo-histórico do rift valley da áfrica oriental. Rio de Janeiro: III ENHPG, 2012.), pelo fato de as possibilidades espaciais decorrentes de seu emprego - os coremas - extrapolarem as representações espaciais elaboradas segundo fundo de mapa euclidiano.

De acordo com Brunet (2001BRUNET, R. Le déchiffrement du monde: théorie et pratique de la géographie. França, Paris: Belin, 2001.) o espaço se organiza e se distingue em diferentes níveis de complexidade. As estruturas espaciais de mais forte reincidência, uma vez percebidas, podem ser representadas segundo regras de modelização; essas estruturas são chamadas coremas. Os coremas e as possiblidades espaciais por eles comunicadas são confeccionados mediante associação de figuras geométricas (ponto, linha, área e rede) e lógicas sociais de controle e dominação do espaço (malha, ligação, gravitação, contato, orientação, dinâmica territorial e hierarquia), gerando 28 coremas balizadores (BRUNET, 2001BRUNET, R. Le déchiffrement du monde: théorie et pratique de la géographie. França, Paris: Belin, 2001.).

Para se compreender a atual conjuntura de pressões e conflitos existentes na área investigada, fez-se necessário um resgate temporal de dados e informações geográficas. Neste ensejo, elegeram-se a geologia e a geomorfologia local; os biomas existentes e as formações vegetais endêmicas; a constituição econômica das comunidades locais; o sistema hídrico; e a atuação de empresas de mineração e reflorestamento.

O acesso e o estudo de produções científicas sobre o QF e a Serra do Gandarela foram fundamentais na formação das bases do trabalho. Inclui-se, nessa produção, o acervo de mapas, cartas e imagens de satélite essenciais ao reconhecimento e à caracterização da área investigada, o qual fomentou as interpretações aqui trazidas. A partir da interpretação desse acervo, sob rigoroso controle de campo, foram elaborados mapas temáticos convencionais de localização, geológico e uso do solo dos anos de 1989, 2000 e 2013. Em fase posterior, esses mapas foram tratados sob o princípio da coremática, sendo seus dados e informações organizados segundo lógica proposta por Brunet (2001BRUNET, R. Le déchiffrement du monde: théorie et pratique de la géographie. França, Paris: Belin, 2001.). Nessa fase foram elaborados sete coremas, sendo neste trabalho apresentados quatro deles, notadamente aqueles de maior relevância diante da questão que se pretende aqui discutir.

A CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE PESQUISA

A configuração geológica

A Serra do Gandarela faz parte da macrorregião do QF. Consequentemente, entender a organização desse complexo sistema geoambiental propicia aportes para a interpretação de peculiaridades espaciais da área de estudo, com destaque para sua composição litológica, já que a incidência de alguns fenômenos está diretamente associada a ela. A edificação geológica do QF ocorreu em períodos distintos de sedimentação, metamorfismo e derrames. Em meio a tais processos se consolidou a atual litologia entrecortada por foliações, fraturas e grande diversidade de estruturas geológicas. Além dos processos endógenos, há legados de agentes exógenos que propiciaram condições especiais à morfologia local.

O arcabouço geológico da área investigada é composto, em sua maioria, por rochas metassedimentares e hierarquizadas segundo supergrupos, grupos e subgrupos ou formações. Para Renger et al. (1994RENGER, F. E. et al. Evolução Sedimentar do Supergrupo Minas: 500 Ma de registro geológico no Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais, Brasil. Belo Horizonte: Revista. Geonomos, 1994.) o embasamento existente é do tipo granito-gnáissico, com rochas de idade de 2,9 bilhões de anos. As rochas sequentes ao embasamento são aquelas que compõem o Supergrupo Rio das Velhas (SRV), que contém exemplares de 2,5 bilhões de anos, e o Supergrupo Minas (SGM), com rochas de 2,4 a 2,1 bilhões de anos.

A área de estudo possui predominância das rochas do SGRV e SGM, como demonstrado na figura 01. As cristas do sinclinal são compostas por rochas do SGM e seus grupos Itabira e Caraça. As rochas do Grupo Itabira possuem grande representatividade do itabirito, rico em óxido de ferro, já as rochas do Grupo Caraça contêm como maior representante os quartzitos, sobretudo a oeste, em direção à sede municipal de Rio Acima. No entanto, no interior do sinclinal existem áreas deprimidas em relação às cristas serranas.

A maior elevação no sinclinal possui 1.600 metros de altitude, notadamente naquelas serras modeladas em itabiritos e quartzitos. A menor elevação no interior do sinclinal está sobre o Grupo Piracicaba (770m), às margens do Rio São João, à montante da sede municipal de Barão de Cocais.

Figura 01
Mapa geológico e limites da área de estudo.

As formações vegetais

Em consequência sobretudo das condições litológicas, pedológicas, climáticas e geomorfológicas a vegetação apresenta variações peculiares. As áreas elevadas são revestidas por formações de campos quartzíticos e ferruginosos. Para Jacob & Carmo (2008JACOB, C. M; CARMO, F. F. Diversidade dos campos rupestres ferruginosos no Quadrilátero Ferrífero, MG. In. Megadiversidade, v.4, n. 1-2, 2008.) os campos ferruginosos possuem incipiente representatividade no QF, pois se associam às áreas de depósito de minério de ferro, motivo pelo qual sofrem a ação das mineradoras que removem a canga para que sejam exploradas as estratificações itabiríticas. Os campos ferruginosos no restante do QF ocupam áreas muito restritas, como no Parque Estadual Serra do Rola Moça.

De acordo com Drummond et al. (2005DRUMMOND, G. G. et al. Biodiversidade em Minas gerais: um atlas para a sua conservação. Fundação Biodiversitas, 2º Ed. Belo Horizonte, MG, 2005.) o QF é uma zona de transição com espécies do Cerrado e Mata Atlântica, além das especificidades provenientes dos gradientes locais como os campos que revestem itabiritos e quartzitos. Nas médias vertentes, percebem-se espécies de campo sujo e Cerrado. Em baixas vertentes, localizam-se tipos arbóreos com espécies da Mata Atlântica (semidecidual) devido maior maturidade do manto de alteração.

Parcela considerável da biodiversidade do QF tem sido historicamente comprometida, tendo em vista que a região foi receptora de distintos episódios de fluxos migratórios desde o período colonial. Atualmente, as áreas com as espécies vegetais em relativa conservação se localizam em algumas poucas unidades de conservação ou em áreas que ainda não foram autorizadas para fins da mineração, como a Serra do Gandarela.

O povoamento

O ouro e o minério de ferro foram os propulsores para a ocupação humana na região, desde o domínio português até a atualidade. Tais metais impulsionaram fenômenos socioespaciais encadeados, com destaque para a distribuição e organicidade dos povoados, das práticas agrícolas, das instalações siderúrgicas e da silvicultura.

No século XVIII as bandeiras adentraram pelo território em busca de metais preciosos. Inicialmente o ouro encontrado no QF foi o de aluvião, o que condicionou o surgimento de povoados e caminhos próximos aos cursos d’água. Esse aspecto não foi diferente no entorno da Serra do Gandarela, onde os primeiros achados deram origem aos arraiais, freguesias e vilas, posteriormente elevados à categoria dos municípios de Caeté, Santa Bárbara, Barão de Cocais, Rio Acima e Itabirito. O município de Raposos, apesar de sua formação não ter início com a exploração do ouro, esteve diretamente atrelado à atividade, já que nucleou o abastecimento alimentício da região mediante cultivos de feijão, arroz, mandioca e cana-de-açúcar (PREFEITURA DE RAPOSOS, 2013PREFEITURA DE RAPOSOS. Disponível em: <http://www.raposos.mg.gov.br/mat_vis.aspx?cd=6486>. Acesso em: 07 mar. 2013.
http://www.raposos.mg.gov.br/mat_vis.asp...
).

Nas adjacências das sedes municipais localizadas na área investigada há diversas comunidades tradicionais. A grande maioria delas exerce como atividades econômicas a prática da agricultura familiar, criação de gado, apiários, coleta de musgo e o manejo da candeia (PRÓ-CITTÁ et al., 2012PRÓ-CITTÁ & MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL E JARDIM BOTÂNICO DA UFMG. Avaliação do patrimônio biológico da Serra do Piaco e identificação de alternativas econômicas sustentáveis nas comunidades adjacentes. Minas Gerais, 2012.). Parte dessa produção abastece as sedes municipais e mesmo o comércio da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a exemplo de produtos como o mel e o extrato de própolis. Também, presenciam-se como atividades geradoras de renda, devido à influência de empresas locais, a silvicultura do eucalipto em algumas propriedades e a prestação de serviços diretos ou indiretos decorrentes da atividade minerária.

A mineração

A principal mina de extração de ouro no QF, erguida com investimento estrangeiro em maquinário, foi a mina do Gongo Soco instalada na região da Serra do Gandarela ainda no século XIX, sob o comando do Barão de Catas Altas. Quanto à extração de minério de ferro, em 1960 a empresa São Carlos Minérios, de capital americano, iniciou no Gongo Soco pesquisas sobre as formações ferríferas. Após constatação de depósitos de qualidade desse minério, em 1989 a mina foi arrendada para a Mineração Socoimex Ltda, que iniciou sua lavra (IEPHA, 2013IEPHA. Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de minas Gerais. Disponível em: <www.iepha.mg.gov.br>. Acesso em: 15 mar. 2013.
www.iepha.mg.gov.br...
).

No ano 2000, a Vale S/A adquiriu a mina do Gongo Soco e intensificou maciçamente a exploração de minério de ferro. Atualmente ainda se extrai minério da mina, mas a queda da produção motivou a busca da Vale S/A por outras áreas de reposição, mediante as proposições das minas Apolo, Baú e Capanema (expansão), todas localizadas na Serra do Gandarela. Historicamente, nessa serra, o baixo índice de uso do solo para fins empresariais (mineração e silvicultura), proporcionou a manutenção de suas geodiversidade e biodiversidade. Com isso, a Serra do Gandarela se configura hoje como a área do QF que detém as maiores reservas de minério de ferro, em contraposição aos espaços para além dela cujos jazimentos de ferro já se encontram praticamente esgotados. Logo, a aquisição de propriedades e a obtenção de concessão de explotação de minérios nessa serra se tornaram estratégias fundamentais postas em prática pelas empresas mineradoras. Todavia, tais concessões são obtidas após cumprimento de legislação ambiental específica, a qual exige elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) com vistas ao efetivo Licenciamento Ambiental (LA) da atividade (FARIAS, 2002FARIAS, C. E. G. Mineração e meio ambiente no Brasil. PNUD: Brasil, 2002.).

A dinâmica e o uso das águas

Em relação ao Aquífero Cauê presente na área investigada o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela (MPSG) destaca que esse aquífero “abastece as mais de mil nascentes, dezenas de cachoeiras e diversos cursos d’água com cerca de 1,6 trilhões de litros de água potável”. A qualidade e quantidade de águas no PNSG são fatores primordiais levantados para a sua proteção. Segundo Rodrigues et al. (2012RODRIGUES, P. C. H; GAZZINELLI, G. T. Segurança hídrica e novo modelo econômico para o Gandarela (Parte 1). MPSG, 2012.) dentre as águas existentes na proposta do PNSG, 30,9% são de classe especial, 56,7% de classe 1 e 12,7% consideradas de classe 2.

A melhor qualidade das águas no QF está na região da Serra do Gandarela que é parte integrante da margem oriental do Rio das Velhas. Em contraposição, as sub-bacias afluentes da margem ocidental desse rio, que estão fora da área investigada, possuem maior concentração de águas de classe 2 em razão do maior adensamento urbano e de atividades econômicas, sobretudo a mineração. A classe 2 é mantida em toda a extensão do Rio das Velhas, no interior do QF. Esta classificação é alterada para classe 3 quando o curso d’água adentra a área urbana dos municípios de Belo Horizonte e Sabará. Todavia, a manutenção da Classe 2 na área de captação de água para a RMBH em Bela Fama, situada no município de Nova Lima, possui contribuição da excelente qualidade dos recursos hídricos cuja área fonte é o PNSG.

Em relação à bacia do Rio Doce, a Serra do Gandarela também desempenha expressiva importância, pelo fato de, como área de recarga, abastecer o Aquífero Cauê e as nascentes serranas que formam as sub-bacias dos rios Piracicaba e Carmo. Ambos são afluentes do Rio Doce, responsável pelo abastecimento de diversos municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo.

REPRESENTAÇÕES COREMÁTICAS DA ÁREA DE ESTUDO

Os modelos coremáticos apresentados a seguir constituem esforços para se alcançar resultados para além dos aspectos visíveis em imagens de satélite e nos mapas de uso do solo. Como pontuado por Girardi (2008GIRARDI, E. P. Proposição teórico-metodológica de uma cartografia geográfica crítica e sua aplicação no desenvolvimento do atlas da questão agrária brasileira Tese de Doutorado. Presidente Prudente, SP: UEP - Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2008.), a coremática se estrutura como conjunto teórico-metodológico da geografia e excede as representações cartográficas. Nesse ensejo, entende-se que os mapas de uso do solo, geológico, geomorfológico, demográfico, biológico, dentre outros, são insuficientes para demonstrar toda a amplitude dos fenômenos e as possíveis relações derivadas de suas retroalimentações. Os mapas desempenhariam importantes funções ligadas à localização de elementos, não estando prontamente a serviço das espacialidades.

Notadamente a estrutura espacial “formação ferrífera” aparece como elemento central em todas as representações coremáticas aqui trazidas. Esse elemento configura a espinha dorsal dos modelos gráficos, pois a ele estão ligados diversos atributos da organização espacial constatados na pesquisa, como: (i) coincidir com as formações serranas condicionadas pelo tipo de rocha; (ii) ser área de recarga do aquífero devido à alta porosidade e permeabilidade de suas rochas; (iii) constituir o divisor hidrográfico entre as bacias dos rios das Velhas e Doce; (iv) possuir menor incidência antrópica, em parte decorrente de sua dificuldade de acesso; (v) sustentar a mais efetiva conservação dos biomas do QF; (vi) ser barreira natural às massas oceânicas que, ao se deslocarem sobre este trecho do estado, ocasionam grande volume de chuvas na região; e (vii) conter a maior concentração de minério de ferro em quantidade e qualidade no QF.

A contribuição das águas do Gandarela

Segundo dados da ANA (2010Agência Nacional de Águas (ANA). Atlas Brasil. Abastecimento Urbano de Água. Brasília\DF: MMA\ANA, 2010.) o Sistema Integrado (SIN) Rio das Velhas é um dos principais responsáveis pelo abastecimento da RMBH. Dentre as diversas captações no SIN Rio das Velhas merece destaque Bela Fama, localizada no município de Nova Lima. De acordo com Rodrigues et al. (2012RODRIGUES, P. C. H; GAZZINELLI, G. T. Segurança hídrica e novo modelo econômico para o Gandarela (Parte 1). MPSG, 2012.), o SIN de abastecimento público do Rio das Velhas garante 74 % do abastecimento de Belo Horizonte, 98% de Nova Lima, 97% de Sabará e 100% de Raposos.

A partir do modelo gráfico apresentado na figura 02, percebe-se que as águas classificadas em especial e classe 1 se concentram ao redor do divisor de bacias representado pela Serra do Gandarela e adjacências. Os afluentes provenientes dessa serra contribuem com a qualidade e quantidade da água captada em Bela Fama e distribuída para a RMBH. Essa contribuição é sinalizada pelas polaridades positiva (+) e negativa (-). Nesse corema se evidencia o caráter insular da serra quanto às águas de classes especial e 1, circundada que está pelo entorno cujas águas revelam crescente deterioração (classe 2 e, mais distalmente, classe 3).

Também, ressalta-se a qualidade das águas para fins turísticos. Na baixa vertente, sobretudo na porção oeste, em relação a serra, próximo aos municípios de Rio Acima, Nova Lima e Raposos, há espaços públicos e privados abastecidos por águas provenientes da formação ferrífera. Tais localidades são utilizadas por moradores e visitantes como espaços de lazer.

Figura 2
Qualidade da água e contribuição ao abastecimento

O remanescente da conservação no QF

A zona com menor influência antrópica foi representada no corema da figura 03 por recorte que assume geometria triangular. Esse recorte é aqui denominado triângulo da conservação e abrange territórios dos municípios de Caeté, Barão de Cocais, Santa Bárbara, Ouro Preto, Itabirito, Rio Acima e Raposos. A sua delimitação priorizou as formações vegetais arbóreas, a exemplo da Mata Atlântica, como também as formações arbustivas do Cerrado e Campos Rupestres. Todavia, o triângulo não inclui somente formações nativas, pois há nele pequenos enclaves de plantações de subsistência e mesmo de eucalipto.

Durante os anos de 1989, 2000 e 2013 o triângulo da conservação sofreu considerável redução biogênica. O avanço das atividades econômicas, sobretudo da mineração e da silvicultura, proporcionou a redução do espaço até então caracterizado pela pouca efetividade das ações antrópicas, limitando-o às áreas serranas, vales encaixados, vertentes íngremes e sobre formações quartzíticas, que não são de interesse das mineradoras.

Figura 3
Avanço antrópico sobre as áreas naturais

As comunidades locais se encontram, em maioria, fora do triângulo da conservação ou naquelas áreas ocupadas entre os anos de 1980 a 2013. Todavia, há também alguns povoados no interior dele, onde se praticam atividades de subsistência e se verificam pequenas áreas de silvicultura.

Há na região diversos exemplares do patrimônio geológico em bom estado de conservação. Nas formações ferríferas foi constatada grande quantidade de cavernas, exemplares raros em tal litologia. Muitas dessas cavernas contêm legados paleontológicos da megafauna, como as paleotocas escavadas por tatus gigantes já extintos. A paleotoca de maior expressividade, encontra-se na área pretendida pela Vale S/A para a implantação da Mina Apolo.

Pressões antrópicas sobre o espaço natural

A atuação de um campo de pressão sobre um determinado espaço pode ocasionar mudanças estruturais, como já previsto por Marchand (1996MARCHAND, J. P. Les contraintes naturalles et l’organisation de l’espace. In: GeoPoint. Avignon, France: Université d’Avignon, 1996.), principalmente quando a atividade fim ocasiona grande alteração espacial, como aquelas representadas na figura 04.

A pressão sobre o triângulo da conservação é marcada, sobretudo, pela expansão das atividades minerárias e da silvicultura, em larga escala, sobretudo a nordeste e a sul do triângulo da conservação. O cultivo de eucalipto por empresas ocorre em áreas próximas às estradas provenientes do povoado de Morro Vermelho (Caeté), Itabirito e de Barão de Cocais. Tal substituição vegetal ocasiona elevada secagem superficial do solo, já que o eucalipto necessita de considerável volume de água para seu crescimento. Também formam paisagens monótonas, pouco atrativas para fins turísticos. Ora, presenciam-se paisagens preenchidas com plantações homogêneas, ora paisagens com solo exposto devido ao corte periódico do eucalipto. Ao avaliar os mapas de uso do solo (1989, 2000 e 2013), percebe-se forte deslocamento das áreas de eucalipto em direção à Serra do Gandarela.

O avanço da mineração e das plantações de eucalipto sobre as formações naturais foi confirmado quantitativamente mediante geoprocessamento de imagens orbitais dos anos 1989, 2000 e 2013. No ano de 1989, do total de 1.113 km2da área investigada, a mineração ocupava 0,6% e o eucalipto 0,36%. Em 2000, seguindo a expansão dessas atividades, a mineração passou a representar 1,21% e o eucalipto 1,19%. Já em 2013 a mineração atingiu 2% de área explorada e o reflorestamento 2,2%.

A mineração e a silvicultura de eucalipto foram as atividades que registraram maior expansão territorial no período de 24 anos. As áreas urbanas, embora tenham registrado espacialmente pequeno crescimento, passaram a abrigar maior contingente populacional, responsável pela amplificação das pressões sobre os espaços adjacentes às cidades. Esse conjunto de atividades antrópicas em franco crescimento passou a exercer, em um tempo reduzido, forte pressão sobre o triângulo da conservação, o que acentua o caráter insular desse último.

Figura 4
Pressões sobre a Serra do Gandarela

Conflitos

As pressões e conflitos em curso na Serra do Gandarela envolvem disputas territoriais, cujo fundamento se alicerça em relações de poder sobre o espaço. Essas disputas são estabelecidas entre duas frentes distintas: (i) de um lado os atores denominados produtivos (escala empresarial), representados pela mineração e silvicultura; do outro, (ii) os atores conservacionistas, representados pelo ICMBIO, ONGs, pesquisadores e comunidades.

Os atores produtivos sustentam projetos baseados na geração de divisas e empregos. Para eles, apesar dos impactos ocasionados pelas suas atividades, sobretudo pela mineração, tal fim é justificado, pois contribui com o crescimento econômico, visto que o minério de ferro constitui commodity fundamental na pauta de exportação do país. Já os atores da conservação entendem que além dos aspectos econômicos, deve-se também ser discutida a qualidade de vida das comunidades, a segurança hídrica e a manutenção de espécies que têm sido dizimadas por atividades impactantes. Nesse contexto, os atores conservacionistas advogam que o princípio da rigidez locacional do minério não pode ser a única justificativa posta em questão para a ocupação territorial. Esses atores propõem a formação do PNSG e da RDS em seu entorno.

As possibilidades de conflitos na área investigada foram enumeradas na figura 05. Em cada localidade, buscou-se o entendimento das incompatibilidades em âmbito ambiental, social e econômico, sendo elas: 1 - proposição para a instalação da Pedreira Um; 2 - proposição para instalação da Mina Baú; 3 - avanço da Mina Timbopeba; 4 - expansão de fazenda de eucalipto; 5 - proposição para instalação da MSol; 6 - proposição para instalação da Ferro Puro; 7 - proposição da Mina Apolo. Ao que tudo indica, a possibilidade de implantação dessa última gerará os conflitos de maior intensidade, já que o empreendimento constitui proposta de considerável abrangência sobre a Serra do Gandarela. Nesse complexo conjunto de atividades se destacam as mudanças socioambientais futuras que poderão ser ditadas pela ordem econômica mineral.

Figura 5
Possibilidades de conflitos na Serra do Gandarela e entorno

Com a redução das áreas naturais e o comprometimento das águas provenientes da Serra do Gandarela, acredita-se que as comunidades locais serão diretamente impactadas. Primeiramente pela perda da qualidade de vida proporcionada pelas complexas alterações ambientais que venham a ser implantadas e, em sequência, pela demanda de novas tecnologias e serviços que aumentarão o custo de vida, a exemplo de gastos adicionais com tratamento de água e segurança pública.

No corema da figura 5, pode-se verificar o avanço das mineradoras e da silvicultura sobre o triângulo da conservação, notadamente a sul e a nordeste da Serra do Gandarela, com forte impacto na redução dos biomas locais. Em consequência desse fato, já se observa comprometimento no fluxo das espécies entre as unidades de conservação, sobretudo na porção sudeste da área investigada, em razão da intensificação do antropismo nos corredores ecológicos entre a RPPN Santuário do Caraça e a Floresta Estadual do Uaimi.

A reconhecida fragilidade da região viabilizou sua inserção em uma área de proteção ambiental cujo uso é controlado - a APA Sul. Essa unidade de conservação mantém contato com outras unidades de importância local, possibilitando a manutenção de corredores ecológicos. No mesmo intuito de conservação, o município de Rio Acima estabeleceu, em 2014, uma área sobre a Serra do Gandarela como Área de Tombamento Provisório denominada “Fazenda Velha”. Esse tombamento visa a contenção de propostas altamente impactantes do meio ambiente na escala do município, tal como a proposta da Vale S/A de instalação da barragem de rejeito no vale do Ribeirão da Prata à montante da sede municipal.

Como já salientado por Santos (1997SANTOS, M. Espaço e Método. São Paulo\SP: Nobel, 1997., 2002SANTOS, M. A Natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo\SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.), as mudanças na estrutura ocasionadas por um processo contínuo de exploração de recursos tendem refletir nas formas que compõem o espaço, as quais não mais possuirão as funções de outrora. Logo, o espaço da Serra do Gandarela e entorno poderá, em um curto período de tempo, apresentar mudanças perceptíveis visualmente com o monopólio das áreas naturais e reorganização urbana das comunidades locais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se retomar a retórica inicial deste trabalho, na qual se indaga quanto a possibilidade do emprego da coremática favorecer a investigação da dinâmica socioespacial da área aqui investigada, acredita-se que a resposta seja afirmativa. A coremática, ao reconhecer e qualificar a trama geográfica durante o processo de criação dos coremas aqui tratados, viabilizou a construção de representações espaciais que transcendem aquelas comumente produzidas sob fundo de mapa euclidiano.

Os coremas apresentados resultaram da análise de estruturas espaciais associadas a forças engendradas por atores distintos que, entre 1989 e 2013, imprimiram transformações espaciais no recorte espacial de interesse neste trabalho. Por vez, permitiram demonstrar representações gráficas de evoluções espaciais ocorridas em cenários pretéritos com nítidas interferências humanas nas estruturas visuais do espaço. Esses cenários, uma vez concebidos nos coremas, favorecem também a compreensão de possíveis configurações espaciais futuras, as quais se acredita serão retroalimentadas por disputas entre, de um lado, os atores ditos produtivos e, de outro, aqueles ditos conservacionistas. Nesse contexto, destaca-se a relevância da Serra do Gandarela no equilíbrio dinâmico entre os geossistemas que a integram, com notória relevância para a presença de nichos espaciais cuja existência se relaciona fortemente ao seu caráter insular, a exemplo da qualidade de seus recursos hídricos e de seu estado geral de conservação ambiental e de práticas socioculturais tradicionais.

No tocante aos recursos hídricos, destaca-se o papel fundamental da rede hidrográfica da Serra do Gandarela como bacia de contribuição essencial à manutenção da qualidade e volume da água utilizada para o abastecimento de municípios localizados em suas imediações e, mais ainda, para parcela considerável da região metropolitana de Belo Horizonte (Figura 02). Complementarmente, o arranjo formado por figuras geométricas decorrentes da implantação de lógicas de controle e dominação do espaço, tal qual como representado na Figura 03, possibilitou a definição de zonas de expansão de atividades antrópicas sobre o denominado triângulo da conservação; verifica-se, nesse contexto, a inserção de povoados no interior desse triângulo, fato este que sugere o uso até então equilibrado dos recursos ambientais pelas comunidades tradicionais.

Apesar da região investigada ainda contemplar um quadro ambiental marcado por bom estado de conservação, há em curso interferências antrópicas que o ameaça, as quais foram aqui tratadas à conta de pressões de natureza diversificada (Figura 04), tais como a substituição da cobertura vegetal original pela silvicultura do eucalipto e a remoção do manto de alteração com vistas à explotação do minério de ferro. Porém, ações comprometidas com a conservação ambiental foram, também, qualificadas como pressões, tal como a proposição do PNSG em 2010, e, em 2012, de uma RDS. Essas pressões, por vezes antagônicas, revelam-se potencialmente geradoras de conflitos (Figura 05); supõe-se, inclusive, que haverá acirramento entre distintos atores em razão do reordenamento territorial hoje em curso.

Por fim, cabe salientar que o entendimento da organização espacial da área investigada foi aprimorado graças ao emprego de modelos gráficos. Os coremas possibilitaram agrupar tanto elementos visuais perceptíveis como também as pretensões de atores distintos, na medida em que expõem uma concepção de espaço não linear, decorrente de múltiplas interações espaciais, não comprometidas exclusivamente com a localização cartográfica de fatos e fenômenos. Sua construção é dependente de um exercício conjunto e simultâneo que envolve localizar (contextualizar), analisar (compreender/interpretar) e representar as espacialidades por meio de produções imagéticas em que se priorizam conceitos teóricos da ciência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2016
  • Aceito
    28 Jun 2017
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