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Riscos socioambientais de inundação urbana sob a perspectiva do Sistema Ambiental Urbano

Resumo

Na conjuntura dos problemas socioambientais urbanos, as inundações se destacam pela amplitude dos impactos sobre o espaço construído e, consequentemente, na vida da população. Tal problemática se tornou objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento, especialmente, sob a ótica interdisciplinar de pesquisas aplicadas ao entendimento e à identificação dos riscos e das vulnerabilidades socioambientais associadas aos desastres hidrológicos. A ocorrência de eventos extremos de precipitação registrados nas cidades brasileiras tem despertado também a atenção dos gestores e agentes públicos, uma vez que as inundações dos rios urbanos vêm causando, a cada ano, sérios prejuízos à população e aos serviços localizados em áreas de risco. De modo geral, os desastres registrados nas grandes cidades - e até mesmo em cidades de médio e pequeno porte - estão associados ao uso e ocupação do solo e à gestão das águas pluviais urbanas. Motivado por essa problemática, este artigo tem por objetivo apresentar os resultados da pesquisa sobre os riscos socioambientais de inundação urbana em Francisco Beltrão, município localizado no estado do Paraná - região Sul do Brasil. O estudo encontrou suporte na metodologia do Sistema Ambiental Urbano (SAU), aplicada à identificação dos fatores socioambientais que intervêm no processo de construção dos riscos e das vulnerabilidades relacionados aos desastres hidrológicos. No campo do subsistema social, as perdas materiais relacionados à ocorrência das inundações urbanas em Francisco Beltrão alertam para a vulnerabilidade da população afetada e apontam a dimensão dos prejuízos econômicos e sociais. Enquanto, no campo do subsistema natural, o perigo de eventos hidrometeorológicos extremos - que podem originar enchentes dos rios - é eminente. Quando considera-se o sistema socioambiental urbano de Francisco Beltrão, a exposição da população ao perigo de inundação e a degradação ambiental dos rios urbanos chamam a atenção para a regulamentação do uso e da ocupação do solo nas áreas de risco.

Palavras-chave:
Desastres Hidrológicos; Riscos e Vulnerabilidades; Bacia Hidrográfica Urbana do Rio Marrecas; Francisco Beltrão/Paraná

Abstract

In the context of urban socio-environmental problems, floods stand out due to the amplitude of their impacts on built spaces and populations’ lives. This problem has become an object of study in several knowledge areas, particularly from an interdisciplinary perspective, applied to understand and identify risks and socio-environmental vulnerabilities associated with hydrological disasters. The occurrence of extreme precipitation events registered in Brazilian cities has also drawn the attention of both public managers and agents since, every year, urban river floods cause severe damage to the population and services located in risk areas. Overall, floods in large, medium-sized, and even small cities are related to land use and land cover, as well as to rainwater management in urban spaces. Driven by these issues, this study presents results regarding the socio-environmental risks of urban flooding in Francisco Beltrão, a town located in Paraná State - Southern Brazil. It is based on the Urban Environmental System (UES) methodology, which is applied to identify social and environmental factors that intervene in the production of risks and vulnerabilities related to hydrological disasters. In the social subsystem domain, material losses related to urban flooding in Francisco Beltrão evidence the vulnerabilities of the affected population and the economic and social damage. On the other hand, regarding the natural subsystem domain, there is an increased hazard of extreme hydrometeorological events, which might lead to river flooding. Considering the urban socio-environmental system of Francisco Beltrão, the population's exposure to the flood hazard and the environmental degradation of urban rivers points to the use and occupation of risk areas.

Keywords:
Hydrological Disasters; Risks and Vulnerabilities; Urban Basin of Marrecas River; Francisco Beltrão/Paraná; State

INTRODUÇÃO

As inundações urbanas ocorrem, principalmente, pelo processo natural no qual rios, córregos e canais urbanos transbordam para o seu leito maior, devido ao aumento súbito ou gradual da vazão da água no leito menor (TUCCI, 2012TUCCI, C. E. M. Gestão da drenagem urbana. Distrito Federal: CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA, 2012. Disponível em: https://www.cepal.org/sites/default/files/publication/files/38004/LCBRSR274_pt.pdf. Acesso em: 23 fev. 2022.
https://www.cepal.org/sites/default/file...
; 2008TUCCI, C. E. M. Águas urbanas. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, p. 97-112, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142008000200007
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200800...
). Este tipo de evento é decorrente de processos naturais do ciclo hidrológico, sendo observado tanto nos espaços urbanos quanto nos espaços rurais.

Nas cidades, as cheias (enchentes) dos rios e, consequentemente, as inundações são causadas pelas precipitações e pelo escoamento superficial gerado pela impermeabilização do solo. As águas superficiais urbanas são conduzidas pelos sistemas de drenagem até os corpos hídricos que, em períodos de maior vazão, ocupam o seu leito maior ou, ainda, as planícies de inundação (TUCCI, 2012TUCCI, C. E. M. Gestão da drenagem urbana. Distrito Federal: CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA, 2012. Disponível em: https://www.cepal.org/sites/default/files/publication/files/38004/LCBRSR274_pt.pdf. Acesso em: 23 fev. 2022.
https://www.cepal.org/sites/default/file...
; 2008TUCCI, C. E. M. Águas urbanas. Estudos Avançados, v. 22, n. 63, p. 97-112, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142008000200007
https://doi.org/10.1590/S0103-4014200800...
). No entanto, quando a população ocupa as planícies de inundação, os problemas são frequentes e as consequências são desastrosas.

Em decorrência de eventos hidrológicos extremos recorrentes, sobretudo, nos aglomerados urbanos com maior taxa de impermeabilização do solo e alta densidade populacional, as inundações urbanas são fenômenos que não se restringem somente às grandes metrópoles, sendo também observados em cidades de médio e, até mesmo, pequeno porte.

No Brasil, as chuvas com alta intensidade e curta duração produzem problemas ainda mais graves, associadas às características do relevo e da rede de drenagem, bem como ao uso e à ocupação do solo urbano. O número elevado de inundações e a amplitude dos fenômenos, além dos problemas socioambientais que emergem da complexa relação sociedade-natureza no espaço urbano, são aspectos observados sob a ótica da gestão dos riscos de desastres.

Nesse contexto, o município de Francisco Beltrão - localizado na região Sudoeste do Paraná - tem uma população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2021IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades@. Paraná. Francisco Beltrão. Panorama. 2021. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pr/francisco-beltrao.html. Acesso em: 12 out. 2021.
https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estado...
) de 93.308 habitantes, e destaca-se pelo número de inundações urbanas registradas nos últimos anos. No período entre os anos 1980 - ano em que foi feito o primeiro registro - e 2021, a Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil do Paraná (CEPDEC, 2021CEPDEC - Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil do Paraná. Ocorrências (globais) por Município - Francisco Beltrão. 2021. Disponível em: http://www.sisdc.pr.gov.br/sdc/publico/relatorios/ocorrencias_geral.jsp. Acesso em: 05 out. 2021.
http://www.sisdc.pr.gov.br/sdc/publico/r...
) registrou 34 ocorrências relacionadas a inundações, enxurradas, alagamentos e chuvas intensas, contabilizando um total de 34.180 pessoas atingidas.

O registro das ocorrências é feito pela 10ª Coordenadoria Regional de Proteção e Defesa Civil (CORPDEC), sede em Francisco Beltrão. Com base na Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade) - classificação instituída por meio da Instrução Normativa Nº 01, de 24 de agosto de 2012 (BRASIL, 2012BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL. CENTRO NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RISCOS E DESASTRES. Anuário brasileiro de desastres naturais: 2011. Brasília: Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres - CENAD, 2012. Disponível em: https://antigo.mdr.gov.br/images/stories/ArquivosDefesaCivil/ArquivosPDF/publicacoes/Anuario-de-Desastres-Naturais-2011.pdf. Acesso em: 29 mai. 2022.
https://antigo.mdr.gov.br/images/stories...
), as ocorrências são cadastradas, armazenadas e disponibilizadas pelo Sistema Informatizado de Defesa Civil do Paraná (SISDC), uma plataforma digital utilizada como ferramenta para o monitoramento de desastres nos municípios paranaenses.

Ao considerar o processo histórico de urbanização, as margens do rio Marrecas deu lugar ao sítio urbano de Francisco Beltrão e a expansão da malha urbana se estendeu também às margens e meandros dos seus afluentes. Parte dos cursos d´água já não está mais visível na superfície; córregos e rios foram canalizados em galerias e os eventos extremos de precipitação provocam alagamentos devido ao aumento do volume da vazão nos sistemas de drenagem. O mapa da Figura 1 apresenta a localização e a hidrografia do perímetro urbano de Francisco Beltrão no contexto da Bacia Hidrográfica do rio Marrecas.

Figura 1
Localização e hidrografia do perímetro urbano de Francisco Beltrão/PR, Brasil.

Os problemas decorrentes da expansão urbana e a recorrência dos desastres hidrológicos na cidade de Francisco Beltrão motivaram o estudo acerca dos fatores produtores dos riscos e das vulnerabilidades socioambientais relacionados às inundações urbanas. Dessa forma, este artigo propõe uma síntese dos resultados obtidos por meio do mapeamento das áreas de risco socioambiental às inundações urbanas, com base na aplicação da metodologia do Sistema Ambiental Urbano (SAU), elaborada por Mendonça (2004)MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas socioambientais da cidade. In: MENDONÇA, F. (Org.) Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 209-218..

O SAU constitui um sistema complexo e aberto, que se subdivide, primeiramente, por três subsistemas: a) Subsistema Natural (relevo, ar, água, vegetação e solo) e, b) Subsistema Construído (habitação, indústria, comércio e serviços, transporte e lazer), ambos formam o input do SAU; e, c) Subsistema Social, no qual ocorre a dinâmica do sistema a partir das ações humanas e que constituí os atributos do sistema. No Subsistema Social se manifesta a “dinâmica da natureza, dimensão supra-humana, a qual suplanta os controles exercidos pela sociedade quando se manifesta em episódios extremos e impactantes” (MENDONÇA, 2004MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas socioambientais da cidade. In: MENDONÇA, F. (Org.) Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 209-218., p. 201). Nessa perspectiva, os problemas socioambientais urbanos são decorrentes da interação entre estes três Subsistemas (output) e podem ser trabalhados na perspectiva do planejamento e da gestão socioambiental urbana (MENDONÇA, 2004MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas socioambientais da cidade. In: MENDONÇA, F. (Org.) Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 209-218.).

De modo a conduzir o entendimento deste trabalho, a primeira seção apresenta a abordagem teórico-metodológica, por meio da qual se construiu a análise dos subsistemas e dos atributos que compõe o Sistema Ambiental Urbano aplicado à gestão dos riscos socioambientais de inundação urbana. Na segunda seção, descreve-se a metodologia utilizada para coleta e análise dos dados dos ambientes físico e social, que permitiu: a estimativa do perigo de inundação - por meio da modelagem hidrológica; o mapeamento das vulnerabilidades sociais - aplicadas as técnicas da Cartografia de Síntese; e, o mapeamento das áreas de risco - feito o cruzamento das informações geoespaciais. Como resultado, a terceira seção traz uma síntese das áreas de risco socioambiental às inundações urbanas em Francisco Beltrão. E, por fim, a quarta seção traz a conclusão do estudo proposto.

Sistema ambiental urbano aplicado aos estudos dos riscos socioambientais de inundação urbana

Os estudos voltados à compreensão dos problemas decorrentes da relação sociedade-natureza no ambiente urbano buscam embasamento nas leituras que priorizam uma aproximação com a visão complexa da realidade, no anseio de identificar e compreender as inter-relações entre os fatores sociais e ecológicos, locais e/ou regionais, que dão forma e ao mesmo tempo são formados pela dinâmica socioambiental urbana (COELHO, 2004COELHO, M. C. N. Impactos ambientais em áreas urbanas - teorias, conceitos e métodos de pesquisa. In: GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. da. (Org.). Impactos ambientais urbanos no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p. 19-46.; MENDONÇA, 2004MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas socioambientais da cidade. In: MENDONÇA, F. (Org.) Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 209-218.).

Nesse contexto, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento/Oficina de Serviços para Projetos das Nações Unidas (Pnud/Unops) divulgou, no ano de 1997, um guia de capacitação em gestão de ambientes urbanos para a América Latina. O documento apresenta concepções teóricas acerca da cidade sob a perspectiva ambiental e culmina com a apresentação de sugestões à gestão ambiental urbana, que pressupõe a complementaridade e a interação entre sociedade e natureza na construção dos ambientes urbanos.

O Projeto Regional de Capacitação em Gestão Ambiental Urbana (PNUD/UNOPS, 1997PNUD - PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESARROLLO. UNOPS - OFICINA DE SERVICIOS PARA PROYETOS DE LAS NACIONES UNIDAS. PROYECTO REGIONAL DE CAPACITACION EN GESTION AMBIENTAL URBANA. Guia metodologica de capacitacion en gestion ambiental urbana para universidades de América Latina y el Caribe. Nova York: UNDP/UNOPS, 1997.) demonstra que a dinâmica da problemática urbana pode ser entendida por meio de uma análise sistêmica, pela qual o meio ambiente urbano é concebido enquanto um sistema global dividido em três subsistemas ou instâncias, compostos pela natureza, pela sociedade e pelas construções humanas.

Neste artigo, a abordagem sistêmica aplicada aos problemas socioambientais urbanos tem como fundamentação teórico-metodológica a Teoria Geral dos Sistemas (BERTALANFFY, 1968BERTALANFFY, L. V. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Editora Vozes, 1968.), que demonstra como os subsistemas trocam energia e matéria constantemente entre si, e essa troca é impulsionadora de sua evolução. Enquanto o sistema é formado pelo conjunto de componentes (subsistemas) ligados por fluxos de energia, e funciona como unidade (DREW, 1994DREW, D. Processos interativos homem-meio ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.). Por isso, para conhecer um sistema, é necessário observar como ocorrem as inter-relações tanto internas quanto externas, de modo a compreender que todo sistema possuí diferentes variáveis e, portanto, pode estar suscetível à possibilidade de gerar, por meio de processos de auto-organização, diferentes combinações e resultados (CAMARGO, 2012CAMARGO, L. H. R. de. A geoestratégia da natureza: a geografia da complexidade e a resistência à possível mudança do padrão ambiental planetário. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.).

Ao adotar a visão sistêmica para compreender a complexa relação sociedade-natureza nas cidades, o “metabolismo urbano” passa a ser entendido como “el intercambio de materia, energía e información que se estabelece entre el asentamiento urbano y su contexto geográfico” (PNUD/UNOPS, 1997PNUD - PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESARROLLO. UNOPS - OFICINA DE SERVICIOS PARA PROYETOS DE LAS NACIONES UNIDAS. PROYECTO REGIONAL DE CAPACITACION EN GESTION AMBIENTAL URBANA. Guia metodologica de capacitacion en gestion ambiental urbana para universidades de América Latina y el Caribe. Nova York: UNDP/UNOPS, 1997., p. 61). Assim, a formação dos contextos urbanos se dá a partir das inter-relações estabelecidas entre os processos sociais e naturais.

O meio ambiente urbano constitui um sistema aberto, onde a cidade é fruto das inter-relações entre os elementos naturais e os elementos construídos pelo homem. Sob essa perspectiva, o ambiente no qual se insere a cidade é o resultado da ação humana sobre uma determinada feição da superfície terrestre. O ambiente urbano - também entendido como ecossistema urbano - é, portanto, produto provindo da ação humana em interface com uma determinada dinâmica natural ou, ainda, com os elementos do meio físico como, por exemplo, um aglomerado urbano que se estabelece ao logo das margens de um rio principal e entre os meandros de seus afluentes (BRANDÃO, 2006BRANDÃO, A. M. de P. M. Clima Urbano e enchentes na cidade do Rio de Janeiro. In: GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. (Org.). Impactos Ambientais urbanos no Brasil. 10 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 47-119.).

Com base nessa premissa, o fluxograma da Figura 2 apresenta a dinâmica da problemática urbana, e evidencia a intercorrência dos seguintes fatores, geralmente, observados a) a precariedade dos elementos constituídos pelos Subsistemas Social e Construído; b) o esgotamento e a deterioração dos recursos que compõe o Subsistema Natural, provocados pela apropriação do Subsistema Construído; e, c) a contaminação do Subsistema Natural, gerada pela intervenção inadequada do Subsistema Social (PNUD/UNOPS, 1997PNUD - PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESARROLLO. UNOPS - OFICINA DE SERVICIOS PARA PROYETOS DE LAS NACIONES UNIDAS. PROYECTO REGIONAL DE CAPACITACION EN GESTION AMBIENTAL URBANA. Guia metodologica de capacitacion en gestion ambiental urbana para universidades de América Latina y el Caribe. Nova York: UNDP/UNOPS, 1997.; MENDONÇA, 2004MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas socioambientais da cidade. In: MENDONÇA, F. (Org.) Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 209-218.).

Na dinâmica da problemática urbana, observa-se que a interação entre os três subsistemas do ambiente urbano é marcada por conflitos e pressões sociais que permeiam as esferas política, econômica e cultural urbana, motivados, em grande parte, por condições de pobreza e de precariedade no acesso à moradia e aos sistemas de infraestrutura, por exemplo.

Figura 2
Dinâmica da problemática urbana.

Na maioria dos casos, as relações sociais estabelecidas e a interação entre sociedade e natureza geram pressão sobre a organização própria de cada um dos subsistemas. Os conflitos que se desdobram no ambiente urbano, oriundos de uma visão equivocada acerca da apropriação/utilização dos recursos naturais, acabam por evidenciar os impactos negativos e, consequentemente, os desequilíbrios responsáveis pelos cenários de esgotamento, deterioração e contaminação dos subsistemas natural, social e construído, comprometendo assim a qualidade de vida nas cidades. (FARIAS, 2019aFARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
).

Para realizar os estudos acerca da complexa relação sociedade-natureza nas cidades, Mendonça (2004)MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas socioambientais da cidade. In: MENDONÇA, F. (Org.) Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 209-218. tomou como base a concepção de um Sistema Ecológico Urbano (PNUD/UNOPS, 1997PNUD - PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESARROLLO. UNOPS - OFICINA DE SERVICIOS PARA PROYETOS DE LAS NACIONES UNIDAS. PROYECTO REGIONAL DE CAPACITACION EN GESTION AMBIENTAL URBANA. Guia metodologica de capacitacion en gestion ambiental urbana para universidades de América Latina y el Caribe. Nova York: UNDP/UNOPS, 1997.) e encontrou no estudo elaborado por Monteiro (1976)MONTEIRO, C. A. F. Teoria e clima urbano. São Paulo: IGEO-USP. Tese (Livre-Docência), 1976. sobre o Sistema Clima Urbano - uma das primeiras iniciativas a tratar a cidade sob um ponto de vista sistêmico, a fundamentação teórico-metodológica para elaborar a proposta metodológica que concebe a cidade em sua totalidade como um Sistema Ambiental Urbano.

A concepção de um sistema ambiental urbano busca evidenciar a perspectiva interdisciplinar nos estudos urbanos. A metodologia aponta caminhos para a construção de uma leitura integrada e holística acerca da dinâmica socioambiental urbana. A abordagem dos problemas socioambientais urbanos de forma integrada interage com as concepções dos estudos supracitados e avança às proposições anteriores, uma vez que propõe a subdivisão dos subsistemas em subsubsistemas, para os quais podem ser elaboradas sugestões e diretrizes voltadas ao planejamento e à gestão urbana, por meio de um diagnóstico detalhado das condições socioambientais locais (MENDONÇA, 2004MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas socioambientais da cidade. In: MENDONÇA, F. (Org.) Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 209-218.).

De maneira geral, o SAU se subdivide em três subsistemas (Natural, Social e Construído), mas pode ser subdivido em uma considerável quantidade de subsistemas, de modo que o pesquisador pode adaptá-lo de acordo com objetivos de investigação e as particularidades dos fatores dinamizadores intrínsecos à área a ser investigada.

Contudo, é importante observar que o levantamento dos problemas provindos da interação sociedade-natureza é uma condição fundamental para a elaboração dos estudos e das proposições de intervenção sob a perspectiva do SAU. Ocorre que nem todos os problemas que acometem as cidades são derivados desta interação. Portanto, a identificação do tipo de problemática que se pretende investigar é a primeira etapa para verificar a possível aplicação da metodologia (MENDONÇA; FARIAS, 2011MENDONÇA, F. FARIAS, A. Riscos e vulnerabilidades socioambientais urbanos: perspectivas e desafios no contexto da pós-modernidade. In: NEVES, L. S. (Org.) Anais do 5° Seminário Sobre Sustentabilidade: Artigos Selecionados. Curitiba: Juruá Editora, 2011. p. 73-85.).

Alguns exemplos de problemas socioambientais urbanos de interesse dos estudos e intervenções na perspectiva do SAU são: degradação do relevo, solo e vegetação; poluição do ar e da água; geração de resíduos sólidos urbanos; ocupações irregulares, invasões e processos de favelização; e, desastres socioambientais, tais como, as inundações urbanas, deslizamentos de encostas em áreas construídas, entre outros. A solução ou mitigação dos impactos decorrentes dentro desse sistema terá implicação direta na qualidade de vida das populações envolvidas (FARIAS, 2019aFARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
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).

Ao analisar o espaço urbano, e tentar compreendê-lo sob a perspectiva do SAU, busca-se uma maior aproximação dos fenômenos (naturais e sociais) que geram as contradições das múltiplas e complexas realidades do cotidiano urbano e, portanto, é possível associar o SAU ao conceito de ecossistema urbano. A metodologia encontra suporte no processo de planejamento e construção de estratégias para mitigar os conflitos socioambientais, de modo a favorecer uma reorganização dos elementos de entrada (input) no sistema, das inter-relações entre os fatores intervenientes (atributos) e dos problemas (output) do SAU, por intermédio de mecanismos de feedback, ou seja, das respostas dos processos e das relações pertinentes às dinâmicas da natureza e da sociedade, e que podem ser identificadas nos contextos urbanos (MENDONÇA, 2004MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas socioambientais da cidade. In: MENDONÇA, F. (Org.) Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 209-218.).

No estudo de caso aqui apresentado, os elementos de entrada do Sistema Ambiental Urbano são caracterizados pelos fluxos de matéria e energia, de ordem natural e derivados dos processos sociais (input). Esse sistema maior é composto pelo “Subsistema Natureza” e pelo “Subsistema Sociedade”, e subdividido em vários subsistemas, tais como os “Subsistemas N” (clima, água, solo, relevo e vegetação) e “Subsistemas S” (habitação, comércio e serviços, e infraestrutura). A Figura 3 apresenta o fluxograma metodológico da pesquisa descrita neste trabalho.

Figura 3
Fluxograma metodológico da pesquisa: SAU aplicado aos riscos socioambientais de inundação urbana.

Os Atributos compreendem as instâncias sociais que imprimem a dinâmica do sistema ambiental na cidade de Francisco Beltrão, relacionados às inundações. Prevalecem características pertencentes à superestrutura da sociedade (economia, política, entre outros) e a cultura da população que a constitui, além da educação e da tecnologia. Portanto, é importante destacar que as manifestações abruptas, episódicas e impactantes da natureza, como os perigos naturais (natural hazards), também aparecem como importantes dinamizadores do SAU (MENDONÇA, 2004MENDONÇA, F. S.A.U. Sistema Ambiental Urbano: uma abordagem dos problemas socioambientais da cidade. In: MENDONÇA, F. (Org.) Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: Editora da UFPR, 2004. p. 209-218.).

Entende-se que a estimativa do risco considera a probabilidade da ocorrência de um evento extremo (perigo) que possa causar danos à integridade física de um indivíduo ou grupos de indivíduos, em relação aos possíveis danos ambientais e prejuízos econômicos e sociais às populações suscetíveis ou vulneráveis às adversidades, sejam elas de origem natural ou decorrentes das ações humanas (SOTTORIVA, 2014SOTTORIVA, P. R. S. et al. Atendimento de saúde a múltiplas vítimas e em catástrofes. 2. ed. Curitiba: SAMU Internacional Brasil, 2014.; ZANELLA; OLÍMPIO, 2014ZANELLA, M. E. OLÍMPIO, J. L. S. Impactos pluviais, risco e vulnerabilidade em Fortaleza-CE. In: MENDONÇA, F. (Org.) Riscos Climáticos: vulnerabilidades e resiliência associados. Jundiaí: Paco Editorial, 2014. p. 115-136.; VEYRET, 2007VEYRET, Y. Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2007.).

No Brasil, traduz-se o termo em inglês hazard como “perigo” ou “ameaça”. Em alguns casos observados na literatura, os termos perigo (hazard) e risco (risk) são comumente mencionados como sinônimos, mas eles não são. A terminologia adotada pela United Nations International Strategy for Disasters Reduction (UNISDR, 2009UNISDR - UNITED NATIONS INTERNATIONAL STRATEGY FOR DISASTER REDUCTION. Terminology on Disaster Risk Reduction. Geneva: UNISDR, 2009, p. 20-25. Disponível em: https://www.unisdr.org/files/7817_UNISDRTerminologyEnglish.pdf. Acesso em: 13 mar. 2022.
https://www.unisdr.org/files/7817_UNISDR...
, p. 20) define perigo natural (natural hazard) como “natural process or phenomenon that may cause loss of life, injury or other health impacts, property damage, loss of livelihoods and services, social and economic disruption, or environmental damage”. Enquanto o conceito do risco refere-se à “combination of the probability of an event and its negative consequences” (UNISDR, 2009UNISDR - UNITED NATIONS INTERNATIONAL STRATEGY FOR DISASTER REDUCTION. Terminology on Disaster Risk Reduction. Geneva: UNISDR, 2009, p. 20-25. Disponível em: https://www.unisdr.org/files/7817_UNISDRTerminologyEnglish.pdf. Acesso em: 13 mar. 2022.
https://www.unisdr.org/files/7817_UNISDR...
, p. 25).

Kobiyana et al. (2006)KOBIYAMA, M. et al. Prevenção de desastres naturais: conceitos básicos. Curitiba: Editora Organic Trading, 2006. Disponível em: http://logatti.edu.br/images/prevencaodesastres.pdf. Acesso em: Acesso em: 13 mar. 2022.
http://logatti.edu.br/images/prevencaode...
, esclarece que perigo é um fenômeno natural que ocorre em épocas e região conhecidas que podem causar sérios danos nas áreas sob impacto. Portanto, perigos naturais (natural hazards) são processos ou fenômenos naturais que ocorrem na biosfera, que podem constituir um evento danoso e serem modificados pela atividade humana, como, por exemplo, a degradação ambiental, o desmatamento, a urbanização sem planejamento, entre outros.

Neste artigo, a noção de risco adaptada às inundações urbanas é empregada em uma situação de incerteza e de probabilidade de que um evento hidrológico extremo possa acometer o sujeito ou população, de modo a comprometer a integridade dos seus bens materiais e imateriais (traumas psicológicos, por exemplo), e esses bens são reconhecidamente vulneráveis, causando-lhe danos e prejuízos. Dessa forma, os riscos socioambientais de inundação somente ocorrem na presença simultânea de um perigo naturais e da vulnerabilidade social (FARIAS, 2019aFARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
).

No âmbito das cidades, o diagnóstico dos elementos naturais que constituem o perigo de inundação (natural hazards) e dos fatores responsáveis pela produção das vulnerabilidades sociais pode variar em função das características ambientais e da heterogeneidade dos grupos sociais. Ao considerar o contexto social, os problemas desencadeados pela ocorrência de desastres socioambientais são subjetivamente enfrentados (FARIAS, 2019aFARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
), de acordo com intercorrência dos atributos elencados na Figura 2.

Os fatores que permitem estimar as vulnerabilidades sociais são numerosos, devendo “ser classificados segundo sua importância, em uma escala escolhida com cuidado segundo os sítios analisados e a precisão dos dados disponíveis” (VEYRET, 2007VEYRET, Y. Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2007., p. 43). No caso dos ambientes urbanos, a “vulnerabilidade pode ser considerada o único componente que proporciona a ocorrência de desastres a estar sob controle humano” (PINHEIRO, 2015PINHEIRO, E. G. Gestão Pública para a redução dos desastres: incorporação da variável risco de desastre à gestão da cidade. Curitiba: Appris, 2015., p. 51).

Já os eventos extremos que geram os desastres naturais, tais como, chuvas intensas, tempestades severas, estiagens, etc., não estão condicionados à ação humana e são, portanto, “meramente deflagradores de um processo desastroso - restando aos gestores o enfoque da preocupação sobre a percepção das vulnerabilidades, localizados no sistema receptor” (PINHEIRO, 2015PINHEIRO, E. G. Gestão Pública para a redução dos desastres: incorporação da variável risco de desastre à gestão da cidade. Curitiba: Appris, 2015., p. 52).

Ao se considerar a dinâmica sistêmica do ambiente urbano, podem ser observados diversos problemas resultantes (output) da interação entre os vários subsistemas e “subsubsistemas” do SAU, dentre eles os riscos socioambientais relacionados às inundações urbanas que, devido à recorrência e à amplitude dos eventos, demandam cada vez mais a atenção do poder público e da população. Portanto, é importante destacar que a principal aplicação dessa metodologia predispõe a elaboração de propostas para o equacionamento dos problemas socioambientais urbanos na perspectiva do planejamento e da gestão urbana, com destaque para o fomento de políticas públicas voltadas à redução dos riscos de desastres hidrológicos.

Neste estudo de caso, os riscos socioambientais de inundação urbana em Francisco Beltrão foram representados espacialmente por meio da modelagem hidrológica e da cartografia de síntese. “Assinalar os riscos em um mapa equivale a ‘afirmar o risco’ no espaço em questão” (VEYRET, 2007VEYRET, Y. Os riscos: o homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2007., p. 60). Dessa maneira, a cartografia dos riscos associados às inundações urbanas é um instrumento que constitui a base de uma política de prevenção voltada à redução dos riscos de desastres hidrológicos. A cartografia aplicada ao caso de Francisco Beltrão buscou mapear, identificar e analisar as áreas de risco de inundação urbana e, ao mesmo tempo, permite a objetivação do risco e sua designação como um problema público.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos abarcam uma revisão bibliográfica sobre a dinâmica da problemática socioambiental urbana com ênfase na proposição do SAU, especialmente, no que se refere à compreensão dos riscos socioambientais às inundações urbanas. A pesquisa foi desenvolvida por meio do estudo de caso, estratégia de pesquisa constituída pela definição do problema, delineamento das questões norteadoras, procedimentos metodológicos aplicados, coleta de dados, tratamento e análise dos dados e pela composição e apresentação dos resultados.

O levantamento das características físicas da bacia hidrográfica do rio Marrecas possibilitou a organização dos dados de entrada para a identificação do perigo de inundação presente na composição dos elementos que constituem o subsistema natural (input), a saber: a) séries históricas das precipitações e determinação das vazões de projeto; e, b) delimitação das sub-bacias urbanas e quantificação do escoamento superficial. Esse procedimento foi aplicado na estimativa do perigo e na geração da mancha de inundação, espacialmente representada no mapa da Figura 4.

Os dados de entrada do Sistema Ambiental Urbano de Francisco Beltrão, referentes aos aspectos físicos do subsistema natural, possibilitaram as simulações do espraiamento das águas do bacia urbana do rio Marrecas com base na quantificação da chuva efetiva, parcela da precipitação que se transformará em escoamento superficial. Para a síntese do hidrograma de vazões, foi utilizada a metodologia proposta pelo Natural Resources Conservation Service (NSCR), anteriormente conhecido como Soil Conservation Service (SCS) (PRUSKI et al., 2004PRUSKI, F. F. BRANDÃO, V. dos S. SILVA, D. D. da. Escoamento Superficial. 2. ed. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2004.; TUCCI, 2009TUCCI, C. E. M. (Org.). Hidrologia: ciência e aplicação. 4. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS/ABRH, 2009.). Foram simulados eventos de precipitação para os tempos de retorno de 2, 5, 10 ,20, 50 e 100 anos (Figura 4).

Para gerar o mapa de perigo de inundação urbana foram empregadas as técnicas de modelagem hidrológica e hidráulica, utilizando-se os softwares livres desenvolvidos pela U.S. Army Corps of Engineers - Hydrologic Modeling System (HEC-HMS), versão 3.5, e River Analysis System (HEC-RAS), versão 5.0.3, e de geoprocessamento no ambiente de Sistema de Informação Geográfica (SIG) desenvolvido pela Environmental Systems Research Institute (ESRI), o software comercial ArcGIS versão 10.3.

Figura 4
Perigo (mancha) de inundação urbana em Francisco Beltrão/PR.

Para identificar os riscos de inundação de um determinado local, é necessário conhecer os processos hidrológicos e hidráulicos, que são a fonte dos dados para a delimitação das áreas de perigo, ou seja, os espaços que serão atingidos pelo espraiamento das águas. A estimativa da mancha de inundação por tempos de retorno (Figura 4) é o primeiro procedimento indicado quando se pretende propor a identificação dos riscos socioambientais de inundação, ao combinar a presença de perigo eminente de eventos hidrológicos extremos e os índices de vulnerabilidade social (FARIAS, 2019aFARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
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).

O mapeamento das áreas de vulnerabilidade social da população urbana de Francisco Beltrão (Figura 5) foi realizado com base na Cartografia de Síntese, que possibilitou a combinação de diferentes variáveis quantitativas por meio da análise de multicritérios, de forma combinada e sob diferentes pesos. Assim, foram obtidos novos dados que podem facilitar a compreensão do fenômeno que se busca representar (SAMPAIO, 2012SAMPAIO, T. V. M. Diretrizes e procedimentos metodológicos para a cartografia de síntese com atributos quantitativos via álgebra de mapas e análise multicritério. Boletim de Geografia, Maringá, v. 30, n. 1, p. 121-131, 2012. https://doi.org/10.4025/bolgeogr.v30i1.9701
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).

Foram consideradas as variáveis que caracterizam aspectos relevantes ao macroprocesso de redução de risco de desastres (fases de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação), pautadas no levantamento do Censo 2010 (IBGE, 2011IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Base de informações do Censo Demográfico 2010: Resultados do Universo por setor censitário. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.), são elas: densidade demográfica (peso 15%); condições de habitação e infraestrutura (peso 45%); estrutura etária (peso 5%); educação e estrutura etária (peso 10%); e, renda (25%) (FARIAS, 2019aFARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
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).

Após os procedimentos de normalização, padronização e ponderação das variáveis, foi executado o processo de síntese, com o objetivo de obter os índices de vulnerabilidade social das áreas atingidas pelas inundações urbanas de Francisco Beltrão em seis classes, com base nos estudos propostos por Buffon (2016)BUFFON, E. A. M. A leptospirose humana no AU-RMC (aglomerado urbano da Região Metropolitana de Curitiba/PR) - risco e vulnerabilidade socioambiental. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2016. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/43110Error! Hyperlink reference not valid.. Acesso em: 11 out. 2021.
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e Almeida (2010)ALMEIDA, L. Q. de. Vulnerabilidades socioambientais de rios urbanos: bacia hidrográfica do rio Maranguapinho, região metropolitana de Fortaleza, Ceará. Tese (Doutorado em Geografia) - Rio Claro: Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas. 2010. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/104309. Acesso em: 11 out. 2021.
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, a saber: Muito Baixa, Baixa, Média a Baixa, Média a Alta, Alta e Muito Alta. As classes foram obtidas a partir do método estatístico de Natural Breaks, ferramenta disponibilizada pelo software comercial ArcGIS 10.3. Deste modo, foi obtido o mapa de vulnerabilidade social associada às inundações urbanas em Francisco Beltrão (Figura 5).

No estudo de caso, a síntese proposta caracterizou as condições de vulnerabilidade social por setor censitário, a partir da combinação de 11 variáveis quantitativas, sob a análise de seus valores normalizados e ponderados (FARIAS, 2019aFARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
). A identificação dos atributos de entrada do subsistema social (input) combinados às variáveis selecionadas nos dados disponibilizados pelo Censo 2010 (IBGE, 2011IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Base de informações do Censo Demográfico 2010: Resultados do Universo por setor censitário. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.) resultou na identificação das áreas de vulnerabilidade social, apresentada no mapa da Figura 5.

Figura 5
Vulnerabilidade social associada às inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR.

O cruzamento das informações geoespaciais considerou a integração dos atributos naturais (perigo de inundação) e sociais (vulnerabilidade social), e foi realizado por meio das técnicas da Cartografia de Síntese no software comercial ArcGIS 10.3, com o objetivo de demonstrar os diferentes índices de risco socioambiental das áreas atingidas pelas inundações no perímetro urbano de Francisco Beltrão (output), conforme apresentado no mapa da Figura 6.

Figura 6
Áreas de risco socioambiental às inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR.

O mapeamento das áreas de risco socioambiental às inundações urbanas de Francisco Beltrão foi gerado sob a perspectiva qualitativa, que envolve múltiplas dimensões de análise. O quadro 1 representa a síntese feita no cruzamento dos índices de vulnerabilidade social (IVS) com a presença do perigo de inundação (IPI), no nível de desagregação dos setores censitários. Tal procedimento foi realizado para todos os setores que ocorre a mancha de inundação, delimitada pelos tempos de retorno indicados no mapa da Figura 4. Por meio desse cruzamento, que resultou em um índice qualitativo de risco socioambiental às inundações urbanas (IRSI) demonstrado no Quadro 2, foi gerado o mapa apresentado na Figura 6, com o intuito de representar a espacialização das áreas risco socioambiental de inundação urbana.

Quadro 1
Síntese dos índices de perigo de inundação (IPI) e de vulnerabilidade social (IVS)

Com base na metodologia proposta por Almeida (2010)ALMEIDA, L. Q. de. Vulnerabilidades socioambientais de rios urbanos: bacia hidrográfica do rio Maranguapinho, região metropolitana de Fortaleza, Ceará. Tese (Doutorado em Geografia) - Rio Claro: Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas. 2010. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/104309. Acesso em: 11 out. 2021.
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para estudos acerca dos riscos socioambientais de inundação urbana, foram obtidas seis classes por meio da síntese que varia Muito Alto, Alto, Médio a Alto, Médio a Baixo, Baixo e Muito Baixo, conforme apresentado no Quadro 2.

Quadro 2
Índice de Risco Socioambiental de Inundação (IRSI)

A classificação das áreas de risco socioambiental às inundações urbanas, identificadas no mapa da Figura 6, serviu de base para a análise apresentada na sequência. Para facilitar a localização dessas áreas e a síntese dos resultados obtidos, os bairros foram agrupados em quatro setores, de acordo com suas referidas posições geográficas Norte, Oeste, Leste e Sul, e adotando o Centro da cidade como ponto de referência. O detalhamento dos procedimentos metodológicos adotados para a organização dos produtos cartográficos encontra-se apresentado nos trabalhos de Farias (2019a)FARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
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e Farias e Mendonça (2019b)FARIAS, A. MENDONÇA, F. Modelagem e mapeamento de áreas de perigo de inundação urbana na cidade de Francisco Beltrão (Brasil). Physis Terrae, n. 1, p. 73-91, 2019b. Disponível em: https://doi.org/10.21814/physisterrae.405.
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.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A identificação do perigo e dos fatores produtores da vulnerabilidade social foi espacialmente representada por meio das técnicas de modelagem e mapeamento. O cruzamento dos mapas do perigo de inundação e da vulnerabilidade social deu origem ao principal produto cartográfico da pesquisa aqui relatada: o mapa das áreas de riscos socioambientais à inundação, importante instrumento aplicado na gestão dos desastres hidrológicos no espaço urbano.

Além dos locais que já estão sob a atenção dos órgãos de Proteção e Defesa Civil, o emprego das ferramentas e dos recursos cartográficos possibilitou a representação espacial do risco socioambiental de inundação em níveis que variam de Muito Baixo a Muito Alto. Foram identificadas áreas de risco presentes em 23 bairros, revelando uma estatística preocupante, ao considerar que a organização atual do espaço urbano de Francisco Beltrão é delimitada por 29 bairros. Os resultados obtidos demonstram que, do total dos 23 bairros, 20 possuem áreas críticas de risco.

No estudo de caso, definiu-se como área crítica aquela cuja classificação apresentou os mais elevados índices de risco socioambiental associado às inundações urbanas, que correspondem a Muito Alto, Alto e Médio a Alto. Na sequência, é feita uma breve síntese das áreas de risco socioambiental às inundações urbanas em Francisco Beltrão. A análise completa encontra-se disponível no trabalho de Farias (2019a)FARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
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Síntese das áreas de risco socioambiental às inundações urbanas em Francisco Beltrão

Ao analisar o mapa da Figura 6, é possível constatar que os bairros com maiores índices de riscos e vulnerabilidades socioambientais encontram-se localizados na periferia geográfica do perímetro urbano de Francisco Beltrão. É importante observar que tais áreas correspondem aos índices mais elevados de vulnerabilidade social (Figura 5) que, associados ao perigo de inundação (Figura 4), se caracterizam por apresentar os maiores índices de risco socioambiental. Essas localidades necessitam de uma ação emergencial pautada em diretrizes eficazes para a gestão das águas pluviais e para a redução do risco de inundação, como, por exemplo, medidas estruturais e não estruturais de drenagem urbana.

Em relação à vulnerabilidade produzida no espaço urbano, Acselrad (2006)ACSELRAD, H. Vulnerabilidade ambiental, processos e relações. In: Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais, 2., 2006, Rio de Janeiro. Comunicação. Rio de janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2006. Disponível em: http://www.nuredam.com.br/files/divulgacao/artigos/Vulnerabilidade%20Ambientais%20Proce%20ssos%20Rela%E7%F5es%20Henri%20Acselrad.pdf. Acesso em: 05 out. 2021.
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afirma que o processo de vulnerabilização dos sujeitos em relação a uma determinada situação pode estar associado a três fatores: individuais, político-institucionais e sociais. Sob essa perspectiva, os mapas expressam a vulnerabilidade social frente às inundações urbanas e podem ser utilizados para localizar os processos que ocorrem nas mesmas esferas em que as causalidades se manifestam e, frequentemente, se inter-relacionam (FARIAS, 2019aFARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
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).

Neste artigo, propõe-se uma análise pautada em quadros que indicam os bairros mais críticos, ou seja, os locais que apresentam condições de risco Muito Alto e Médio a Alto, de modo a representar a intercorrência dos problemas/causalidades identificados nos diferentes setores, mas com um fator em comum: ocorrem nas regiões periféricas da cidade de Francisco Beltrão. Essas áreas ganharam evidência devido à urgência de ações e medidas de mitigação dos impactos das inundações urbanas nas diversas ordens sociais e diferentes amplitudes de ocorrência.

Pinheiro (2015)PINHEIRO, E. G. Gestão Pública para a redução dos desastres: incorporação da variável risco de desastre à gestão da cidade. Curitiba: Appris, 2015. assinala que identificar, localizar e compreender as causas dos processos de vulnerabilização e de produção dos riscos são procedimentos recomendados para a gestão e redução do risco de desastres. Nesse sentido, inspirado no trabalho de Buffon (2016)BUFFON, E. A. M. A leptospirose humana no AU-RMC (aglomerado urbano da Região Metropolitana de Curitiba/PR) - risco e vulnerabilidade socioambiental. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2016. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/43110Error! Hyperlink reference not valid.. Acesso em: 11 out. 2021.
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, o Quadro 3 apresenta o diagnóstico de uma área crítica de risco socioambiental para cada setor - exceto o Setor Centro, por não haver risco elevado - localizadas em quatro bairros de Francisco Beltrão, a saber: bairro Pinheirão, no Setor Norte (Muito Alto risco); bairro São Cristóvão, no Setor Sul (Médio a Alto risco); bairro Miniguaçu, no Setor Leste (Médio a Alto risco); e, bairro São Miguel, no Setor Oeste (Muito Alto risco).

As áreas foram catalogadas com o intuito de demonstrar as correlações existentes entre os elevados índices de perigo de inundação e de vulnerabilidade social, respectivamente obtidos por meio das técnicas de modelagem hidrológica e da Cartografia de Síntese (FARIAS, 2019aFARIAS, A. Inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: riscos e vulnerabilidades socioambientais. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Curitiba: Universidade Federal do Paraná. 2019a. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/66322. Acesso em: 07 set. 2021.
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; FARIAS; MENDONÇA, 2019b).

No sistema ambiental urbano de Francisco Beltrão, as cheias do rio Marrecas interferem significativamente na relação sociedade-natureza. Nessa relação, uma parcela significativa da população representa os maiores índices de vulnerabilidade social e convive com o perigo das inundações nas áreas de risco.

Os principais problemas urbanos decorrentes da inter-relação entre os atributos sociais e naturais no SAU de Francisco Beltrão, sob a perspectiva da gestão das águas pluviais, são: a) aumento dos processos de impermeabilização do solo, erosão, produção de sedimentos e assoreamento dos rios, córregos e canais; b) obstrução dos sistemas de micro e macrodrenagem das águas pluviais, provocada pelo acúmulo de sedimentos e resíduos sólidos; e, c) enchentes, inundações e alagamentos.

Consequentemente, os desastres geram elevados prejuízos econômicos para a gestão pública municipal, além dos danos sociais e ambientais identificados por meio dos trabalhos de campo realizados na área de estudo, entre os anos 2014 e 2019. Foram diagnosticados inúmeros casos de famílias que permanecem nos imóveis com condições precárias de infraestrutura e improvisam diante da falta de serviços urbanos básicos. As imagens representativas, apresentadas no Quadro 3, foram selecionadas com a intenção de evidenciar os contrastes das distintas realidades que se manifestam no espaço onde ocorrem os desastres hidrológicos.

Quadro 1
Riscos socioambientais às inundações urbanas em Francisco Beltrão/PR: atributos e representações da realidade

Ao se observar os cenários descritos no Quadro 3, afirma-se que os processos responsáveis pelo aumento dos índices de vulnerabilidade social produzem os níveis críticos de risco de inundação, mensurados e demonstrados neste artigo. O conjunto de atributos sociais foi considerado na escala espacial dos setores censitários urbanos, em que os processos produtores da vulnerabilidade social e os fenômenos do perigo de inundação se inter-relacionam, se integram e se manifestam no sistema ambiental urbano de Francisco Beltrão. Com base nos resultados apresentados, destaca-se que a vulnerabilização dos sujeitos é agravada por um processo de urbanização excludente, sobretudo, nos bairros periféricos.

O crescimento do número de domicílios formais e assentamentos informais ao longo das áreas de inundação dos rios urbanos de Francisco Beltrão integra o mesmo fenômeno responsável pela produção dos riscos e das vulnerabilidades e evidenciam a emergência dos problemas socioambientais identificados por meio do estudo de caso. Portanto, com base nos resultados obtidos por meio do mapeamento e das discussões pertinentes à dinâmica da problemática urbana, defende-se a tese de que o risco socioambiental é maior para a população atingida pelas inundações nas regiões periféricas da cidade de Francisco Beltrão, embora o perigo se manifeste da mesma forma em outras localidades da rede fluvial urbana.

CONCLUSÕES

O estudo de caso realizado em Francisco Beltrão evidenciou os principais impactos das inundações sobre o sistema ambiental urbano, são eles: a) prejuízos e perdas materiais; remoção de centenas de pessoas dos locais frequentemente atingidos; b) interrupção das atividades econômicas das áreas inundadas; e, c) contaminação da água pela inundação das áreas próximas a fossas sépticas e estações de tratamento de águas residuais. Nesse processo, o subsubsistema hídrico - que integra o subsistema natural - é o primeiro a apresentar os sinais da degradação ambiental urbana.

Após as ocorrências de desastres, a dificuldade de recuperação dos prejuízos enfrentada pela população que vive nas áreas críticas de risco de inundação é um dos agravantes sociais que deve ser considerado com rigorosa atenção pelos órgãos públicos, principalmente, as secretarias de Proteção e Defesa Civil municipal e estadual, além das secretarias diretamente relacionadas ao planejamento urbano e à infraestrutura. Localizar essas áreas em um mapa deve ser uma das prioridades nas ações que visam reduzir as vulnerabilidades sociais urbanas e, consequentemente, refletem na redução dos riscos de desastres.

A síntese das áreas com elevado risco socioambiental de inundação urbana (Muito Alto, Alto e Médio a Alto) possibilitou identificar e analisar alguns atributos contidos na esfera das relações socioespaciais que, com a intensificação do processo de urbanização sobre o subsubsistema hídrico urbano, produzem cenários de degradação ambiental, de vulnerabilidades e de conflitos econômicos e sociais.

Portanto, recomenda-se que o mapeamento proposto seja utilizado como instrumento para a análise socioespacial dos riscos identificados, associados às inundações urbanas na cidade de Francisco Beltrão. A leitura espacial tem aplicação direta no zoneamento ambiental urbano, por meio do qual se recomenda que sejam definidos: os espaços em que há risco elevado e que deverão concentrar as ações prioritárias voltadas à redução das vulnerabilidades sociais e à construção da resiliência socioambiental urbana; os espaços em que a ocupação deve ser regulamentada e, por vezes, até mesmo proibida; e, outros espaços em que o risco é menor ou, até mesmo, ausente.

A compreensão dos riscos de inundação urbana sob a perspectiva do SAU se destaca pela contribuição significativa para o planejamento e gestão do espaço urbano, tanto pelo aspecto metodológico para a identificação dos fatores intervenientes da dinâmica socioambiental urbana, quanto pela aplicabilidade em ações pontuais. Nesse sentido, os resultados obtidos no estudo de caso da cidade de Francisco Beltrão podem subsidiar outros estudos e a atuação dos órgãos governamentais e das diversas instituições engajadas na redução do risco de desastres socioambientais associados às inundações urbanas.

  • FINANCIAMENTO
    A autora foi bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), durante a primeira etapa de doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento (PPGMade), da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), pela carta topográfica do perímetro urbano de Francisco Beltrão/PR utilizada no Modelo Digital de Elevação (MDE), disponibilizada pelo Prof. Dr. Juliano Andres, à 10ª Coordenadoria Regional de Proteção e Defesa Civil (CORPDEC) do Estado do Paraná, pelo apoio no levantamento dos dados e nos trabalhos de campo, e a todos que contribuíram para a realização da pesquisa.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2021
  • Aceito
    23 Mar 2022
  • Publicado
    02 Jun 2022
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