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Em Outra Voz: práticas e tecnologias biomédicas de generificação

In Another Voice: biomedical practices and technologies of genderfication

En Otra Voz: prácticas y tecnologias biomédicas de generificación

Resumo

Neste artigo, buscamos refletir sobre a produção da voz de pessoas transexuais e travestis por práticas e tecnologias biomédicas de generificação. Durante dois anos, realizamos pesquisa etnográfica, por meio de observação participante, entrevistas e acompanhamento cotidiano no Ambulatório Trans da Universidade Federal de São Paulo. Timbres de voz evocam corpos que tendem a ser imaginados por quem os ouve como masculinos ou femininos. Uma pessoa que não vocaliza de forma a confirmar essa linearidade pode ter o gênero colocado sob dúvida. As pessoas que cruzam essa linearidade buscam atuar sobre a voz, estabelecendo, para tal, complexas negociações com profissionais de saúde e serviços de saúde. A nova voz surge dessas negociações, nos encontros entre hormônios e práticas de fonoaudiologia.

Palavras-chave
voz; gênero; sexualidade; práticas biomédicas

Abstract

In this article, we seek to reflect on the voice production of trans persons and travestis through biomedical practices and technologies of genderfication. For two years, we conducted ethnographic research, engaging in participant observation, interviews, and daily follow-up at the Trans Outpatient Service of the Federal University of São Paulo. Voice timbres evoke bodies that tend to be perceived as male or female by those who hear them. A person who does not vocalize in a manner that confirms this linearity may have their gender questioned. Individuals who cross this linearity seek to enact their voice, establishing complex negotiations with health professionals and health services. The new voice emerges from these negotiations, in encounters between hormones and speech therapy practices.

Keywords
voice; gender; sexuality; biomedical practices

Resumen

En este artículo buscamos reflexionar sobre la producción de la voz de personas transexuales y travestis a través de prácticas y tecnologías biomédicas de generificación. Durante dos años, realizamos una investigación etnográfica, a través de observación participante, entrevistas y seguimiento diario en el Ambulatorio Trans de la Universidad Federal de São Paulo. Los timbres de voz evocan cuerpos que tienden a ser imaginados por quienes los escuchan como masculinos o femeninos. Una persona que no vocalice de una manera que confirme esta linealidad puede tener el género puesto en duda. Las personas que cruzan esta linealidad buscan actuar sobre la voz, estableciendo negociaciones complejas con los profesionales de la salud y los servicios de salud. La nueva voz emerge de estas negociaciones, en los encuentros entre las hormonas y las prácticas de la fonoaudiología.

Palabras clave
voz; género; sexualidad; prácticas biomédicas

Este artigo parte de uma pesquisa etnográfica que acompanhou o Ambulatório de Atenção Integral à Pessoa Trans, Travesti e Não Binária (doravante, Ambulatório Trans), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e objetiva discutir sobre a produção da voz entre práticas e tecnologias biomédicas de generificação, nos encontros entre hormônio de testosterona (endógenos ou exógenos, “naturais” e “sintéticos”) e as ações de fonoaudiologia. A pesquisa se iniciou buscando compreender práticas de cuidado, mas, a própria dinâmica etnográfica fez com que, no decorrer das investigações, nosso olhar acabasse por se direcionar para práticas e tecnologias biomédicas de generificação de homens trans. Razão pela qual, neste artigo, terão mais destaque as experiências de voz de homens transexuais que se hormonizam ou que desejam se hormonizar.

Acompanhando as experiências com a voz de homens trans, percebemos que a testosterona tem efeito direto no engrossamento das cordas vocais, tornando mais grossa a voz de homens transexuais hormonizados. Esse processo é compreendido como adequação da voz com as mudanças corporais para conformação masculina. Esse encontro da fisiologia natural das cordas vocais e a modificação delas por hormônios sintéticos exógenos de testosterona produz analisadores dos estanques natural e artificial na prática clínica da fonoaudiologia.

Embora, na maioria das vezes, de forma oblíqua, o tema da voz surge em abordagens das Ciências Sociais (CS). Talvez um dos primeiros a chamar atenção para a questão da voz de pessoas trans nas CS tenha sido Kulick (1999Kulick, Don. 1999. “Transgender and Language: A Review of the Literature and Suggestions for the Future”. GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, Vol. 5, p. 605-622.), em sua longa discussão sobre pesquisas fonoaudiológicas sobre a voz. Na trilha deixada por Kulick, Ávila (2014ÁVILA, Simone. 2014. Transmasculinidades: A emergência de novas identidades políticas e sociais. Rio de Janeiro: Multifoco.) analisa postagens de vídeos no Youtube de transhomens que compartilham suas trajetórias de transição de gênero e documentam mudanças corporais, como o crescimento da barba e a mudança do timbre da voz. Bento (2017BENTO, Berenice. 2017. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Salvador: Devires.), por sua vez, afirma que as mulheres transexuais apontam a voz (assim como a bunda e os seios) como central no transitar para gênero identificado. Descrevendo homens em clubes de sexo masculino, Braz (2012BRAZ, Camilo. 2012. À meia-luz... uma etnografia em clubes de sexo masculinos. Goiânia: Universidade Federal de Goiás.) elabora uma reflexão sobre o afinar ou engrossar a voz como táticas de submissão e dominação. Nos cuidados que as travestis na prostituição realizavam com seu corpo, Pelúcio (2009Pelúcio, Larissa. 2009. Abjeção e desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de aids. São Paulo: Annablume.) aponta, entre eles, a preocupação em suavizar a voz.

Na análise das experiências no Ambulatório Trans, valemo-nos dessas contribuições, fundamentais na composição geral deste artigo.1 1 Além desses trabalhos, valemo-nos de artigos de disciplinas como a fonoaudiologia e a linguística (que surgirão no decorrer do texto). No Ambulatório Trans, inserido no cenário de média/alta complexidade, o serviço de fonoaudiologia trabalha com a voz e a comunicação das pessoas trans e travestis.

A comunicação pode acontecer de diversas formas, e uma delas é pela voz. A frequência de uma voz ressoa em quem a ouve e, por meio dela, imagina-se corpo e gênero. Timbres de voz evocam corpos que tendem a ser imaginados por quem as ouve como masculinos ou femininos e associados a homens e mulheres. Por meio da voz há processos de reconhecimento, de forma que a produção de uma voz é importante para as pessoas que não se encaixam na linearidade sexo-gênero (Azul, 2018AZUL, David. 2018. “Trans-speaking voice-lessness: a fictocritical essay”. Graduate Journal of Social Science, Vol. 14, n° 2, p. 107-134.; Dornelas et al., 2020DORNELAS, Rodrigo; GUEDES-GRANZOTTI, Raphaela Barroso; SOUZA, Alberto Silva; JESUS, Ane Keslly Batista de; SILVA, Kelly da. 2020. “Qualidade de vida e voz: a autopercepção vocal de pessoas transgênero”. Audiology Communication Research, Vol. 25, p. 1-5.; Barra, Gusmão, Araújo, 2020BARRA, Brígida Gabriele Albuquerque; GUSMÃO, Úrsula Maria de Araújo Silva; ARAÚJO, Ana Nery Barbosa de. 2020. “Autopercepção vocal de pessoas transexuais”. Revista CEFAC, Vol. 4, nº 22, p. 1-9.).

As demandas para a voz fazem parte do trabalho cotidiano do Ambulatório Trans. Com a interpelação dos próprios interlocutores (pessoas trans, fonoaudiólogos, endócrinos, enfermeiras, cirurgiões) e a centralidade que iam conferindo às questões da voz, a pesquisa acabou se voltando para uma reflexão sobre tecnologias e práticas direcionadas à voz.

Pesquisa etnográfica no Ambulatório Trans

Professores, pessoas trans, profissionais de saúde e movimentos sociais desenharam um serviço de assistência a pessoas transexuais, travestis e não binárias, que busca não se pautar por práticas de saúde ancoradas na centralidade do diagnóstico de transexualidade. O serviço está vinculado à rede do Hospital São Paulo e foi inaugurado em 2017.

O ambulatório é um serviço da rede pública de saúde do SUS. As especialidades dos profissionais que compõem o quadro multidisciplinar do ambulatório são: enfermagem, endocrinologia, assistência social, psiquiatria, psicologia e fonoaudiologia. Quando são acolhidos no ambulatório, os usuários planejam com a equipe de saúde um projeto singular entre as práticas de saúde - uma tentativa de envolver os usuários nas decisões do tratamento.

Embora a fonoaudiologia não conste como especialidade integrante da equipe de cuidados na Portaria 2803/13, alguns dispositivos de saúde no Brasil, diante da demanda das pessoas trans, a incorporaram. Mas há outras dimensões nos cuidados com a voz.

No cuidado em saúde para os homens trans, o uso da testosterona possui centralidade. Entre as modificações corporais, está o engrossamento dos músculos das cordas vocais da laringe. A testosterona, produzida pelas células de Leydig localizadas no escroto, aplicada, ingerida ou colada na pele, engrossa a voz e deixa-a com frequência menor. A prática da fonoaudiologia articula-se com os efeitos da testosterona. Para as mulheres transexuais, que não tiveram a possibilidade de acessar os serviços de saúde ainda na adolescência e bloquearem os efeitos da testosterona no momento oportuno, as cicatrizes do processo produzem uma voz que indicaria a condição de nascimento e se constitui elemento de constrangimento durante interações sociais. Nesse caso, as práticas de fonoaudiologia são cruciais.

Neste contexto, a pesquisa etnográfica foi realizada do início de 2019 ao final de 2020, por meio de observação participante, entrevistas e acompanhamento da vida cotidiana no Ambulatório Trans. De início, a pesquisa buscava compreender as formas de acolhimento, mas, depois acabou se envolvendo com as tecnologias, como a hormonização, a fonoaudiologia e as cirurgias, principalmente de homens trans. Os relatos dos problemas com a voz foram surgindo no decorrer do trabalho de campo.

Esse movimento da pesquisa etnográfica demandou a aproximação a autores como Latour (2008LATOUR, Bruno. 2008. “Como fala do corpo? A dimensão normativa dos estudos sobre ciência”. In: NUNES, João Arriscado; ROQUE, Ricardo. (Orgs). Objetos Impuros: experiência em estudos sobre ciência. Porto: Afrontamento.; 2012LATOUR, Bruno. 2012. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Universidade Federal da Bahia.; 2019LATOUR, Bruno. 2019. Jamais Fomos Modernos. São Paulo: Editora 34.), Mol (1999MOL, Annemarie. 1999. “Ontological politics: a word and some questions”. The Sociological Review , Vol. 47, Suppl 1, p. 74-89.; 2002MOL, Annemarie. 2002. The body multiple: ontology in medical practice. Londres: Duke University Press.) e, de uma forma mais geral, à antropologia da ciência (Rohden, Monteiro, 2019ROHDEN, Fabíola; MONTEIRO, Marko. 2019. “Para além da ciência e do anthropos: deslocamento da antropologia da ciência e da tecnologia no Brasil”. BIB, São Paulo, Vol. 89, p.1-33.; Sampaio et al., 2016SAMPAIO, Juliana Vieira; MEDRADO-DANTAS, Benedito; MÉLLO, Ricardo Pimentel; MACHADO, Michael. 2016. “Hormônios como atuantes: leituras a partir da Teoria Ator-Rede”. In: SCOTT, Parry; LYRA, Jorge; FONTE, Isolda Belo da (Orgs). Relações e hierarquias marcadas por gênero. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, p. 101-114.). Tal direcionamento teórico-metodológico buscava, além de compreender significados e perspectivas, entender a articulação entre os agentes envolvidos e as materialidades mobilizadas para a construção das realidades - por exemplo, hormônios, técnicas de voz, exames laboratoriais.

Extensa bibliografia (Azul, 2018AZUL, David. 2018. “Trans-speaking voice-lessness: a fictocritical essay”. Graduate Journal of Social Science, Vol. 14, n° 2, p. 107-134.; Haraway, 1995HARAWAY, Donna. 1995. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, Vol. 5, p. 07-41.; Lathan, 2016LATHAN, Joe. 2016. “Trans men’s sexual narrative-practices: Introducing STS to trans and sexuality studies”. Sexualities, Vol. 19, nº 3, p. 347-368.; Law, Mol, 1995LAW, John; MOL, Annemarie. 1995. “Notes of materiality and sociality”. The Sociological Review, Vol. 43, nº 2, p. 274-294.; Mol, 1999MOL, Annemarie. 1999. “Ontological politics: a word and some questions”. The Sociological Review , Vol. 47, Suppl 1, p. 74-89.; 2002MOL, Annemarie. 2002. The body multiple: ontology in medical practice. Londres: Duke University Press.) salientou que o estudo das práticas permite explorar as interações entre elementos materiais e sociais. Além de ser importante o que esses agentes pensam a respeito de determinado objeto de estudo, torna-se relevante o que fazem, como fazem e com o que fazem, pois, as realidades não existem por si só, mas reúnem um conjunto de elementos heterogêneos: pessoas, objetos, palavras, papéis, máquinas, substâncias. De tal forma, o estudo da ação dos profissionais da fonoaudiologia no Ambulatório Trans mobiliza diversas materialidades e fazeres.

As práticas da fonoaudiologia

Ao tomarem conhecimento da existência da fonoaudiologia, usuários acolhidos no Ambulatório Trans almejavam ser atendidos pela especialidade. Entre as demandas, há a busca pela transformação na voz. Os especialistas identificam outros sinais e sintomas que justificariam intervenção, tais como: tensão excessiva, ativação da musculatura extrínseca da laringe, esforço fonatório, tensão faríngea, ataque vocal brusco, restrição da articulação, ressonância desequilibrada (nasal ou laríngea) (Azul, Arnold, Neuschaefer-Rube, 2018AZUL, David; ARNOLD, Aron; NEUSCHAEFER-RUBEC, Christiane. 2018. “Do transmasculine speakers presente with gender-related voice problems? Insights from a participant-centered mixed-methods study”. Journal of speech, language, and Hearing Research, Vol. 61, n° 1, p. 25-40.; Hancock, Garabedian, 2013HANCOCK, Adrienne; GARABEDIAN, Laura. 2013. “Transgender voice and communication treatment: a retrospective chart review of 25 cases”. International Journal of Language and Communication Disorders, Vol. 48, nº 1, p. 54-65.).

Em geral, as pessoas buscam a fonoaudiologia para lidar com os distúrbios da comunicação que podem ocorrer na audição, na linguagem e nos processos de fala, e se manifestar, entre outros, em transtornos fonológicos, gagueira, alteração no desenvolvimento da linguagem oral ou mesmo adversidades de posturas nas entonações. No caso das pessoas trans, há a questão da generificação da voz.

No primeiro encontro entre profissional da fonoaudiologia e usuário, ocorre o mapeamento sobre o desejo da pessoa em uma voz. A fonoaudióloga explora situações que promovem constrangimentos na comunicação, como confusões de reconhecimento pelo telefone ou dificuldades em entrevistas de emprego. A fonoaudióloga sugere “arquivos” de voz, ou seja, registros não caracterizados como vozes femininas e masculinas. Em seguida, apresenta à pessoa trans e travesti as diferenças entre a voz grave e aguda, forte e fraca, como deixá-la mais nasal ou não, como abrir e fechar mais a articulação de palavras. Propõe para a pessoa experimentar essas formas de comunicação. O intuito é provocar a experimentação das modulações da voz e certa identificação.

No trabalho de performar - atuar, encenar; possíveis traduções do verbo to enact, utilizado por Mol (1999MOL, Annemarie. 1999. “Ontological politics: a word and some questions”. The Sociological Review , Vol. 47, Suppl 1, p. 74-89.) -, a voz é caracterizada por uma soma de fatores acústicos que estão ancorados na anatomia e usos do corpo, tais como: a espessura das cordas vocais na laringe, o comprimento do trato vocal, os movimentos com a boca, o posicionamento dos lábios, os movimentos da língua, o tônus dos músculos da face e a capacidade do diafragma de se contrair e de se estender (Mol, 2002). Depois de trabalhar os arquivos de voz e considerar os fatores acústicos, a profissional propõe exercícios fonéticos e os grava em um aplicativo de celular que registra a frequência da voz da pessoa (frequência fundamental da fala, F02 2 Frequência fundamental da fala é um conceito utilizado para definir o número de ciclos que a prega vocal faz em um segundo. A frequência fundamental é determinada pela espessura das cordas vocais e a tensão delas. ). Após esses procedimentos, agenda um exame acústico no próprio hospital universitário. Terminados os exames acústicos e as experimentações de “arquivos” da pessoa, a fonoaudióloga propõe um plano de trabalho, com exercícios para treinar a voz. Os exercícios variam entre os “passivos”, nos quais a profissional massageia a região do pescoço do paciente, e “ativos”, nos quais há a proposição de exercícios de repetição, orientações de autopercepção da posição da laringe.

O objetivo das práticas da fonoaudiologia é entender, em um processo de diálogo, a voz que a pessoa deseja e a voz possível, e propor práticas e tecnologias para alterar a voz e atuar nela, tais como exames, exercícios, dispositivos de gravação. A voz que vai surgir é o resultado desse esforço de mediação entre desejo e possibilidades, entre desejo e práticas e tecnologias. A fonoaudiologia auxilia a produzir uma voz flexível, resistente e sem esforço. Mais do que uma voz com que o usuário se identifique, a busca é por produzir uma voz que pode ser reconhecida, ouvida e compreendida como um artefato de gênero apropriado à sua identificação (Azul, 2018AZUL, David. 2018. “Trans-speaking voice-lessness: a fictocritical essay”. Graduate Journal of Social Science, Vol. 14, n° 2, p. 107-134.; Azul, Hancock, 2020AZUL, David; HANCOCK, Adrienne B. 2020. “Who or what has the capacity to influence voice production? Development of a transdisciplinary theoretical approach to clinical practice addressing voice and the communication of speaker socio-cultural positioning”. Inte rnational Journal of Speech-Language Pathology, Vol. 22, n. 5, p. 559-570.).

Há duas perspectivas de pesquisas e práticas da linguística e da fonoaudiologia (Seger, 2018SEGER, Mariana da Fonseca. 2018. “Voz em trânsito: gênero e fonoaudiologia na “readequação vocal” de pessoas trans”. Dissertação de Mestrado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. e Zimman, 2018ZIMMAN, Lal. 2018. “Transgender voices: Insight on identity, embodiment, and the gender of the voice”. Language and Linguistic Compass, 2018. Vol. 12, n° 8, p. 1-16.): i) A perspectiva determinista, que descreve as diferenças de gênero da voz em aspectos biológicos, ou seja, a fisiologia determinaria as vozes masculinas ou femininas e os corpos que não transitam de gênero descreveriam os padrões. Nesse caso, a frequência fundamental da fala refletiria as diferenças biológicas. ii) A perspectiva construtivista que compreende a produção e reprodução de uma voz dentro de um contexto social e histórico, assim os contextos com intersecções de etnia, raça e regionalidade materializariam vozes masculinas ou femininas.

A fonoaudiologia e a fonologia tendem a ser bastante prescritivas no que tange ao gênero. É consenso, por exemplo, que a frequência fundamental (F0) da fala de homens não trans tem um escopo que varia entre 85 a 155Hz e de mulheres não trans entre 165 a 255Hz. Por exemplo, a pesquisa etnográfica de Lal Zimman (2017ZIMMAN, Lal. 2017. “Gender as stylistic bricolagem: Transmasculine voices and the relationship between fundamental Frequency and /s/”. Language in Society, 2017. Vol. 46, n°3, p. 339-370.) sobre a F0 de homens trans hormonizados com testosterona mostra uma relação conflituosa e crítica com essa mensuração. Ele mapeia com esses homens mudanças de voz pelo F0, mas também pelas consonantes sibilantes e intersecções sociais dos interlocutores. As vozes dos interlocutores tinham F0 parecidos, mas alguns eram inteligíveis como homens e outros não.

A produção de conhecimento da prática da fonoaudiologia para pessoas transexuais e travestis no Brasil ainda é escassa (Batista, 2021BATISTA, Karolyna Magalhães Batista. 2021. “Voz e comunicação de pessoas transgênero: revisão de literatura em intervenção fonoaudiológica”. Trabalho de Conclusão de Curso, Pontifica Universidade Católica de Campinas.). Porém, há proposições e discussões de protocolos de atendimento da fonoaudiologia às pessoas transexuais e travestis nos serviços ambulatoriais do SUS. Por exemplo, o Protocolo de Atendimento Vocal do Ambulatório Trans e do Programa de Redesignação Vocal Trans (Dornelas, Silva, Pellicani, 2021DORNELAS, Rodrigo; SILVA, Kelly; PELLICANI, Ariane Damasceno. 2021. “Atendimento vocal à pessoa trans: uma apresentação do Protocolo de Atendimento Vocal do Ambulatório Trans e do Programa de Redesignação Vocal Trans (PRV-Trans)”. Codas, Vol. 33, n° 1, p. 1-5.) complexifica a generificação das vozes e tenta abranger a demanda das pessoas trans por uma voz que garanta conforto e segurança social. Essa proposta de protocolo no SUS foi inspirado pelo da Universidade da Califórnia. O protocolo foi publicado em 2016 e prevê para as práticas da fonoaudiologia uma perspectiva de produção vocal saudável e uma comunicação global eficiente para pessoas transgênero e não binárias (Dornelas, et al., 2016DORNELAS, Rodrigo; GRANZOTTI, Raphaela Barroso Guedes, LEITE, André Filipe dos Santos; SILVA, Kelly. 2017. “A redesignação vocal em pessoas trans. Codas, Vol 29, n° 2, p. 2016-2017.).

A tentativa da fonoaudiologia é a construção de uma voz possível, que permita conforto para a pessoa trans e travesti. Há aqui um processo instável e imprevisível de negociações em um encontro complexo entre pessoas trans. Nesse processo, uma voz, que não é, muitas vezes, a voz desejada, surge por entre as práticas, técnicas, hormônios. Aliás, uma voz sempre em construção, pois os exercícios e a administração de hormônios devem ser contínuos.

As mulheres e os homens trans que acompanhamos em suas interações com a fonoaudiologia tinham interesse por vozes que garantissem o reconhecimento do seu gênero nas interações sociais, principalmente no telefone ou quando apresentados/as a outras pessoas. Essas pessoas demandam vozes adjetivadas em termos “masculinos” ou “femininos”, já que elas e as pessoas que as ouvem e as reconhecem não estão isoladas das normas de gênero. Porém, ouviam, às vezes, adjetivos para caracterizar as vozes, tais como “agudos” e “graves”. Esse desencontro de termos e a oferta do cuidado possível causam tensões. Bom ressaltar que o desejo de ser reconhecido com o gênero que se identifica é frequentemente associado a uma questão de arranjar um emprego ou de não sofrer algum tipo de violência psicológica ou física.

Em meio a essa tensão e à frente da fonoaudiologia do Ambulatório Trans está Nina.3 3 Optamos por usar pseudônimos para todas interlocutoras e interlocutores. Segundo ela, sua prática não se baseava no “binarismo de gênero”. Como descreveremos a seguir, Nina buscava performar vozes possíveis. Para Nina, a voz compõe uma história:

A produção de uma voz é multifatorial. Então eu venho pensando que, ao longo dos anos que aquela pessoa viveu, ela vem desenvolvendo uma voz baseada no que ela tem de estrutura genética, estrutura física muscular, óssea, cartilagem, espaço de fala da casa, comportamentos, que foram aprovados ou reprovados [...]. A voz e a comunicação são muito além da biologia.

Nina diz que a voz não é só “determinada pela biologia”, mas também pelas relações sociais, que aprovam ou não uma comunicação. Para explicar a complexidade da voz, recorre a um fragmento de seus atendimentos. Passa então a narrar o caso de uma usuária, com mais de trinta anos, que demandava uma voz com maior frequência (feminina). Essa usuária afirmava ter vivido tendo que impostar uma voz grossa na família e no trabalho, pois uma voz com outra frequência ou outra velocidade, lida como uma “voz feminina” seria reprovada pela família e no trabalho. Segundo Nina, essas experiências não serão apagadas com as práticas de fonoaudiologia, pois “a voz tem uma história”. Nesse momento, ela passou a comparar essa história com a de outra paciente, que queria uma voz feminina. Só que, nesse caso, a família a aceitava desde a adolescência. Os trabalhos com essas duas mulheres mudam: com a primeira, será necessário o treino para evitar problemas musculares da laringe, como pólipo. Produzir uma voz não é, portanto, uma escolha voluntarista ou uma modificação rápida, pois se trata de algo sedimentado em história de vida, em biografia.

Quem escuta uma voz imagina uma relação linear de um corpo a um nome. A voz então não escapa à “metafísica de substância” (Azul, 2018AZUL, David. 2018. “Trans-speaking voice-lessness: a fictocritical essay”. Graduate Journal of Social Science, Vol. 14, n° 2, p. 107-134.; Butler, 2014BUTLER, Judith. 2014. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). O gênero é performado por meio de atos repetidos que dão inteligibilidade a uma ficção de coerência que sustenta uma linearidade entre um corpo dito biológico e um gênero dito social. A laringe “biológica”, assim como o sexo “biológico”, exige uma linearidade com a frequência generificada da voz. Durante a etnografia, surgiram histórias narradas por pessoas trans que sentiam sua voz se “deslocar” do corpo. Nesses casos, há descrição de reações que vão do espanto à intolerância. Tais reações nos levaram a sustentar que o sexo biológico, expresso pela genitália, participa do dispositivo de enunciação de gênero assim como o órgão da laringe. São realidades de gênero múltiplas que podem se articular ou ficarem incoerentes. A voz adquire coerência quando o sujeito se comunica e o interlocutor o reconhece. Como na performance de uma entrevista de emprego ou quando alguém atende o telefone, o interlocutor decodifica a voz e posiciona o comunicador pelo pronome que julga adequado. A comunicação é enquadrada no sistema sexo-gênero.

Os exercícios propostos pela fonoaudióloga do Ambulatório Trans, para acompanhar a frequência da voz pelo pronunciar de vogais de maneira específica, por exemplo, performam essa laringe e a voz adquire certa coerência de gênero. Colocamos em itálico porque o objetivo da fonoaudióloga não é construir uma coerência final, mas, como antecipamos, ensaiar vozes possíveis, produzir algo que surja de práticas vocais, hormônios e desejos. Nina compreende a voz como parte importante do processo de afirmação de gênero:

Muitas pessoas não gostam da voz. Quer dizer, a maioria das pessoas no mundo não gosta da voz que tem. Eu já conversei com algumas pessoas trans que comentam que a voz, às vezes, é um símbolo forte. Eu consigo me esconder por debaixo de minha roupa, mas na hora que eu abro a boca, ela está aparecendo. Posso deixar o cabelo comprido, posso deixar a maquiagem, mas quando abro a boca, aparece.

O corpo pode ser performado por meio de roupas, cabelos e maquiagem, mas a voz surge como dissonância, pois, como afirmam algumas pessoas trans, “não conseguimos escondê-la”. Aqui vale destacar o verbo “esconder”, que parece ecoar na narrativa de uma pessoa que não deseja ser identificada, sob a ameaça de ser considerada “uma fraude”. Ser uma mulher de verdade, após a realização da cirurgia, foi uma situação identificada por Teixeira (2012TEIXEIRA, Flavia do Bonsucesso. 2012. “Histórias que não tem era uma vez: as (in)certezas da transexualidade”. Revista Estudos Feministas, Vol. 20, p. 501-512.). Esconder, reconhecer, ser questionada em sua autenticidade parece repor a perspectiva de que existe uma natureza no feminino a ser atingida. Assim, a questão da fraude, que se coloca na correlação natural-biológico-verdadeiro, é a equação aqui acionada. Talvez o que haja de mais interessante no caso da voz é que ela envolve exercícios - de certa forma, uma espécie de atuação, performance, como uma prática que, em busca de certa coerência, reinventa uma voz.

Voltemos, porém, às formulações de Nina sobre uma voz “além da biologia”. Se, de início, parece haver uma voz biológica, os profissionais de saúde insistem, com razão, em uma voz por eles denominada de “social” ou “subjetiva”. Então, a relação se complexifica. A voz biológica se reservaria aos músculos, à cartilagem, à laringe; a voz social, às relações humanas de quem a ouve. A voz biológica não parece ter relações, mas a voz social sim. Quando introduzimos a testosterona, porém, a biologia demonstra associações. A testosterona é um artefato biomédico que, ao mesmo tempo em que é produzido “biologicamente” por células de Leydig, faz rede com a indústria farmacêutica e políticas públicas de saúde, que legitimam a prescrição por meio de diagnósticos que organizam o cuidado e administram o cotidiano dos pacientes (Lima, Cruz, 2016LIMA, Fátima; CRUZ, Kathleen Tereza da. 2016. “Os processos de hormonização e a produção do cuidado em saúde na transexualidade masculina”. Sexualidad, Salud y Sociedad, Vol. 23, p. 162-186.).

No encontro com a testosterona, a biologia é aberta às relações. Aliás, sempre o foi, mas, no caso da testosterona, entre infinitos casos possíveis, a biologia revela sua face imanente, aquela que se deixa fazer, se deixa agregar, destronando assim de si mesma a imagem da transcendência absoluta. O contexto se distancia então da dicotomia natureza x cultura (Latour, 2019LATOUR, Bruno. 2019. Jamais Fomos Modernos. São Paulo: Editora 34.; Pereira, 2011PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. 2011. “De corpos e travessias: a grande divisão e o campo da saúde”. Saúde e Sociedade, Vol. 20, nº 1, p.66-75.). Portanto, quando abrimos as relações da biologia, adjetivar algo como “social” ou “biológico” não diz muito além de nominar uma determinada amálgama de conexões. Não por outra razão, Latour (2012LATOUR, Bruno. 2012. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Universidade Federal da Bahia.) determinou o social, que já não diz respeito apenas aos humanos entre eles, como movimentos de reassociação e reagregação.

Nina parece apostar nesses movimentos. A voz de alguém emerge em meio a relações que não se limitam aos atores humanos; em realidade, estende-se também aos não humanos. O desejo de uma voz com frequências maiores e menores, segundo o gênero, encontra-se no meio de intensas relações. Primeiro, a relação da laringe: um músculo liso por meio do qual o ar imprimido pelos pulmões ganha uma frequência que caracteriza uma voz, se conecta com hormônios de testosterona endógenos (pelas gônadas nos testículos) ou exógenos (testosterona sintetizada) que, por sua vez, estimulam as células musculares da laringe e as desenvolvem, deixando-as grossas. Depois, a relação com a indústria farmacêutica que distribui os medicamentos e com os laboratórios que isolam e sintetizam a molécula hormonal. Mais ainda, as relações com as políticas públicas, que exigem um diagnóstico de saúde mental para o acesso à testosterona e as relações com familiares e pessoas próximas que legitimam ou censuram. As cenas no Ambulatório Trans, de encontros entre pessoas trans e profissional da fonoaudiologia, vão se movimentar em meio a essas relações, entre humanos e não humanos, entre fármacos e músculos.

Se Nina parecia separar da voz os aspectos biológicos e sociais, logo é ela mesma que mostra como as coisas se misturam e se complicam. Ora separar e ora misturar entes da natureza e da cultura são estratégias (científicas, políticas, jurídicas, subjetivas, identitária, metodológicas) visando à produção desse ou daquele efeito, dessa ou daquela realidade ou ontologia (Latour, 2012LATOUR, Bruno. 2012. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Universidade Federal da Bahia.; Mol, 1999MOL, Annemarie. 1999. “Ontological politics: a word and some questions”. The Sociological Review , Vol. 47, Suppl 1, p. 74-89.; 2018MOL, Annemarie. 2018. “Corpos múltiplos, ontologias políticas e a lógica do cuidado: uma entrevista com Annemarie Mol”. Interface, Botucatu, Vol. 22, nº 64, p. 295-305.). O trabalho de Nina também vem ao encontro dessas diferentes ontologias de hormônios, laringes e vozes. Pensando nessas relações, na próxima seção, descreveremos o hormônio de testosterona, outro ator em relação com a voz.

Encantos da testosterona

O hormônio de testosterona, uma vez em contato com o músculo da laringe, engrossa as cordas vocais, que produzem uma voz mais grossa. Os hormônios endógenos de testosterona, produzidos em pessoas na adolescência, e hormônios sintéticos exógenos aplicados, produzem ontologias diferentes de laringe. Talvez por essa razão, a mídia e as propagandas de fármacos definam a testosterona como uma molécula masculina, que garante virilidade a homens, além de juventude, apetite sexual, desenvolvimento de musculatura, pelos faciais e uma voz grossa (Rohden, 2008ROHDEN, Fabíola. 2008. “Império dos hormônios e a construção da diferença entre os sexos”. História, Ciência e Saúde - Manguinhos, Vol. 15, supl., p.133-152.).

Essa concepção já não é compartilhada pela produção científica da endocrinologia, que afirma que o hormônio de testosterona é encontrado em corpos femininos, assim como o hormônio percebido como feminino, o estradiol, é essencial para o funcionamento da molécula de testosterona no corpo masculino. O hormônio andrógino é um artefato médico e, ao mesmo tempo, um hormônio secretado “naturalmente pelo corpo”, como repetem os profissionais de saúde. As concepções de um corpo hormonal e o gênero como mensageiro químico florescem na virada do século XX (Oudshoorn, 1994OUDSHOORN, Nelly. 1994. Beyond the Natural Body: an archeology of sex hormones. London: Routledge.; Rohden, 2008ROHDEN, Fabíola. 2008. “Império dos hormônios e a construção da diferença entre os sexos”. História, Ciência e Saúde - Manguinhos, Vol. 15, supl., p.133-152.; Tramontano, 2017aTRAMONTANO, Lucas. 2017a. “A fixação e a transitoriedade do gênero molecular”. Horizontes Antropológicos, Vol. 23, nº 47, p.163-189.).

Hormônios não são encontrados soltos na natureza: há uma rede que permite que a testosterona seja inteligível como um artefato médico endereçado a um tratamento medicamentoso. Para citar apenas alguns elementos, essa rede agrega laboratórios que desenvolvem metodologias para isolar e sintetizar a molécula; conecta a indústria farmacêutica que fornece a matéria-prima para pesquisas e fabricação de hormônios; estende-se às clínicas que organizam pacientes para testes e produção de diagnósticos.

Os primeiros tratamentos da testosterona foram endereçados para a “cura” da homossexualidade. Na década de 1940 surgiram pesquisas que avaliavam a reversão sexual pelo tratamento com hormônios de testosterona. Esse “tratamento” era compulsório, por meio de medidas judiciais e médicas (Tramontano, 2017bTRAMONTANO, Lucas. 2017b. Testosterona: as múltiplas faces de uma molécula. Doutorado. Tese de Doutorado, Universidade Estadual do Rio de Janeiro.). A premissa que orientava tais condutas era de que os corpos dos homens homossexuais seriam deficientes na produção de testosterona e que, de modo inverso, estariam produzindo maior quantidade de hormônios femininos. Havia, portanto, a ideia de que a masculinidade poderia resultar de uma somatória de hormônios que performavam homens e mulheres. A despeito de respostas satisfatórias ou evidências científicas, essa correlação também foi traduzida para as intervenções com pessoas transexuais. Não são incomuns os relatos da literatura que remetem à prescrição de hormônios na adolescência como modo de “correção” de comportamentos lidos como femininos. Resgatamos aqui a história de Maria Luzia, que foi submetida a uma raspagem das cordas vocais e, também, à administração de testosterona, com o objetivo de que atingisse uma performance masculina (Teixeira, 2013TEIXEIRA, Flavia do Bonsucesso. 2013. Dispositivos da dor: saberes? Poderes que (con)formam as transexualidades. São Paulo: Annablume /Fapesp.).

No Brasil, em 1997, o CFMCFM. 2020. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.265, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010. Publicado em 09/01/2020. Edição 6. Seção 1, p. 96. Brasília. publicou a primeira normativa que regulamentava processos de cirurgias e hormonização para mulheres transexuais. Em 2008, há a abertura da portaria do processo transexualizador no SUS. Nessa primeira normativa e portaria, homens transexuais não eram contemplados e, portanto, a testosterona não era dispensada pelo SUS, somente em caráter experimental. Em 2010, após pressão dos movimentos sociais, das pessoas trans e de pesquisadores, o CFM publicou uma nova normativa que instituiu a hormonização de testosterona e outros processos cirúrgicos para homens transexuais. Em 2013, a Portaria 2803 do SUS seguiu a normativa do CFM e homens transexuais foram contemplados.

Atualmente, a rede municipal de saúde do município de São Paulo (de acordo com a Portaria 2190/2015) oferece alguns tipos de hormônios androgênios, undecanoato ou undecilato de testosterona (250 mg/mL, em solução injetável). São medicamentos considerados como de dispensação especial e é exigida a retenção da prescrição médica com a especificação CID 10-F.64. O Ambulatório Trans trabalha nos limites dessas portarias e com os hormônios oferecidos pela rede municipal de saúde. Vejamos um pouco mais da relação entre testosterona e voz, acompanhando um de nossos interlocutores, usuário do Ambulatório Trans.

Caetano, 23 anos, é aluno de graduação e usuário do ambulatório. Mora com sua mãe na cidade de São Paulo. Das conversas com ele, destacamos o significado do início da terapia hormonal. Ele salientou que se lembrava da data em que tomou sua primeira dose de testosterona. Nesse dia, pediu para abraçar a enfermeira que aplicou o fármaco e guarda até hoje a guia da receita da primeira ampola que comprou na farmácia do lado do ambulatório. Falou, também, do processo de planejamento do manejo terapêutico compartilhado com o endocrinologista com detalhes, informando que durante seis meses administrou ampolas de cipionato de testosterona em uma solução injetável intramuscular (250mg/mL). Caetano nunca havia injetado testosterona e não sabia como seu corpo reagiria. Por isso, o endocrinologista combinou com ele a aplicação de meia ampola a cada trinta dias nos primeiros três meses e, depois, nos próximos três meses, aumentaria para uma ampola inteira.

Caetano não estava percebendo mudanças no corpo, inclusive na sua voz. O endocrinologista concordou: como a testosterona não estava aumentando nos exames, então sugeriu mudar para undecilato de testosterona (250mg/mL em solução injetável). O undecilato de testosterona tem maior meia-vida4 4 A meia-vida de um hormônio é o tempo de decaimento exponencial do nível sanguíneo. e melhor estabilidade no corpo, comparado ao cipionato de testosterona. Esse medicamento é disponibilizado e aplicado no Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS do Estado de São Paulo. O serviço fica a algumas quadras de distância do Ambulatório Trans da Unifesp. Caetano, então, começou a perceber mudanças em seu corpo. Um dos primeiros efeitos foi a voz:

Eu ficava gravando áudio para comparar a minha voz mês a mês. Então, toda vez que eu tomava uma ampola, eu gravava um áudio. Eu devo ter esses áudios salvos na minha nuvem porque eu troquei o celular. Tem um vídeo também meu falando, no início da transição. Então é um lance que a gente não percebe, porque eu estou comigo todos os dias. Então, se a minha voz não muda, eu não percebo. Eu só percebo quando assisto a um vídeo ou escuto um áudio. Foi um lance que eu exercitei fazer.

Com a administração do medicamento, Caetano percebeu que sua voz se modificava aos poucos e foi registrando as mudanças. A laringe possui receptores de hormônios andróginos que estimulam o aumento do comprimento do trato vocal e o engrossamento das cordas vocais, deixando a voz com a frequência menor e, portanto, mais grave. O endocrinologista afirmou que a laringe, uma vez estimulada, não perde a musculatura adquirida.

A prática de Nina difere segundo as relações exógenas ou endógenas dos hormônios de testosterona nos corpos. Nina parece ter dúvidas na prática de fazer voz, como se pode observar no trecho de nossa conversa:

Acho que existe uma discrepância entre o corpo, o que aquela pessoa quer passar ou o que ela é. Sem falar que a gente tem um aspecto físico: uma laringe masculina é diferente de uma laringe feminina. Uma laringe que foi submetida à testosterona é diferente de uma laringe que não foi submetida. Então eu tenho aspectos biológicos da voz, musculares, que são determinantes dali. A minha ideia inicial era ajudar a dar voz a essas pessoas. Não só uma maior passabilidade, que era minha ideia inicial, mas talvez uma passabilidade de pensar emprego. Pensar numa recolocação, ou pensar mesmo numa nova reidentificação mesmo daquela nova comunicação, com aquele novo ser, ou talvez para aquele ser que sempre estava ali, mas precisou se comunicar de alguma outra maneira, por imposição de casa ou da sociedade.

Nina destacou os verbos “ser” e “passar”, que separam o “social” (no arranjar de um emprego ou “passabilidade”) dos aspectos fisiológicos, “físicos”, do músculo da laringe (que foi desenvolvido pelo hormônio de testosterona no corpo de uma mulher já adulta). Há o dilema da agência do paciente, o se passar nos exercícios de performar frequências e movimentos novos para a voz e as limitações do ser fisiológico.

Por outro lado, a laringe de Caetano, por exemplo, difere da transcendência da laringe biológica de uma pessoa que quer uma voz mais fina e produziu testosterona por meio das gônadas do escroto na adolescência. A prescrição de andróginos para Caetano é o suficiente para os receptores de testosterona modificarem as cordas vocais da laringe e, por consequência, deixar a voz dele mais grave. Assim, a biologia é passível de ser modificada pelas tecnologias de hormonização. No entanto, as alterações trazidas por este uso parecem insuficientes para a produção da voz considerada adequada pela especialista e pelo usuário. A voz aqui descrita é semelhante à voz de uma pessoa que produz testosteronas pelos testículos na puberdade. Há um estranhamento da voz e a prática da fonoaudióloga medeia esse encontro com a testosterona. A performance da testosterona depende das performances de Nina (e de sua prática) e do usuário com os exercícios praticados. De tal modo, se nos indagarmos sobre quem pratica esse “fazer a voz”, a resposta não seria nada evidente, porque uma multidão de sujeitos intervém, e de modo vitalmente associado, incluindo substâncias, técnicas, médicos, usuários, exames, entre outros.

Hormônios de testosterona dependem da relação endógena ou exógena para com um corpo que deseja uma voz. A testosterona não é uma entidade biológica livre de relações. Sua ontologia é potencialmente múltipla. Há uma política de relações entre um desejo por uma voz mais grossa ou mais fina com hormônios andróginos.

Latour (2019LATOUR, Bruno. 2019. Jamais Fomos Modernos. São Paulo: Editora 34.) descreveu a dupla e mutuamente constitutiva produção de ontologias híbridas e purificadas na modernidade. Essa produção é instruída por polos de referenciação do real entre os modernos: o real da natureza e o real da sociedade. Em certo sentido, talvez possamos compreender o uso da testosterona - ela própria híbrida, como demonstramos - a serviço da purificação de gênero por meio de uma intervenção - uma diferença que faz diferença. Tudo ocorreria como se, uma vez identificadas dissidências de gênero em um diagnóstico, os hormônios biotecnológicos seriam alçados para ajudar na produção de coerência (desambiguização) entre genitália e gênero, entre biológico e social. Nesse caso, a permeabilidade dos corpos seria controlada e as taxas de hormônios passariam pelo crivo de um diagnóstico. Porém, há mais complicações, como nos mostra Nina, e a história é bem mais complexa, pois a pesquisa mostrou o movimento em igual intensidade no qual as dissidências de gênero se apropriam dos fármacos e tecnologias em seus processos de reinvenção da voz.

Nina atua nesse laboratório de purificação: o sujeito que treina a voz impregnada de socialidades, produzida por uma laringe modificada pelo hormônio de testosterona. Nina encontra, como dilema, ter que atuar entre esses dois polos. Porém, apesar de sentir como tarefa classificar, ajustar condutas, na medida em que se envolve com híbridos e com desejos que não se localizam facilmente, há um processo de negociação que escapa, que foge, construindo outras possibilidades.

A atuação e as formulações de Nina parecem ecoar no estranhamento que Paul Preciado contou na crônica “Outra voz” (Preciado, 2020PRECIADO, Paul B. 2020. Um apartamento em Urano: Crônicas da travessia. São Paulo: Companhia das Letras.). Na crônica, descreveu as implicações de uma nova voz relacionada aos hormônios de testosterona. O estranhamento aconteceu em uma conversa com sua mãe pelo telefone. Ela ligou, ele atendeu. A mãe não reconheceu o filho pela voz: “Quem é você?”. A voz de Preciado parece não conduzir ao reconhecimento do sujeito que a emite, parece desconectada, não ser inteligível à audição da mãe, e produz o estranhamento que testemunha a mudança.

A voz enunciada de modo individual deve ser recepcionada por outro ou por coletivos. Assim, ela perde o estatuto de ser algo que alguém possui. Não é “sua” voz, já que ela é imediatamente coletiva, ontologicamente social, conectada à indústria farmacológica da testosterona, às políticas públicas de saúde para o acesso a essa tecnologia e à produção coletiva de masculinidades inteligíveis. A voz própria é um oxímoro - nossa voz é sempre do outro. Senão melhor, o gênero da voz emerge das relações sociotécnicas que experimenta.

Biotecnologias, mais do que algo que algum sujeito prescreve, ingere e implanta, participam, não raro decisivamente, do fazimento de corpo, da subjetivação de vidas, da criação de desejos. Corpos são feitos em afetos, em encontros, sempre parciais e localizados, ou seja, nunca universais ou totais. E, nunca de uma vez por todas, pois requerem manutenção, investimentos constantes de toda ordem. Refletindo sobre como falar de um corpo e sobre a dimensão normativa da ciência, Latour (2008LATOUR, Bruno. 2008. “Como fala do corpo? A dimensão normativa dos estudos sobre ciência”. In: NUNES, João Arriscado; ROQUE, Ricardo. (Orgs). Objetos Impuros: experiência em estudos sobre ciência. Porto: Afrontamento.) descreveu o treino de narizes pela indústria do perfume. Ele apresentou um corpo que é feito em mediações com kit de odores. O kit, que separa odores e os diferencia em graus e qualidades, articula-se com narizes em treinamento e cria sensibilidade pela diferença de odores antes homogêneos nas pequenas diferenças. O corpo mediado por esse kit aprende a ser afetado por odores que não existiam antes prontos para serem descobertos, mas que foram atuados nessa articulação. Latour (2008) postulou, então, um modelo de corpo que é um processo de “aprendizagem de ser afetado”, ou seja, não há um corpo predeterminado e um objeto tecnológico inerte, mas encontros em forma de proposições, um negociar entre si visando à emergência de uma posição provisória - um corpo provisório a ser mantido.

Podemos entender a prática de fonoaudiologia como mediadora dessa aprendizagem de ser afetado. Práticas e saberes que abrem as relações entre atores humanos e não humanos (endocrinologia, fonoaudiologia, testosterona, técnicas de voz, gravadores, celulares). No diálogo com as pessoas trans, em uma negociação de desejos e afetos, efetua-se uma voz possível.

Com o processo de cuidar no ambulatório, Nina passa a compreender sua prática como um modo de agenciar vozes em contextos; um modo de estabelecer relações em níveis musculares, familiares, sociais e biotecnológicos. O objetivo deixa de ser orientar a voz ao gênero oposto, mas, fazê-la segundo o desejo e a possibilidade daquele corpo singular em situações singulares. As possibilidades são instáveis, como demonstra a história de Franz.

Franz, um jovem de 21 anos, na primeira consulta com Nina, declarou o desejo de submeter-se à administração da testosterona. Ele se via “em outra voz”, e desejava “uma voz imponente, grossa”. Nina mapeou a frequência da fala pelo pronunciar de vogais e consoantes. Ela percebeu uma dificuldade no ato de falar: a voz de Franz se extinguia. Conversando com ele, Nina percebeu que Franz estava vestido com uma blusa pesada e seus ombros estavam encurtados. Questionado sobre o fato, respondeu que estava usando dois binders. Nina avaliou que os binders pressionavam o diafragma de Franz, o que dificultava a emissão da voz. Então Franz revelou que preferiria ser identificado como doente mental a sofrer violência na rua. No encontro de Franz com uma profissional da enfermagem no ambulatório, no exame de corpo, a enfermeira percebeu escoriações e hematomas em volta dos coletes e sugeriu que ele os retirasse para um exame dos machucados, mas ele preferiu não os retirar.

Podemos dizer que o binder é mais uma tecnologia. Nas articulações de biotecnologias, houve dissonâncias que sugerem que o caminho a um gênero não é simples. Há limites corporais e os desejos e biotecnologias, às vezes, entram em conflitos. As relações entre desejo, biotecnologias e a história de uma voz não são claras e sem fricções. Estão sempre em disputa. Nina e a equipe do ambulatório precisam articular essas relações, negociar, para a reinvenção de uma voz possível.

Notas finais

Neste artigo, buscamos descrever algumas relações entre voz, profissionais da fonoaudiologia e as pessoas trans e travestis. As práticas de fonoaudiologia precisam articular o desejo de uma voz às múltiplas relações entre agências humanas e não humanas. A voz surge desses entremeios conflituosos; emerge das intensas relações entre técnicas, cuidados, fármacos, profissionais de saúde, serviços, pessoas trans, desejos, receios (de violências, de falta de aceitação), busca por reconhecimento. A voz que surge é a possível, ora mais grave, ora mais aguda, mas, sempre entre desejos e possibilidades (que envolvem histórias de vida, práticas, técnicas, serviços de saúde, políticas públicas).

Também foi possível reconhecer que a voz surge não apenas como laríngea ou como social, nem resultante de testosterona natural ou artificial. Surge do encontro, na intersecção de vozes, ao mesmo tempo sociais e biológicas, políticas e técnicas, humanas e não humanas, embaralhando realidades que o diagnóstico de incongruência de gênero tenta purificar, pois, ao localizar as dissidências de gênero em um diagnóstico, sustentam os hormônios como biotecnologias que aliam um corpo a uma coerência entre genitália e gênero, procurando separar o biológico e o social.

O texto então se voltou para práticas e tecnologias. Buscamos narrar essa negociação que ocorre entre hormônio, técnicas de voz, histórias e desejos. Como ocorre entre desejos, é contraditória e atua ao mesmo tempo nos limites das normas, mas inventa algo novo. Esse algo novo surge como uma voz possível. Sublinhamos que os sujeitos que atuam na voz não são evidentes, pois descrevemos uma multitude de sujeitos que intervêm de modo vitalmente associado.

Nas relações entre diversas práticas e saberes, entre o desejo de uma voz e suas possibilidades, inventam-se ações que performam vozes. A fonoaudiologia e as pessoas trans exploram essas múltiplas relações da voz. A voz emerge de coletivos. A intersecção em estudo entre práticas, técnicas e desejos se depara com expectativas sociais de linearidade como meio para reconhecimento. No entanto, as experiências de trânsito parecem exigir outras maneiras de pensá-las. Ao final, também seria possível constatar que grupos estigmatizados tendem a ser mais sensíveis aos questionamentos em relação à voz, o que demanda mais atenção de políticas públicas e dos serviços de saúde.

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  • ZIMMAN, Lal. 2018. “Transgender voices: Insight on identity, embodiment, and the gender of the voice”. Language and Linguistic Compass, 2018. Vol. 12, n° 8, p. 1-16.
  • 1
    Além desses trabalhos, valemo-nos de artigos de disciplinas como a fonoaudiologia e a linguística (que surgirão no decorrer do texto).
  • 2
    Frequência fundamental da fala é um conceito utilizado para definir o número de ciclos que a prega vocal faz em um segundo. A frequência fundamental é determinada pela espessura das cordas vocais e a tensão delas.
  • 3
    Optamos por usar pseudônimos para todas interlocutoras e interlocutores.
  • 4
    A meia-vida de um hormônio é o tempo de decaimento exponencial do nível sanguíneo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2022
  • Aceito
    21 Out 2022
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