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Apontamentos Geo-Históricos para o Estudo da Produção do Espaço Praiano no Nordeste do Brasil

Resumo

O espaço praiano brasileiro resulta de diferentes práticas sociais, algumas das quais surgidas mediante absorção de comportamentos e estilos de vida advindos da moderno ocidentalidade. A apropriação social das praias no litoral do Nordeste se deu em meados do século XIX, quando as elites locais se voltaram para o mar, no contexto de incorporação das chamadas “práticas marítimas modernas" (banhos terapêuticos, vilegiatura etc.), colonizando um ambiente antes destinado apenas para às “práticas marítimas tradicionais” (pesca, defesa e atividade portuária). A valorização e o consumo desses espaços foram calcados no estabelecimento de segundas residências e de infraestruturas voltadas ao desenvolvimento da atividade turística. O presente trabalho buscou apresentar alguns apontamentos teóricos a propósito da produção do espaço praiano no Nordeste do Brasil, baseando-se em pesquisa bibliográfica e geo-histórica. O artigo está dividido em três partes. Na primeira, caracteriza-se geoambiental e socialmente o litoral Nordestino, afim de demonstrar a predominância do ambiente das praias e o seu valor social e econômico. Em seguida, procura-se discorrer sobre a produção do espaço praiano no Nordeste, apontando os fatores geo-históricos ligados à sua valorização. Por fim, apresenta-se sumariamente o processo de produção do espaço praiano em uma grande cidade nordestina, o Recife, destacando o histórico processo de apropriação e valorização de suas praias.

Palavras-chave:
Espaço praiano; Litoral nordestino; Urbanização litorânea

Abstract

The present work aims to present some geohistorical notes about the production of beach space in Northeast Brazil, based on bibliographic research. The Brazilian beach space results from different social practices, some of which emerged through the absorption of behaviors and lifestyles arising from modern westerns. The social appropriation of beaches on the coast of the Northeast took place in the mid-19th century, when local elites turned to the sea, in the context of the incorporation of the so-called "modern maritime practices" (therapeutic baths, vacations, etc.), colonizing an environment previously intended only for “traditional maritime practices” (fishing, defense, and port activity). The transformation and consumption of these spaces were based on the establishment of second homes and infrastructure aimed at the development of tourist activity. In the first part of this article, we characterize the environment and socially on the Northeastern coast, in order to demonstrate the predominance of the beach environment and its social and economic value. Then we seek to discuss the production of beach space in the Northeast, pointing out the geohistorical factors linked to its valorization. Finally, we briefly present the process of production of beach space in a large northeastern city, Recife, highlighting the historical process of appropriation and valorization of its beaches.

Keywords
Beach space; Northeastern coast; Coastal urbanization

INTRODUÇÃO

Este artigo resulta da realização de dois projetos de pesquisa. O primeiro deles, desenvolvido em rede de pesquisadores brasileiros, tinha por objetivo analisar as relações entre a atividade turística, as políticas públicas e seus reflexos na produção social dos espaços litorâneos brasileiros. O segundo buscava realizar o resgate das memórias sociais vinculadas às praias do Recife (grande cidade litorânea do Nordeste do Brasil), na expectativa de melhor compreender a produção do “espaço praiano” e analisar as ações de planejamento e gestão urbanos durante o século XX. Aqui são expostos alguns dos apontamentos teóricos e geo-históricos mais essenciais à compreensão do espaço praiano em todo o Nordeste do Brasil.

Conforme já mencionado em Santos (2019SANTOS, O. A. A. Considerações sobre a produção do espaço praiano no Recife: os limites e os desafios do planejamento urbano. In: Anais do XVI Simpósio Nacional de Geografia Urbana, p. 2259-2278, 2019; 2021), a preferência pelo termo “espaço praiano” resulta de um esforço de aprimoramento terminológico, calcado na prática do ensino e da pesquisa interdisciplinar, em diálogo com discentes e docentes das áreas da História, das Ciências Sociais e da própria Geografia.

Embora saibamos que o espaço geográfico é um só, porque sua produção é cada vez mais uniforme, devemos também reconhecer que ele se apresenta de forma sempre diferenciada, pois depende das condições naturais e técnicas de cada local. Com efeito, a adjetivação cumpre a importante função de nos ajudar a entender a maneira diferencial com que essa produção homogênea se concretiza na superfície. Caracterizar o espaço como urbano, rural, litorâneo, interiorano etc. é uma forma de discernir diferenças no âmbito de um todo.

Vimos advertindo que há diferenças conceituais entre “praia”, “litoral”, “costa” e “orla”, e que elas são muitas vezes negligenciadas por muitos profissionais, inclusive geógrafos (SANTOS, 2021SANTOS, O. A. A. As praias pedem passagem: prelúdio da produção do espaço praiano do Recife (1840-1950). In: PONTES, B. M. S; CASTILHO, C. J. M. (Org.). Cidades históricas do Nordeste brasileiro. Recife: Editora UFPE, p. 86-112, 2021). Definições terminológicas e conceituais claras e bem fundamentadas são de grande importância, pois do contrário incorre-se o risco de generalização de processos que deveriam ser vistos como específicos. O entendimento mais difundido sobre o significado de litoral, por exemplo, faz com que se adjetive como “litorâneo” o que, em alguns casos, é apenas “praiano”. Litoral diz respeito a um recorte amplo do território, correspondendo a toda "faixa de terra emersa”, o que engloba todos os diferentes contornos do relevo, isto é, desde as praias, falésias, arrecifes e deltas, até golfos e fiordes. Ao falar simplesmente de um espaço litorâneo, dilui-se especificidades que poderiam ser realçadas e que, em alguns casos, são essenciais no entendimento de diferenças.

O termo praia, segundo o Houaiss et al. (2015)HOUAISS, A; VILLAR, M. S; FRANCO, F. M. M. Pequeno dicionário Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Moderna, 2015, diz respeito a “faixa de terra de areia ou cascalho” que realiza o contato do continente com o mar ou oceano. Guerra (1993)GUERRA, A. T. Dicionário geológico-geomorfológico. 8.ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1993 o define como "depósitos de areias acumuladas pelos agentes de transportes fluviais ou marinhos", ou seja, parcelas morfologicamente específicas do litoral, onde ocorrem tais depósitos. Muehe (2012)MUEHE, D. Geomorfologia costeira. In: GUERRA, A. T; CUNHA, D (Orgs.) Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 11.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012 afirma que a praia resulta do acúmulo de sedimentos marinhos e, por isso, sua morfologia e dinâmica depende da ação das ondas e das marés. O “prisma praial” seria constituído por uma área submersa chamada antepraia, pela face praial e por uma área adjacente chamada pós-praia. Quando fazemos uso do termo “praiano”, referimo-nos àquilo que é “próprio da praia”, que está “situado em praia, localizado à beira-mar" (HOUAISS et al., 2015HOUAISS, A; VILLAR, M. S; FRANCO, F. M. M. Pequeno dicionário Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Moderna, 2015), isto é, sobre ou adjacente ao referido ambiente.

A praia é o mais comum entre os ambientes litorâneos, possuindo mais fácil acessibilidade ao homem e, portanto, maior presença em seu imaginário. O mundo moderno e ocidental, em especial, assistiu a uma profunda mudança do significado social das praias, conforme demonstra Corbin (1989)CORBIN, A. Território do vazio: a praia e o imaginário ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, atestando a importância desse ambiente específico para a consolidação de valores e comportamentos sociais. No Brasil, as praias se tornaram objeto de apropriação, valorização e consumo no início dos oitocentos. Foi sobre esses ambientes, ou tendo neles um vetor, que se desenvolveu um processo de balnearização, sendo acompanhado pela construção de segundas residências e, logo após, pelo estabelecimento de atividades turísticas. Tudo isso compõe um processo histórico de produção do espaço socialmente desigual e ambientalmente degradante. A valoração e a procura pelo ambiente das praias que vem se intensificando desde então nos obriga a considerar sua centralidade. E é por isso que preferimos o termo “espaço praiano”, em vez de espaço litorâneo ou qualquer outro semelhante para designar o nosso objeto de estudos e pesquisas.

Este artigo está dividido em três partes. Na primeira, caracterizamos geoambiental e socialmente o litoral Nordestino, afim de demonstrar a predominância do ambiente das praias e o seu valor social e econômico. Em seguida, procuramos discorrer sobre a produção do espaço praiano no Nordeste, apontando os fatores geo-históricos ligados à sua valorização. Por fim, apresentamos sumariamente o processo de produção do espaço praiano em uma grande cidade nordestina, o Recife, destacando o histórico processo de apropriação e valorização de suas praias.

O LITORAL NORDESTINO

O litoral brasileiro é um dos mais extensos do mundo, possuindo cerca de 7.491km. Nesta longa extensão geográfica, há uma miríade de feições morfológicas, de onde se pode encontrar diferentes ambientes, maior parte dos quais formados nas duas últimas épocas geológicas da Terra, o Holoceno e o Pleistoceno (ambas constituintes do período Quaternário). Os processos naturais costeiros condicionantes do litoral brasileiro, segundo Tessler e Goya (2005)TESSLER, M. G; GOYA, S. C. Processos costeiros condicionantes do litoral brasileiro. Revista do Departamento de Geografia, 17, 11-23, 2005. https://doi.org/10.7154/RDG.2005.0017.0001
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são: a herança geológica; o modelado constituído durante o Quaternário; e as dinâmicas sedimentares atuais.

O traçado do litoral brasileiro resultou da separação do supercontinente Gondwana, que originou o oceano Atlântico e a Cadeia Dorsal Mesoatlântica. Os lineamento e falhas que condicionaram a separação demarcaram as direções das linhas de costa sul-americana e africana. As direções predominantes são basicamente duas: nordeste-sudeste e noroeste-sudeste. A primeira é chamada de direção Brasiliana e a segunda, Caraíba. O afastamento dos dois blocos continentais tem se dado ao mesmo tempo em que ocorrem retrogradações e progradações sedimentares das linhas de costa, em razão dos processos geomorfológicos atuantes (TESSLER; GOYA, 2005TESSLER, M. G; GOYA, S. C. Processos costeiros condicionantes do litoral brasileiro. Revista do Departamento de Geografia, 17, 11-23, 2005. https://doi.org/10.7154/RDG.2005.0017.0001
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; MUEHE, 2006MUEHE, D. O litoral brasileiro e sua compartimentação. In: Cunha, D; Guerra, A. T (Orgs.) Geomorfologia do Brasil. 4.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006).

Durante o Quaternário ocorreram flutuações do nível relativo do mar em ciclos regressivos e transgressivos que foram modelando o litoral brasileiro. Além disso, o clima de ondas e o regime de marés, que são os principais processos naturais costeiros de médio e curto prazo atuaram no sentido de provocar erosão, transporte e acumulação de sedimentos em diferentes lugares. Assim, todo o litoral se foi constituindo em forte relação com a dinâmica oceânica, compondo diferentes paisagens e ambientes naturais (MUEHE, 2006MUEHE, D. O litoral brasileiro e sua compartimentação. In: Cunha, D; Guerra, A. T (Orgs.) Geomorfologia do Brasil. 4.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006). Um dos principais, conforme queremos ressaltar, é o praiano.

A necessidade de compreensão dessa diversidade paisagística tem obrigado os estudiosos a sugerir regionalizações ou compartimentações, como aquela proposta por Muehe (2006)MUEHE, D. O litoral brasileiro e sua compartimentação. In: Cunha, D; Guerra, A. T (Orgs.) Geomorfologia do Brasil. 4.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. Há, segundo este autor, cinco diferentes regiões litorâneas no Brasil, constituídas de distintos macrocompartimentos, cada qual com suas especificidades ambientais. Em nossos projetos consideramos a Região Nordeste (Fig. 1), que é constituída pelos macrocompartimentos da Costa semiárida norte, Costa semiárida sul, Costa dos tabuleiros norte, Costa dos tabuleiros centrais e Costa dos tabuleiros sul. Toda essa região se estende desde a Baía de São Marcos, no atual Estado do Maranhão, até a Baía de Todos os Santos, no Estado da Bahia (MUEHE, 2006MUEHE, D. O litoral brasileiro e sua compartimentação. In: Cunha, D; Guerra, A. T (Orgs.) Geomorfologia do Brasil. 4.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006). Uma de suas principais características é a presença de uma camada sedimentar continental chamada Grupo Barreiras, que encobre uma longa extensão do litoral, sendo uma das principais fontes do aporte sedimentar costeiro. Da mesma forma, os rios atuam como importantes fontes de suprimento sedimentar, contribuindo à constituição de diferentes feições litorâneas, como as ilhas barreira e os cordões costeiros, por onde se desenvolve o ecossistema restinga. As duas principais feições morfológicas costeiras dessa região são as falésias e as praias, sendo a segunda mais importante devido aos usos sociais.

Figura 1
Litoral nordestino

Segundo Muehe (2012)MUEHE, D. Geomorfologia costeira. In: GUERRA, A. T; CUNHA, D (Orgs.) Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 11.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, em que pese a grande presença de rios, uma das principais vulnerabilidades ambientais dessa região é a deficiência sedimentar, que propicia muito mais a ação erosiva do que construtiva das ondas. No Estado de Pernambuco, mais de 30% das praias encontram-se em avançado estado erosivo, em razão do déficit de suprimento sedimentar e da ocupação humana. Maior parte das áreas ainda preservadas tem sido disputadas para construção de segundas residências e equipamentos voltados à atividade turística. A construção de edificações no próprio ambiente praial e de obras de infraestrutura (algumas das quais visando a contenção de processos erosivos) tem contribuído para a intensificação do problema (ARAÚJO et al., 2007ARAÚJO. M. C. B; SOUZA, S. T; CHAGAS, A. C. O; BARBOSA, S. C; COSTA, M. F. Análise da ocupação urbana das praias de Pernambuco, Brasil. Revista de Gestão Costeira Integrada. v. 7. n. 2, 97-104, 2007. https://doi.org/10.5894/rgci17
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).

Ressalte-se que a região litorânea do Nordeste foi precisamente por onde se desenvolveu alguns dos primeiros episódios da ocupação colonial portuguesa, sendo o palco onde se iniciou a história territorial brasileira. A empresa açucareira que vicejou durante o século XVI, a despeito de sua decadência posterior, manteve a estrutura social que lhe dava sustentação. E, em que pese os ciclos econômicos subsequentes, a atividade permaneceu e ainda hoje se faz presente. Assim, estamos falando de uma região escandalosamente desigual, detentora dos piores índices de desenvolvimento humano e da maior parte dos problemas estruturais brasileiros.

A PRODUÇÃO DO ESPAÇO PRAIANO NO NORDESTE

O esforço em compreender o processo de produção do espaço praiano no Brasil nos obriga a partir da história territorial deste país. E quando falamos em história territorial, não nos referimos apenas aos marcos geopolíticos através dos quais as fronteiras político-territoriais do país foram sendo historicamente delimitadas, mas ao processo no contexto do qual o espaço foi apropriado econômica, política e culturalmente pelos brasileiros, constituindo ulteriormente um território coeso e de soberania do Estado. Nessa perspectiva, é imperioso considerar como conjunto inicial de transformações aquelas relacionadas à geografia da apropriação colonial portuguesa. Esta, conforme evidencia qualquer historiografia do Brasil, deu-se inicialmente para fins de aproveitamento das qualidades locacionais de sua costa oceânica, ao que permitiria o domínio do Atlântico Sul e o necessário apoio às naus portuguesas na rota do Cabo (MORAES, 2007MORAES, A. C. R. Contribuições para a gestão da zona costeira do Brasil: elementos para uma Geografia do litoral brasileiro. 2.ed. São Paulo: Annablume, 2007. https://doi.org/10.11606/issn.1808-0820.cali.2006.64723
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). Assim, o litoral (do qual se incluem as praias) entra na história territorial brasileira como lugar para “feitorização”, isto é, para a instalação de postos comerciais e bases de patrulhamento costeiro, onde também se desenvolveram as primeiras experiências de aclimatação dos invasores europeus e aculturação com os nativos (Ibidem).

Apenas quando da constatação da necessidade de domínio efetivo sobre o extenso espaço litorâneo, ao que contribuiu as incursões realizadas por outras nações na busca de riquezas, é que a coroa portuguesa deu cabo de um processo de ocupação e colonização de fato. O litoral passou a figurar como a longa extensão geográfica sobre o qual surgiram núcleos de povoamento pontuais, que mais tarde se converteram em vilas e cidades, e que encabeçavam uma hinterlândia de dominação e escoamento das riquezas, embarcadas para a metrópole por via marítima. Moraes (2007, pMORAES, A. C. R. Contribuições para a gestão da zona costeira do Brasil: elementos para uma Geografia do litoral brasileiro. 2.ed. São Paulo: Annablume, 2007. https://doi.org/10.11606/issn.1808-0820.cali.2006.64723
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. 32) chamou essa conformação territorial de “bacia de drenagem”, posto se basear em redes de circulação que demandavam um eixo principal e que finalizavam seus percursos em portos marítimos.

A maior parte dessa longa extensão geográfica não foi efetivamente ocupada, permanecendo isolada por um longo período, sendo muitas vezes os espaços para a instalação de pequenas comunidades de escravos foragidos, indígenas ou simplesmente pescadores, com seus gêneros de vida tradicionais. Algumas dessas comunidades conservaram-se em total isolamento até os dias atuais, e só recentemente vem sendo ameaçadas por grandes projetos e investimentos públicos e privados voltados ao desenvolvimento da atividade turística. Portanto, durante a maior parte da história territorial brasileira, o litoral (do qual se incluem as praias) se estrutura como espaço para o desenvolvimento do que Dantas (2009)DANTAS, E. W. C. Maritimidade nos trópicos: por uma geografia do litoral. Fortaleza: Edições UFC, 2009 chamou de “práticas marítimas tradicionais”, isto é, as atividades militares de defesa costeira, a atividade portuária e a pesca.

Mas o século XIX trouxe grandes mudanças nas sociedades modernas ocidentais. Tratou-se de um período de fortes transformações econômicas e técnicas, algumas das quais decorrentes do progresso da industrialização capitalista. As turbulências sociais começaram desde o início do século, com o bloqueio continental e o avanço de Napoleão sobre a península ibérica. Foi quando a corte portuguesa se refugiou no Brasil, permanecendo desde 1808 a 1821. Com ela vieram novas ideias e valores sociais, alguns dos quais mimetizados pelas elites locais (SANTOS, 2021SANTOS, O. A. A. As praias pedem passagem: prelúdio da produção do espaço praiano do Recife (1840-1950). In: PONTES, B. M. S; CASTILHO, C. J. M. (Org.). Cidades históricas do Nordeste brasileiro. Recife: Editora UFPE, p. 86-112, 2021).

As cidades litorâneas brasileiras sempre se constituíam em centros da circulação atlântica de valores e convenções sociais. Assim como no mundo europeu, tais cidades viram florescer inúmeros gostos e hábitos sociais que mudaram as formas de sociabilidade. Muitas das mudanças surgidas ensejaram processos de valorização e consumo do espaço, mediante a criação de novos equipamentos urbanos e serviços. A “invenção das praias” no Brasil decorreu da incorporação daquele que talvez tenha sido um das principais novidades desse período, o do banho de mar. Também ela motivou o surgimento de novas formas espaciais destinadas ao usufruto balneário do mar e das praias (SANTOS, 2020bSANTOS. O. A. A. Da incorporação dos banhos salgados de mar à balnearização das praias do Recife: um -período denso- na produção do espaço praiano. Geotextos. v. 16, p. 13-35, 2020b. https://doi.org/10.9771/geo.v16i1.34984
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).

Quando de sua estadia no Rio de Janeiro, a família real foi uma das pioneiras na introdução dos banhos de mar, seguindo prescrições médicas da Real Câmara. A chegada do pensamento médico-higienista na metade dos oitocentos, mediante a criação de inúmeras juntas e organizações médicas, deram conjuntamente o peso científico para tais recomendações, seguindo descobertas e tratamentos elaborados na Europa (SANTOS, 2021SANTOS, O. A. A. As praias pedem passagem: prelúdio da produção do espaço praiano do Recife (1840-1950). In: PONTES, B. M. S; CASTILHO, C. J. M. (Org.). Cidades históricas do Nordeste brasileiro. Recife: Editora UFPE, p. 86-112, 2021).

Esse tipo de banho se difundiu inicialmente como medida profilática, uma vez que as cidades eram recorrentemente tomadas por epidemias. O próprio saber médico vigente recomendava esse tratamento em publicações que adquiriram grande popularidade. O famoso Dicionário de medicina popular, publicado originalmente entre 1842 e 1843, de autoria do acadêmico Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, sugeria os banhos para diversos tipos de tratamento. Com grande circulação no Brasil e em Portugal, Chernoviz (1843, pCHERNOVIZ, P. L. N. Dicionário de medicina popular. 6.ed. Paris: A. Roger & F. Chernoviz, 1843.. 75) afirmava nesta obra que as águas salinas “[...] são recommendadas nas paralysias, mesmo n'aquellas que são consecutivas á apoplexia, nos dartros, nas contracções musculares, nos rheumatismos chronicos, e em muitas moléstias caracterizadas pela debilidade geral [sic]”.

Segundo sua concepção, os banhos salgados de mar representavam um tratamento eficaz para uma enorme lista de enfermidades. Por isso eram aconselhados banhos frios de mar aliados às práticas de exercícios físicos. O autor afirmava que

Os banhos do mar podem ser applicados no tratamento de diversas moléstias que são caracterizadas pela fraqueza; convém principalmente nas moléstias escrophulosas, nas flores brancas, e differentes affecçoes nervosas. Concebe-se, portanto, o effeito que devem produzir os banhos frios, em uma agua sobrecarregada de princípios excitantes, acompanhados do exercício salutar que se faz nadando, ou pelas emborcações produzidas pelo movimento contínuo das ondas [sic] (CHERNOVIZ, 1843, pCHERNOVIZ, P. L. N. Dicionário de medicina popular. 6.ed. Paris: A. Roger & F. Chernoviz, 1843.. 289).

Aos benefícios terapêuticos, somaram-se a moda e os tratamentos de beleza como fatores para uma maior procura das praias. A partir de então, este ambiente passou a ser visto de forma cada vez mais positiva, e suas riquezas naturais transformaram-se em qualidades que a valoravam social e economicamente, ensejando a frequentação recreativa. Conforme esclarece Araújo (2013, pARAÚJO. A cultura da praia: urbanização, sociabilidade e lazer no Brasil, 1840- 1940. In: Acta Científica XXIX Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociología, p. 1-8, 2013.. 6):

[...] os usos predominantemente terapêuticos e higiênicos do espaço litorâneo, bem como as formas de sociabilidade que lhes eram correspondentes, perdiam força, sem que aqueles fossem, no entanto, jamais, abandonados. Cediam terreno para a exploração de atividades esportivas, lúdicas e recreativas, para horas de descanso e repouso e para curtos espetáculos feitos de exibições pessoais. Essas práticas engendravam novas formas de convivência social e percepção do ambiente social das praias. O primado da talassoterapia cedia lugar para a supremacia daquilo que, finalmente, recebeu o nome de lazer, mas que, à época, ainda não era comumente designado como tal.

No início do século XX se deu a consolidação do hábito dos banhos recreativos. E, aos poucos, as praias foram sendo dotadas de equipamentos e serviços não apenas para o usufruto balneário, mas para a moradia definitiva, tais como linhas de bonde, casas de banho e comércio. Os frequentadores já permaneciam muito mais tempo nas praias, ao ar livre (ARAÚJO, 2007aARAÚJO, R. C. B. As praias e os dias: história social das praias do Recife e de Olinda. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007.). Assistia-se, assim, não apenas ao já conhecido processo de ocupação litorânea, mas a uma produção do espaço praiano strictu sensu.

Com a valorização das praias e do mar, segundo Dantas (2009)DANTAS, E. W. C. Maritimidade nos trópicos: por uma geografia do litoral. Fortaleza: Edições UFC, 2009, as cidades deixaram de ser “litorâneas-interioranas” e passaram a ser “litorâneas-marítimas”. Em outras palavras, deixaram de simplesmente encabeçar uma rede urbana que se voltava para o interior do território e passaram a cumprir o papel de vetor para valorização do litoral. A partir delas partiram infraestruturas em sentido paralelo às praias, permitindo a ocupação de áreas de elevado valor paisagístico e econômico. Nessas localidades, foram se estabelecendo, primeiramente, os vilegiaturistas. Depois, com a paulatina melhoria do acesso, os governos estaduais e municipais passaram a se empenhar na construção de infraestruturas para o turismo e o lazer de praia e mar, articulando-se com empresas e organizações multilaterais no processo de obtenção e controle de recursos.

Já no final século XX, um marco indiscutível para o crescimento do setor turístico e da valorização do ambiente das praias foi o Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR). Congregando vultosos recursos e integrando diferentes atores, esse programa promoveu, durante os anos 1990, inúmeros investimentos em infraestrutura e melhorias urbanas, visando dinamizar o setor turístico. Subdividido em 2 etapas, o PRODETUR atuou em diferentes localidades litorâneas desde 1995 até o ano de 2007. A primeira fase foi caracterizada pelos investimentos em obras de infraestrutura de transporte e saneamento básico. A segunda fase procurou fortalecer a gestão municipal do turismo, prover algumas infraestruturas mais estratégicas, e fomentar o setor privado com parcerias público-privadas. A contínua dotação de infraestruturas e o aporte de investimentos no turismo ainda hoje tem levado essas áreas a um grande crescimento urbano. Em municípios como o de Ipojuca, no Estado de Pernambuco, a expansão da malha urbana nos últimos 20 anos (Fig. 2) torna evidente a relação entre infraestruturas de acesso, meios de hospedagem e crescimento populacional urbano.

Figura 2
Uso e ocupação do solo no município de Ipojuca/PE em 2000, 2010 e 2019.

O município de Ipojuca possui uma das praias de maior visitação do litoral nordestino, chamada “Porto de Galinhas”. Nesta localidade, assim como em outras praias adjacentes (Cupe, Muro Alto, Maracaípe, Serrambi), concentram-se a maior parte dos meios de hospedagem e serviços voltados ao setor do turismo de Sol e Mar do Estado de Pernambuco. Nessas localidades também tem surgido os chamados “Empreendimentos Turísticos Imobiliários”, que correspondem a associação entre segundas residências e resorts (ARAÚJO, 2011ARAÚJO, C. P. Terra à vista! O litoral brasileiro na mira dos empreendimentos turísticos imobiliários. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - São Paulo: USP, 2011).

Araújo (2011)ARAÚJO, C. P. Terra à vista! O litoral brasileiro na mira dos empreendimentos turísticos imobiliários. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - São Paulo: USP, 2011 afirma que, com a liberalização financeira ocorrida na década de 1990, houve um crescimento dos investimentos imobiliários e turísticos, em razão dos circuitos de transferências do capital financeiro para o ramo da produção do ambiente construído. Isto é, graças ao que Harvey (1978)HARVEY. D. The urban process under capitalism: a framework for analysis. International journal of urban and regional research, v.2, n.1-4, p.101-131, 1978. https://doi.org/10.1111/j.1468-2427.1978.tb00738.x
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chamou de secondary circuit of capital. Esses circuitos se concretizam mediante associação entre o capital estrangeiro e o nacional. No setor hoteleiro, bandeiras internacionais passam a operar hotéis e resorts locais, muitas vezes sem a propriedade das infraestruturas, graças a acordos de franquia. Outras vezes, esses investimentos se associavam ao capital nacional no intuito de facilitar burocracias locais na aquisição de terrenos e construção de ofertas imobiliárias em conjunto com os serviços de Resort. Esta simbiose entre o setor imobiliário e turístico é que tem dinamizado atualmente as principais mudanças espaciais no litoral nordestino.

O litoral baiano, com seus diferentes polos turísticos (Descobrimento, Litoral Sul e Salvador) possui o maior estoque de terrenos com empreendimentos desta natureza, alguns já operando e outros em construção, sendo as praias do Forte, Trancoso e Itacaré as pioneiras e de maior concentração (ARAÚJO; VARGAS, 2013ARAÚJO. C. P; VARGAS, H. C. Sorria: você está na Bahia. A urbanização e a turistificação do litoral baiano. Revista de Geografia e Ordenamento Territorial, v. 3, 23-41, 2013. https://doi.org/10.17127/got/2013.3.002
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). No Ceará, a costa Oeste (formada pelos municípios de Caucaia, São Gonçalo do Amarante, Paracuru, Itapipoca, Trairi e Paraipaba) foi a primeira a receber montantes representativos de investimentos públicos do PRODETUR, ainda na década de 1990. Depois, foram investidos recursos nas costas Leste (Aquiraz, Cascavel, Aracati e Icapuí) e Extremo Oeste (Itarema, Acaraú, Jeriquaquara, Camocim e Barroquinha), ampliando a área de atuação dos agentes econômicos do setor turístico. Recentemente, percebe-se uma maior ênfase dos investimentos públicos e um maior aporte de capital privado no imobiliário turístico em localidades estratégicas, tais como a chamada Costa do Sol Poente, que corresponde ao litoral Oeste e Extremo Oeste (CASTRO; PEREIRA, 2019CASTRO. T; PEREIRA, A. Q. Produção dos territórios turísticos no Ceará. Ateliê geográfico, v. 13, 51-72, 2019. https://doi.org/10.5216/ag.v13i2.58288
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).

PRODUÇÃO DO ESPAÇO PRAIANO EM UMA CIDADE NORDESTINA

A fim de ilustrar a forma com a qual o espaço praiano é produzido no Nordeste, apresentamos a seguir o caso do Recife, cidade da Região Nordeste do Brasil e que foi objeto de nossas pesquisas. Com uma população atual de 1.661.017 habitantes, segundo estimativas de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Recife é mais uma grande cidade litorânea brasileira, capital do Estado de Pernambuco e núcleo metropolitano (possui 3.743.854 habitantes na região metropolitana).

No início do século XX, as praias do Recife ainda eram lugares calmos e desabitados, embora sua frequentação viesse aumentando ano após ano. Araújo (2007a)ARAÚJO, R. C. B. As praias e os dias: história social das praias do Recife e de Olinda. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007. afirma que na primeira metade do séc. XIX, quando se iniciou a busca pelos banhos de mar, o Recife não dispunha de boas praias para esta atividade e, por isso, Olinda, cidade vizinha, recebia a maior parte dos banhistas. As praias do Recife se localizavam próximas ao centro e ao porto da cidade, sendo todas elas muito poluídas.

Havia, contudo, outras praias muito mais distantes, ao sul do território municipal, sendo todas elas de difícil acesso. A área onde hoje se situa o bairro do Pina e de Boa Viagem, antes chamada de Barreta ou Candelária, continham caminhos que eram tradicionalmente usados para o deslocamento ao sul do Estado, tais como a própria estrada de ferro ligando o Recife ao Rio São Francisco. Embora essenciais, esses caminhos jamais serviram ao estabelecimento de núcleos de povoamento expressivos. Todo o setor oceânico sul correspondia a uma imensa área rural, entrecortada por rios, canais e terrenos inconsolidados, onde se desenvolviam algumas culturas, como a dos coqueirais.

Nas duas primeiras décadas do século XX, diversos proprietários e empreendedores, muitos dos quais detentores de terras no entorno dessas praias, pressionaram o governo para viabilizar um acesso desde o centro da cidade. Entre diferentes propostas, aquela que se materializou foi a da construção da Avenida Beira-mar (Fig. 3), que partia desde o Pina até a Igreja de Boa Viagem.

Figura 3
Avenida Beira-mar, na década de 1940

Nada foi mais determinante para a produção do espaço praiano recifense que a construção da Av. Beira-mar, pois ela fazia parte de um conjunto ambicioso de obras de infraestrutura levada a cabo pela Prefeitura da cidade, no esforço de modernizações e expansões urbanas. Um dos resultados mais notáveis desse esforço foi a expansão urbana em direção, ao sul do município, ao longo do setor oceânico (Fig. 4) (MOREIRA; SARAIVA, 2018MOREIRA, F. D; SARAIVA, K. Dos subúrbios coloridos aos horizontes molhados: a expansão urbana do Recife nos anos 1920. In: Anais do XV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Rio de Janeiro: UFRJ, 2018.).

Figura 4
Vista aérea do bairro do Pina com a Avenida Ligação e a Igreja matriz do Pina ao fundo, década de 1940

Depois de construída, a Av. Beira-mar se cristalizou como mais vetor para ocupação das praias, pois não tardou a proliferação das casas de veraneios e, depois, de residências definitivas. Nas décadas de 1930 e 40, elas já haviam tomado quase toda a linha de costa (Fig. 5).

Figura 5
Av. Beira-mar e seus palácios, década de 1940

As décadas de 1930 e 40 também são marcadas pela abertura de loteamentos e a ocupação de áreas mais interiores, bem como a abertura de importantes vias e avenidas, propiciando o crescimento populacional dos bairros. A construção do novo aeroporto entre os bairros da Imbiribeira e do Ibura integraram ainda mais a atual zona sul com a cidade. A partir da década de 1950, as casas de veraneio ao longo das praias de Boa Viagem e Pina foram rapidamente substituídas por prédios modernos, com número cada vez maior de pavimentos. A oferta hoteleira cresceu enormemente, suplantando aos poucos a oferta da área central (SILVA, 2007SILVA, A. M. P. O processo de reorganização espacial da hotelaria do Recife: concentração em Boa Viagem e marginalização da área central. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-graduação em Geografia, Recife, 2007). A partir de então, o ambiente paradisíaco e balneário da praia foi dando lugar a bairros residenciais cada vez mais consolidados, com ampla oferta de serviços, chegando a constituir mais uma centralidade urbana. Araújo (2007a, p. 515)ARAÚJO, R. C. B. As praias e os dias: história social das praias do Recife e de Olinda. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007. sintetiza essas transformações ao dizer que

[...] no correr de apenas um século, quatro foram as paisagens que brotaram no solo do Pina e de Boa Viagem. Sítios de coqueiros, currais de peixe e alagado; palhoças de pescadores e bangalôs; palacetes; e, por fim, os edifícios verticalizados, quatro diferentes formas de ocupar os seus territórios, em que a última elimina quase todos os vestígios da que a antecede no tempo e no espaço.

A forma com que se deu a produção do espaço praiano recifense, portanto, findou com um modelo de ocupação concentrado e verticalizado, muito mais sujeito a estratégias especulativas do mercado imobiliário. O aumento da área construída também fez surgir problemas de infraestrutura urbana. Desde então, todo o setor oceânico passou a constituir um vetor de crescimento urbano e metropolização, que se foi acompanhando as praias, propagando-se para outros municípios e resultando em uma única mancha urbana conurbada e litorânea.

Santos (2020b)SANTOS. O. A. A. Da incorporação dos banhos salgados de mar à balnearização das praias do Recife: um -período denso- na produção do espaço praiano. Geotextos. v. 16, p. 13-35, 2020b. https://doi.org/10.9771/geo.v16i1.34984
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afirma que, na realidade urbana brasileira, as praias muitas vezes funcionam como vetores do processo de expansão da área metropolitana, apontando a direção desse crescimento. Essa urbanização praiana tende a crescer partindo desde as áreas mais consolidadas até as áreas menos ocupadas do território metropolitano, conforme destacaram Dantas e Pereira (2010)DANTAS, E. W. C; PEREIRA, A. Q. Reflexões sobre a vilegiatura marítima nos trópicos. In: DANTAS, E. W. C; FERREIRA, A. L; CLEMENTINO, M. L. M. (Org.). Turismo e imobiliário nas metrópoles. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010, p. 71-84 em estudo sobre as principais metrópoles nordestinas. Isso é especialmente perceptível em Recife, onde foi constatado dois vetores, ambos partindo do centro metropolitano em sentidos opostos, um Norte e outro Sul (SANTOS, 2020bSANTOS. O. A. A. Da incorporação dos banhos salgados de mar à balnearização das praias do Recife: um -período denso- na produção do espaço praiano. Geotextos. v. 16, p. 13-35, 2020b. https://doi.org/10.9771/geo.v16i1.34984
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).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O litoral nordestino possui grande diversidade de paisagens naturais, mas o ambiente mais importante é o das praias, em razão de sua atratividade e usos sociais. As praias do litoral nordestino foram socialmente apropriadas ainda no século XIX, quando um conjunto de valores e práticas sociais modernas e ocidentais foram mimetizadas pelas elites locais. Desde então, elas têm sido lugar para o estabelecimento de infraestruturas que contribuíram para sua balnearização. Mas depois, já no século XX, elas também passaram a atrair segundas residências e infraestruturas voltadas ao desenvolvimento do turismo.

O espaço praiano, portanto, resulta de processos de apropriação, valorização e consumo mercantil dos lugares. Tal espaço possui uma série de especificidades, que o distingue dos demais no território. O principal deles talvez seja sua relativa raridade, o que contribui à sua valoração (MORAES, 2007MORAES, A. C. R. Contribuições para a gestão da zona costeira do Brasil: elementos para uma Geografia do litoral brasileiro. 2.ed. São Paulo: Annablume, 2007. https://doi.org/10.11606/issn.1808-0820.cali.2006.64723
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). Mas o que mais singulariza o espaço praiano é sua ambiguidade. Trata-se, pois, de um espaço ao mesmo tempo aprazível, socialmente necessário, desigual e tendencialmente segregado. O desafio que se impõe aos gestores públicos, neste sentido, é o de torná-lo cada vez mais acessível e democrático.

  • FINANCIAMENTO

    Este estudo teve financiamento do CNPq

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2022
  • Aceito
    09 Fev 2023
  • Publicado
    10 Abr 2023
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