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Brasil: deixando de ser país de viado? Análise do discurso da ideologia de gênero no cis-héterobolsonarismo

¿Brasil: dejando de ser país de maricas? Análisis del discurso de la ideología de género en el cis-hétero-bolsonarismo

Brazil: no longer a country of fags? Analysis of the discourse of gender ideology in cis-hetero-bolsonarism

Resumo

Neste artigo tenho como objetivo refletir sobre as singularidades sexuais e de gênero presentes no bolsonarismo. Para isso, analiso o funcionamento discursivo das políticas sexo-gendradas que irrompem, hegemonicamente, do discurso da extrema direita, representado pelo que se convencionou chamar, nessa formação discursiva, de “ideologia de gênero”. Utilizo o termo “cis-hétero-bolsonarismo” para descrever essas configurações político-ideológicas que se apresentam desde os movimentos reacionários latino-americanos das últimas décadas. Ao delimitar o fenômeno do cis-hétero-bolsonarismo, busco interpretar o funcionamento dessa discursividade, compreendendo sua rede dispositiva de sentidos pela descrição de seus domínios de memória, a saber: integralismo, militarismo e fascismo. Para abordar tais questões, tenho os estudos da Linguagem, a teoria queer e os estudos da biopolítica como referências teóricas.

Palavras-chave
estudos da linguagem; políticas sexuais e de gênero; biopolítica; fascismo; bolsonarismo.

Resumen

En este artículo mi objetivo es reflexionar sobre las singularidades sexuales y de género presentes en el bolsonarismo. Para eso, analizo el funcionamiento discursivo de las políticas sexo-género que emergen, hegemónicamente, del discurso de la ultraderecha, representado por lo que se ha convenido en llamar, en esta formación discursiva, “ideología de género”. Utilizo el término “cis-hétero-bolsonarismo” para describir estas configuraciones político-ideológicas que se presentan desde los movimientos reaccionarios latinoamericanos de las últimas décadas. Al delimitar el fenómeno del cis-hétero-bolsonarismo, busco interpretar el funcionamiento de esta discursividad, comprendiendo su red dispositiva de sentidos mediante la descripción de sus dominios de memoria, a saber: integralismo, militarismo y fascismo. Para abordar estas cuestiones, tengo los estudios del Lenguaje, la teoría queer y los estudios de la biopolítica como referencias teóricas.

Palabras clave
estudios del lenguaje; políticas sexuales y de género; biopolítica; fascismo; bolsonarismo.

Abstract

In this article my aim is to reflect on the sexual and gender singularities present in Bolsonarism. To do so, I analyze the discursive functioning of sex-gender policies that emerge, hegemonically, from the discourse of the far-right, represented by what has become known, in this discursive formation, as “gender ideology”. I use the term “cis-hetero-bolsonarism” to describe these political-ideological configurations that have emerged from Latin American reactionary movements in recent decades. By delimiting the phenomenon of cishetero-bolsonarism, I seek to interpret the functioning of this discourse, understanding its dispositif network of meanings through the description of its domains of memory, namely: integralism, militarism, and fascism. To address these issues, I have language studies, queer theory, and biopolitical studies as theoretical references.

Keywords
language studies; sex and gender policies; biopolitics; fascism; Bolsonarism.

O nome do Pai1 1 Este ensaio apresenta uma versão expandida e aprimorada do argumento publicado anteriormente na edição on-line do jornal Le Monde Diplomatique Brasil. Esta versão contém questões originais não abordadas anteriormente. É importante mencionar que ela foi revisada e revista a partir das contribuições de Maurício Beck, Isaías Carvalho, Iago Moura, Lauren Gomes, Rodrigo Parrini, André Mitidieri e Rogério Modesto. Além disso, as sugestões dos pareceristas anônimos e revisores de Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana foram fundamentais para o aprimoramento deste trabalho. Gostaria de expressar minha gratidão especial a Leila Raposo pela sugestão de trabalhar com este objeto de análise.

O bolsonarismo2 2 Para uma análise das políticas sexuais e de gênero no bolsonarismo, veja Parrini (2019), Corrêa e Kalil (2020), Brito (2020), Afonso-Rocha (2020b, 2021a, 2022). (Afonso-Rocha, 2021bAFONSO-ROCHA, Rick. 2021b. “Cis-hétero-bolsonarismo e suas definições”. Le Monde Diplomatique Brasil, 12 de janeiro de 2021. Disponível em: https://diplomatique.org.br/cis-hetero-bolsonarismo/. [Acesso em 15.04.2021].
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) parece corresponder a uma nebulosa político-ideológica de imagens produtoras de afetos tristes. Uso3 3 Inspirado em Adorno (1962), destaco que este trabalho possui natureza de ensaio. Isto significa que não estabelece relação positivista com a ciência, mas que acontece no entremeio da filosofia com a literatura, sendo assombrado pelo regime do científico com o qual constitui uma relação de contradição: “Por eso, la ley formal más íntima del ensayo es la herejía. En la cosa, mediante la violación de la ortodoxia del pensamiento, se hará visible aquello que ella pretende mantener invisible y que, secretamente, constituye su fino objetivo.” (Adorno, 1962: 20). a metáfora da poeira interestelar (nebulosa) para marcar uma possível especificidade desse fenômeno. Pois, tal como o leio, vejo que ele possui consistência evasiva, volátil e densidade plástica. Com isso, não quero apontar para seus supostos equívocos, muito menos busco tomar suas possíveis contradições como índices incontornáveis da fraqueza ou do fracasso desse movimento. Pelo contrário, penso que sua gasosidade lhe seria imanente, funcional e estrutural, assim como seu fracasso imaginário. Para que seja efetivo, precisa funcionar como uma nébula social: aglomerado difuso, heterogêneo e contraditório de discursividades, ouseja, precisa dissimular um não apagamento da contradição como signo de fraqueza, precisa se fazer ver como debilidade ideológica. Seria tão aparentemente confuso e contraditório que passaria, à primeira vista, como algo ridículo, que nem mereceria nosso interesse. Contudo, esse ridículo é político, como bem demonstrou Tiburi (2020)TIBURI, Márcia. 2020. Como derrotar o turbotecnomachonazifascismo. Rio de Janeiro: Record..

Como efeito desse funcionamento difuso e aparentemente risível, podemos citar que, até 2017, era comum vermos “especialistas” políticos rirem quando questionados sobre a possibilidade da eleição de Jair Bolsonaro, ou de qualquer outra figura pitoresca da extrema direita, ainda que o nome de Bolsonaro já se colocasse como uma possibilidade real de ir ao segundo turno. Houve quem afirmasse que, chegando mais próximo das eleições, seu eleitorado migraria para um candidato mais “sério”, da dita centro-direita (Marques, 2017MARQUES, Vitor. 2017. “Para cientista político, quem declara voto em Bolsonaro deve migrar para PSDB”. Estadão, 09 de outubro de 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2017/10/09/paracientista-politico-quem-declara-voto-em-bolsonaro-deve-migrar-para-psdb.htm. [Acesso em 18.11.2020].
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). Ainda hoje, alguns se perguntam incrédulos: “como foi possível?”.

Em alguma medida, o bolsonarismo explorou sua própria ridicularização. Haveria uma truculência cômica que mascararia seus absurdos. Leva-se a rir. Pelo riso, a sujeição é facilitada e as absurdidades são escamoteadas pelo funcionamento do cômico, daquilo que é digno de riso, produzindo, com isso, a aceitação social do terror. Desprezar o grotesco no bolsonarismo, ou lê-lo como mera cortina de fumaça, seria, acredito, deixar seu funcionamento político escorrer pela rigidez da análise que busca tudo explicar numa moldura teórica do século XIX. Este também é um dos funcionamentos do bolsonarismo: o controle pelo grotesco, pelo riso que serve à produção das condições de aceitabilidade do absurdo, daquilo que antes era, talvez, visto mais hegemonicamente como inaceitável. O bolsonarismo põe em jogo uma governamentalidade ne(cr)oliberal sustentada pelo estado de ameaça permanente e pelo risível como mecanismo de produção da comunidade bolsonarista.

Pela presunção de confiança no projeto humanista (colonial, não esqueçamos), supõe-se que os valores ditos civilizatórios funcionariam como uma pressurização moral contra o discurso da estupidez (Dias, 2020DIAS, Mauro Mendes. 2020. O discurso da estupidez. São Paulo: Iluminuras.), impossibilitando, assim, mandatos, no Executivo Federal, como os de Jair Bolsonaro, de Levy Fidelix ou mesmo de Enéas Carneiro. Tais candidaturas eram “levadas a sério” apenas por uma parcela mínima de eleitores, imaginava-se... Para os demais, funcionariam como alívio cômico durante o horário eleitoral e durante os debates presidenciais. O espaço político no qual aquelas figuras pitorescas ou folclóricas podiam ser aceitas (ou toleradas) seria o Legislativo. E ali tudo cabia, sem grandes riscos, pensava-se. Fato este que, de alguma forma, era explicado pelo imaginário do voto-protesto.

Esqueceram-se, contudo, dois pontos. Primeiro, há imagens dominadas que fraturam o funcionamento dominante de produção de homogeneidade. Com isso, o que antes era visto apenas como alívio cômico também estava a produzir suas identificações e suas contradições, explorando os espaços políticos, visto que pelo riso podia circular livremente. Segundo, esquecera-se que a outra face do projeto humanista é a produção da barbárie como forma de controle social e que a barbárie pode fazer rir, e faz rir para produzir a aceitação do absurdo - doses homeopáticas de terror - mobilizando, com isso, identificações e despertando o amor ao terror.

Esse fracasso imaginário teria como efeito a difícil caracterização do fenômeno bolsonarista, levantada pelos debates sobre as (im)possibilidades de adjetivá-lo como um movimento (neo)nazifascista4 4 Para análises sobre as relações entre o bolsonarismo e o fascismo: Nascimento (2020), Boito Jr. (2019, 2020), Gonçalves e Caldeira Neto (2020). ou, pelo menos, como movimento de massa reacionário atravessado pela ideologia fascista5 5 Grafo o significante fascista com itálico na partícula “cis” por entender que a ordem sexual e de gênero lhe é estrutural e intrínseca. . O termo fascismo é frequentemente utilizado de forma ampla e imprecisa para descrever uma variedade de movimentos político-ideológicos e também para criticar políticos e personalidades públicas.

A opinião sobre se o bolsonarismo pode ou não ser caracterizado como um movimento fascista é objeto de debate e controvérsia. Alguns críticos argumentam que o bolsonarismo apresenta características do fascismo, como o culto à personalidade do líder, a movimentação de massa, ter sido gestado no interior da frustração pequeno-burguesa, o autoritarismo, o ultranacionalismo, a intolerância com grupos minoritários, a desvalorização performática da democracia e dos direitos humanos e o seu posterior gerenciamento pela grande burguesia (Boito Jr., 2019BOITO JR., Armando. 2019. “O neofascismo no Brasil”. Boletim LIERI, UFRRJ. Nº 1. Maio 2019. Disponível em: <http://laboratorios.ufrrj.br/lieri/wpcontent/uploads/sites/7/2019/05/Boletim-1-O-Neofascismo-no-Brasil.pdf >. [Acesso em 21.01.2021].
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, 2020; Finchelstein, 2020FINCHELSTEIN, Federico. 2020. “’Bolsonaro é o populista que mais se aproximou do fascismo na história’, diz Federico Finchelstein”. The Intercept Brasil, 7 de julho de 2020. Disponível em: https://theintercept.com/2020/07/07/bolsonaro-populistafascismo-entrevista-federico-finchelstein/. [Acesso em 05.95.2021].
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; Lowy, 2019LOWY, Michel. 2019. “Neofascismo: um fenômeno planetário - o caso Bolsonaro”. A Terra é Redonda, 24 de outubro de 2019. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/neofascismo-um-fenomeno-planetario-o-casobolsonaro/. [Acesso em 27.04.2021].
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; Lísias, 2020LÍSIAS, Ricardo. 2020. Diário da catástrofe brasileira: Ano I - O inimaginável foi eleito. Rio de Janeiro: Editora Record.). No entanto, outros, considerando-se mais “cuidadosos”, argumentam que a comparação é exagerada e inadequada, realizada, supostamente, “no calor do momento” e com algumas imprecisões ou torções teóricas e metodológicas (Borón, 2019BORÓN, Atilio. 2019. “Caracterizar o governo de Jair Bolsonaro como ‘fascista’ é um erro grave”. Brasil de fato, 02 de janeiro de 2019. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/01/02/artigo-or-caracterizar-o-governo-dejair-bolsonaro-como-fascista-e-um-erro-grave. [Acesso em 05.05.2021].
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)6 6 Para compreender a complexidade do funcionamento político do bolsonarismo: Rocha (2021), Tiburi (2020), Guerreiro (2019), Lísias (2020), Nobre (2020) e Gomes (2020). . Dessa forma, argumentam que o bolsonarismo pode ser mais bem descrito como um movimento populista da extrema direita.

Essa suposta confusão terminológica decorreria da existência tanto de elementos centrais no bolsonarismo que o aproximariam do nazismo, do fascismo, do integralismo e de tantos outros fenômenos reacionários e populistas, como também, segundo uma leitura mais tradicional, da existência de elementos que o distanciariam daqueles movimentos. Tal interpretação (Chauí, 2020CHAUI, Marilena. 2020. “O totalitarismo neoliberal”. Anacronismo e irrupción. Vol. 10, n. 18, p. 307-328.) sublinha o aspecto aparentemente contraditório desse enquadramento e do próprio bolsonarismo, o qual congregaria elementos possivelmente inconciliáveis em relação ao movimento fascista, este lido como um complexo homogêneo historicamente determinado, quase imutável.

Como destacado por Beck7 7 Em comentário sobre este trabalho. , há algo ainda pouco lembrado nesta questão: os fascistas italianos, os nazistas alemães, os integralistas brasileiros se chamavam por esses termos, se reconheciam neles. Já os bolsonaristas se reconhecem como bolsonaristas, rechaçando, hegemonicamente, a identificação com os termos fascista e nazista, inclusive utilizando-os para designar seus oponentes e adversários. Há, contudo, uma parcela considerável de bolsonaristas que se reconhecem como integralistas (Gonçalves; Caldeira Neto, 2020GONÇALVES, Leandro; CALDEIRA NETO, Odilon. 2020. O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo. Rio de Janeiro: Editora FGV.). E claro, não desconsidero que existe uma parcela pouco expressiva de bolsonaristas que se reconhecem pelo termo “nazista”, utilizando emblemas, insígnias, símbolos e signos que remetem diretamente à semiologia nazifascista, a exemplo do secretário de Cultura do governo Bolsonaro, Roberto Alvim que, em pronunciamento endereçado à nação, em janeiro de 2020, reproduziu trechos do discurso de ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels (Alessi, 2020ALESSI, Gil. “Secretário da Cultura de Bolsonaro imita fala de nazista Goebbels e é demitido”. El país, São Paulo, 17 de janeiro de 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-01-17/secretario-da-cultura-de-bolsonaroimita-discurso-de-nazista-goebbels-e-revolta-presidentes-da-camara-e-do-stf.html. [Acesso em 13.05.2023].
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).

Noutra direção, relativamente distinta, busco compreender o bolsonarismo como um mosaico de discursos produtores de afetos tristes, centrado na construção de um antagonismo imaginário a serviço da estruturação e da profissionalização de uma forma-estatal de contrarrevolução (Fidelis; Seabra, 2021FIDELIS, Thays; SEABRA, Raphael. “Fascismo e profissionalização da contrarrevolução no Brasil”. Revista Katálysis. Vol. 24, p. 407-416.).8 8 Destaco a leitura instigante feita por Fidelis e Seabra (2021), que consideram o bolsonarismo como a profissionalização da contrarrevolução no Brasil. Segundo eles, a dificuldade de rotular os governos e os movimentos reacionários e/ou autoritários latino-americanos das últimas décadas como fascistas ou neofascistas leva a compreendê-los, em seus funcionamentos político, ideológico e econômico, como configurações da forma-Estado de contrainsurgências. Esta configuração visa profissionalizar o aparato técnico-militar-empresarial-burguês, a fim de impedir qualquer ameaça potencial ao acúmulo capitalista, a exemplo das condições próximas ao pleno emprego durante os governos petistas. O argumento apresentado pelos autores é relevante por permitir uma leitura mais precisa do bolsonarismo como uma forma de profissionalização da contrarrevolução. Esse funcionamento do bolsonarismo, aqui chamado de deimopolítico, se faz pela recursividade estrutural à ideologia fascista. Recursividade que deve ser lida como repetibilidade criativa (Gonçalves, 2011GONÇALVES, Rodrigo. 2011. “O aspecto criativo da linguagem: Varrâo e Chomsky”. Calíope: Presença Clássica. Nº 18, p. 127-146.).

Compreendo, portanto, que embora o bolsonarismo rompa com a estabilidade discursiva do fascismo e não possa ser enquadrado como retorno deste (da sua forma historicamente determinada - Itália e Alemanha) ou como a expressão de um fascismo sudaca, criolo ou tropical, esse rompimento se faz pela repetição do processo discursivo fascista. Sendo assim, é possível afirmar que o bolsonarismo reatualiza, repete e integraliza a ideologia fascista, diferenciando-se desta.

O conceito de deimopolítica, gestado por mim, põe em jogo a generalização do medo como estratégia de estruturação do pânico constituinte e fundante do modo de produção capitalista. É o pânico que sustentaria e respaldaria, em última instância, nossa congregação política e produziria a neutralização do ódio de classe pelo escamoteamento da superexploração ao fabricar o antagonismo imaginário. O vínculo político se assentaria, assim, no estado de pânico permanente. Por medo do outro, somos levados a direcionar nossos afetos para algo que possa conter ou eliminar aquilo que supostamente nos ameaçaria, produzindo nossa esperança na ordem capitalística pela mediação da autoridade estatal e, quiçá agora, pela autoridade carismática das corporações transnacionais, a exemplo das Big Tech.

A deimopolítica9 9 Uso a metáfora de Deimos, deus grego do pânico (∆ɛῖμος), irmão gêmeo e companheiro de luta de Fobos, o deus do medo (φόβος), para designar esse funcionamento político de gerenciamento do medo e produção da esperança. Para uma discussão mais aprofundada sobre tal conceito, consultar Afonso-Rocha (2020a, 2021c). está, assim, intrinsecamente ligada ao modo de produção capitalista. A luta de classe é pacificada ou escamoteada por um antagonismo imaginário, que é produzido pela deimopolítica. O medo é usado para impedir a ação coletiva e manter as relações de poder existentes. A esperança é usada para mobilizar os sujeitos em torno de projetos que não desafiam a estrutura capitalista. A deimopolítica, portanto, é um exercício do poder que se origina da ideologia burguesa.10 10 Além disso, é importante lembrar que a deimopolítica não é um fenômeno novo. Ela está presente desde o surgimento do Estado moderno. O que mudou ao longo do tempo foi a forma como ela se manifesta.

A repetibilidade criativa, por sua vez, consiste em uma forma de fazer trabalhar a materialidade da enunciação, a qual aponta para as interrelações enunciativas, tanto em seu nível linguístico quanto em seu nível lógico. Logo, quando tomo o bolsonarismo como uma formação histórica11 11 Conceito de Deleuze (2017) lendo Foucault. de significação12 12 Com o conceito de formação histórica, aponto, a partir de Deleuze (2017), para o entrecruzamento dos estratos que formam o saber: os enunciados e as visibilidades. São as condições por meio das quais as mentalidades se formulam e os comportamentos se manifestam em dada região e domínio específico, isto é, adentram no campo de inteligibilidade. Dessa forma, aquilo que é possível ver e falar em dada época sobre determinado objeto, prática ou sujeito decorre da pressurização das relações de poder dominantes. da posição sujeito inimigo que estabeleceria relação de recursividade com o fascismo, penso na rede dispositiva que se estabelece nesse funcionamento deimopolítico de retroalimentação constitutiva, no qual o acontecimento discursivo fascista comparece como domínio de memória (Courtine, 2014COURTINE, Jean-Jacques. 2014. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EDUFSCAR.) do bolsonarismo. Os enunciados que emergem dessa discursividade produzem sentidos pela repetição criativa da ideologia fascista, o que entrelaça o bolsonarismo, em alguma medida, a uma pluralidade de fenômenos reacionários (Coelho, 2020COELHO, Leandro. 2020. “Bolsonarismo ressuscitou o integralismo, dizem autores de livro sobre o tema”. Ponte, 18 de agosto de 2020. Disponível: https://ponte.org/equiparar-integralismo-ao-fascismo-ou-nazismo-e-equivocado-dizem-autores-delivro-sobre-o-tema/. [Acesso em 18.11.2020].
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) que também foram atravessados pelo processo discursivo fascista: fascismo italiano, integralismo brasileiro, ditaduras militares latino-americanas etc.

As análises que leem a ascensão da ultradireita nos EUA, na Europa e na América Latina nos últimos anos como uma expressão fascista na contemporaneidade parecem, assim, desprezar essa complexidade. Penso que há uma diferença entre compreendê-los como movimentos reacionários atravessados pelo processo discursivo fascista e caracterizá-los como fascistas ou como uma espécie nova de fascismo. Esta última postura levaria, acredito, à desconsideração de suas especificidades e seus singulares funcionamentos no social e no político.

Se o bolsonarismo se assemelha, em alguma medida, ao militarismo das ditaduras de Segurança Nacional, ao integralismo brasileiro e ao nazifascismo ítalo-alemão é talvez porque, antes de tudo, algo se repete nesses fenômenos, ainda que sob outras formas. Há um encontro de sentidos na produção dessas redes dispositivas de discursividades. Essa repetição diz de algo no terreno da língua, isto é, das condições linguísticas necessárias ao exercício do poder (autoritário) do Estado. Algo da política linguística das ditaduras latino-americanas, que também repetia algo da política linguística integralista e que, por sua vez, remetia a algo da política linguística do fascismo italiano, se repete no bolsonarismo.13 13 Diferença e repetição convivem. O próprio Foucault (2008) diz que a enunciação (diferença) movimenta o enunciado (repetição). Deleuze (2002) nos ajuda a ver que há não apenas diferença no nível da superfície, mas também no da estrutura. O que se repete repete-se diferentemente.

Toda emergência põe em jogo reemergências (im)possíveis. Essa repetição passa pela construção dos referentes discursivos “comunista” e “comunismo” (Mariani,1996MARIANI, Bethânia. 1996. O comunismo imaginário: práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Tese deDoutorado em Linguística, Universidade de Campinas.) como signos que atravessam e governam os sentidos de adversário, de divergência, de democracia no interior da língua republicana: a maneira política de negar a própria política (Pêcheux, 1990PÊCHEUX, Michel. 1990. “Delimitações, inversões, deslocamentos”. Cadernos de estudos linguísticos. Vol. 19, p. 7-24.) que, ao tornar visível a fronteira da “inimigalidade”, mostra-nos que a forma política do Estado de Direito se baseia na produção “[d]o intruso interno como ‘traidor’, ‘sabotador’ e ‘agente do inimigo’, e expulsando-o para fora do ‘nós’ unânime do indivíduo social universal” (Pêcheux, 1990PÊCHEUX, Michel. 1990. “Delimitações, inversões, deslocamentos”. Cadernos de estudos linguísticos. Vol. 19, p. 7-24.: 15). Isto nos faz afirmar a tese agambeniana (2007) de que não há estado de direito sem estado de exceção. A exceção fundamenta e permite a normalidade burgo-deimocrática.

Uma contradição da fraseologia democrática, visto que, apesar de a “língua da ideologia jurídica conduzir a luta de classe sob a aparência da paz social” (Pêcheux, 1990PÊCHEUX, Michel. 1990. “Delimitações, inversões, deslocamentos”. Cadernos de estudos linguísticos. Vol. 19, p. 7-24.: 11), para que a luta de classe seja direcionada à conciliação, faz-se preciso que a língua da ideologia jurídica opere como língua de exceção, deslocando-se da aparência da paz social, conduzindo, assim, a luta de classe sob a aparência da guerra de todos contra todos. Antagonismo imaginário que desloca os olhares do antagonismo real, apagando o funcionamento da ideologia dominante e sua sobredeterminação nas ideologias dominadas.

Nos momentos de ditadura, os discursos orientados pela ideologia fascista habitam o campo macro de visibilidade, comparecem com força no social e no político. Contudo, nos momentos de democracia, esses discursos não desaparecem.

Eles continuam sendo formulados e estão em circulação. O verniz democrático e o manto civilizatório criam a ilusão de que, na democracia, esses dizeres não têm espaço quando, em verdade, eles estão a retroalimentar o teatro democrático burguês.

Essa recursividade, então, pressupõe a difícil caracterização do bolsonarismo, pois se afiança numa indeterminação contraditória. Não sendo integralmente isso ou aquilo, o bolsonarismo passa como um aglomerado enunciativo confuso, supostamente sem consistência, sem expectativa de durabilidade, pois débil ideologicamente. Logo, estaria, como consequência lógica, fadado ao fracasso, à necessária superação, ao desaparecimento. Paradoxalmente, o sucesso do bolsonarismo é seu próprio fracasso. Ou melhor, o sucesso do bolsonarismo é produzir seu fracasso imaginário (Halberstam, 2020HALBERSTAM, Jack. 2020. A arte queer do fracasso. Recife: Cepe.), o que, de alguma forma, funciona para neutralizar algumas das ações de combate, de resistência.

Parto de uma noção discursiva do termo fascismo para caracterizar o bolsonarismo como movimento reacionário que tem no fascismo seu principal domínio de memória e que, por atualizar a memória das ditaduras de Segurança Nacional latino-americanas14 14 Tomo as ditaduras militares latino-americanas como regimes atravessados pela ideologia fascista, cujas conjunturas políticas, econômicas e ideológicas periféricas gestaram as condições de produção de um acontecimento histórico com destacada especificidade: o fascismo dependente (Santos, 2018) - que leio como reemergência da ideologia fascista em condições de produção radicalmente diversas daquelas nas quais o fascismo histórico foi produzido (repetição que produz o novo). e por emergir no contexto do capitalismo periférico, também é atravessado pelo fenômeno do fascismo dependente (Santos, 2018SANTOS, Theotonio. 2018. “Socialismo e Fascismo na América Latina hoje”. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas. Vol. 12, n.1, p. 2-21.).

Faz-se preciso pontuar que a análise de Santos (2015)SANTOS, Theotonio. 2015. “Socialismo o fascismo: el nuevo carácter de la dependencia y el dilema latinoamericano”. In: RIVERA, María del Carmen del Valle; VILLAZUL, Sergio Javier Jasso. Obras reunidas de Theotonio dos Santos: tomo I. Ciudad de México: UNAM.15 15 Diante do debate sobre a possível distinção conceitual entre “ditaduras militares” e “ditaduras fascistas”, discordo tanto daqueles que afirmam uma radical diferença entre os fenômenos supracitados, a exemplo de Riz (1977) e Bóron (1977), como da leitura que toma as ditaduras militares como uma espécie do gênero fascismo, a exemplo de Cuevas (1977) ou da interpretação mais tradicional que se dá ao conceito de fascismo dependente de Santos (2011), ou seja, de que esse seria um fascismo criolo, uma expressão tropical do fascismo europeu, desprezando, com isso, a distinção entre o fascismo historicamente determinado e a produção discursiva fascista. sobre o fascismo dependente, como a leio, diz respeito ao funcionamento ideológico do discurso fascista que atravessava o político, no contexto das ditaduras militares latinas, na tentativa de criar suas condições de dominância na matriz social de produção dos dizeres, tal qual ocorre atualmente no bolsonarismo. Ainda que crie essas condições, não estaremos diante do fascismo histórico, mas sim de outro fenômeno atravessado pela ideologia fascista, a exemplo do que aconteceu nas décadas de 1960-1980 na América Latina.

Ainda nessa direção, concordo parcialmente com Boito Jr. (2020BOITO JR, Armando. 2020. “Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo”. Crítica Marxista. Vol. 1, n. 50, p. 111-9.) em suas razões para caracterizar o bolsonarismo como um movimento e um governo neofascistas e afirmar que não se trataria nem de uma ditadura, nem de um Estado fascista. Contudo, sinalizo para a não equivalência entre esses acontecimentos histórico-enunciativos (fascismo italiano, nazismo alemão e bolsonarismo), já que cada um deles é governado por determinadas estabilidades discursivas, fraturando ou afirmando uma série de formações discursivas. Em verdade, emprego o termo fascista e fascismo não como expressão de sua forma historicamente determinada ou como forma abstrata ou ainda como modo (a)típico de operação do Estado contemporâneo, mas sim remetendo às regularidades de um processo discursivo que atravessou cada um desses acontecimentos.

Não me resta dúvida de que o fascismo, em sua concepção histórica, constitui uma forma excepcional do Estado capitalista que se deu em determinadas condições de produção,16 16 As formas capitalistas de exceção, a saber: fascismo, bonapartismo e ditadura militar, aqui tomadas como processos discursivos (para além de sua experiência historicamente determinada), atravessam e constituem as formas de operar do Estado em Latinoamérica (Zavaleta Mercado, 2006). uma forma historicamente determinada (Borón, 1977BORÓN, Atilio. 1977. “El fascismo como categoría histórica: en torno al problema de las dictaduras en América Latina”. Revista mexicana de Sociología. Vol.39, n. 2, p. 481-528.): irrepetível. Entretanto, essa forma historicamente determinada está inscrita no social. Trata-se de uma forma material, logo linguística e histórica. Por isso, sua rede dispositiva continua a romper o político, atravessando os processos enunciativo-discursivos e fazendo-se presença no social e no político. Ser historicamente determinada não significa ter suas condições discursivas de reemergência anuladas. O fascismo como acontecimento histórico (Itália e Alemanha) não se confunde com a ideologia fascista, ou seja, com o fascismo como acontecimento enunciativo-discursivo que, certamente, antecede a experiência ítalo-alemã. A ideologia fascista continua a produzir fascínio e a interpelar sujeitos, reemergindo em discursos dos mais diversos, a maioria deles alinhados à (extrema?) direita, mas também há reemergência desses dizeres nos campos ditos progressistas e de esquerda.

Em termos populares, diria que a ideologia fascista é um dos ingredientes do fascismo histórico. E esse ingrediente apresenta sabores, aromas e texturas outros a depender do terreno no qual é plantado, das condições espaço-temporais em que se desenvolve. É sempre um elemento novo. Não é porque a moqueca e o vatapá têm como base o azeite de dendê e o leite de coco que são a mesma comida. Apesar de o dendê e de o leite conectarem intimamente o sabor desses dois pratos, eles são radicalmente diferentes.

A partir desse enquadramento, é preciso ainda pontuar que o bolsonarismo, tal qual o concebo, não se confundiria com o nome civil sob o qual foi substanciada a ocupação empírica da presidência da República. Esse funcionamento deimopolítico teria comparecido antes e, certamente, permanecerá para além de Jair Bolsonaro. Pode ser até que o tubo dérmico nomeado como Jair Bolsonaro deixe de reclamar uma identidade imaginária de bolsonarista. Ainda assim, o bolsonarismo poderá existir como nebulosa político-ideológica.

Esse nome civil serviria como ponto de ancoragem contingente desse movimento reacionário: “[...] Jair Bolsonaro foi o ponto de fuga de uma série de pulsões fundadoras de nossa formação atavicamente desigual e profundamente hierárquica [...]”. (Rocha, 2021ROCHA, João Cezar de Castro. 2021. Guerra cultural e retórica do ódio. Goiânia: Caminhos.: 354). Antes dele, ensaiaram-se suportes subjetivos outros, a exemplo de Marco Feliciano, Magno Malta, Silas Malafaia. Contudo, foi pelo uso do significante Bolsonaro que teve condições de emergência e de dominância. Se não fosse este, certamente seria outro. Poderíamos estar falando de algo como “felicianismo” ou “cunhismo” (Gomes, 2019GOMES, Wilson. 2019. “O circuito da defesa de Bolsonaro”. Revista Cult, 16 de agosto de 2019. Disponível em: <https://revistacult.uol.com.br/home/bolsonarocircuito-de-defesa/>. [Acesso em 24.01.2021].
https://revistacult.uol.com.br/home/bols...
).

O “bolsonarismo”, assim nomeado pela ancoragem no nome civil Jair Bolsonaro, não passaria de uma contingência, uma montagem aleatória que surgiu, que pegou.17 17 Aqui, faço referência ao materialismo do encontro, proposto por Althusser (2005). Por isso, entendo o bolsonarismo como uma rede dispositiva de discursos18 18 O discurso bolsonarista funciona, penso eu, como discurso autoritário (Orlandi, 2016), pois marcado pela repetição/paráfrase e pela contenção da polissemia. que se ancora nesse significante pela produção de Bolsonaro como efígie do bolsonarismo. Para Chartier (2011)CHARTIER, Roger. 2011. “Defesa e ilustração da noção de representação”. Fronteiras. Vol. 13, n. 24, p. 15-29., a efígie remete a uma distinção entre o representado ausente e o objeto que o faz presente e nos permite conhecê-lo. A efígie postula, portanto, “uma relação decifrável entre o signo visível e o que ele representa” (2011: 17), visto que, no lugar do significado, compareceria uma cadeia infinitesimal de significantes, que formatam, com isso, uma paisagem (autoritária de significação) corpórea.19 19 A partir do conceito de paisagem corpórea, compreendo as formas de ver, de dizer e escutar o corpo produzidas em uma determinada formação histórica. A paisagem representa uma imagem aparentemente homogênea e estática de uma corporalidade específica. A paisagem é a extensão simbólica que molda o olhar hegemônico sobre os corpos, delimitando sua inteligibilidade: aquilo que é (in)visível, (i)nomeável e (in)audível. Portanto, ela gerencia a circulação de afetos socialmente produzidos em relação a esses corpos, definindo quem merece ser chorado ou quais corpos são considerados indignos de compaixão.

Seria a partir do “sequestro” da imagem de um político do baixo clero - conservador, ligado às crescentes forças neopentecostais, trazendo a reboque a ideologia militarista, sem deixar de lado os interesses do agronegócio, do Capital internacional e mobilizando, nesse funcionamento ideológico, o imaginário de identificações burguesas da chamada “classe média” - que as configurações autoritárias teriam se condensado e se personificado, isto é, teriam ganhado corpo. Bolsonaro, enquanto significante, serviria como voz, corpo e imagem do bolsonarismo. Por meio dessa efígie, o fascismo que vem20 20 Agamben (2013) propõe que a comunidade que vem é uma comunidade sem identidade, que se constitui a partir da singularidade do qualquer. Nesta perspectiva, não há um elemento unificador que determine a identidade da comunidade, mas sim uma multiplicidade de singularidades que se articulam a partir do comum que as atravessa. Dessa forma, a comunidade que vem é uma comunidade aberta, em constante processo de formação e transformação. Por outro lado, o fascismo que vem pode ser compreendido como uma reação a essa comunidade sem identidade. O fascismo busca impor uma identidade coletiva rígida. O fascismo tenta criar uma comunidade homogênea, baseada em uma única identidade (macho branco), negando a multiplicidade de singularidades que caracteriza a comunidade que vem. Assim, o fascismo que vem pode ser entendido como um movimento reativo ao vir a ser communitas. teria conseguido se fazer presença. Se antes o terror fascista talvez precisasse, senão se esconder, pelo menos dissimular-se, com a consolidação do bolsonarismo teria sido fabricado o imaginário respaldo social, legitimando o que antes poderia estar recalcado sob o signo da vergonha.

Paisagens do medo

Este ensaio assim define o bolsonarismo: contradições funcionais, configurações autoritárias e uma boa pitada de ressentimento, que servem como mobilizador dos afetos reacionários pelo trabalhar da ideologia fascista, centrado na produção de inimizades. Mais o retórico elemento fundamentalista cristão (Cunha, 2020CUNHA, Magali do Nascimento. 2020. Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para a ação. Salvador: Koinonia.).

Em sua produção de inimizade, o bolsonarismo irrompe contra as práticas, os saberes, as corporalidades e as gnoses negras, indígenas, LGBT+, quilombolas, feministas, das putas, do campo, das comunidades tradicionais, ribeirinhas, periféricas. O bolsonarismo irrompe contra os saberes do Sul metafórico. Longe de isto ser a expressão de sua “ignorância” ou inconsistência, colocaria em jogo um generalismo estratégico: sendo contra tudo, o bolsonarismo se projetaria como única saída e única chance de vitória na guerra imaginária que ele mesmo recria, reforça e reatualiza. Uma guerra fantasmática produzida pela política de ressentimento como instrumento de punição dos ditos inimigos. Essa punição seria produzida, então, como justa, merecida e legítima: a guerra fantasmática como forma de exercitar a punição dos transgressores, daqueles que supostamente ameaçariam o vínculo social (Foucault, 2015FOUCAULT, Michel. 2015. A sociedade punitiva. Curso no Collège de France (1972-1973). São Paulo: Martins Fontes., 2009FOUCAULT, Michel. 2009. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 36. ed. Petrópolis: Vozes.).

Nessa confluência polimorfa e aberta, o inimigo a ser urgente e reiteradamente combatido/eliminado se tornaria indistinto: nem homem nem besta, nem humano nem animal, nem morto nem vivo. A consequência desse funcionamento é que a imagem da ameaça poderia ser facilmente deslocada conforme os interesses ordinários das classes e dos grupos hegemônicos: hoje, os imigrantes; amanhã, os negros ou as bichas, ou ambos. Isto não significa que o inimigø21 21 É importante ressaltar que o símbolo ø (vazio) é utilizado como uma representação da ambiguidade e da incerteza na identificação do inimigø. Esse vazio simboliza a capacidade do inimigø de se desdobrar em diferentes formas e assumir múltiplas identidades, o que torna difícil definir com precisão quem é o adversário. Essa fluidez do inimigø é potencializada pelo fato de que ele pode ser qualquer um, ou seja, qualquer vida pode ser marcada como sem importância e ser considerada uma ameaça pelo sistema. Portanto, o inimigø polimorfo é uma expressão da fragilidade das identidades e das fronteiras que separam o “nós” do “eles”. É uma ameaça constante que paira sobre a sociedade e pode ser utilizada para justificar ações violentas e discriminatórias contra indivíduos e grupos que são percebidos como diferentes ou ameaçadores. possa ser qual quer um.22 22 “Esta ênfase na constante ameaça à nação por parte de ’inimigos internos’ ocultos e desconhecidos produz, no seio da população, um clima de suspeita, medo e divisão que permite ao [...] [Estado] levar a cabo campanhas repressivas que de outro modo não seriam toleradas. Dessa maneira, a dissensão e os antagonismos de classe podem ser controlados pelo terror. Trata-se de uma ideologia de dominação de classe que tem servido para justificar as mais virulentas formas de opressão classista (Alves, 2005: 31-2). Há corpos mais suscetíveis de serem marcados como alvos, visto que já habitam zonas de abjeção.

Diante disto, busco pensar a especificidade da produção do inimigø sexo-gendrado (LGBT+, feministas e putas) desde a gestão do binômio medo/esperança, ou seja, desde o paradigma da deimopolítica (Afonso-Rocha, 2020aAFONSO-ROCHA, Ricardo. 2020a. Bichas também sangram: Deimopolítica e direito de resistência na literatura “homossexual” do jornal Lampião da Esquina. Dissertação de Mestrado em Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus., 2021cAFONSO-ROCHA, Rick. 2021c. O perigo cor-de-rosa: ensaios sobre deimopolítica. Salvador: Devires.) na constituição do que estou chamando de cis-hétero-bolsonarismo. A partir disto, pretendo considerá-lo como articulador de uma horda reacionária, porque baseado em um forte sentimento de pertença a um grupo, construindo a imagem do masculinismo como elemento primário do social: uma masculinidade primeira, naturalizada e divinizada como motor do social.

Se a biopolítica se refere ao controle exercido para maximizar a vida dos já designados amigos e a necropolítica (Mbembe, 2011MBEMBE, Achille. 2011. “Necropolítica”. Arte y Política: Revista de Ciencias Sociales. Nº 26, p. 15-23.) se concentra no poder de matar e deixar morrer os já nomeados como inimigøs; a deimopolítica antecede esses exercícios, já que, por sua vez, enfatiza a produção das posições sujeitos amigo e inimigø, sobre as quais a biopolítica e a necropolítica irão, posteriormente, incidir. O medo é produzido para manter o status quo e impedir as transformações, enquanto a esperança é usada para mobilizar a ação e construir uma visão de futuro direcionada à afirmação da continuidade do sistema. Assim, a deimopolítica não é apenas uma estratégia de controle social, mas também uma forma de mobilização política.

A produção de inimigøs sociais e da esperança no Leviatã são elementos centrais da deimopolítica. O Leviatã é responsável por garantir a “segurança e a ordem”. Para cumprir esta função, ele precisa produzir inimigøs sociais, que são vistos como ameaças à ordem estabelecida. Eles são frequentemente demonizados e culpados por problemas sociais e econômicos, a fim de justificar medidas autoritárias e a supressão de direitos civis. Ao mesmo tempo, o Leviatã promove a esperança, oferecendo a promessa de segurança e estabilidade. A esperança mobiliza os sujeitos em torno de projetos que não desafiam as relações de poder existentes, de modo a manter a crença de que a mudança é possível dentro do sistema existente, enquanto desencoraja a ação coletiva que possa ameaçar os interesses dominantes.

Assim, longe de manipular, isto é, de criar falsas identificações ou identificações provisórias e precárias, o bolsonarismo busca conduzir, ampliar e intensificar o ódio pela gestão do medo e da esperança, pela produção de ameaças sociais, a exemplo da destacada produção do inimigø sexual, mobilizando, com isso, identificações latentes (antagonismo imaginário a serviço da neutralização ideológica), tirando do armário o “[...] [fascismo] que está em todos nós, que ronda nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz gostar do poder, desejar essa coisa mesma que nos domina e explora” (Foucault, 2010FOUCAULT, Michel. 2010. “Introdução à vida não fascista”. In: DELEUZE, G; GUATTARI, F. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34.: 4).

Levando o exposto acima em consideração, arrisco-me a dizer que o combate à denominada “ideologia de gênero”23 23 A produção acadêmica acerca da ideologia de gênero tem se intensificado nos últimos anos. Dentre os trabalhos relevantes, podemos citar Junqueira (2022), Corrêa (2018), Miskolci (2018), Miskolci e Campana (2017) e a obra organizada por Bárcenas (2022) que, a partir de uma perspectiva latino-americana, traz importantes reflexões sobre o tema. seria um dos mais importantes operadores de produção de afetos tristes e identificações no cis-hétero-bolsonarismo. Embora muitos afirmem que a centralidade do bolsonarismo se traduziria no antipetismo24 24 Neste trabalho, optei por não abordar a discussão teórica que associa o bolsonarismo ao antipetismo pelos seguintes motivos: tais análises frequentemente desconsideram as coordenadas ideológicas e o funcionamento das estruturas do capitalismo, deixando de lado a reflexão sobre o bolsonarismo como expressão da ideologia mercantil. Ao afirmar que questões de gênero e sexualidade são intrínsecas ao bolsonarismo, enfatizo que a ordem sexual é um imperativo do capitalismo e que o debate deve se concentrar na produção do inimigø social na máquina capitalista. Meu objetivo é observar como o discurso bolsonarista funciona neutralizando e pacificando a luta de classe por meio da produção antigênero (antagonismo imaginário). Além disso, busco compreender como esse discurso se apropria do discurso anticomunista da Doutrina de Segurança Nacional. Portanto, considero desnecessário aprofundar a discussão com análises centradas no antipetismo. Para aqueles que desejam se aprofundar nessa temática, recomendo as seguintes produções: Pinheiro-Machado (2019), Pinheiro-Machado e Freixo (2019), Rocha (2021) e Solano et al. (2018). ou no anticomunismo25 25 Para entender a formação do imaginário anticomunista no Brasil, é importante consultar as obras de Mariani (1996) e Motta (2000). No entanto, é preciso alertar que o último autor não menciona a associação entre comunistas e devassidão moral, o que é um importante aspecto do discurso integralista, que representava os “homossexuais” como uma ameaça comunista ao Ocidente cristão, como mostrou Cowan (2015). Já Mariani omite a ocorrência de um de seus recortes, que associa o comunismo ao “pecado nefando”, termo que designava o crime de sodomia no período colonial. Ambos os trabalhos ignoram que a construção dos referentes discursivos “comunista” e “comunismo” se entrelaçou com o significante “homossexualismo” durante o integralismo e a ditadura militar brasileira. (Almeida, 2019ALMEIDA, Ronaldo de. 2019. “Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira”. Novos estudos CEBRAP, São Paulo. Vol. 38, n. 1, p. 185-213.), compreendo que o fantasma do inimigø sexo-gendrado26 26 Para explorar como o imaginário anticomunista se relaciona com as políticas antigênero, tomo como base as análises de Cowan (2015), Fraccaroli (2022), Quinalha (2017) e Afonso-Rocha (2020a). Além disso, incorporo o trabalho de Soares (2006) sobre a representação da “homossexualidade” nas revistas semanais durante o período de 1985-1990, apesar de sua análise silenciar sobre a associação entre “homossexualismo” e “comunismo”. seria responsável, nesse funcionamento deimopolítico, por rea tualizar tanto o anticomunismo quanto o antipetismo. Comunistas e petistas que na gramática cis-hétero-bolsonarista são, frequentemente, produzidos como sinonímias, atuariam pela ideologia de gênero. O que o bolsonarismo faz ver é que não existe “comunista” que não seja “depravado moral”.27 27 Considero o sistema sexual como uma parte do sistema capitalista. Isto significa que o sistema sexual é visto como uma das bases materiais que sustentam a lógica da exploração (Federici, 2017). O sistema sexual é, portanto, uma das formas em que o capitalismo se manifesta. O capitalismo utiliza o sistema sexual para controlar e disciplinar corpos e desejos, reforçando a lógica da acumulação e da mais-valia. A ameaça comunista não seria significada pela revolução armada, como foi em 1964 ou, antes disso, em 1930, mas pela revolução moral (cadeia sinonímica que engloba: guerra cultural, marxismo cultural, neocomunismo, ideologia de gênero, globalismo).28 28 É possível observar que a produção cultural, a exemplo da cinematográfica, televisiva e de quadrinhos, no mundo progressista liberal dos últimos anos, tem gradativamente incluído questões de gênero e diversidade sexual e racial. Esta inserção de temas identitários nas produções culturais ocorre em consonância com o capitalismo, mas também em meio a uma contradição fundamental. A valorização dessas mesmas identidades serve à produção das guerras de subjetividades, pois o sistema capitalista não cessa de produzi-las também como ameaças sociais.

De certo modo, a luta contra o comunismo cederia espaço, ou melhor, convolar-se-ia em guerra contra a ideologia de gênero. O cis-hétero-bolsonarismo constitui uma reação paranoica à suposta emasculação social, visto que, nesta lógica, os movimentos progressistas estariam, simbolicamente, amputando o pênis do varão. Paranoica, pois, implica projeção da própria agressividade no outro, projetar inimigøs imaginários. Esse fenômeno evoca a assunção de uma posição de combatente, um chamado à batalha, afinal, a guerra santa contra os “comunistas-depravados” já seria uma realidade.

É possível argumentar, ainda, que a produção da figura do inimigø sexual e de gênero tem um papel importante na estratégia de comunicação do bolsonarismo. Ao construir uma narrativa que enfatiza a suposta ameaça representada pelos LGBT+ e pelos movimentos feministas, o bolsonarismo busca mobilizar seus apoiadores em torno de uma pauta conservadora que tem como objetivo combater o que é percebido como uma afronta aos valores tradicionais da família e da moralidade. Essa estratégia tem sido utilizada tanto para galvanizar a base eleitoral do governo quanto para deslegitimar aqueles que se opõem às políticas implementadas pela gestão bolsonarista.

No entanto, é necessário considerar que, embora as questões de gênero e sexualidade tenham um destacado relevo na ideologia bolsonarista, esta não se limita apenas à produção do inimigø sexual (LGBT+, feministas, putas), mas envolve uma série de outras pautas, como o nacionalismo, o conservadorismo, o neoliberalismo e a oposição ao que é visto como “ideologia de esquerda”, bem como envolve a produção de outras subjetividades como ameaças: negros, indígenas, camponeses (MST). Pautas estas que condicionam e governam os sentidos daquela inimigalidade.

Vejamos como o bolsonarismo produz linguisticamente a política de inimizade a propósito dos sujeitos LGBT+, feministas e putas. Numa conversa em 201429 29 RADIOVOX. O começo do “gabinete do ódio”: a primeira conversa entre Olavo de Carvalho com a família Bolsonaro. Canal no Youtube Radiovox. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=ZMpoOJ-NAzg>. Acesso em 18/11/2020. com Olavo de Carvalho, Bolsonaro afirmou: “É a cartilha deles: não tome quartéis, tome escolas”. Nessa sequência, o deslize quartéisescolas ressignifica a atuação militar por uma ação que convoca todo o social, trazendo o corpo da criança (escola=crianças) como objeto de litígio. Temos um índice de negação de pessoalidade com o uso do pronome “deles”, que impossibilita a construção dos sujeitos LGBT+, feministas e putas como sujeitos do dizer, esses ocupam o lugar de terceiro excluído da enunciação (eles): não falam “eu”, nem são constituídos como aqueles com o qual fala (tu).

A primeira parte do enunciado, “é a cartilha deles”, sugere que há uma estratégia ou agenda ideológica que está sendo seguida por um grupo de pessoas. A segunda parte, “não tome quartéis, tome escolas”, estabelece uma oposição entre duas ações possíveis: a tomada de quartéis versus a tomada de escolas. Esta oposição cria uma relação de contraste e sugere que a segunda ação é mais relevante ou eficaz do que a primeira. Alerta-se, assim, para a ação que deve ser combatida, visto que corresponderia a uma ameaça ainda maior (a tomada de escolas), o que contribui para enfatizar a ação que deve ser realizada e é conclamada nesse enunciado: combater a ameaça sexual ♦ combater a perversão da infância.

O significante “cartilha” é utilizado de forma figurada para se referir a uma espécie de manual ou guia que orienta as ações de um grupo. Já o deslize produzido em “tome quartéis ♦ tome escolas” evoca imagens de ações violentas realizadas por aquele grupo (sujeitos LGBT+, feministas e putas) que buscaria a tomada de poder. O referido enunciado tem um funcionamento pragmático específico, que é o de desqualificar uma determinada ideologia ou grupo, sugerindo que eles pos suem uma agenda violenta e perigosa (a agenda sexual-comunista) que deve ser imediatamente combatida.

Tal enunciado mobiliza o gozo-gore-milico-autoritário30 30 De acordo com Valencia (2020), o capitalismo gore é um termo que descreve a atual fase do capitalismo, caracterizado pela exploração e a extração da vida humana em seu sentido mais amplo, por meio de formas extremas de violência e opressão. Para Valencia, o capitalismo gore está presente em diferentes aspectos da vida social, como no tráfico de drogas, no turismo sexual, na pornografia violenta, nos assassinatos em massa e em outras formas de violência extrema que são transformadas em mercadorias. Essas práticas são utilizadas como formas de reproduzir e manter a lógica capitalista, que se baseia na exploração e na extração de valor. (Afonso-Rocha, 2021ROCHA, João Cezar de Castro. 2021. Guerra cultural e retórica do ódio. Goiânia: Caminhos., 2022) que se locupletaria, portanto, não apenas com a identificação dos ditos inimigøs, mas também com sua eliminação. Com esta formulação, busquei caracterizar a relação entre desejo e campo social na constituição e na potencialização dos fenômenos reacionários, significando que a ideologia fascista não é acidental ou exterior ao modelo democrático neoliberal. Pelo contrário, constitui, em última instância, um dos seus alicerces. Para que o capitalismo se eternize - efeito imaginário que nos faz supor ser mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo (Fisher, 2019FISHER, Mark 2019. Realismo capitalista: existe alternativa? São Paulo: Autêntica.) - depende da mobilização da ideologia fascista. A sociedade deve desejar, sem vergonha, o terror. Tal processo visa amplificar o “amor” à censura (Legendre, 1983LEGENDRE, Pierre. 1983. O amor do censor: ensaio sobre a ordem dogmática. Rio de Janeiro: Forense Universitária.), potencializado pelo aceno afetivo ao terror, à produção da dor, do sofrimento, ao derramamento de sangue.

O termo “gore” foi introduzido por Valencia (2020)VALENCIA, Sayak. 2020. Capitalismo gore. Santa Cruz de Tenerife: Melusina. como uma interpretação do capitalismo necropolítico contemporâneo (Mbembe, 2011MBEMBE, Achille. 2011. “Necropolítica”. Arte y Política: Revista de Ciencias Sociales. Nº 26, p. 15-23.), que se refere à exposição de violência extrema, derramamento de sangue, desmembramento de corpos marginalizados, que são constituídos por relações de classe, sexo, gênero e raça. Para Valencia, o capitalismo é intrinsecamente gore, pois administra essa violência e se perpetua através dela. Essa lógica gore do capitalismo está relacionada, assim defendo, à deimopolítica.

O capitalismo gore pode ser entendido como uma forma de deimopolítica econômica, já que se baseia na exploração e na opressão dos trabalhadores e das comunidades vulneráveis. Além disso, o capitalismo gore utiliza a violência e a ameaça como uma forma de manter a dominação econômica. Por outro lado, a deimopolítica pode ser vista como uma forma de capitalismo gore político, já que se baseia na utilização do medo como uma ferramenta de controle social e político. Esta forma de política muitas vezes é usada para justificar ações violentas ou repressivas contra grupos opositores ou minorias vulneráveis que são atravessados pelos sentidos de inimigalidade. O medo e a violência são transformados em mercadorias.

A posição do sujeito bolsonarista pode ser entendida como atravessada por esse gozo gore do capitalismo necropolítico. Essa posição de desejo se baseia na admiração e na defesa da violência e da opressão. Assim, ideologia bolsonarista produz uma posição subjetiva específica: máscula, viril, militarizada e violenta. Sujeito castrado de ânus, forçado a reconhecer, em qualquer aceno à diferença, uma forma de “sodomização” da sua masculinidade política. Para evitar essa efemização, o militar viril (posição na qual os indivíduos identificados são interpelados) precisaria performar reiteradamente essa fantasmática masculinidade. A luta que se impõe seria, então, pela sua (im)potência sexual, agora metonimizada no político e no social.

Eis a política de masculinidade (Connell, 2013CONNELL, R. 2013. “Masculinidade hegemônica: repensando o conceito”. Revista Estudos Feministas. Vol. 21, n. 01, p. 241-282.) cis-hétero-bolsonarista: o ânus como norma de reconhecimento de humanidade. Ser homem é, nesse regime, muito mais do que fechar o ânus, afirmar sua inexistência. Se o bolsonarista emerge, nessa formação discursiva (doravante FD), como sujeito sem ânus, o comunista é aquele que faria lembrar que o ânus existe e pode ser penetrado. É aquele (LGBT+, feministas e putas) que agiria pela abertura anal como estratégia de destruição do Ocidente cristão, visando à instauração de uma nova ordem social e política: a bacanal comunista.

Genealogia da inimigalização31 31 Esta seção não deve ser tomada como contexto, situação contextual ou plano de fundo no qual se inseriria o bolsonarismo. Igualmente, não deve ser confundida com um mero exame dos materiais empíricos a serem analisados. Os eventos aqui narrados não constituem uma unidade empírica, mas são tomados como unidade imaginária. Embora este trabalho dialogue com as Ciências Sociais, seu fundamento teórico, epistemológico e analítico advém dos estudos da linguagem. Logo, todos os “acontecimentos” aqui mobilizados são tomados como fatos de linguagem e não como dados empíricos.

Precisamos reconhecer que muito mais importante do que datar uma suposta origem do cis-hétero-bolsonarismo, respondendo ao nosso gozo cronologicista e empirista, podemos montar as séries em que esse fenômeno se ancorou e se sustentou, ou seja, as séries responsáveis pela sua consolidação e pelo seu rompimento no político com dominância na formação social brasileira contemporânea.

Antes mesmo de que rompesse o limiar político, o inimigø sexual e de gênero já era desenhado nos contornos do discurso que mais tarde chamaríamos de bolsonarista. Gostaria de apontar alguns “episódios” canalizados pelas forças reacionárias na construção desse inimigø. Foi no início do governo Lula que o cis-hétero-bolsonarismo teria começado a ensaiar sua emergência. Naquela época, gravitando em torno de algumas figuras pitorescas; as extremas direitas reacioná rias ainda não provocavam medo às “forças progressistas”. Inclusive, seus quadros eram oriundos do centrão e alguns chegaram a compor a base do governo petista.

Em 2004, com o lançamento do programa Brasil sem homofobia, setores conservadores do Congresso e da sociedade fizeram pressão contra o governo Lula. As reações ao projeto eram patrocinadas por lideranças religiosas que associavam a “homossexualidade”32 32 Os significantes “homossexual”, “homossexualidade” e “homossexualismo” aparecem, nessa FD, quase hegemonicamente para designar a totalidade dos sujeitos e das práticas não cis-heterossexuais (LGBT+, feministas e putas), lidas como anormais e ameaçadoras. Destaca-se que tal uso produz como efeito a homogeneização dessas subjetividades em torno do signo da inimigalidade, além de fazer memória à posição de sujeito significada pela ciência: “la posición del deseo patológico y anormal, nacida de una multiplicidad de discursos y prácticas sociales que cercaron las pasiones y los cuerpos con gnoseologías, descripciones, sintomatologías y tratamientos. Era la lengua de los expertos que sondeaba las profundidades del deseo para hacer emerger a los ‘invertidos’ del orden sexual e intentar rectificarlos. Lenguajes del Estado, de las burocracias, de los medios de comunicación, de la policía. (Parrini, 2018: 469). à pedofilia, fabricando o corpo infantil como bem social ameaçado pela “estratégia homossexual”.33 33 Em 2005, o reverendo norte-americano Louis P. Sheldon lançou o livro The Agenda, no qual buscava denunciar a suposta estratégia dos militantes LGBT+ para “dominar” a sociedade. Embora o livro só tenha sido traduzido para português-brasileiro em 2012, desde 2005, seus enunciados circulavam entre os principais líderes religiosos neopentecostais. No Brasil, recebeu o título de A estratégia: o plano dos homossexuais para transformar a sociedade. Em um trecho, afirma: “Fica mais do que evidente agora que não são apenas os terroristas estrangeiros que temos de temer hoje. Os radicais mais perigosos que ameaçam nosso estilo de vida são aqueles que vivem entre nós. Eles já têm posições privilegiadas no governo, nos tribunais, em nossas escolas e faculdades e até mesmo no mundo dos negócios; e você pode ter certeza de que eles nos destruirão se não tomarmos medidas para derrotar o movimento radical deles agora” (2012: 6).

Outro importante evento canalizado pelo cis-hétero-bolsonarismo ocorreu em 2005, com as discussões sobre o Projeto de Lei 1151, proposto em 1995 pela então deputada federal do PT, Marta Suplicy, que regulamentaria a “união entre pessoas do mesmo sexo”. Havia expectativas de o projeto ser apreciado naquela época. Contudo, como noticiado pela mídia, a apreciação do projeto transformou-se em uma performance:

O Deputado Inocêncio Oliveira (PFL/PE) levou o plenário à loucura quando subitamente começou a esbravejar contra a aprovação do que chamava de “casamento gay”, declarando: “Este projeto é uma pouca-vergonha, um desrespeito à Casa, é uma aberração contra a natureza!” gritava, embalado pelos aplausos e urros dos deputados [...] O Deputado Nilson Gibson (PSB/ PE) gritava: “Vamos votar é agora mesmo este projeto, queremos saber a verdade da Casa, quem é quem” (Conjur, 2015).

Outro episódio que deve ser lembrado é o projeto de lei anti-homofobia, apresentado em 2001 pela deputada federal do PT Iara Bernardi. Após aprovação na Câmara, o projeto seguiu para o Senado, em 2006, passando a ser conhecido como PL 122/06. As reações mais agressivas contra esta proposta se intensificaram entre 2008 e 2014, muito em razão da militância encabeçada pelo pastor Malafaia e pelo deputado federal Marco Feliciano. Alegaram que esta lei visava conceder privilégios aos “homossexuais”, uma vez que, com sua aprovação, não se poderia mais criticar tais condutas. Ambos associaram o PL a uma suposta legalização futura da pedofilia (Chagas, 2013CHAGAS, Tiago. 2013. “‘Aprovação do PL122 abre precedente para a proteção ao crime de pedofilia’, diz pastor Marco Feliciano, entenda”. Notícias Gospel, 18 de novembro de 2013. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/plc-122-precedente-protecao-pedofilia-marco-feliciano-62608.html. [Acesso em 15.11.2020].
https://noticias.gospelmais.com.br/plc-1...
). Em 2011, esse grupo de religiosos entregou ao presidente do Senado, José Sarney, uma lista com um milhão de assinaturas contra o PL 122, arquivado em 2015 (Castro, 2011CASTRO, Gabriel. 2011. “Religiosos entregam 1 milhão de assinaturas contra projeto que criminaliza homofobia”. Veja, 01 de junho de 2011. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/religiosos-entregam-1-milhao-de-assinaturas-contraprojeto-que-criminaliza-homofobia/. [Acesso em 15.11.2020].
https://veja.abril.com.br/brasil/religio...
).

Em 2009, com as reações ao Plano Nacional de Direitos Humanos versão 3, tivemos, talvez, um dos pontos mais importantes para a curva de expansão social do bolsonarismo, intensificando a atmosfera de pânico moral. A questão mais polêmica girava em torno dos “privilégios aos homossexuais”. O plano seria um ataque direto à “família tradicional brasileira”. Tanto que o deputado Arolde de Oliveira (PSD-RJ), em vídeo contra o PNDH-3, afirmou: “Sua família corre perigo. Cuidado”. Diante das reações negativas por parte dos religiosos, da mídia conservadora, dos militares e de políticos abertamente reacionários, Lula chegou a dizer que assinou o documento às pressas e, por isso, não se deteve nos pontos mais “polêmicos”. Em maio de 2010, antes de Dilma e do “kit-gay”, era amplamente noticiada a vitória da súcia reacionária: “Lula alterou trechos do Plano de Direitos Humanos” (Éboli, 2011ÉBOLI, Evandro. 2011. “Governo retira do plano de direitos humanos pontos que desagradam a Igreja e militares”. O Globo, 01 de novembro de 2011. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/governo-retira-do-plano-de-direitoshumanos-pontos-que-desagradaram-igreja-militares-3008788. [Acesso em 15.11.2020].
https://oglobo.globo.com/politica/govern...
).

Destaque-se a cadeia parafrástica: LGBT+/cuidado/perigo/família que pode ser reescrita: Cuidado, os LGBT+, as feministas e as putas representam um perigo às nossas famílias. Ou ainda: Cuidado com LGBT+, feministas e putas, perigo de destruição da família. Encadeamento que significa, na história, apoiando-se nas relações metonímica família = nação vs. LGBT+/feministas/putas = inimigø interno, cuja significância tem a Doutrina de Segurança Nacional34 34 A Doutrina de Segurança Nacional (DSN) é um conjunto heterogêneo de enunciados geopolíticos atravessados pelos sentidos de inimigalidade, guerra e segurança nacional, surgido no contexto de combate à ideologia antiburguesa após a Revolução Soviética. No Brasil, a DSN é uma leitura da ideologia militar norte-americana, realizada pela Escola Superior de Guerra, centro do pensamento burgo-militar-brasileiro, durante a década de 1950. A DSN teve também influência das ideologias militares francesa e inglesa no que diz respeito à construção discursiva dos sentidos de guerra revolucionária e inimigø da nação. Os regimes ditatoriais latino-americanos tiveram a DSN como sustentação teórica e ideológica e, através dela, a inimigalidade foi enunciada e tornou-se visível. Notavelmente, visando combater a permanência da memória da Revolução proletária de 1917, o Capital delimita o “perigo do comunismo” como o obstáculo central ao desenvolvimento nacional. É importante destacar que, embora o conceito de inimigø mobilizado pela DSN seja plástico e virtual, é a “ameaça vermelha” que governa os sentidos da distinção entre os amigos e os inimigøs do rei. Em resumo, a DSN funciona como uma forma de manter a ordem burguesa por meio de uma lógica de inimizade que busca eliminar aqueles que são considerados ameaças ao poder estabelecido. Para se aprofundar no conceito de DSN, veja Sader (1995) e Fernandes (2009). como memória constitutiva.

Um acontecimento interessante que comparece, creio eu, como condição de produção dos dizeres cis-hétero-bolsonaristas é o debate sobre o Estatuto da Família, votado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em outubro de 2015. A Comissão aprovou o conceito de família brasileira como a “entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”.

Muitos dos defensores desta concepção de família justificavam esse conceito a partir da definição semântica dicionarizada do verbete família, o que levou o Grande Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss a lançar a campanha #todasasfamilias, na qual solicitava que os interessados encaminhassem suas próprias definições de família, o que resultaria na redefinição do verbete para sua próxima edição, tensionando, assim, o argumento lexicográfico levantado pelos deputados conservadores de que o “conceito correto” de família era aquele adotado por essas tecnologias de linguagem.

A definição de família aprovada na Câmara reverberou, quase em uníssono, quando da abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff: “pela minha esposa, meu marido, pelos meus filhos, netos e sobrinhos. Pela minha família, eu voto sim”! Um sim que não apenas respondia sobre o impedimento da presidenta, mas que retomava o conceito de família, um sim performático que funcionava como defesa e ilustração do enunciado “família tradicional brasileira”, isto é, da reprodução da família nuclear burguesa: patriarcal, cristã, formada por pai, mãe e filhos.

Ainda sobre a produção da dissidência sexo-gendrada como ameaça social no cis-hétero-bolsonarismo, extraímos a seguinte sequência discursiva (doravante SD), de uma conversa entre Olavo de Carvalho e Flávio Bolsonaro, em 2012.

SD’: Agora, eles querem a legitimação de toda e qualquer conduta gay, quer dizer numa sauna gay que eles faziam um negócio chamado navio negreiro: apagavam a luz e todo mundo comia todo mundo [...] eles querem que a gente aceite isso como uma conduta legítima, se você falar mal, é homofóbico (grifo meu).35 35 Deputado Flávio Bolsonaro entrega medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Canal no Youtube Flávio Bolsonaro, 13 de julho de 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=Cb0JGA80iLo.

Observa-se a estratégia de tensionar dois polos em disputa constitutiva: a) eles, os gays que buscam legitimar, pela força, a devassidão. Enunciativamente, uma não pessoa: eles querem a legitimação ♦ eles querem que a gente aceite ♦ eles querem legitimar isso ♦ eles querem que a gente aceite isso ♦ eles querem x; b) a gente, aqueles que estão acuados, sendo atacados em sua honra e moralidade ♦ nós ♦ pessoa ♦ nós temos que aceitar isso ♦ nós não podemos falar mal ♦ nós não podemos x ♦ nós somos obrigados a x.

Temos aí um funcionamento político do discurso bolsonarista governado pela relação amigo-inimigø, caracterizado pela forma pronominal e verbal, nas quais x tem seus sentidos pressurizados pelo imaginário anticomunista, significando as posições “eles”, os comunistas, ou inocentes úteis, e “nós”, aqueles que devem combater a ameaça comunista ou que precisam ser protegidos dessa ameaça. Na construção do nós político fala um eu na posição de porta-voz legitimado. Um eu que se produz como nós para legitimar-se como posição coletiva de enunciação. No referido enunciado, apenas este último comparece como posição de enunciação (daquele que diz eu em nome de uma coletividade, como seu porta-voz) e “eles” comparece como terceiro excluído da relação de pessoalidade - aquilo de que se fala; por não ser uma pessoa confunde-se com o dêitico pronominal que os condiciona: eles=isso - indefinição pronominal que reduz o outro às suas supostas práticas: eles, os homossexuais = isso, destruição da família, dos valores cristão e da nação.

Ainda se destaca a forma verbal que expressa desejo, pelo uso do verbo querer, que, em sua forma no presente, quebra a potencialidade do desejo e remete a uma ação cuja temporalidade é o agora (um desejo já transmutado em ato), produzindo efeito de imediatidade em relação à ação sobre a qual incide o alerta. Imediatidade reforçada pelo uso do dêitico “isso” (eles querem isso) na subordinação produzida pelo sujeito da enunciação, na qual “isso” funciona como preconstruído supostamente reconhecível e globalmente visível, pois algo real e presente: eles querem legitimação de toda e qualquer conduta gay ♦ eles querem (que a gente aceite) isso; cuja significância é produzida pelo campo semântico do comunismo imaginário: isso = destruição dos “valores ocidentais” (deus, pátria, família). Saindo, portanto, da dimensão da potência do desejo e adentrando a concretude do alerta: eles estão destruindo nossa forma de vida.

Por fim, destaco o funcionamento ambíguo do porta-voz, nessa sequência. Além de falar em nome e por uma coletividade imaginária que supostamente representa (aqueles que não são gays), o porta-voz fala por aqueles que o definem em contraposição, isto é, fala por aqueles que ele não é, fala em nome dos “gays”. O “eles” de que se fala é dito em sua subjetividade: eles querem isso ♦ sua interioridade é dita por meio da expressão de seus supostos desejos, pois ao dizer o desejo do “eles”, o sujeito da enunciação põe em jogo uma relação do sujeito com seu corpo a partir de uma delegação imprópria de consciência. O “nós” fala em nome do “eles”, fala por “eles”, de modo que podemos afirmar que, além de uma coletividade imaginária (eu ♦ nós), há uma coletividade imprópria (nós♦ eles) que assombra a ilusão da interioridade do sujeito, bem como sua pretensa unidade no nível representacional pela mirada do lugar daquele que enuncia e que pode dizer “eu”.

Em minha leitura, teria sido entre 2000 e 2007 que o cis-hétero-bolsonarismo construiu sua massa corpórea no campo de inteligibilidade do político. A partir de 2010, pelo que parece, já era inevitável, pois adentrava ao espectro de hegemonia do político. E já havia alertas para isso. Em 2001, o historiador Eric Hobsbawm, comentando sobre uma possível instabilidade política que previa no Brasil nos próximos anos, disse: “O que me assusta é que os beneficiados pela instabilidade serão os reacionários”. E continuou: “[...] não seria exatamente um fascismo, mas estaria na mesma família da extrema direita, com nacionalismo ou fundamentalismo. É o suficiente para causar o medo”.36 36 O historiador que previu Bolsonaro. Canal no Youtube Meteoro Brasil, 17 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mRwbWwGZsHo&t=4s.

A previsão do historiador se tornou realidade. No entanto, para que isto acontecesse, o bolsonarismo precisou de espaço para construir suas condições de aceitabilidade. Esse terreno foi gentilmente concedido pela imprensa hegemônica que lhe outorgara os holofotes necessários para a produção de suas paisagens reacionárias. Regou-o com fermento, afinal não podemos esquecer que o bolsonarismo possui atravessamento da ideologia fascista e o fascismo é um movimento cujas natureza e classe são pequeno-burguesas e de classe média, por isso, a existência de uma base de massa mobilizada com apoio dos meios de comunicação (Togliatti, 1977TOGLIATTI, Palmiro. 1977. Lecciones sobre el fascismo. Ciudad de México: Cultura popular.).

Lembro-me que, nos idos de 2010, Malafaia se tornou uma espécie de popstar do conservadorismo reacionário. Apareceu em inúmeros programas, servindo como aporte visual para a circulação de dizeres de ódio aos LGBT+, às feministas e às putas. Quando o Ministério Público ensaiou uma acusação contra o pastor, jornalistas saíram em sua defesa. Diziam que era uma ofensa à liberdade de opinião, a exemplo de Reinaldo Azevedo, que chegou a afirmar:

O Ministério Público viu na sua fala incitamento à violência!!! Ah, tenham paciência, não é? O sindicalismo gay tem de distinguir um “pau” que fere de um “pau” metafórico - ou “porrete”. Alguém, por acaso, já viu católicos nas ruas, em hordas, a agredir pessoas? (Azevedo,2010AZEVEDO, Reinaldo. 2010. “Dilma divulga, acreditem, uma ‘Carta ao povo de Deus’”. Veja, 23 de gosto de 2010. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/dilma-divulga-acreditem-uma-8220-carta-ao-povo-de-deus-8221/. [Acesso em 18.11.2020].
https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/...
, grifo meu).

Pelo uso do sintagma nominal sindicalismo gay, o enunciador promove uma aproximação entre o sindicalismo operário (em sua cadeia significante: proletário, comunistas, PT, esquerda etc.) e o ativismo LGBT+. A expressão “sindicalismo gay” é um exemplo de neologismo com funcionamento pejorativo, que tem como objetivo desqualificar o movimento LGBT+ (que nessa FD também incluiria o movimento feminista e as putas) e equipará-lo à figura do “comunista” associado com a ideia de ameaça à ordem social e aos valores tradicionais da família e da moral cristã.

Tal aproximação convoca a equação sinonímica comunista = devasso moral, bem como inscreve na ordem do enunciado a inimigalização das dissidências sexo-gendradas. O enunciado faz intensificar o imaginário da suposta atuação comunista-homossexual de sodomização da sociedade como estratégia de tomada de poder (“tome as escolas”), retomando assim a memória da “ameaça vermelha” da Doutrina de Segurança Nacional que, entre seus efeitos, atrelou o sentido de comunista e de comunismo ao de devassidão sexual e de destruição da família cristã.

Destaca-se que há uma comparação implícita em: “Alguém, por acaso, já viu católicos nas ruas, em hordas, a agredir pessoas?” que produz o pressuposto: “são os LGBT+, as feministas e as putas que são vistos agredindo as pessoas nas ruas” ou ainda “a horda gay representa uma ameaça aos cristãos”. Ao afirmar que nunca viu católicos nas ruas agredindo pessoas, sugere-se que os LGBT+, as feministas e as putas seriam mais propensos à violência e à agressão. Esta comparação reforça o estereótipo de que as minorias sexuais são uma ameaça real à sociedade e que devem, assim, ser eliminadas.

Implícito que é condicionado pelo significante horda, cuja significância o imaginário civilizatório-desenvolvimentista do estado de direito faz funcionar pela relação com os referentes discursivos “primitivo”, “bárbaro” - aproximando, com isso, as relações sociais entre os sujeitos LGBT+, feministas e putas com as relações sociais vivenciadas por sociedades tribais, lidas, nessa FD, como inferiores, não civilizadas. Sugere-se que essas pessoas são uma massa amorfa e primitiva, incapaz de se organizar de forma civilizada. O enunciado também sugere que a luta por direitos LGBT+ e das mulheres é uma ameaça à ordem social, o que é uma forma de reforçar a cis-heteronormatividade e o machismo, bem como reforçar a exclusão desses sujeitos da esfera pública.

Parece que, ao utilizar o significante “horda”, o sujeito da enunciação faz um elogio implícito às sociedades complexas com estado de direito e democracia representativa, atribuindo, implicitamente, o adjetivo “civilizado” aos sujeitos não LGBT+, especificamente aos machos brancos, aqueles que não integram essa “horda”. Assim, temos uma definição implícita (efeito de dicionário) do movimento e dos sujeitos LGBT+, feministas e putas: agrupamento de pessoas caracterizado pelo caráter rudimentar/primitivo dos vínculos societais (não civilizados), o que pode ser expressado em sua atuação pela violência.

Ainda destaco o efeito de ironia produzido pelo uso do significante pau, uma vez que, no imaginário homofóbico, os LGBT+ são significados exclusivamente pelo sexual, atrelado a um instinto primitivo e animalesco, reforçado pelo referente “horda”: não sendo reconhecidos como sujeitos, os LGBT+ são definidos pelo sexo, ou seja, pelo uso que fazem dos “órgãos naturalmente sexuais” na contramão da reprodução e pelo uso sexual que dão ao “aparelho excretor”. Nesse sentido, temos como paráfrase possível: os homossexuais, por pensarem apenas em sexo, não conseguem distinguir entre serem agredidos por um pau/pênis37 37 Ter o ânus penetrado comparece como metonímia da violência social, agressão à masculinidade: são “eles” que, ao terem seus ânus “violados”, agridem, por sua escolha, a sociedade. São “eles” os violentos. e serem criticados por um pau metafórico. Esta indistinção retoma a adjetivação de homossexual como não civilizado (inteligência e raciocínio complexo são capacidades do mundo civilizado), como animalesco, incapaz de realizar uma simples operação lógico-interpretativa. O sentido de homossexual comparece como ameaça social: a homossexualidade como horda primitiva, não civilizada, violenta, débil intelectualmente, como contaminação, como vírus, como patógeno. Por isso, o funcionamento de alerta que esses enunciados colocam em jogo.

Isto põe em circulação a imagem do sexo homossexual com um objeto violento e agressivo, que ameaça a ordem social e a moral cristã. Além disso, é importante destacar que o uso da metáfora do “pau” pode ser interpretado também como uma forma de violência simbólica, já que sugere a ideia de que a violência é uma maneira aceitável de lidar com o “sindicalismo gay”. Essa forma de violência simbólica pode ter consequências reais na vida das pessoas, pois contribui para a naturalização da violência contra minorias e pode servir como justificativa para a violência física.

Tal funcionamento pode ser indiciado a partir da análise do enunciado formulado por Malafaia (Acapa, 2012ACAPA. 2012. “‘Kit é aberração’: pastor Silas Malafaia diz que gays querem superproteção e privilégios”. Acapa, 22 de outubro de 2012. Disponível em: https://acapa.disponivel.uol.com.br/kit-e-aberracao-pastor-silas-malafaia-diz-quegays-querem-superprotecao-e-privilegios/. [Acesso em 19.10.2020].
https://acapa.disponivel.uol.com.br/kit-...
): “Eu não sou a favor de que ninguém morra, agora, vim dizer, que o Brasil é homofóbico pra fazer leis para darem superproteção a eles. Por que eles querem privilégios? As leis estão aí para héteros e para homossexuais”.

É importante notar que esta narrativa busca deslegitimar a luta por direitos e igualdade, tentando retratar o movimento LGBT+ como uma força egoísta e desprovida de mérito. Por um lado, o sujeito da enunciação afirma que não é a favor de que ninguém morra, o que pode ser interpretado como uma posição minimamente humanitária em relação às pessoas LGBT+ que são vítimas de violência e discriminação. Por outro lado, este enunciado significa pelo valor adversativo, de negação radical, do “agora”, pelo qual desfaz a negação anterior: Eu não sou a favor de que ninguém morra, agora, é preciso reconhecer: há mortes legítimas. A morte é, então, lida como necessária diante da atuação dos sujeitos “homossexuais”. Logo, temos como reescrituras possíveis: “a morte de homossexuais é justificável pois sua atuação é perigosa para a sociedade”, “ao lutarem por uma superproteção, os homossexuais justificam a violência contra eles”, “os homossexuais são os responsáveis por suas mortes”.

Ao dizer que não é a favor das mortes, o sujeito da enunciação reconhece que existe uma estrutura social que discrimina e marginaliza as pessoas LGBT+. No entanto, ao falar em superproteção e privilégios, ele parece minimizar a gravidade dessa situação e sugerir que as políticas públicas voltadas para os LGBT+ (assim como aquelas voltadas para mulheres) são injustas ou desnecessárias, negando o que inicialmente reconheceu: que o Brasil seria um país homofóbico: não sou a favor das mortes ♦ reconhecimento // vir dizer que o Brasil é homofóbico para querer superproteção ♦ negação do reconhecimento anterior. Esta contradição pode ser interpretada como uma estratégia discursiva para deslegitimar as reivindicações dos movimentos LGBT+.

Nessa genealogia da inimigalização, não poderia deixar de mencionar a criação do projeto Escola sem homofobia, em 2011, durante o governo Dilma. Surgia o suposto “kit-gay”. Embora nada tenha saído efetivamente do papel, o projeto serviu como “prova cabal” da denominada “estratégia homossexual”, patrocinada pela esquerda, há muito denunciada por Malafaia e Feliciano: destruir a família, aniquilando a masculinidade. E mais uma vez, pressionado pelas forças reacionárias, o PT teve que se explicar. Em maio de 2011, a revista Veja estampava: “Dilma diz que discorda do kit-gay: após ameaças das bancadas católica e evangélica de convocar o ministro Palocci, a presidente resolveu acabar com a polêmica sobre o kit” (Veja, 2011REDAÇÃO Veja. 2011. “Dilma diz que discorda do kit-gay”. Revista Veja, 26 de maio de 2011. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/dilma-diz-que-discordado-kit-gay/. [Acesso em 20.10.2020].
https://veja.abril.com.br/politica/dilma...
).

Há de se considerar que as reações mais virulentas ao movimento LGBT+ e ao movimento feminista se intensificaram após a aprovação, em 2011, da união entre pessoas do mesmo sexo pelo Supremo Tribunal Federal (Vital; Lopes, 2013VITAL, Christina; LOPES, Paulo. 2013. Religião e política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil. [S.L.]: Fundação Heinrich Böll.). Essa decisão funciona como uma fagulha no conflito moral, constantemente alimentado pelo regime de discursividade reacionária, provocando sua maximização de modo a canalizá-lo como energia política e forma de governo.

Toda essa movimentação de imagens de ódio aos sujeitos cis-hetero-dissidentes teria sido responsável por um momento muito importante do bolsonarismo: a eleição do pastor neopentecostal Marco Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em 2013. Na ocasião, foi divulgado que o deputado Jair Bolsonaro teria comemorado a eleição do pastor: “Essa eleição é o maior presente de aniversário que eu poderia ganhar” (Uol, 2013REDAÇAO Uol. 2013. “Pastor polêmico presidirá Comissão de Direitos Humanos da Câmara”. Uol Notícias, 07 de março de 2013. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/03/07/comissao-dedireitos-humanos-elege-pastor-polemico-como-presidente.htm. [Acesso em 19.11.2020].
https://noticias.uol.com.br/politica/ult...
). Em 2013, quando Eduardo Bolsonaro entrava na vida política, em sua primeira entrevista, elogiou a atuação de Feliciano contra a “militância gayzista”, ao passo que criticou o presidente anterior da Comissão, Domingos Dutra, do PT, alegando que ele “deu R$ 30 milhões para o grupo LGBT elaborar paradas gays e kit-gay” (Terra, 2013REDAÇÃO Terra. 2013. “Filho de Bolsonaro se filia a partido de Marco Feliciano”. Terra, 04 de outubro de 2013. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/filho-de-bolsonaro-se-filia-a-partido-de-marco-feliciano,c5a21ad527581410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html. [Acesso em 19.11.2020].
https://www.terra.com.br/noticias/brasil...
). Veja-se como a ameaça LGBT+ está na epigênese desse fenômeno cuja natureza é pequeno-burguesa. Mais uma vez, interessa-nos o significante.

Ao evocar “militância gayzista”, o enunciado significa a atuação do movimento LGBT+ desde a memória dos movimentos autoritários, isto porque “A metáfora é constitutiva do processo mesmo de produção de sentidos e da constituição do sujeito” (Orlandi, 2016ORLANDI, Eni. 2016. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes.: 79). Nessa direção, a historicidade atua para que gayzista tenha seu sentido atravessado por “esquerdista”, “nazista” e “fascista”. Nesse deslize (gayzistaesquerdista/nazista/fascista), tais termos se substituem flagrantemente pela produção do neologismo que significa a totalidade dos sujeitos e dos movimentos LGBT+. A relação entre o referente “gayzista” e os referentes “nazista” e “fascista” pode ser vista como uma tentativa de associar a luta por direitos LGBT+ com ideologias autoritárias.

Em relação aos aspectos semânticos, o termo “gayzista” é uma palavra formada a partir da junção do radical “gay” e do sufixo “-ista”. O termo “gay” é geralmente usado para se referir a homens homossexuais, mas pode ser usado, nessa FD, de forma mais ampla para incluir pessoas LGBT+, feministas e putas. O sufixo “-ista” é usado para indicar uma posição política ou ideológica, e costuma se referir a uma pessoa que defende ou apoia uma determinada ideologia ou movimento social, o que é reforçado pelo uso do termo “militância” que se refere a um grupo de pessoas engajadas em uma causa ou movimento social, normalmente caracterizado pela defesa de direitos e lutas políticas. É importante destacar que o significante “gayzista” é com frequência usado por aqueles que se opõem aos direitos LGBT+ e das mulheres, funcionando, assim, como uma tentativa de deslegitimar a luta por direitos desses sujeitos e associá-la a uma suposta “ideologia radical de esquerda”.

A relação entre os significantes “gayzista”, “nazista” e “fascista” não pode ser vista como plenamente sinonímica. Estes termos têm sentidos diferentes e há uma deriva de sentidos e deslizamentos que gera tensão nesse processo de substituição. O uso da designação “gayzista” pelos bolsonaristas sugere a negação de qualquer associação dos sujeitos não cis-héteros com o movimento LGBT+ ou feminista. Ao fazer funcionar uma simetria fonética com os termos “nazista” e “fascista”, o enunciado produz uma simetria semântica, que tem como efeito a desqualificação daqueles que se opõem à posição política cis-hétero-bolsonarista.

O enunciado “militância gayzista” tem o efeito de distanciar o enunciador e aqueles pelos quais ele fala daqueles que ele busca desqualificar, ou seja, os sujeitos LGBT+. Ao utilizar o termo “gayzista”, o enunciador busca se afastar da posição de esquerda ou progressista, associando-a a um suposto radicalismo. O enunciador se coloca como um outro distinto e superior, que não compartilha das mesmas posições e dos valores que aqueles que são rotulados como “gayzistas” ♦ esquerdista/nazista/fascista é o outro que eu não sou.

Mais tarde, em 2015, essa mobilização reacionária cristã conquistou a presidência da Câmara com a eleição de Eduardo Cunha (PMDB), o que sinalizou o gerenciamento de uma correlação de força favorável ao fortalecimento do bolsonarismo no domínio do social. O movimento da pequena burguesia fazia-se visível, conquistando a massa. Desde 2010, durante as eleições presidenciais, houve uma radical moralização reacionária da política. Aquela campanha foi marcada por forte apelo moral, centrando-se em temas como aborto, direitos reprodutivos e casamento entre pessoas do mesmo sexo. O candidato José Serra, do PSDB, fez uma campanha baseada na suposta ameaça que uma vitória de Dilma Rousseff representaria para os segmentos religiosos (Pierucci, 2011PIERUCCI, Antônio. 2011. “Eleição 2010: desmoralização eleitoral do moralismo religioso”. Novos estudos - CEBRAP, São Paulo. Nº 89, p. 6-15.), a ponto de a candidata ter divulgado uma “carta aberta ao povo de Deus” se comprometendo em não avançar, em um possível governo, em temas lidos como morais (Azevedo, 2010AZEVEDO, Reinaldo. 2010. “Dilma divulga, acreditem, uma ‘Carta ao povo de Deus’”. Veja, 23 de gosto de 2010. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/dilma-divulga-acreditem-uma-8220-carta-ao-povo-de-deus-8221/. [Acesso em 18.11.2020].
https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/...
).

Se, durante as eleições de 2002, Lula “precisou” divulgar “carta ao povo brasileiro” para garantir ao mercado que não faria avançar debates contra os interesses das oligarquias econômicas, garantindo, com isso, seu próprio governo; Dilma e, mais tarde, Haddad fizeram circular carta contra as dissidências sexuais e de gênero (Saddi, 2018SADDI, Andréia. 2018. “Haddad escreve carta a evangélicos para conter avanço de Bolsonaro entre religiosos”. G1, 16 de outubro de 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2018/10/16/haddad-escrevecarta-a-evangelicos-para-tentar-conter-avanco-de-bolsonaro-entre-religiosos.ghtml. [Acesso em 17.11.2020].
https://g1.globo.com/politica/blog/andre...
): a carta ao povo de deus. Agora, eram as igrejas e os grupos reacionários da pequena burguesia cristã que teriam força para garantir/permitir o governo petista.

Embora seja uma ideologia acionada pela base pequeno-burguesa, há uma parcela, de milhões, que são trabalhadores e que aderiram ou foram capturados por essa ideologia. Mais uma vez devemos ir além da fácil justificativa da manipulação da massa. Tal ideologia foi aceita, querida e defendida por milhões de trabalhadores. Essas cartas produzem uma relação equidistante entre economia e moral: da carta ao mercado às cartas às igrejas, o que evoca a atuação dos aparelhos ideológicos mercantis38 38 Eu utilizo o adjetivo “mercantil” para caracterizar os aparelhos ideológicos e repressivos, em vez de utilizar a locução “de Estado”, conforme o conceito althusseriano (1985). Isto ocorre porque, a partir da perspectiva de Foucault (2015), o Estado é um dos espaços em que as relações hegemônicas de poder se integram, sendo produzido como um centro imaginário pela estratégia burguesa de centralizar a luta proletária contra apenas um dos pontos de estabilização e de colocação da ideologia burguesa. Além disso, considero que as transformações ocorridas nas últimas décadas na forma-Estado tornam inviável afirmar a realidade das fronteiras do Estado-nação com o uso da referida locução. O adjetivo “mercantil” aponta para a dimensão classista dos aparelhos ideológicos e repressivos, buscando contemplar a realidade dos Estados-corporações e dos complexos transnacionais. na neutralização das contradições de classe (atravessadas pelas contradições sociais: gênero, sexualidade e também raça).

Da carta ao povo à carta ao povo de deus, o acréscimo da locução “de deus” é significante: se antes tínhamos o sentido de “povo” funcionando como “mercado”, “burguesia”, agora, “povo” é restringido pela locução “de deus”. Há um deslize no endereçamento. Não é mais um dizer direcionado ao “povo”, mas sim direcionado ao “povo de deus”. Embora no enunciado “povo de deus” o significante “povo” conserve seu atravessamento pelos sentidos de “burguesia” e de “mercado”, agora ele também indicia a primazia da igreja como aparelho ideológico de manutenção dos interesses capitalistas, o que, talvez, provoque uma ranhura na ilusória cisão Igreja e Estado, recolocando, no discurso público, em termos visíveis, a Igreja como aparelho ideológico do Estado. Não se trata de qualquer burguesia, mas dos setores burgueses filiados ao cristianismo.

Com Eduardo Cunha, o bolsonarismo se fortaleceu. Para tanto, ainda que a presidenta Dilma não significasse uma ameaça real aos seus interesses, foi preciso golpeá-la. Golpeá-la significava, imaginariamente, restaurar a ordem fálica do poder. Frise-se: essa restauração serviu à mobilização dos afetos da pequena burguesia masculinista, cristã.

A ofensiva burguesa contra a gestão petista passa, primeiro, pela desestabilização do governo quando da construção das condições próximas ao pleno emprego. Momento em que a classe trabalhadora não é mais um inimigø imaginário, mas um antagonista real aos interesses de acúmulo capitalista. Além da desestabilização do governo, ocorrida no final do primeiro governo Dilma, que fora suficiente para desfazer aquele antagonismo real, a burguesia decide insistir na desarticulação das bases sociais criadas pelos governos petistas. Isto se deu pela estruturação de um Estado de contrainsurgências como mecanismo de evitar a consolidação de políticas sociais em desacordo aos interesses capitalistas.

Essa movimentação burguesa buscava apagar do espectro político a “ameaça” que se desenhava na América Latina com os governos de esquerda das últimas décadas - ameaça que, em verdade, nunca se concretizou, não passando de um sonho coletivo que ainda tentava criar as condições para sua enunciação, ou seja, mesmo Dilma não sendo uma ameaça real, havia razões para que a grande burguesia, aproveitando-se do movimento pequeno-burguês, a defenestrasse. A profissionalização da contrarrevolução (Fidelis; Seabra, 2021FIDELIS, Thays; SEABRA, Raphael. “Fascismo e profissionalização da contrarrevolução no Brasil”. Revista Katálysis. Vol. 24, p. 407-416.) passava, então, pelo golpe parlamentar.

Logo, podemos pensar o bolsonarismo como uma reação à ascensão social dos grupos subalternizados, ao alargamento dos projetos sociais, à expansão de políticas públicas para as camadas mais pobres da população, às políticas de assistência e de reparação social, às cotas, às conquistas legais para as minorias étnicas, sexuais, de gênero, aos programas de habitação social, à distribuição de renda.

Ainda que tais programas sociais não tenham abalado minimamente as operações dominantes do poder, foram vistos como ameaças à pequena burguesia e às classes médias que passam a se ver mais distantes das classes burguesas, fraturando a aproximação imaginária da pequena burguesia com a burguesia - o que não é útil aos interesses da grande burguesia. Tais políticas desfazem o nó visual da pequena burguesia, mostrando que a aproximação não passa de uma quimera, de uma utopia produzida nas engrenagens do sistema. A ideologia fascista é alimentada pelo desespero da pequena burguesia e das classes médias. A grande burguesia aproveita esse movimento para aperfeiçoar suas estratégias de contenção dos anseios revolucionários e para ampliar, por meio de políticas de hiperausteridade econômica, seu lucro.

Foucault (2015)FOUCAULT, Michel. 2015. A sociedade punitiva. Curso no Collège de France (1972-1973). São Paulo: Martins Fontes. chamou a atenção para como a burguesia explorou o ilegalismo como forma de enfraquecer a nobreza e, depois, investiu contra essa prática quando utilizada pelos operários. Diante do crescimento da circulação de riquezas que passava nas mãos destes, fazia-se preciso investir na capilarização dos mecanismos de controle. Como não era possível vigiar as riquezas, tornou-se necessário insistir contra o ilegalismo. Uma das formas de controlar essa prática foi investir na moralização do operário que, devendo internalizar o ilegalismo como um mal, se convertia, ele próprio, num instrumento de controle e de manutenção das relações de produção. Inventou-se o “bom operário”, aquele que seria incapaz de roubar ou furtar, pois via nessas práticas uma ameaça à ordem social.

Para tanto, produziu-se o imaginário de que o ilegalismo colocaria toda a sociedade em risco e não apenas os privilégios burgueses. Para que esta estratégia funcionasse efetivamente, produziu-se a esperança da ascensão. O operário deveria sonhar que um dia seria ele o burguês. Por isso, proteger as riquezas do patronato equivalia, em alguma medida, a proteger suas riquezas futuras. Era preciso eliminar toda aquela “imoralidade”: os faltosos, os que tinham algum tipo de vícios, os que abandonavam os trabalhos com frequência, os que furtavam. Todas essas estratégias visavam à mobilização da esperança do operário na ordem estabelecida.

Assim, também se mobilizam e gerenciam os afetos da pequena burguesia: com a promessa de que um dia eles serão os burgueses. Produz-se um grupo sem pertencimento de classe. Um grupo demarcado pela aproximação imaginária que nutre em relação à burguesia, de modo a mostrar que eles estariam mais próximos do burguês do que do proletariado. Na verdade, seria este último o responsável por eles ainda não serem burgueses. A burguesia alimenta o fascismo de que precisa para a manutenção do capitalismo, alimenta o ressentimento da pequena burguesia para que a ideologia fascista seja gestada e acionada sempre que a burguesia necessitar justificar medidas de radicalização da exploração do proletariado.

Michel Temer viria a ser o abre-alas do bolsonarismo, esse projeto burguês de desarticulação de contrainsurgências. Dois anos mais tarde, Jair Bolsonaro serviria perfeitamente ao bolsonarismo que, com ele, “ganha” sua denominação. Por meio de sua imagem, chancelou-se a logorreia baseada na afirmação de inimigøs sociais. Afinal, como alertou Foucault (2021)FOUCAULT, Michel. 2021. La vida de los hombres infames. Buenos Aires: Altamira., com o desenvolvimento do neoliberalismo, a guerra se tornou uma forma de governo. O cis-hétero-bolsonarismo serve, com isso, à chancela e à legitimação do ódio que, aparentemente, não ousava se dizer em público. Ódio que “agora” é vociferado sem nenhum receio, pois se junta à outras vozes.

A bicha como excesso

Consideremos a seguinte sequência discursiva de referência (Uol, 2020REDAÇÃO Uol. 2020. “‘País de maricas’: Bolsonaro mistura homofobia e indecência, diz imprensa internacional”. Uol Notícias, 11 de novembro de 2020. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/11/11/com-pais-de-maricas-bolsonaro-mistura-homofobia-e-indecencia-diz-imprensainternacional.htm>. [Acesso em 19.11.2020].
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noti...
):

SDR: Brasil tem que deixar de ser país de maricas.

Um dos implícitos em funcionamento que significam este enunciado é o do excesso: há homossexualidade em demasia, há feminilidade em excesso. Esse excesso é, assim, significado, nesse regime enunciativo, como danoso à masculinidade nacional.39 39 Percebo a relevância de refletir sobre a produção das masculinidades como parte da engrenagem da forma-estatal, em diálogo com os estudos das Ciências Sociais e com os estudos de gênero e sexualidade. Entretanto, ressalto que este tema foge ao escopo do trabalho em questão. “Deixar de ser” restringe o sentido de “país”, trazendo à cena a disputa em torno da construção da identidade nacional. Logo, “maricas” funciona como o obstáculo à grandiosidade da “nação”. Este enunciado remete ao discurso da masculinidade que conforma a “pátria”, que deriva seus sentidos do que podemos denominar como FD nacional-republicana. Essa formação discursiva (sentidos de nação) domina a prática discursiva (sentidos de masculinidade), estabelecendo o que pode ser dito, o que não pode ser dito e o que poderia ter sido dito. País é significado e restringido por “maricas”, esse excesso que assombra e ameaça a masculinidade do homem da nação.

No contexto, Bolsonaro criticava as medidas contra a pandemia que considera exageradas e prejudiciais à economia. Um dos muitos efeitos desse discurso é responsabilizar os LGBT+ e as feministas pelos efeitos da pandemia. Se não há mais espaço para falar que o vírus seria uma punição divina aos “pecadores nefandos”, responsabiliza-os pela suposta fragilidade do brasileiro (do macho nacional) que não seria mais capaz de suportar uma “gripezinha”, uma vez que ficou muito sensível. Claro, nessa FD, sensibilidade é coisa de bichas e de mulheres, mas não só, é também coisa de esquerdista, comunista, puta, quilombola etc.

Se o brasileiro teme morrer é porque se deixou contaminar pela frescura. Macho que é macho não temeria um vírus. Não haveria isolamento social, todos estariam trabalhando e a economia, salva. Se não está, a culpa é da frescura bicha que corrompeu a masculinidade viril do brasileiro. Frescura esta que é lida como um projeto comunista de destruição da sociedade. Por isso, para o Brasil se salvar, há apenas um caminho: “deixar de ser maricas”, expurgando a frescura das bichas, eliminando as ameaças. Parece que maricas funciona não só como abjeção aos homossexuais, mas também com sentidos de sujeitos com medos e autocuidados em excesso, algo que o imaginário homofóbico atribui aos homossexuais. Isto sugere que o enunciador associa a homossexualidade com fraqueza e covardia, ao passo que a coragem e a força são atribuídas apenas aos homens cis-heterossexuais.

Outro aspecto a ser considerado é a relação entre a língua e as relações de poder. O enunciado é produzido desde o lugar social de presidente da República: tais enunciados podem produzir um impacto significativo na opinião pública, pois gozam de grande potencial de circulação e de produzir identificações. O enunciado também deve ser analisado no contexto político e social em que foi formulado. Nos últimos anos, o Brasil tem passado por um aumento significativo de casos de violência e discriminação contra pessoas LGBT+, mulheres, negros, indígenas e outras “minorias”. Nesse sentido, os dizeres formulados desde o lugar de presidente podem contribuir para a legitimação dessas práticas discriminatórias e violentas.

Em resumo, o enunciado apresenta uma estrutura simples, com o sujeito “Brasil” seguido do verbo “tem”, que introduz uma oração subordinada substantiva objetiva direta. Nessa oração, a conjunção “que” introduz o verbo transitivo direto “deixar”, indicando a ação de parar de fazer algo. O objeto direto é a expressão “ser um país de maricas”, em que “país” é o objeto indireto da preposição “de” e “maricas” é o predicativo do objeto, indicando uma característica negativa atribuída ao país.

Pelo método da redução do discurso-ocorrência pelo discurso do descritor (Fiorin, 1988FIORIN, José Luiz. 1988. O regime de 1964: discurso e ideologia. São Paulo: Atual Editora.), segundo o qual, após a análise de diversas ocorrências (que extrapolam a SDR), o descritor reescreve tais funcionamentos enunciativos e/ou visíveis em novas sequências, logo teríamos:

  1. Os homossexuais são uma ameaça social.

  2. Os homossexuais e as mulheres nos fizeram fracos.

  3. O Brasil precisa conter e eliminar a ameaça sexual.

  4. A eliminação da ameaça sexual nos fará um país forte.

  5. Não somos fortes porque estamos contaminados pelo estilo de vida marica.

A partir desses funcionamentos enunciativos se produz uma relação definitória: os homossexuais são x e uma relação de desejo: os homossexuais querem y.40 40 Destaca-se, novamente, que, nessa FD, os referentes “homossexual” e “gay” significam os sentidos da inimigalidade sexual que atravessa a significação de “feminista”, “LGBT+” e “puta”. Essa tensão produz uma imagem de futuro que é apresentada como inevitável, representando a destruição da sociedade. É importante destacar que “sociedade” tem seu sentido atravessado por uma metonímia que retoma masculinidade, cristianismo, pátria, capitalismo, ocidente.

X corresponde a uma equação linguística significada pelo medo: x = perigosos, ameaçadores, vis, danosos, perversos... e y tem seus sentidos pressurizados pela vontade de caos: destruir a sociedade, corromper a infância, profanar o cristianismo... Nesse sentido, é importante observar como a política de inimizade é inscrita nas formas linguísticas, especialmente na forma pronominal, que pode ser utilizada para construir a pessoalidade (eu/nós), a impessoalidade (eles), o distanciamento (aquilo de que se fala), o confronto (nós x eles), a nadificação (isso), entre outros.

O discurso em questão funciona por meio da textualização do alerta no social e no político, e não pela forma-denúncia. Isto significa que a imagem de um futuro imediato é projetada, evocando uma ação ainda possível por parte dos receptores do discurso. Evoca-se uma re-ação, introjetada no funcionamento do político, um agir que seria capaz de barrar a ação. Essa forma de alerta tem como referência o significante “cuidado”. Por outro lado, a forma-denúncia trabalha com a imagem de um tempo passado, denunciando uma ação/omissão realizada e evocando uma contra-ação em termos de punição, introjetada no funcionamento do jurídico.41 41 “Formas do discurso da denúncia, formas da denúncia: não apenas diferentes modos de textualizar a denúncia (formulação), mas, sobretudo, diferentes pontos de atravessamento do interdiscurso, diferentes memórias da denúncia (constituição).” (Modesto, 2018: 117).

Em suma, é possível observar como o discurso em questão constrói significados linguísticos que reforçam estereótipos e preconceitos em relação aos LGBT+, às mulheres e às putas, criando uma imagem de futuro que é apresentada como inevitável. Além disso, é importante destacar a forma como o discurso é construído, utilizando o alerta em vez da forma-denúncia, o que evoca um agir ainda possível por parte dos receptores do discurso: há um chamado à ação.

A economia libidinal do cis-hétero-bolsonarismo está cada vez mais presente em nosso cotidiano, a exemplo da agressão sofrida por um jovem homossexual, numa padaria em São Paulo, em 22 de novembro de 2020. Ao entrar no estabelecimento, o jovem passa a ouvir insultos homofóbicos e racistas de uma mulher, que chega a agredi-lo fisicamente. Em uma das falas, a mulher teria dito: “Eu não estou falando porra nenhuma. Isso aqui é uma padaria gay?”, visivelmente transtornada e ofendida pela mera presença daquele corpo-bicha efeminado (Dehò, 2020DEHÒ, Maurício. 2020. “Mulher agride jovem em ataque homofóbico em padaria de SP. Uol Notícias, 22 de novembro de 2020. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/11/22/jovem-eagredido-por-mulher-em-ataque-homofobico-em-padaria-de-sp.htm>. [Acesso em 22.11.2020].
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ul...
).

Em primeiro lugar, a estrutura sintática do enunciado é marcada pela negação inicial, “Eu não estou falando porra nenhuma”, que sugere uma recusa em dialogar ou considerar outras perspectivas. Esse tom agressivo se mantém na segunda parte do enunciado, com a pergunta retórica “Isso aqui é uma padaria gay?”, sugerindo que a presença de pessoas LGBT+ no estabelecimento comercial é lido como algo negativo ou anormal.

A escolha lexical de significantes como “porra” e “gay” é significativa nesse contexto. A palavra “porra” é um termo que denota, nesse enunciado, desrespeito e hostilidade, enquanto o referente “gay” é usado de forma pejorativa para se referir à identidade LGBT+ que estaria contaminando o ambiente. A associação negativa entre a padaria e a identidade LGBT+ indica uma perspectiva discriminatória em relação a essas pessoas, que são vistas como indesejáveis e indignas de estarem nos mesmos espaços que as pessoas ditas normais (não LGBT+). A pergunta retórica “Isso aqui é uma padaria gay?” sugere que a presença de uma pessoa não cis-hétero naquele espaço é lida como algo ofensivo: a normalidade é perturbada pela presença daquele corpo estranho, anormal, o que remete à memória das políticas de apartheid social da África do Sul e dos EUA, contexto do qual se esperaria, de uma pessoa branca, a enunciação do tipo “Isso aqui é uma padaria negra?”. A mera presença física daquele corpo foi significada como índice de produção espacial da homossexualidade. O corpo bicha comparece como reivindicação enunciativa de uma espacialidade gay. Sua presença contaminaria o urbano e o social (corpo gay = espaço gay).

Claro que essa convocação narrada pode resultar de uma confluência de formações discursivas homofóbicas, entre as quais podemos supor a FD bolsonarista, visto que o enunciado acima remete aos dizeres que, se não constituídos no discurso bolsonarista, ao menos, aí são formulados e postos em circulação, ou seja, há uma série de elementos, nesse enunciado, que se conectam com os discursos propagados por essa comunidade político-ideológica.

Acredito que todos esses acontecimentos deveriam nos levar a reconsiderar a (imaginária) imbecilidade natural dos porta-vozes bolsonaristas pressuposta por diversas leituras identificadas às ditas esquerdas democráticas. Enquanto se ri deles e de suas supostas imbecilidades, seus enunciados circulam e afetam numa amplitude e dimensão inimagináveis para uma maioria, produzindo identificações, produzindo sentidos, sujeitos e desejos.

Precisamos nos haver com o fato de que o cis-hétero-bolsonarismo faz sentido e é desejado por uma parcela complexa e heterogênea da “população”. Não devemos idealizá-la ou homogeneizá-la, muito menos supor a sua natural “ignorância”, como parece funcionar em: “[...] infelizmente, a população brasileira carente e desescolarizada, e hipnotizada pelo fascismo acredita nesse tipo de coisa [mamadeira de piroca e kit-gay]” (Tiburi, 2020TIBURI, Márcia. 2020. Como derrotar o turbotecnomachonazifascismo. Rio de Janeiro: Record.: 71). Esses funcionamentos ideológicos implicitamente responsabilizam as camadas mais pobres, supostamente desescolarizadas - lidas nesse imaginário da esquerda intelectualizada como ignorantes, logo, facilmente enganadas - pela sustentação do bolsonarismo, o que acabaria por atenuar e dissimular o apoio massivo das classes mais abastadas (ditas intelectualizadas no imaginário elitista), o que apaga que o bolsonarismo é um fenômeno de classe, é um movimento em favor do grande Capital.

Sem mencionar que essa lógica, ao trabalhar com “manipulação”, deixa de lado ou acaba atribuindo um peso menor à produção social do desejo pelo processo discursivo fascista (relação discurso-ideologia-desejo). Como disseram Deleuze e Guattari, o desejo nunca é enganado: “Daí o grito de Reich: não, as massas não foram enganadas, elas desejaram o [...] [fascismo], e é isso que é preciso explicar... Acontece desejar-se contra seu interesse: o capitalismo se aproveita disso.” (2010: 47). As massas podem desejar o terror. Isto não é mera propaganda ou gestão da ignorância. Muito menos manipulação. Há produção capitalista de desejos, de identificações...

Considerações finais

É pela voz que o sentimento de pertencimento se fortalece e a vergonha é destruída, mostrando àquele fascinado pelo desejo fascista42 42 Quando menciono “desejo”, estou me referindo ao conceito de posições de desejo proposto por Parrini (2016, 2018). Contudo, entendo que uma posição de desejo só pode ser adequadamente analisada e descrita por meio de abordagens clínicas, etnográficas ou antropológicas. Não é possível realizar uma análise macro do desejo a distância. Neste contexto, utilizo uma abordagem especulativa para referir-me à posição de desejo bolsonarista, mas busco minimizar suas limitações recorrendo ao arquétipo da posição de desejo fascista descrita por Deleuze e Guattari (2010), com base na escuta clínica. que há vozes como a dele, que seu desejo é legítimo. Vociferações do medo. Vociferações do terror. Vociferações grotescas que constroem a audibilidade do terror. Isto leva-nos à necessária compreensão da produção bolsonarista de afetos, da vontade de pertencimento, da vontade de rebanho, do fascismo que vem...

Com efeito, o bolsonarismo se traduz na atualização da ideologia fascista pelo gerenciamento do medo (o fantasma do outro: comunista, negros, mulheres, LGBT+, indígenas etc.) e da esperança, inicialmente, no líder, na ação mortífera, na eliminação do outro... esperança, então, que é redirecionada ao Estado, à democracia burguesa, à autoridade. Isto tudo a serviço da neutralização da luta de classe, da profissionalização da contrarrevolução (Fidelis; Seabra, 2021FIDELIS, Thays; SEABRA, Raphael. “Fascismo e profissionalização da contrarrevolução no Brasil”. Revista Katálysis. Vol. 24, p. 407-416.), do impedimento da construção de um sujeito coletivo proletário... do impedimento de uma gestão proletária do ódio de classe.

Como argumentado aqui, a movimentação reacionária, patrocinada pela pequena burguesia, pode ser também lida como uma reação virulenta a uma suposta perda simbólica do poder branco, cis-heterossexual e masculino, naquilo que Parrini (2019)PARRINI, Rodrigo. 2019. “Retóricas del amo. Políticas de la masculinidad y restauraciones fálicas”. Nomadías. Nº 27, p. 183-205. chamou de restaurações fálicas, uma tentativa de restaurar uma suposta ordem natural masculinista. Afinal, a ascensão das minorias não representaria apenas uma ameaça econômica, mas traria a reboque o questionamento do poder político e social do homem, branco, cis... Ainda que esse poder não seja real e estruturalmente questionado com essas conquistas liberais, algo nesse processo desencadearia e justificaria a necessidade do apelo fascista como mecanismo de manutenção da ordem ne(cr)oliberal deimocrática.

Faz-se ver que uma ameaça ao poder do macho branco é uma ameaça a toda a sociedade, buscando, assim, com esse antagonismo imaginário, desarticular quaisquer possibilidades de uma ofensiva contra o poder econômico fundada em uma identidade coletiva classista. Com isso, os machos brancos proletários são levados a defender os interesses dos machos brancos capitalistas. Claro que, com isso, também estão a defender seus privilégios no seio da sociedade de opressões, afinal, a exploração da força de trabalho das mulheres, por meio da apropriação do trabalho não remunerado (Federici, 2017FEDERICI, Silvia. 2017. Calibã e as bruxas: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante.) beneficiou e beneficia o homem branco, inclusive aqueles que são trabalhadores.

Como efeito desse complexo sistema de divisão social, de gerenciamento de opressões e privilégios, criado pelo sistema capitalista, temos a mobilização de identificações de grupos de trabalhadores (homens brancos, por exemplo) na defesa dos interesses capitalistas, metonimizada na defesa de seus pequenos privilégios em relação à massa desprivilegiada (trabalhadores recortados por gênero, raça e sexo). A partilha dos privilégios é uma estratégia burguesa cujo funcionamento visa impossibilitar a contraidentificação com a ideologia mercantil. O proletário branco é levado a se identificar com o burguês branco, defendendo seus interesses, pois imaginariamente se reconhece mais próximo daquele pelo laço racial e de gênero, que o produz como beneficiário mínimo da superexploração dos desvalidos recortados racialmente, sexualmente e por gênero (negros, LGBT+, mulheres)43 43 O reconhecimento das especificidades da divisão social do trabalho é fundamental para entendermos como ela é atravessada por questões de gênero, raça e sexo. Nesse sentido, é preciso levar em conta não apenas a divisão social do trabalho, mas também a divisão sexual, racial e de gênero, que atuam como importantes determinantes no funcionamento do modo de produção capitalista. .

A lógica é a mesma da dependência: os trabalhadores dos países desenvolvidos gozam de privilégios à custa da superexploração dos trabalhadores periféricos. Isto faz com que os trabalhadores privilegiados, além de lutarem apenas na defesa de seus privilégios, não se identifiquem com os trabalhadores superexplorados e se reconheçam na identidade burguesa. A superexploração não é somente uma categoria econômica, é também social. Assim, temos uma pirâmide de opressões e privilégios onde cada nível acima é representado por uma posição-sujeito que rechaça o nível anterior, visto que tem privilégios em relação a esse, privilégios que são, em verdade, decorrentes da exploração extra daqueles que habitam o extrato social inferior, o que impossibilita ou, ao menos, dificulta a articulação de uma identidade antiburguesa que, sem desconsiderar as contradições de gênero, raça e sexo, as condicione à sobredeterminação do antagonismo real, de classe.

A ascensão, ainda que imaginária, das minorias é significada, com isso, como uma ameaça a um suposto poder natural dos homens, branco, cis, heterossexuais, cristãos (configuração hegemônica da burguesia em todo o Ocidente). Ainda que a ameaça maior visualizada pela pequena burguesia e pelas classes médias que desencadeia o investimento da grande burguesia na ideologia fascista seja a questão econômica, é inegável que o poder econômico está associado ao “macho branco”, logo a visibilização de corpos outros em espaços de poder também é mobilizado como uma ameaça aos interesses da burguesia, uma ameaça ao status quo, pois lido como indício de uma ameaça futura à acumulação capitalista. Por conseguinte, essa ameaça é plasmada como ameaça à sociedade.

A burguesia é, por natureza, uma classe conservadora, no sentido de que rechaça mudanças e transformações nas relações sociais tradicionais, visto que essas transformações podem ir de encontro aos interesses de determinada facção burguesa. Por isso, a burguesia, ou melhor, a facção burguesa dominante investe em estratégias de contenção dessas transformações. Contudo, o capitalismo, paradoxalmente, a contragosto das facções burguesas em dominância, é um sistema em movimento que continuamente destrói e transforma antigas relações de autoridade como forma de perpetuação e eternização de seu funcionamento. Isto gera conflito entre facções burguesas distintas, produzindo uma série de contradições, a exemplo da incorporação pela indústria cultural de questões de gênero, de diversidade sexual e racial. Tal incorporação, além de provocar disputas entre setores da burguesia, é realizada ao mesmo tempo em que o sistema capitalista também produz os sujeitos recortados por gênero, raça e sexo como inimigøs a serem combatidos, ou seja, ao mesmo tempo em que investe nas guerras de subjetividades, fabricando a figura do inimigø social que lhe é intrínseca, o modo de produção capitalista investe na afirmação positiva dessas mesmas identidades.

  • 1
    Este ensaio apresenta uma versão expandida e aprimorada do argumento publicado anteriormente na edição on-line do jornal Le Monde Diplomatique Brasil. Esta versão contém questões originais não abordadas anteriormente. É importante mencionar que ela foi revisada e revista a partir das contribuições de Maurício Beck, Isaías Carvalho, Iago Moura, Lauren Gomes, Rodrigo Parrini, André Mitidieri e Rogério Modesto. Além disso, as sugestões dos pareceristas anônimos e revisores de Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana foram fundamentais para o aprimoramento deste trabalho. Gostaria de expressar minha gratidão especial a Leila Raposo pela sugestão de trabalhar com este objeto de análise.
  • 2
    Para uma análise das políticas sexuais e de gênero no bolsonarismo, veja Parrini (2019)PARRINI, Rodrigo. 2019. “Retóricas del amo. Políticas de la masculinidad y restauraciones fálicas”. Nomadías. Nº 27, p. 183-205., Corrêa e Kalil (2020)CORRÊA, Sonia; KALIL, Isabela. 2020. “Políticas antigénero en América Latina: Brasil”. Publicado por el Observatorio de Sexualidad y Política (SPW), proyecto basado en ABIA., Brito (2020)BRITO, Lucas. 2020. Política sexual do bolsonarismo. Dissertação de Mestrado em Política Social, Universidade de Brasília., Afonso-Rocha (2020bAFONSO-ROCHA, Rick. 2020b. “O pânico e o risível grotesco em Bolsonaro”. Outras Palavras, 26 de novembro de 2020. Disponível em: <https://outraspalavras.net/crise-brasileira/o-panico-e-o-risivel-grotesco-embolsonaro/>. [Acesso em 20.01.2021].
    https://outraspalavras.net/crise-brasile...
    , 2021aAFONSO-ROCHA, Rick. 2021a. “O masculinismo gore-ejaculatório e a ameaça rugosa”. Hybris: Revista de Filosofía. Vol. 12, p. 22-36., 2022AFONSO-ROCHA, Rick. 2022. “Efeito-sociedade deimofágica”. Dorsal: Revista de Estudios Foucaultianos.Nº 4, p. 137-151.).
  • 3
    Inspirado em Adorno (1962)ADORNO, Theodor. 1962. “El ensayo como forma”. Notas de literatura, p. 11-36., destaco que este trabalho possui natureza de ensaio. Isto significa que não estabelece relação positivista com a ciência, mas que acontece no entremeio da filosofia com a literatura, sendo assombrado pelo regime do científico com o qual constitui uma relação de contradição: “Por eso, la ley formal más íntima del ensayo es la herejía. En la cosa, mediante la violación de la ortodoxia del pensamiento, se hará visible aquello que ella pretende mantener invisible y que, secretamente, constituye su fino objetivo.” (Adorno, 1962ADORNO, Theodor. 1962. “El ensayo como forma”. Notas de literatura, p. 11-36.: 20).
  • 4
    Para análises sobre as relações entre o bolsonarismo e o fascismo: Nascimento (2020)NASCIMENTO, Lucas. 2020. “Língua fascista, discurso contraditório”. Revista Heterotópica. Vol. 2, n. 2, p. 180-197., Boito Jr. (2019BOITO JR., Armando. 2019. “O neofascismo no Brasil”. Boletim LIERI, UFRRJ. Nº 1. Maio 2019. Disponível em: <http://laboratorios.ufrrj.br/lieri/wpcontent/uploads/sites/7/2019/05/Boletim-1-O-Neofascismo-no-Brasil.pdf >. [Acesso em 21.01.2021].
    http://laboratorios.ufrrj.br/lieri/wpcon...
    , 2020), Gonçalves e Caldeira Neto (2020)GONÇALVES, Leandro; CALDEIRA NETO, Odilon. 2020. O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo. Rio de Janeiro: Editora FGV..
  • 5
    Grafo o significante fascista com itálico na partícula “cis” por entender que a ordem sexual e de gênero lhe é estrutural e intrínseca.
  • 6
    Para compreender a complexidade do funcionamento político do bolsonarismo: Rocha (2021)ROCHA, João Cezar de Castro. 2021. Guerra cultural e retórica do ódio. Goiânia: Caminhos., Tiburi (2020)TIBURI, Márcia. 2020. Como derrotar o turbotecnomachonazifascismo. Rio de Janeiro: Record., Guerreiro (2019)GUERREIRO, Paulo Sérgio. 2019. A eleição de um meme. Rio de Janeiro: Multifoco., Lísias (2020)LÍSIAS, Ricardo. 2020. Diário da catástrofe brasileira: Ano I - O inimaginável foi eleito. Rio de Janeiro: Editora Record., Nobre (2020)NOBRE, Marcos. 2020. Ponto-final: A guerra de Bolsonaro contra a democracia. São Paulo: Todavia. e Gomes (2020)GOMES, Wilson. 2020. Crônica de uma tragédia anunciada: como a extrema-direita chegou ao poder. [S.L.]: Sagga..
  • 7
    Em comentário sobre este trabalho.
  • 8
    Destaco a leitura instigante feita por Fidelis e Seabra (2021)FIDELIS, Thays; SEABRA, Raphael. “Fascismo e profissionalização da contrarrevolução no Brasil”. Revista Katálysis. Vol. 24, p. 407-416., que consideram o bolsonarismo como a profissionalização da contrarrevolução no Brasil. Segundo eles, a dificuldade de rotular os governos e os movimentos reacionários e/ou autoritários latino-americanos das últimas décadas como fascistas ou neofascistas leva a compreendê-los, em seus funcionamentos político, ideológico e econômico, como configurações da forma-Estado de contrainsurgências. Esta configuração visa profissionalizar o aparato técnico-militar-empresarial-burguês, a fim de impedir qualquer ameaça potencial ao acúmulo capitalista, a exemplo das condições próximas ao pleno emprego durante os governos petistas. O argumento apresentado pelos autores é relevante por permitir uma leitura mais precisa do bolsonarismo como uma forma de profissionalização da contrarrevolução.
  • 9
    Uso a metáfora de Deimos, deus grego do pânico (∆ɛῖμος), irmão gêmeo e companheiro de luta de Fobos, o deus do medo (φόβος), para designar esse funcionamento político de gerenciamento do medo e produção da esperança. Para uma discussão mais aprofundada sobre tal conceito, consultar Afonso-Rocha (2020aAFONSO-ROCHA, Ricardo. 2020a. Bichas também sangram: Deimopolítica e direito de resistência na literatura “homossexual” do jornal Lampião da Esquina. Dissertação de Mestrado em Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus., 2021cAFONSO-ROCHA, Rick. 2021c. O perigo cor-de-rosa: ensaios sobre deimopolítica. Salvador: Devires.).
  • 10
    Além disso, é importante lembrar que a deimopolítica não é um fenômeno novo. Ela está presente desde o surgimento do Estado moderno. O que mudou ao longo do tempo foi a forma como ela se manifesta.
  • 11
    Conceito de Deleuze (2017)DELEUZE, Gilles. 2017. Michel Foucault: as formações históricas. São Paulo: N-1 edições; Politeia. lendo Foucault.
  • 12
    Com o conceito de formação histórica, aponto, a partir de Deleuze (2017)DELEUZE, Gilles. 2017. Michel Foucault: as formações históricas. São Paulo: N-1 edições; Politeia., para o entrecruzamento dos estratos que formam o saber: os enunciados e as visibilidades. São as condições por meio das quais as mentalidades se formulam e os comportamentos se manifestam em dada região e domínio específico, isto é, adentram no campo de inteligibilidade. Dessa forma, aquilo que é possível ver e falar em dada época sobre determinado objeto, prática ou sujeito decorre da pressurização das relações de poder dominantes.
  • 13
    Diferença e repetição convivem. O próprio Foucault (2008)FOUCAULT, Michel. 2008. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária. diz que a enunciação (diferença) movimenta o enunciado (repetição). Deleuze (2002)DELEUZE, Gilles. 2002. Diferencia y repetición. Buenos Aires: Amorrortu. nos ajuda a ver que há não apenas diferença no nível da superfície, mas também no da estrutura. O que se repete repete-se diferentemente.
  • 14
    Tomo as ditaduras militares latino-americanas como regimes atravessados pela ideologia fascista, cujas conjunturas políticas, econômicas e ideológicas periféricas gestaram as condições de produção de um acontecimento histórico com destacada especificidade: o fascismo dependente (Santos, 2018SANTOS, Theotonio. 2018. “Socialismo e Fascismo na América Latina hoje”. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas. Vol. 12, n.1, p. 2-21.) - que leio como reemergência da ideologia fascista em condições de produção radicalmente diversas daquelas nas quais o fascismo histórico foi produzido (repetição que produz o novo).
  • 15
    Diante do debate sobre a possível distinção conceitual entre “ditaduras militares” e “ditaduras fascistas”, discordo tanto daqueles que afirmam uma radical diferença entre os fenômenos supracitados, a exemplo de Riz (1977)RIZ, Liliana de. 1977. “Algunos problemas teórico-metodológicos en el análisis sociológico y político de América Latina”. Revista Mexicana de Sociología. Vol. 39, n. 1, p. 157-171. e Bóron (1977), como da leitura que toma as ditaduras militares como uma espécie do gênero fascismo, a exemplo de Cuevas (1977)CUEVA, Agustín. 1977. “La cuestión del fascismo”. Revista mexicana de Sociología. Vol. 39, n. 2, p. 469-480. ou da interpretação mais tradicional que se dá ao conceito de fascismo dependente de Santos (2011)SANTOS, Theotonio. 2011. Imperialismo y dependencia. Caracas: Fundación Biblioteca Ayacucho., ou seja, de que esse seria um fascismo criolo, uma expressão tropical do fascismo europeu, desprezando, com isso, a distinção entre o fascismo historicamente determinado e a produção discursiva fascista.
  • 16
    As formas capitalistas de exceção, a saber: fascismo, bonapartismo e ditadura militar, aqui tomadas como processos discursivos (para além de sua experiência historicamente determinada), atravessam e constituem as formas de operar do Estado em Latinoamérica (Zavaleta Mercado, 2006ZAVALETA MERCADO, René. 2006. “Formas de operar del Estado en América Latina (bonapartismo, populismo, autoritarismo)”. In: IBARGÜEN, Maya; MÉNDEZ, Norma (orgs.). René Zavaleta Mercado: ensayos, testimonios y revisiones. Ciudad de México: Flacso.).
  • 17
    Aqui, faço referência ao materialismo do encontro, proposto por Althusser (2005)ALTHUSSER, Louis. 2005. “A corrente subterrânea do materialismo do encontro”. Crítica Marxista, Rio de Janeiro. Nº 20, p. 9-48..
  • 18
    O discurso bolsonarista funciona, penso eu, como discurso autoritário (Orlandi, 2016ORLANDI, Eni. 2016. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes.), pois marcado pela repetição/paráfrase e pela contenção da polissemia.
  • 19
    A partir do conceito de paisagem corpórea, compreendo as formas de ver, de dizer e escutar o corpo produzidas em uma determinada formação histórica. A paisagem representa uma imagem aparentemente homogênea e estática de uma corporalidade específica. A paisagem é a extensão simbólica que molda o olhar hegemônico sobre os corpos, delimitando sua inteligibilidade: aquilo que é (in)visível, (i)nomeável e (in)audível. Portanto, ela gerencia a circulação de afetos socialmente produzidos em relação a esses corpos, definindo quem merece ser chorado ou quais corpos são considerados indignos de compaixão.
  • 20
    Agamben (2013)AGAMBEN, Giorgio. 2013. A comunidade que vem. Belo Horizonte: Autêntica. propõe que a comunidade que vem é uma comunidade sem identidade, que se constitui a partir da singularidade do qualquer. Nesta perspectiva, não há um elemento unificador que determine a identidade da comunidade, mas sim uma multiplicidade de singularidades que se articulam a partir do comum que as atravessa. Dessa forma, a comunidade que vem é uma comunidade aberta, em constante processo de formação e transformação. Por outro lado, o fascismo que vem pode ser compreendido como uma reação a essa comunidade sem identidade. O fascismo busca impor uma identidade coletiva rígida. O fascismo tenta criar uma comunidade homogênea, baseada em uma única identidade (macho branco), negando a multiplicidade de singularidades que caracteriza a comunidade que vem. Assim, o fascismo que vem pode ser entendido como um movimento reativo ao vir a ser communitas.
  • 21
    É importante ressaltar que o símbolo ø (vazio) é utilizado como uma representação da ambiguidade e da incerteza na identificação do inimigø. Esse vazio simboliza a capacidade do inimigø de se desdobrar em diferentes formas e assumir múltiplas identidades, o que torna difícil definir com precisão quem é o adversário. Essa fluidez do inimigø é potencializada pelo fato de que ele pode ser qualquer um, ou seja, qualquer vida pode ser marcada como sem importância e ser considerada uma ameaça pelo sistema. Portanto, o inimigø polimorfo é uma expressão da fragilidade das identidades e das fronteiras que separam o “nós” do “eles”. É uma ameaça constante que paira sobre a sociedade e pode ser utilizada para justificar ações violentas e discriminatórias contra indivíduos e grupos que são percebidos como diferentes ou ameaçadores.
  • 22
    “Esta ênfase na constante ameaça à nação por parte de ’inimigos internos’ ocultos e desconhecidos produz, no seio da população, um clima de suspeita, medo e divisão que permite ao [...] [Estado] levar a cabo campanhas repressivas que de outro modo não seriam toleradas. Dessa maneira, a dissensão e os antagonismos de classe podem ser controlados pelo terror. Trata-se de uma ideologia de dominação de classe que tem servido para justificar as mais virulentas formas de opressão classista (Alves, 2005ALVES, Maria Helena Moreira. 2005. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Bauru: Edusc.: 31-2).
  • 23
    A produção acadêmica acerca da ideologia de gênero tem se intensificado nos últimos anos. Dentre os trabalhos relevantes, podemos citar Junqueira (2022)JUNQUEIRA, Rogério. 2022. A invenção da ideologia de gênero: sexologia, sexualidade e política no Brasil. Brasília: Editora UnB., Corrêa (2018)CORRÊA, Sonia. 2018. “A ‘política do gênero’: um comentário genealógico”. Cadernos Pagu. Vol. 54., Miskolci (2018)MISKOLCI, Richard. 2018. “Exorcizando um fantasma: os interesses por trás do combate à ‘ideologia de gênero’”. Cadernos Pagu. Vol. 54., Miskolci e Campana (2017)MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. 2017. “‘Ideologia de gênero’: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo”. Sociedade e Estado. Vol. 32, p. 725-748. e a obra organizada por Bárcenas (2022)BÁRCENAS, Karina (ed.). 2022. Movimientos antigénero em América Latina: cartografias del neoconservadorismo. Ciudad de México: Instituto de Investigaciones Sociales. que, a partir de uma perspectiva latino-americana, traz importantes reflexões sobre o tema.
  • 24
    Neste trabalho, optei por não abordar a discussão teórica que associa o bolsonarismo ao antipetismo pelos seguintes motivos: tais análises frequentemente desconsideram as coordenadas ideológicas e o funcionamento das estruturas do capitalismo, deixando de lado a reflexão sobre o bolsonarismo como expressão da ideologia mercantil. Ao afirmar que questões de gênero e sexualidade são intrínsecas ao bolsonarismo, enfatizo que a ordem sexual é um imperativo do capitalismo e que o debate deve se concentrar na produção do inimigø social na máquina capitalista. Meu objetivo é observar como o discurso bolsonarista funciona neutralizando e pacificando a luta de classe por meio da produção antigênero (antagonismo imaginário). Além disso, busco compreender como esse discurso se apropria do discurso anticomunista da Doutrina de Segurança Nacional. Portanto, considero desnecessário aprofundar a discussão com análises centradas no antipetismo. Para aqueles que desejam se aprofundar nessa temática, recomendo as seguintes produções: Pinheiro-Machado (2019)PINHEIRO-MACHADO, Rosana. 2019. Amanhã vai ser maior: o que aconteceu com o Brasil e possíveis rotas de fuga para a crise atual. São Paulo: Planeta Estratégia., Pinheiro-Machado e Freixo (2019)PINHEIRO-MACHADO, Rosana; FREIXO, Adriano de (orgs.). 2019. Brasil em transe: bolsonarismo, nova direita e desdemocratização. Rio de Janeiro: Oficina Raquel., Rocha (2021)ROCHA, João Cezar de Castro. 2021. Guerra cultural e retórica do ódio. Goiânia: Caminhos. e Solano et al. (2018)SOLANO, Esther et al. (org.). 2018. O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo..
  • 25
    Para entender a formação do imaginário anticomunista no Brasil, é importante consultar as obras de Mariani (1996)MARIANI, Bethânia. 1996. O comunismo imaginário: práticas discursivas da imprensa sobre o PCB (1922-1989). Tese deDoutorado em Linguística, Universidade de Campinas. e Motta (2000). No entanto, é preciso alertar que o último autor não menciona a associação entre comunistas e devassidão moral, o que é um importante aspecto do discurso integralista, que representava os “homossexuais” como uma ameaça comunista ao Ocidente cristão, como mostrou Cowan (2015)COWAN, Benjamin. 2015. “Homossexualidade, ideologia e subversão no regime militar”. In: GREEN, James; QUINALHA, Renan. (eds.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Carlos: EdUFSCar. p. 27-52.. Já Mariani omite a ocorrência de um de seus recortes, que associa o comunismo ao “pecado nefando”, termo que designava o crime de sodomia no período colonial. Ambos os trabalhos ignoram que a construção dos referentes discursivos “comunista” e “comunismo” se entrelaçou com o significante “homossexualismo” durante o integralismo e a ditadura militar brasileira.
  • 26
    Para explorar como o imaginário anticomunista se relaciona com as políticas antigênero, tomo como base as análises de Cowan (2015)COWAN, Benjamin. 2015. “Homossexualidade, ideologia e subversão no regime militar”. In: GREEN, James; QUINALHA, Renan. (eds.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Carlos: EdUFSCar. p. 27-52., Fraccaroli (2022)FRACCAROLI, Yuri. 2022. “Dissidentes sexual e de gênero e a ditadura civil-militar brasileira: entre a Memória Política e as memórias cotidianas”. Revista Uruguaya de Ciencia Política. Vol. 31, n. 1, p. 25-53., Quinalha (2017)QUINALHA, Renan. 2017. Contra a moral e os bons costumes: a política sexual da ditadura brasileira (1964-1988). Tese de Doutorado em Relações Internacionais, Universidade de São Paulo. e Afonso-Rocha (2020a)AFONSO-ROCHA, Ricardo. 2020a. Bichas também sangram: Deimopolítica e direito de resistência na literatura “homossexual” do jornal Lampião da Esquina. Dissertação de Mestrado em Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus.. Além disso, incorporo o trabalho de Soares (2006)SOARES, Alexandre. 2006. A homossexualidade e a AIDS no imaginário de revistas semanais (1985-1990). Tese de Doutorado em Linguística, Universidade Federal Fluminense, Niterói. sobre a representação da “homossexualidade” nas revistas semanais durante o período de 1985-1990, apesar de sua análise silenciar sobre a associação entre “homossexualismo” e “comunismo”.
  • 27
    Considero o sistema sexual como uma parte do sistema capitalista. Isto significa que o sistema sexual é visto como uma das bases materiais que sustentam a lógica da exploração (Federici, 2017FEDERICI, Silvia. 2017. Calibã e as bruxas: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante.). O sistema sexual é, portanto, uma das formas em que o capitalismo se manifesta. O capitalismo utiliza o sistema sexual para controlar e disciplinar corpos e desejos, reforçando a lógica da acumulação e da mais-valia.
  • 28
    É possível observar que a produção cultural, a exemplo da cinematográfica, televisiva e de quadrinhos, no mundo progressista liberal dos últimos anos, tem gradativamente incluído questões de gênero e diversidade sexual e racial. Esta inserção de temas identitários nas produções culturais ocorre em consonância com o capitalismo, mas também em meio a uma contradição fundamental. A valorização dessas mesmas identidades serve à produção das guerras de subjetividades, pois o sistema capitalista não cessa de produzi-las também como ameaças sociais.
  • 29
    RADIOVOX. O começo do “gabinete do ódio”: a primeira conversa entre Olavo de Carvalho com a família Bolsonaro. Canal no Youtube Radiovox. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=ZMpoOJ-NAzg>. Acesso em 18/11/2020.
  • 30
    De acordo com Valencia (2020)VALENCIA, Sayak. 2020. Capitalismo gore. Santa Cruz de Tenerife: Melusina., o capitalismo gore é um termo que descreve a atual fase do capitalismo, caracterizado pela exploração e a extração da vida humana em seu sentido mais amplo, por meio de formas extremas de violência e opressão. Para Valencia, o capitalismo gore está presente em diferentes aspectos da vida social, como no tráfico de drogas, no turismo sexual, na pornografia violenta, nos assassinatos em massa e em outras formas de violência extrema que são transformadas em mercadorias. Essas práticas são utilizadas como formas de reproduzir e manter a lógica capitalista, que se baseia na exploração e na extração de valor.
  • 31
    Esta seção não deve ser tomada como contexto, situação contextual ou plano de fundo no qual se inseriria o bolsonarismo. Igualmente, não deve ser confundida com um mero exame dos materiais empíricos a serem analisados. Os eventos aqui narrados não constituem uma unidade empírica, mas são tomados como unidade imaginária. Embora este trabalho dialogue com as Ciências Sociais, seu fundamento teórico, epistemológico e analítico advém dos estudos da linguagem. Logo, todos os “acontecimentos” aqui mobilizados são tomados como fatos de linguagem e não como dados empíricos.
  • 32
    Os significantes “homossexual”, “homossexualidade” e “homossexualismo” aparecem, nessa FD, quase hegemonicamente para designar a totalidade dos sujeitos e das práticas não cis-heterossexuais (LGBT+, feministas e putas), lidas como anormais e ameaçadoras. Destaca-se que tal uso produz como efeito a homogeneização dessas subjetividades em torno do signo da inimigalidade, além de fazer memória à posição de sujeito significada pela ciência: “la posición del deseo patológico y anormal, nacida de una multiplicidad de discursos y prácticas sociales que cercaron las pasiones y los cuerpos con gnoseologías, descripciones, sintomatologías y tratamientos. Era la lengua de los expertos que sondeaba las profundidades del deseo para hacer emerger a los ‘invertidos’ del orden sexual e intentar rectificarlos. Lenguajes del Estado, de las burocracias, de los medios de comunicación, de la policía. (Parrini, 2018PARRINI, Rodrigo. 2018. Deseografías. Una antropología del deseo. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México.: 469).
  • 33
    Em 2005, o reverendo norte-americano Louis P. Sheldon lançou o livro The Agenda, no qual buscava denunciar a suposta estratégia dos militantes LGBT+ para “dominar” a sociedade. Embora o livro só tenha sido traduzido para português-brasileiro em 2012, desde 2005, seus enunciados circulavam entre os principais líderes religiosos neopentecostais. No Brasil, recebeu o título de A estratégia: o plano dos homossexuais para transformar a sociedade. Em um trecho, afirma: “Fica mais do que evidente agora que não são apenas os terroristas estrangeiros que temos de temer hoje. Os radicais mais perigosos que ameaçam nosso estilo de vida são aqueles que vivem entre nós. Eles já têm posições privilegiadas no governo, nos tribunais, em nossas escolas e faculdades e até mesmo no mundo dos negócios; e você pode ter certeza de que eles nos destruirão se não tomarmos medidas para derrotar o movimento radical deles agora” (2012: 6).
  • 34
    A Doutrina de Segurança Nacional (DSN) é um conjunto heterogêneo de enunciados geopolíticos atravessados pelos sentidos de inimigalidade, guerra e segurança nacional, surgido no contexto de combate à ideologia antiburguesa após a Revolução Soviética. No Brasil, a DSN é uma leitura da ideologia militar norte-americana, realizada pela Escola Superior de Guerra, centro do pensamento burgo-militar-brasileiro, durante a década de 1950. A DSN teve também influência das ideologias militares francesa e inglesa no que diz respeito à construção discursiva dos sentidos de guerra revolucionária e inimigø da nação. Os regimes ditatoriais latino-americanos tiveram a DSN como sustentação teórica e ideológica e, através dela, a inimigalidade foi enunciada e tornou-se visível. Notavelmente, visando combater a permanência da memória da Revolução proletária de 1917, o Capital delimita o “perigo do comunismo” como o obstáculo central ao desenvolvimento nacional. É importante destacar que, embora o conceito de inimigø mobilizado pela DSN seja plástico e virtual, é a “ameaça vermelha” que governa os sentidos da distinção entre os amigos e os inimigøs do rei. Em resumo, a DSN funciona como uma forma de manter a ordem burguesa por meio de uma lógica de inimizade que busca eliminar aqueles que são considerados ameaças ao poder estabelecido. Para se aprofundar no conceito de DSN, veja Sader (1995)SADER, Emir. 1995. O anjo torto: esquerda (e direita) no Brasil. São Paulo: Brasiliense. e Fernandes (2009)FERNANDES, Ananda Simões 2009. “A reformulação da Doutrina de Segurança Nacional pela Escola Superior de Guerra no Brasil: a geopolítica de Golbery do Couto e Silva”. Antíteses. Vol. 2, n. 4, p. 831-856..
  • 35
    Deputado Flávio Bolsonaro entrega medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Canal no Youtube Flávio Bolsonaro, 13 de julho de 2012. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=Cb0JGA80iLo.
  • 36
    O historiador que previu Bolsonaro. Canal no Youtube Meteoro Brasil, 17 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mRwbWwGZsHo&t=4s.
  • 37
    Ter o ânus penetrado comparece como metonímia da violência social, agressão à masculinidade: são “eles” que, ao terem seus ânus “violados”, agridem, por sua escolha, a sociedade. São “eles” os violentos.
  • 38
    Eu utilizo o adjetivo “mercantil” para caracterizar os aparelhos ideológicos e repressivos, em vez de utilizar a locução “de Estado”, conforme o conceito althusseriano (1985)ALTHUSSER, Louis. 1985. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal.. Isto ocorre porque, a partir da perspectiva de Foucault (2015)FOUCAULT, Michel. 2015. A sociedade punitiva. Curso no Collège de France (1972-1973). São Paulo: Martins Fontes., o Estado é um dos espaços em que as relações hegemônicas de poder se integram, sendo produzido como um centro imaginário pela estratégia burguesa de centralizar a luta proletária contra apenas um dos pontos de estabilização e de colocação da ideologia burguesa. Além disso, considero que as transformações ocorridas nas últimas décadas na forma-Estado tornam inviável afirmar a realidade das fronteiras do Estado-nação com o uso da referida locução. O adjetivo “mercantil” aponta para a dimensão classista dos aparelhos ideológicos e repressivos, buscando contemplar a realidade dos Estados-corporações e dos complexos transnacionais.
  • 39
    Percebo a relevância de refletir sobre a produção das masculinidades como parte da engrenagem da forma-estatal, em diálogo com os estudos das Ciências Sociais e com os estudos de gênero e sexualidade. Entretanto, ressalto que este tema foge ao escopo do trabalho em questão.
  • 40
    Destaca-se, novamente, que, nessa FD, os referentes “homossexual” e “gay” significam os sentidos da inimigalidade sexual que atravessa a significação de “feminista”, “LGBT+” e “puta”.
  • 41
    “Formas do discurso da denúncia, formas da denúncia: não apenas diferentes modos de textualizar a denúncia (formulação), mas, sobretudo, diferentes pontos de atravessamento do interdiscurso, diferentes memórias da denúncia (constituição).” (Modesto, 2018MODESTO, Rogério. 2018. “Você matou meu filho” e outros gritos: um estudo das formas da denúncia. Tese de Doutorado em Linguística, Universidade Estadual de Campinas.: 117).
  • 42
    Quando menciono “desejo”, estou me referindo ao conceito de posições de desejo proposto por Parrini (2016PARRINI, Rodrigo. 2016. Falotopías: indagaciones en la crueldad y el deseo. Bogotá/ Ciudad de México: Universidad Central y Universidad Nacional Autónoma de México., 2018PARRINI, Rodrigo. 2018. Deseografías. Una antropología del deseo. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México.). Contudo, entendo que uma posição de desejo só pode ser adequadamente analisada e descrita por meio de abordagens clínicas, etnográficas ou antropológicas. Não é possível realizar uma análise macro do desejo a distância. Neste contexto, utilizo uma abordagem especulativa para referir-me à posição de desejo bolsonarista, mas busco minimizar suas limitações recorrendo ao arquétipo da posição de desejo fascista descrita por Deleuze e Guattari (2010)DELEUZE, G; GUATTARI, F. 2010. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34., com base na escuta clínica.
  • 43
    O reconhecimento das especificidades da divisão social do trabalho é fundamental para entendermos como ela é atravessada por questões de gênero, raça e sexo. Nesse sentido, é preciso levar em conta não apenas a divisão social do trabalho, mas também a divisão sexual, racial e de gênero, que atuam como importantes determinantes no funcionamento do modo de produção capitalista.

Referências

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    » https://acapa.disponivel.uol.com.br/kit-e-aberracao-pastor-silas-malafaia-diz-quegays-querem-superprotecao-e-privilegios/
  • ADORNO, Theodor. 1962. “El ensayo como forma”. Notas de literatura, p. 11-36.
  • AFONSO-ROCHA, Ricardo. 2020a. Bichas também sangram: Deimopolítica e direito de resistência na literatura “homossexual” do jornal Lampião da Esquina Dissertação de Mestrado em Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e Representações, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus.
  • AFONSO-ROCHA, Rick. 2020b. “O pânico e o risível grotesco em Bolsonaro”. Outras Palavras, 26 de novembro de 2020. Disponível em: <https://outraspalavras.net/crise-brasileira/o-panico-e-o-risivel-grotesco-embolsonaro/>. [Acesso em 20.01.2021].
    » https://outraspalavras.net/crise-brasileira/o-panico-e-o-risivel-grotesco-embolsonaro/
  • AFONSO-ROCHA, Rick. 2021a. “O masculinismo gore-ejaculatório e a ameaça rugosa”. Hybris: Revista de Filosofía. Vol. 12, p. 22-36.
  • AFONSO-ROCHA, Rick. 2021b. “Cis-hétero-bolsonarismo e suas definições”. Le Monde Diplomatique Brasil, 12 de janeiro de 2021. Disponível em: https://diplomatique.org.br/cis-hetero-bolsonarismo/ [Acesso em 15.04.2021].
    » https://diplomatique.org.br/cis-hetero-bolsonarismo/
  • AFONSO-ROCHA, Rick. 2021c. O perigo cor-de-rosa: ensaios sobre deimopolítica Salvador: Devires.
  • AFONSO-ROCHA, Rick. 2022. “Efeito-sociedade deimofágica”. Dorsal: Revista de Estudios Foucaultianos.Nº 4, p. 137-151.
  • AGAMBEN, Giorgio. 2013. A comunidade que vem Belo Horizonte: Autêntica.
  • ALESSI, Gil. “Secretário da Cultura de Bolsonaro imita fala de nazista Goebbels e é demitido”. El país, São Paulo, 17 de janeiro de 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-01-17/secretario-da-cultura-de-bolsonaroimita-discurso-de-nazista-goebbels-e-revolta-presidentes-da-camara-e-do-stf.html [Acesso em 13.05.2023].
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  • ALMEIDA, Ronaldo de. 2019. “Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira”. Novos estudos CEBRAP, São Paulo. Vol. 38, n. 1, p. 185-213.
  • ALTHUSSER, Louis. 1985. Aparelhos ideológicos de Estado Rio de Janeiro: Graal.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2021
  • Aceito
    15 Jun 2023
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