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História do Direito e História da Sociedade - Questões de Método e Problemas de Pesquisa* * “Storia del diritto e storia della società. Questioni di metodo e problemi di ricerca”, publicado originalmente em GROSSI, Paolo (a cura di). Storia sociale e dimensione giuridica. Atti dell’incontro di studio, Firenze, 26-27 Aprile 1985. Milano: Giuffrè, 1985. p. 127-148. Tradução da língua italiana, resumo e palavras-chave por Ricardo Sontag. Colaboração no ajuste das notas de rodapé: João Paulo Mansur.

Legal History and History of Society - Methodological Issues and Research Problems

Resumo

Conferência pronunciada em abril de 1985 no contexto das discussões em torno das relações entre história e ciências sociais promovida pela chamada escola dos Annales. Como construir pontes entre a história do direito e a história da sociedade em termos de métodos e problemas de pesquisa? Entendendo o direito como a dimensão jurídica de fenômenos sociais, Sbriccoli defende que o direito não pode ser algo subsidiário em certas pesquisas sobre práticas sociais e que os historiadores do direito não podem se isolar, desdisciplinarizando-se, embora mantendo a autonomia da área, para dialogar com a história da sociedade, de modo que possa acontecer um efetivo intercâmbio. Em suma, “é preciso se tornar bilíngue para viver e operar em um mundo que é estruturalmente bilíngue”.

Palavras-chave:
História do Direito; História da Sociedade; Escola dos Annales; Metodologia

Abstract

This is a conference held in April 1985 in the context of the discussions on relationships between history and social sciences promoted by the so-called Annales school. How can we build bridges between legal history and history of society in terms of research methods and problems? Understanding law as the juridical dimension of social phenomena, Sbriccoli argues that law cannot be subsidiary in certain research on social practices and that legal historians cannot isolate themselves, they should desdisciplinarize themselves, while maintaining the autonomy of the area, in order to dialogue with history of society, so that an effective exchange can take place. In short, “it is necessary to become bilingual to live and operate in a world that is structurally bilingual”.

Keywords:
Legal History; History of Society; Annales School; Methodology

1 Introdução

Quero dizer de imediato que, apesar do que possa parecer prometer o título um pouco escolar que eu dei para estas minhas reflexões, que não são congeniais a mim (e nem tão familiares assim) os discursos sobre método. Eu devo lembrar a mim mesmo, inclusive, que eu nunca acreditei muito neles, acrescentando que atravessamos um momento que deveria nos induzir a crer pouquíssimo neles: aventurar-se em uma nova tentativa de apontar métodos significa, provavelmente, correr o risco de chegar atrasado a um lugar do qual todos já foram embora há tempos.

Abordarei, então, algumas das questões de método colocadas por outros, mas não serei eu a dizer o que deveria ser feito. Todo o meu discurso servirá somente para advogar em favor de uma convicção que eu tenho, e que talvez nem seria necessário defender, se considerarmos a sua substancial obviedade. Refiro-me à convicção segundo a qual seria bom realizar uma conexão mais forte entre história jurídica e história da sociedade, celebrando entre elas uma espécie de matrimônio de interesses, por comodidade recíproca. Seria instituída, com isso, uma instrumentalidade de mão dupla entre esses dois níveis, em uma relação de aproveitamento recíproco perfeitamente equilibrado, no qual cada um deles dependeria, em parte, dos préstimos do outro: excelente situação - para além do restante, se não erro - para uma solidariedade duradoura, que me parece possível e que julgo necessária.

Paolo Grossi lamentou justamente a ausência do direito no elenco das ciências sociais credenciadas e reconhecidas pela ‘nouvelle histoire’, sublinhando o incompreensível paradoxo que vê essa corrente historiográfica trabalhar praticamente todas as ciências do homem, exceto uma única - o direito - que não é, certamente, nem a última e nem a menos importante. Concordando inteiramente com o seu lamento, eu vou insistir, igualmente, no descontentamento oposto, já que grande parte da historiografia jurídica não esqueceu uma só das ciências sociais, mas acreditou que podia prescindir de todas. Entre os historiadores do direito, é possível constatar com frequência certa frieza em relação à ideia de prestar contas com a história social (ou, como eu prefiro dizer, história da sociedade) e alguma rigidez em relação à tarefa de fazer (também) história da sociedade enquanto se faz história jurídica, se é verdade que o direito é - como realmente é - ciência social e fenômeno historicamente pertencente ao social. Frieza e rigidez são atributos cadavéricos, e não me agrada o que eu encontro com a metáfora descritiva que ouvi sendo usada, também, por Jacques Le Goff. Ele também falou de um “cadáver que ainda se mexe”, referindo-se à historiografia jurídica (francesa), mas assim como ele, eu não sou pessimista: digo somente que existem problemas a resolver e que eles não são pequenos.

O primeiro e maior dos problemas é a generalizada incompreensão recíproca, ou a recíproca tendência à surdez, entre historiadores sociais e historiadores juristas: é um problema que diz respeito a ambas as categorias, ainda que produza avarias maiores para a segunda. O segundo problema, ou melhor, conjunto de problemas, é o que se apresenta de maneira particular para os historiadores do jurídico em consequência de uma progressiva marginalização, que é efeito, por sua vez, do seu ‘imperialismo’ isolacionista. O terceiro conjunto de problemas, por sua vez, é típico dos historiadores da sociedade e se encontra nos inconvenientes que nascem da incapacidade de utilizar a dimensão jurídica ou da pretensão de ignorá-la. Em torno desses problemas vai girar a primeira parte do meu discurso. A segunda vai tentar iluminar algumas possíveis saídas.

2 Os Historiadores e a Complexidade não Navegável

O direito, entendido como ciência, mas, também, como ‘presença’ cultural ou ideológica, coloca os historiadores em séria dificuldade. Ele tem uma linguagem própria, consequência de uma lógica própria, especial, abstrata e rigorosa, para a qual as aproximações são erros; tem uma quantidade indefinida de aspectos diversos, de institutos, de mecanismos, de princípios gerais e particulares, de regras, por assim dizer, idiomáticas, familiares somente para quem o pratica assiduamente. Então, não é de se espantar que os historiadores as ignorem, como nos disse Jacques Le Goff, ou que, sentindo-se rechaçados por tal complexidade não navegável por eles, tendam a pular a dimensão jurídica das coisas, negligenciá-las, talvez até a negá-las, ou mesmo - a pior conclusão - a dizer que, no fundo, ela não tem muita importância.

Certamente, o direito nos coloca em dificuldade, e não somente por aquilo que ele é, como ciência ou instrumento, mas, também, por aquilo que produz, pelas funções que desenvolve. Ele é manifestação de racionalidade de alto escalão, capaz de analisar, classificar, ordenar, através de processos de seleção e hierarquização que unificam o meio e a linguagem do domínio: nessa sua dimensão, certamente é menos acessível do que a estatística ou que a demografia histórica, acrescentando a tudo isso a difícil legibilidade que marca tal ciência pelo fato de ela ter uma história muito importante: e o direito tem muito mais antiguidade, tradição e história do que poderia ter a antropologia ou a economia, a sociologia ou as observações sobre o clima.

Provavelmente, é essa presença qualificada, e, de certa forma, incômoda, que trouxe para o direito a acusação, merecida, mas irrelevante, de ‘imperialismo’, um pretexto polêmico para evasivas que se devem, na verdade, a outros motivos. Evasivas, ou desvios, escreveu recentemente Robert Roth1 1 R. ROTH, Evaluation de l’apport des résultats de la recherche historique à la politique criminelle et à la prévision de son évolution, comptetenu des changements du contexte social et économique. Rapport au VIe Colloque de Criminologie du Conseil de l’Europe, (PC. CC. 83.12), Paper, Strasbourg, 1983, p. 7. , que se valeram de diversas estratégias: em primeiro lugar, o aporte epistemológico da pesquisa sobre o direito e o desenvolvimento, por parte dos próprios juristas, daquilo que eles chamaram de “olhar externo” sobre o direito, beneficiaram notavelmente os historiadores não juristas e a familiarização com algumas categorias: basta pensar nas chamadas dimensões institucionais, nas políticas do direito, na percepção do normativo, no social control e assim por diante.

Em segundo lugar, alguns historiadores mais atentos do que outros conseguiram operar com categorias, ou implicações, jurídicas, sem pagar a fatura de um atravessamento técnico da espessura densa do direito, mas, também, sem ignorar a existência inegável da dimensão jurídica: tal operação foi possível colocando como objeto da pesquisa não o direito, mas a sua imagem projetada: o direito como ideologia2 2 R. ROTH, Evaluation, cit., que se refere a E. P. THOMPSON, Whigs and Hunters: the origins of the Black Act, London, 1975, p. 260 ss. . Essas, e outras vias menores de acesso, permitiram manter viva uma possibilidade de contato entre os historiadores e os aspectos jurídicos dos diversos objetos estudados, mas o que isso produziu não pode ser considerado satisfatório.

Se é verdade que o direito tem uma atitude ‘imperialista’ e que tende a estar em todos os lugares ou de se apossar de tudo, é preciso admitir que de uma coisa que está em todos os lados não é possível deixar de se ocupar; depois, para ocupar-se dela corretamente, é preciso compreender a sua linguagem, entender as suas regras, não subestimar o seu peso. Será preciso recordar que o momento jurídico tem um vínculo forte com a consciência da sociedade, além do vínculo com o seu funcionamento; que ele, como complexo de regras, procedimentos, sistemas de justiça, produção de intelectuais especialistas, invade inteiramente qualquer esfera do social, qualquer âmbito possível de investigação, e não pode ser amputado da pesquisa histórica sobre as sociedades, sob pena de uma substancial invalidação. Ou seja, o ponto é saber se a ‘dimensão jurídica’ da sociedade existe ou não: se existe, é preciso se ocupar dela.

Naturalmente, não se trata somente de ‘levar em consideração’ a experiência jurídica: leva-se em consideração tudo. O importante é indagar adequadamente as consequências da existência do momento jurídico em qualquer questão. Dessa existência deriva, efetivamente, a influência da dimensão jurídica. E não é uma questão de fazer referência ao que foi produzido pelos historiadores do direito: frequentemente não existem estudos histórico-jurídicos sobre determinados objetos e aqueles que existem, por vezes, podem se demonstrar estéreis, não tanto em si - ainda que isso possa acontecer - mas enquanto inutilizáveis, porque não adequadamente confrontados com a sociedade e com a história.

Então, o ponto é ‘valer-se do direito’, isto é, operar com as categorias, com a terminologia, com a ordem mental do raciocínio, com o hábito interpretativo do jurista, e, depois, as fontes (bela noção do positivismo oitocentista que ainda não deve ser descartada): e entre as fontes, a obra dos juristas (o direito, para a fase medieval e do Antigo Regime, está todo, ou quase todo, ali), o punhado de legislação, um tanto de ‘direito feito papel’ que está nos arquivos, e, por fim, o imenso continente das práticas sociais, negócio de juristas ou de intelectuais de cultura essencialmente jurídica, explorável percorrendo a onipresença das relações de poder - que não é a onipotência do poder, que eu não creio que exista. Tais práticas, pela própria natureza impregnadas de ordem e inervadas de normas, são tão importantes para o estudo de qualquer sociedade a ponto de se tornar plausível o parecer de quem pretende que elas sejam, tout court, no seu conjunto, a sociedade que as exprime3 3 P. VEYNE, Foucault e la storia, in Aut Aut, ns., 181, 1981, p. 81. .

3 A História Jurídica e a Sociologia Histórica

Já é generalizado o reconhecimento de que o direito, como organização das relações sociais em certo nível, é incompreensível sem uma análise das orientações sexuais, das crenças religiosas, da produção econômica e das forças militares que caracterizam dada sociedade em dado momento que se exprimem em agrupamentos de indivíduos e em conflitos. A observação precedente é de Arnaldo Momigliano, tem mais de 20 anos, já pertence ao domínio do óbvio, mas é proveitoso repeti-la - ou talvez seja inclusive um pouco necessário - para que reflitamos sobre ela entre os historiadores do direito. Não se compreende por que Momigliano, que a pronunciou durante um Congresso de historiadores juristas4 4 A. MOMIGLIANO, Le conseguenze del rinnovamento della storia dei diritti antichi, in La storia del diritto nel quadro delle scienze storiche. Atti del primo Congresso internazionale della Società italiana di Storia del diritto, Firenze, 1966, p. 23. , tirou dela a consequência necessária da morte da história jurídica: indicar, corretamente, um quadro de referências para a compreensão de um fenômeno não comporta necessariamente a supressão da ciência que o estuda. Mas basta para mim, por ora, permanecer naquela ordem de ideias, observando que o elenco de Momigliano é muito breve, porque é preciso analisar muito mais para compreender o direito.

Além disso, analisar não significa limitar-se a levar em consideração. O meu discurso, necessariamente, deve voltar a esse ponto também no que diz respeito aos historiadores do direito. Levar em consideração este ou aquele elemento é algo que os historiadores do direito já fazem, ainda que nem sempre e não todos, enquanto, na realidade, o que precisamos é de pesquisas diretamente aplicadas a tudo o que se revele essencial para a compreensão dos diversos aspectos de uma experiência jurídica. E vale a pena recordar, com Stefano Rodotà5 5 S. RODOTA, Relazione, in “La cultura” delle riviste giuridiche italiane. Atti del primo incontro di studio, Firenze, 15-16 aprile 1983, (Per la storia del pensiero giuridico moderno, 13), Milano, 1984, p. 91. , que não é útil, nessa ordem de coisas a fazer, um pouco de ‘canibalismo cultural’, que consiste, como sabem os antropólogos, na pretensão de se tornar demógrafos, economistas, geógrafos, sociólogos ou juristas, limitando-se a ingerir nos próprios trabalhos algum pedaço desses estudos.

Tudo isso comporta uma atitude renovada em relação à sociologia ou em relação àquela que, com alguma dificuldade, poderíamos chamar - mas o discurso sobre ela é muito aberto - de ‘sociologia histórica’. Eu, de minha parte, estou muito de acordo com aqueles que sustentam que grande parte do que podemos chamar de sociologia no mundo antigo - mas, também, no medieval - não é outra coisa senão costume ou direito no fim das contas; assim como creio que, inclusive para os antigos regimes, a relação entre história e direito seja homóloga àquela entre história e sociologia, tornando quase natural a ocupação de um setor da história da sociedade por parte da história das práticas jurídicas ou das práticas tout court.

Essa é uma perspectiva que teve um sucesso paradoxal: pacificamente admitida como estratégia de pesquisa, foi praticada de maneira escassa concretamente; tem ar de exigência que entrou recentemente no horizonte dos juristas-historiadores, enquanto pode remontar, pelo menos, a Hauriou, na sua versão ampla e consciente, e, antes dele, nas premissas presentes na obra de Durkheim. Antes que os historiadores sociais nos lembrassem disso, de fato, Maurice Hauriou, um jurista, já tinha afirmado que “para bem compreender a importância e o papel de um instituto jurídico, é indispensável verificar como ele funciona, isto é, o seu lugar no comércio jurídico, quando e em quais condições os homens se servem dele, o modo como ele é utilizado, as modalidades que nele são introduzidas, as consequências que ele produz”6 6 M. HAURIOU, Police juridique et fond du droit, in Revue trimestrielle de droit civil, 11, 1926, p. 279. . “Em um processo” - disse com razão Henri Capitant7 7 H. CAPITANT, Les grands arrêts de la jurisprudence civile, Paris, 1950, p. VIII. Extraio tais referências e um aspecto da ordem do raciocínio de J.-P. CHARNAY, Su un metodo della sociologia giuridica: l’utilizzazione della giurisprudenza, in Problemi di metodo storico, a cura di F. Braudel, Bari, 1973, p. 392. - “o exame dos fatos é tão profícuo quanto o estudo da solução adotada pelo juiz”.

Mas não é o caso de insistir demais na necessidade de abrir portas que parecem já estar escancaradas há tempos: propor coisas óbvias como necessidades primárias pode ter sentido somente como reprimenda, dirigida a quem pretendesse continuar a ignorá-las: não é isso o que precisamos fazer hoje. O que se impõe cada vez mais, hoje, talvez, é uma consideração do quadro geral da pesquisa histórica, do qual emerge de maneira bastante clara, ao menos para quem sabe lê-lo com suficiente perspicácia, uma ‘demanda’ pela abordagem jurídica - ou de reflexão sobre o jurídico - que, não satisfeita, já está dando vida a algumas novidades relevantes, talvez bem-vindas para alguns, certamente alarmante para outros.

A extrema maturidade de uma confluência nova entre história do direito e história da sociedade, de fato, já não deriva somente da própria lógica da pesquisa sobre o direito ou da necessidade de estudar ‘direito e sociedade’, isto é, de uma nova consciência do direito como ciência social; o que deve nos convencer a confrontar com as outras ciências sociais a nossa tradição de rigor jurídico, o nosso peculiar método cultural e o nosso modo de olhar as coisas, é uma realista reflexão estratégica sobre a autonomia da história do direito e sobre o seu peso no contexto geral da pesquisa histórica.

É preciso reconhecer elementos de verdade em uma observação recente de Giovanni Tabacco, que chamava a nossa atenção para o fato de que parece estar acontecendo uma verdadeira substituição dos historiadores do direito, “não mais na forma de atividades supletivas diante de carências particulares dos estudos jurídicos hodiernos”, mas como atividade de autêntica sub-rogação, ditada pela necessidade de chegar a resultados de pesquisa satisfatórios, para os quais não é mais o bastante “o ciumento sacerdócio do direito, que para alguns parece fechado nas definições adquiridas por uma determinada tradição cultural”8 8 Storia delle istituzioni come storia del potere istituzionalizzato, publicado em 1976 com o título Lo studio delle istituzioni medievali in Italia (1975), agora em Forme di potere e struttura sociale in Italia nel Medioevo, a cura di G. Rossetti, Bologna, 1977, p. 38. .

O fenômeno existe, e já decolou. Ademais, não se trata, hoje, de entradas ocasionais, vinculadas a experiências de pesquisa particulares, ou a uma fase de formação desse ou daquele estudioso. Já não estamos lidando com os estudos sobre colliberti de Marc Bloch, com as pesquisas de Ferdinand Lot ou com as de Boutrouche sobre formas alodiais na posse e na transmissão de direitos: incursões providenciais de homens que tinham diante de si uma sólida presença da história jurídica, bem relacionada na época deles, e eles não sonhavam em substituí-la por nada. Hoje, vemos os historiadores sociais, e, com eles, outros tipos de historiadores não facilmente etiquetáveis, empenhados em estudos numerosíssimos e sistemáticos sobre família, arquivos notariais, contratos, dotes, doações, testamentos; estudos sobre propriedade e sobre os regimes jurídicos da agricultura, sobre estamentos e instituições de governo, sobre universidades (terreno tradicional da pesquisa dos historiadores juristas) e sobre a prosopografia de juristas e juízes, sobre crimes e tribunais, sobre cárcere e outras instituições de reclusão, sobre polícia, burocracia ou exército. O que, outrora, na rígida separação dos âmbitos disciplinares, poderia parecer pastoreio ilegal, está se transformando, hoje, com a queda das anacrônicas cercas, em uma alegre ocupação de terras.

Por vezes, a componente jurídica aparece como uma janela, ou como ‘exemplum’, para um objetivo diferente: é possível estudar os testamentos para reconstruir o comportamento de uma sociedade diante da morte, ou os dotes para indagar as estratégias matrimoniais, os patrimônios familiares, as dinâmicas sociais dos estamentos proprietários: é possível partir de um processo para reconstruir uma região, contar uma revolta ou refletir sobre as ideias de um moleiro.

Por vezes, o objeto da pesquisa é perfeitamente jurídico, mas o historiador social aborda ‘a partir do sentido’, indo diretamente àquilo que o instituto contém, para se ocupar não da regra, mas do que é regulado. Certamente é nesse sentido que Georges Duby, abordando o tema do matrimônio medieval, pôde afirmar que “o historiador do matrimônio no ocidente medieval encontra-se diante de um vasto terreno não cultivado que começou a ser lavrado somente em alguns pontos”, anunciando, em seguida, que, não sendo um jurista e nem um teólogo, que abordaria a questão “do ponto de vista da história social, mais precisamente observando as práticas de matrimônio”, concluindo, enfim, que o seu escopo é “abrir uma brecha na incrustação de normas que, até então, absorvera a atenção de quase todos os estudiosos do campo, para chegar o mais perto possível da realidade da vida9 9 G. DUBY, Matrimonio medievale. Due modelli nella Francia del XII secolo, Milano, 1981. p. 25. . Eu gostaria de acrescentar que esse método, que não ignora a componente jurídica (nem a teológica e nem a ritual), abordando as questões do ponto de vista das práticas, parece-me dar resultados infinitamente mais ricos do que qualquer investigação jurídica, por mais séria e rigorosa que seja, mas que descure ou ignore os componentes não jurídicos da questão10 10 Antonio Marongiu, com uma apaixonada e lúcida explanação, respondeu Georges Duby no longo artigo Matrimonio medievale e matrimonio postmedievale. Spunti-critici, in Rivista di storia del diritto italiano, 57, 1984, pp. 5-119. Cada passagem do escrito de Marongiu, excluindo-se algumas forçadas ideológicas, parece ao historiador do direito prova evidente do fato de que ele tem razão e que Duby está equivocado. Valendo-se do seu ponto de vista, feito de fontes jurídicas e visão cristão-canônica do matrimônio e da família, conseguimos perceber as negligências, as omissões e os ‘erros’ de Georges Duby, quando existem, mas não conseguimos conhecer a família medieval, que é, certamente, como qualquer família em qualquer tempo, algo muito diferente das suas regras matrimoniais e não matrimoniais. Parece-me, então, que, para arbitrar dissensos desse tipo, são válidas as palavras de Marc Bloch (que não devem ser entendidas literalmente, mas compreendidas), extraídas do Apologia della storia o mestiere di storico, Torino, 1969, pp. 130-131: “I1 diritto” - escrevia Bloch há mais de quarenta anos atrás - “nel senso stretto della parola è l’involucro formale di realtà in sé troppo varie per fornire con profitto l’oggetto di un unico studio; ed esso non ne esaurisce nessuna. Per penetrare per esempio veramente a fondo la vita della famiglia - si tratti della piccola famiglia matrimoniale di oggi, dalle continue sistole e diastole, oppure del grande lignaggio medievale, questa collettività cementata da un così tenace intreccio di sentimenti e di interessi - sarà mai sufficiente enumerare, gli uni dopo gli altri, gli articoli di un qualsiasi diritto familare? Pare che talvolta lo si sia creduto: con quali fallaci risultati, risulta abbastanza chiaro dall’impotenza in cui noi siamo ancora oggi di ripercorrere l’evoluzione intima della famiglia francese”. .

4 Desdisciplinarizar-se

Pode parecer uma indicação paradoxal, mas, parece-me que, no contexto cultural hodierno, uma das soluções para salvaguardar a função produtiva de um setor disciplinar seja atenuar a sua especialização, esfumando atentamente os seus traços distintivos que têm o poder de torná-lo um setor compacto, homogêneo, e, nesse sentido, fechado.

Tem razão François FuretFURET, F. I metodi delle scienze sociali nella ricerca storica e la a “storia totale”, in La teoria della storiografia oggi, a cura di P. Rossi, Milano, 1983. quando elogia a habilidade que alguns historiadores da sua geração (Besançon, Le Roy Ladurie, Ozouf, Riché) tiveram ao aproveitar ao máximo o que havia de especial na experiência de pesquisa que vinham levando a cabo, que consistia em uma ideia simples e forte: a abertura da disciplina, vagabundear em todos os campos. Tal ideia - acrescenta Furet11 11 F. FURET, I metodi delle scienze sociali nella ricerca storica e la a “storia totale”, in La teoria della storiografia oggi, a cura di P. Rossi, Milano, 1983, p. 119. - é de importância capital porque “deu às nossas existências, no plano intelectual, bem como no meramente profissional, possibilidades e liberdades excepcionais”.

Estamos na mesma ordem de ideias expressadas em uma entrevista por Michel Foucault, que se referia à necessidade de uma tentativa constante de se desdisciplinarizar: ele, para adquirir a possibilidade de se colocar de pontos de vista sempre diversos diante de objetos com muitas faces; nós, eu acrescento, para atenuar a inerente e íntima tendência isolacionista da nossa disciplina, dando, assim, a nós mesmos, a chance de descer a terrenos próximos ao nosso, de trabalhar com utensílios do vizinho e, em troca, emprestar os nossos.

Pequenos passos em direção a uma moderada e atenta dedisciplinarização são a condição para que nos façamos compreender melhor pelos outros historiadores, a premissa para que nos abramos melhor ao entendimento daquilo que fazem os outros e, algo que tem lá o seu peso, são a circunstância necessária para criar, no interior dos nossos temas de trabalho e objetos de estudo, o espaço necessário para o ingresso de novos problemas historiográficos novos temas fecundos, novos objetos de pesquisa.

Não se trataria, então, de celebrar o fim da história do direito como ramo autônomo da pesquisa histórica, segundo a expressão pronunciada com espírito inumatório por Momigliano em 1963; mas, ao contrário, de festejar o fim da história do direito como ramo isolado da pesquisa histórica e/ou da reflexão jurídica.

A metáfora assediadora pode parecer exagerada, mas, talvez, consiga expressar um fragmento importante de realidade. Ninguém, na verdade, está assediando os historiadores do direito: não haveria razão para isso. Não obstante, alguns permanecem fechados na cidadela e mantém as janelas fechadas. Os outros historiadores não leem os seus escritos, mas eles não parecem se preocupar; os estudantes escolhem outros cursos, a sua função está seriamente vulnerável, mas a tudo isso se responde, no máximo, com uma desconsolada deploração dos tempos que estamos vivendo. Tudo isso enquanto bastaria deliberar pela saída da fortaleza Bastiani, posto que ninguém sonha em impedir, decidindo pela retomada do diálogo, depois de se reconciliar com as novas línguas, que são tantas e permitem escolhas adequadas para absolutamente todos. As coisas a dizer não faltam, e o interesse por elas, lá fora, é enorme.

Quero repetir porque se trata de uma absoluta e profunda convicção que eu tenho: a autonomia da disciplina está fora de questão, ou melhor, ela deve ser diligentemente cultivada como primeira condição da credibilidade dos nossos estudos. Mas, se é verdade que é preciso ser autônomo em muitas coisas, é igualmente verdadeiro que seria errado tornar-se autônomo - na realidade, separar-se - de muitas outras. Muros ideológicos ou culturais, refutar o confronto, evitar determinados terrenos de pesquisa, negações a priori de experiências alheias, ceticismos apriorísticos, são mascaradas, algumas vezes, pela autonomia, mas que, na realidade, representam somente isolamento e esclerose.

5 Contextos, Comparações, Articulações e Padrões

A exigência de uma conexão mais estrita, ou de diálogo mais estável, entre história jurídica e história da sociedade não pode ser somente proclamada ou desejada, e, mais ainda, da maneira genérica, substancialmente retórica e óbvia, que empreguei até agora. Ela precisa, por assim dizer, de bases de apoio, e, depois, de pernas para caminhar. Então, eu vou tentar indicar os elementos que, mais do que outros, parecem-me que fundamentam tal exigência e que assinalam alguns pontos programáticos para a sua realização.

É preciso, antes de qualquer coisa, manter sempre viva a consciência da complexidade da questão. Tal consciência indica por si só um primeiro terreno em comum entre história social e a sua dimensão jurídica, porque a complexidade é condizente, como chave de reconstrução, com o direito e com a sociedade. Esses dois momentos se valem dos próprios contextos e operam com as contribuições das próprias ciências sociais, da economia à sociologia, da antropologia social à etnologia.

O jurista, em particular, está investido do papel de vincular as suas análises e as suas hipóteses aos contextos dos quais o direito parte e aos quais se direciona na sua função de racionalização e organização. Eu diria, se posso usar outra metáfora, que ele deverá alçar com mais frequência os olhos do microscópio: com o olho colado no microscópio, o jurista enxerga coisas que outros não enxergam e que muitos ignoram até mesmo a existência; por vezes, todavia, ele deveria levantar o olhar e direcioná-lo para a paisagem circundante, para entender onde está o objeto da sua observação e para dar um sentido a ele, reinserindo-o mentalmente no seu lugar, no panorama do qual faz parte.

Na mesma perspectiva se coloca a exigência de empregar com mais assiduidade o método comparativo na história jurídica: trata-se, por exemplo, de aplicá-lo entre direito e sociologia em base histórica. A operação, certamente, é tecnicamente difícil e culturalmente delicada, mas é possível extrair muito dela: basta pensar em tentativas de extremo interesse como a de Norbert Elias em anos longínquos retomada por outros recentemente no que diz respeito à “formação das normas sociais” e ao terreno de comparação que tais investigações, e outras similares a essas, oportunizam em relação aos processos de formação das normas jurídicas. Depois, todo o terreno das ‘normatividades’, na sua extrema complexidade e articulação, representa uma enorme área comum de comparação e pesquisa.

Certamente, esse tipo de trabalho ‘coordenado’ comporta a estipulação de algumas interfaces e de padrões comuns. Entre os historiadores-juristas e os historiadores da sociedade seria preciso, ainda que somente para permitir o intercâmbio de resultados, conectar as linguagens, as problemáticas, a terminologia. Coloca-se um problema de coordenação dos modelos de pesquisa, de homologação das categorias, de sincronização das periodizações, de unificação do método de formação das hipóteses de trabalho. Trata-se, quase, perdoem-me o lado pouco realista de tal proposição, de unificar os padrões das nossas pesquisas, até realizar algumas espécies de modelos que permitam usar de maneira intercambiável em um campo e no outro os resultados, globais ou parciais, das pesquisas de cada um. A ideia é totalmente abstrata, em grande parte inútil, de resto impraticável, mas eu gostaria de salientar através dela a exigência que a fez nascer.

Michel Foucault, por exemplo, indicou as contradições que podem advir da colocação de uma pesquisa histórica em termos de ‘período’, ao invés de em termos de ‘problema’, ou vice-versa. Quem pretendesse efetivamente tratar de um ‘período’ - ele escreveu12 12 M. FOUCAULT, La polvere e la nuvola, in Aut Aut, n.s., 181, 1981, p. 48. - ou, pelo menos, de uma instituição durante determinado período, deveria ater-se, entre outras, a estas duas regras: tratamento exaustivo de todo o material e equânime subdivisão do que há de ser examinado. Quem, ao contrário, pretendesse tratar de um ‘problema’ que apareceu em determinado momento histórico, deve seguir outras regras: escolha do material em função dos dados do problema; focalização da análise sobre os elementos capazes de resolvê-los; sistematização das relações que permitam tal solução.

Pois bem, se é verdade, como escreveram Philippe Robert e René LevyLEVY, R.; ROBERT, P. H. Le sociologue et l’historie pénale. Annales, [S.l.], ESC, v. 39, 1984. n. 2, p. 405, 1984., e como eu também acredito, que “o sociólogo (assim como o jurista) pensa problemas, o historiador, épocas”13 13 R. LEVY, Ph. ROBERT, Le sociologue et l’historie pénale, in Annales ESC, 39, 1984, n. 2, p. 405. , e que o primeiro tenta construir tipologias - como faz, também, o jurista - enquanto o historiador persegue periodizações, eis outra tesoura que devemos ter presente e fechar, se possível, através da recíproca troca de perspectivas essenciais de cada um dos modos de erigir uma pesquisa. Uma troca, de certa forma, facilitada pelo fato de que “não existem, provavelmente, diferenças epistemológicas entre história e sociologia, e que ambas pertencem, em princípio, ao mesmo ‘continente’...”14 14 R. LEVY, Ph. ROBERT, Le sociologue, cit., p. 405. .

É necessário dizer, ainda, que, pelo menos, três territórios comuns já existem no que diz respeito à história jurídica e à sociologia histórica, senão precisamente à história social. Eles já foram, em parte, explorados: pelos juristas, que trabalharam com categorias sociológicas ‘agregadas’ ao seu particular ponto de vista, e pelos historiadores da sociedade, ou das instituições sociais e políticas, os quais, na relação entre história do direito e história das instituições, identificam uma relação

[...] não entre disciplina específica e estudo genérico das experiências coletivas, mas entre duas disciplinas específicas, que têm em comum a análise dos instrumentos jurídicos do poder, mas que não se exaurem nela15 15 G. TABACCO, Storia delle istituzioni, cit., p. 38. .

Eu me refiro às temáticas atinentes ao estamento dos juristas, à noção de poder e ao princípio regulador (ou modelo geral) representado pelo conceito de ordem. Sobre o tema dos juristas, fonte e objeto de estudo ao mesmo tempo, segundo a lúcida e precoce indicação de Marc Bloch16 16 A página de Bloch a qual me refiro, outrora ignorada, hoje famosa, provavelmente será recordada ou citada por muitos neste Congresso. Eu quero, todavia, pro memoria, reproduzi-la aqui por inteiro porque contém in nuce, mas, também, explicitamente, várias intuições que eu tentei desenvolver neste meu discurso: “Pure, nel concetto del fato giuridico come distinto dagli altri, c’è qualcosa d’esatto. Almeno in molte società, l’applicazione e, in larga misura, la stessa elaborazione delle regole di diritto sono state l’opera di un gruppo di uomini relativamente specializzato e, in questa sua funzione (che i suoi membri potevano, è ovvio, combinare con altre funzioni sociali), sufficientemente autonomo, per possedere tradizioni proprie e, spesso, per praticare persino un metodo peculiare di ragionamento. La storia del diritto, insomma, potrebbe non avere esistenza separata se non come storia dei giuristi: e non sarebbe davvero un cattivo modo di esistere, per un ramo di una scienza degli uomini. Intesa in questo senso, getta su fenomeni assai diversi, ma soggetti ad un’azione umana comune, dei barlumi che, nel loro ambito necessariamente limitato, sono molto rivelatori” (M. BLOCH, Apologia, cit., p. 131). , os historiadores do direito trabalharam e discutiram muito nesses últimos quinze anos, tornando-o um dos terrenos principais do confronto sobre orientações, relações e estratégias da disciplina. O tema do poder, mais incerto, mais ambíguo, menos apreensível, todavia, é capaz de oferecer chaves de reconstrução que - utilizadas com sagaz parcimônia - são as únicas que podem abrir certas e determinadas portas, através das quais os juristas e historiadores da sociedade são obrigados a passar. A noção de ordem, por fim, critério central para a reconstrução das práticas sociais, do ponto de vista da sua realização historiográfica ainda é embrionária: existe e é possível falar dela somente porque foi avistada e, portanto, reconhecida, mas ainda estamos longe de tê-la trabalhado como merece.

Territórios, eu dizia. Territórios nos quais os historiadores de maneira variada ingressaram e com diferentes êxitos, mas sobre os quais há de se continuar a trabalhar, a cultivar, a preparar o terreno, a redigir mapas, a colocar marcas e a estabelecer postos avançados. Trata-se, para ficar na metáfora da ‘fronteira’, de exploradores e colonos que provém de mundos diversos, com línguas diversas e diferentes ‘religiões’: excelente premissa para um ‘melting pot’ de resultados ricos, novos e duradouros.

6 O Direito Espelha e Nele Ficam Marcadas Impressões

Obviamente, o problema da conexão entre as diversas ciências histórico-sociais não toca somente os historiadores juristas. Os outros historiadores também possuem uma tradição de incompreensão e de desvalorização do fenômeno jurídico, com a qual já é tempo de prestar contas.

Uma das vias que poderiam ser seguidas é a de ter em conta, junto com os juristas, do poder de espelhamento da realidade típico do fenômeno jurídico; outra via está em levar em consideração a alta potencialidade que o direito tem de ‘certificar’ os fatos sociais; outra via, ainda, é certa utilidade do momento jurídico para garantir rigor ao trabalho histórico, seja assumindo-o como elemento revelador do contexto da pesquisa, seja considerando-o instrumento a ser empregado para verificações ex post da confiabilidade dos resultados. Mas é preciso dizer mais algumas palavras para esclarecer melhor o sentido dessas possíveis ‘vias’.

Recorro, mais uma vez, ao inteligente e problemático escrito publicado, agora, nos Annales por Robert e Lévy, cuja reflexão tem por objeto específico o direito penal, que, certamente, presta-se melhor do que qualquer outro ramo do direito - e vou tentar mostrar isso no final - a uma operação de compenetração, no plano histórico, com as outras ciências históricas sociais. Todavia, quem quiser, poderia ler as afirmações deles substituindo a expressão ‘direito penal’ por ‘direito’ tout court. Colocar de maneira satisfatória o objeto penal no seu contexto, dizem Robert e Lévy17 17 R. LEVY, Ph. ROBERT, Le sociologue, cit., p. 404. , exige uma precisa identificação das suas relações com outros elementos da formação social. Não se trata de pensar nessas relações como vínculos entre elementos que são estranhos uns aos outros, mas de perceber que o penal [o direito] espelha, ainda que do seu modo específico, os conflitos que, em um dado momento, estruturam uma formação social. E não somente os conflitos entre dominantes e dominados, mas, também, aqueles que se desenvolvem no interior de cada um desses níveis.

Em poucas palavras, pretende-se afirmar que o direito (e, talvez, o direito penal da maneira mais viva e evidente), envia sinais que não podem ser ignorados por quem estuda o contexto, que é feito de condicionamentos provenientes do contexto que não podem ser ignorados por quem estuda o direito.

Basta pensar no estudo de processos e de sentenças, entendidos como objeto da história do direito, mas, também, como campo de exploração, ou, mais simplesmente, como fonte da história da sociedade. Nos processos e nas sentenças não existem somente as coisas que qualquer um pode ver e conhecer na primeira leitura; inclusive, é pertinente lembrar aos não juristas que a primeira leitura dos autos de um processo, certamente, é mais enganadora do que aquelas que, idealmente, viriam depois. As sentenças, para usar as palavras de Jean-Paul Charnay18 18 J.-P. CHARNAY, Su un metodo, cit., p. 400. , revelam os principais pontos de atrito que estimulam os interessados a recorrer ou não à justiça. A partir de tais lides (volume, sentido, intensidade, conteúdo), das constantes locais (tipo de conflitos, transações específicas de uma área particular) e dos dados socioetnográficos, é possível tentar deduzir as movimentações sociais mais amplas, as correntes, as tensões e as discussões profundas, as pulsões que eles assinalam ou, mais exatamente, das quais eles são manifestações individuais em um dado quadro.

Mas o direito, ou melhor, a dimensão jurídica das coisas não tem somente o poder de remeter sinais, refratando-os, que, oportunamente decodificados, tornam-se mensagens importantes. Ela também é capaz de receber sinais e mensagens, registrando-os em si de maneira particular e específica, devolvendo-os, depois, para quem conhece a maneira de abordá-la e interrogá-la.

Seria interessante e muito frutífero praticar sobre as fontes jurídicas a heurística abdutiva designada por Thomas Huxley como “método de Zadig”19 19 O relançamento recente da expressão deve-se a Carlo Ginzburg que refez a sua história e explicou o seu sentido no artigo Spie. Radici di un paradigma indiziario, in Crisi della ragione. Nuovi modelli nel rapporto tra sapere e attività umane, a cura di A. GARGANI, Torino, 1979, p. 82 ss. . Uma lei, uma sentença, uma opinião de um jurista trazem muitas ‘marcas’ e ‘sinais’, muitas pregas e rugas, que, para os olhos verdadeiramente especializados, certamente não será impossível extrair deles ‘fatos sociais que aconteceram’. Conseguiríamos chegar, assim, a um nível mais profundo de escavação na realidade em relação ao que seria possível passando somente pelas ‘outras’ fontes, com o método de sempre.

O que eu quero dizer e sublinhar é que é possível descobrir nas fontes jurídicas fenômenos sociais que, de outra forma, seriam assintomáticos. A legislação e a jurisprudência, a doutrina jurídica ou os atos de disposição privada, insistindo em certos temas, com alusões, com exceções ou agravamentos, com silêncios ou com obiterdicta, desvelam frações de realidade emudecida, ou nos fornecem elementos necessários para levantar sólidas hipóteses, a serem provados, talvez, por outras vias.

Aos fragmentos decompostos de realidades silenciosas que é possível descobrir sob e através de uma fonte jurídica que é reticente a seu modo, podemos aplicar um método de reconstrução feito de diversos outros ‘jogos de paciência’, como aqueles que Agnes Heller, usando de maneira eficaz o paradigma introduzido por Jules Verne em Os filhos do capitão Grant, chamou de “teoria da Patagônia” ou “teoria da Austrália”20 20 A. HELLER, Teoria della storia, Roma, 1982, p. 94 ss. . São métodos que, no exemplo-hipótese de Verne, não dão o resultado esperado (que, depois, chega, inadvertidamente, pelo simples fato de a pesquisa não ter sido interrompida), mas servem para viajar: quero dizer, que produzem, mesmo assim, conhecimento para outras vias inatingíveis, iluminando outras zonas, diferentes daquelas que se pretendia iluminar, mas sempre adquirindo para a ciência histórica novos elementos a usar quando for a sua vez.

Um exemplo (embora não forte) da produtividade desses métodos, aliás parados em estado nascente, ou, pior, formulados e nunca experimentados, é a dedutibilidade da presença do infanticídio na família regular do antigo regime através da agravante prevista para os solteiros; o alarme social que nasce de determinados crimes sugerido pelas raras ênfases dos juristas; ou então a frequência dos comportamentos ilegais - cujos traços arquivísticos são quase nulos - que podemos inferir da obsessão e da frequente reiteração dos bandi. Mas se trata somente de exemplos que deveriam ser mais bem ilustrados e colocados em discussão, e não princípios historiográficos tidos como absolutos. As marcas deixadas nas fontes jurídicas exigem, para lê-las, tamanha sofisticação dos aparatos culturais de decodificação que não pode existir exemplo convincente da certeza da sua fecundidade: se existisse, estaríamos diante de traços muito pesados e eloquentes, constantes e não intermitentes, legíveis por qualquer um que saiba ler. E não é bem assim.

O que, talvez, possamos dizer, é que, exagerando um pouco através da enésima metáfora (dessa vez médica), o historiador social com adequada sensibilidade jurídica, dotado de suficiente argúcia (outrora diríamos ‘olho clínico’) e fontes que enviam sinais, poderia ser capaz de diagnosticar inclusive pacientes distantes, isto é, a partir do pedaço de realidade objeto da sua atenção. Poderia chegar a conclusões justas, como fazem os especialistas que, sem auscultar ou apalpar, sem olhar para a cara do paciente, acertam o diagnóstico com uma olhada para as suas análises, sendo exatamente esse, com frequência, o valor de um texto jurídico: o de representar, em relação à sociedade de referência, o resultado de uma ‘análise’, ou ele próprio uma análise.

Falta um último ponto. O direito, eu dizia, pode ser o meio e o crivo do rigor procedimental, inclusive ‘filológico’, em sentido amplo, de uma pesquisa histórica. Ele pode funcionar como instrumento para desvelar, desaninhar e declarar as relações de poder que estão presentes em qualquer fonte, inclusive não jurídica: somente um olho treinado na análise dos processos normativos é capaz de fazê-lo, e o mecanismo para essa operação é a cultura jurídica.

Ele pode funcionar, ainda, como uma possível ‘prova dos nove’ (às vezes falaciosa, como se ensinava na minha época) de algumas reconstruções historiográficas. Qualquer objeto de pesquisa, de fato, qualquer que seja ele, tem uma disciplina jurídica, cuja estrutura institucional pode ser cotejada depois da sua reconstrução; não é certo que ele há de se encaixar perfeitamente, mas quem sabe a medição poderá dizer se aquele resultado pode, mesmo assim, ser considerado testado, ou se não consegue convencer de jeito nenhum.

7 História Criminal, Modelo Possível e Terreno Privilegiado

Existe um terreno privilegiado sobre o qual algumas das indicações para as quais eu venho chamando a atenção acima começaram a tomar forma: refiro-me à história criminal, entendida como história dos aparatos complexos da justiça penal, em relação aos quais o fenômeno criminal é considerado um dos elementos que determinam as características da repressão21 21 R. ROTH, Histoire pénale, histoire sociale: même débat?, in Déviance et société, 5, 1981, n. 2, p. 195. .

Depois de uma fase cujo campo foi (longamente) mantido pelos estudos de criminologia histórica - projeção historiográfica de teorias criminológicas de traços positivistas - a nova história criminal começou a se afirmar como ramo muito vivaz da história penal. Este não é nem o momento e nem a sede mais adequada para traçar as suas linhas metodológicas essenciais22 22 Sobre o valor, significado e métodos da história criminal está em curso há alguns anos uma discussão que já envolveu um número muito alto de escritores, especialmente nas áreas francesas e norte-americanas. Talvez já esteja na hora de extrair as primeiras grandes linhas de tal discussão, para consolidar, pelo menos, o espaço de legitimidade, senão de autonomia, desse setor da pesquisa histórica. Para esse auspício, creio que este lugar e esta conferência sejam apropriados e adequados. . O que eu quero é mostrar como as suas características principais fazem dela o terreno natural para o encontro e a colaboração entre história jurídica e história da sociedade, exatamente no sentido que eu tentei delinear até agora nessas minhas reflexões.

Olhemos, por exemplo, para os ingredientes da sua ossatura. Antes de mais nada, o direito penal, a legislação e a doutrina, como corpo de fontes centrais, por sua vez bifrontes, porque capazes de condicionar fortemente os comportamentos criminosos e de serem condicionados por estes. Em segundo lugar, o grande aparato da justiça criminal, o qual envolve os juristas e a sua função, enquanto intérpretes de todo o corpus normativo, ‘fonte’ do direito na época do direito comum, ou enquanto juízes e advogados. Mas o sistema de justiça envolve, também, as instituições a ele vinculadas, desde as repressivas (a polícia, em primeiro lugar) até as punitivas (com particular atenção à relação pena-sociedade ou a toda a problemática que gira em torno do cárcere ou de outros tratamentos via reclusão); envolve as grandes discussões de ordem ideológica sobre o direito de punir ou sobre a morte como pena, que tanto influenciaram a mentalidade e as orientações que, depois, foram muito além da dimensão penal; envolve práticas sociais de punição e de controle, desde os processos de normalização até os de disciplinamento, das estratégias da ordem até as que dizem respeito aos deslocamentos de recursos, o governo da opinião pública, a relação entre pena e mercado de trabalho.

Mas a história criminal não se faz somente de direito e de aparatos de justiça. Ela se enxerta plenamente no estudo da sociedade e implica o uso dos complexos científicos que a medem (etnoantropologia social e histórica), que a quantificam (demografia), que a descrevem (sociologia). Em grande parte é justamente sobre esses enxertos que se apoia a ‘nova’ história criminal: no passado - como notava de maneira eficaz Georg RuscheRUSCHE, G. Il mercato del lavoro e l’esecuzione della pena. Riflessioni per una sociologia della giustizia penale. La questione criminale, [S.l.], v. 2, n. 3, p. 521, 1976. em uma famoso escrito de 1933 - muitos erros no estudo da questão criminal nasceram do fato de que os pesquisadores não estavam acostumados a tratar dos instrumentos fundamentais das ciências sociais. A maioria provinha, de fato, de outras disciplinas, e eram juristas e médicos. Quando eles, diz Rusche, empregam categorias sociológicas, são as do senso comum ou, na melhor das hipóteses, quando são cientificamente fundamentadas, são exclusivamente de natureza sociopsicológica23 23 G. RUSCHE, Il mercato del lavoro e l’esecuzione della pena. Riflessioni per una sociologia della giustizia penale, in La questione criminale, 2, 1976, n. 3, p. 521. .

Hoje, o esforço dos estudiosos vai na direção exatamente oposta e comporta não somente um uso correto das justas categorias sociológicas, mas, também, um crescente uso da sociologia histórica: grande parte da história criminal, por exemplo, vale-se diretamente das pesquisas, hoje muito ricas e sofisticadas, sobre bandos criminosos, sobre o mundo camponês, sobre os comportamentos de grupo e assim por diante.

Acrescente-se a tudo isso o necessário interesse que o estudo do crime e do seu tratamento na época histórica deve nutrir por tudo aquilo que se refere à esfera das mentalidades. Sentimentos como o medo, a agressividade, o alarme não são somente ingredientes eventuais a levar em consideração, mas representam pontos fixos de qualquer pesquisa séria sobre determinados aspectos do fenômeno criminal. Mesmo a violência, ou a relação psicológica com os valores protegidos, da vida aos bens, da moral à ordem constituída, são objetos específicos das avaliações ordinárias de um historiador do crime. Assim como aspectos como a formação dos estereótipos, os etiquetamentos e os processos de criminalização representam elementos que nascem das mentalidades, tem relação com os comportamentos psicológicos de massa, mas são algo de ‘material’, de concreto, nas dinâmicas que dizem respeito à criminalidade e repressão.

Não somente quanto aos seus ‘ingredientes’, todavia, a história criminal constitui uma espécie de ponto de fusão entre fontes, objetos e metodologias pertencentes, em partes equilibradas, à história jurídica e à social. Olhando bem, as duas perspectivas entram em intersecção em vários pontos, e as razões de fundo dos fenômenos centrais que interessam a elas se sustentam mutuamente.

Há, por exemplo, uma forte interdependência, produtora de realidades claramente identificáveis, entre política penal dos estados (ou de cada aparato) e a condição de vida dos pobres, que muda consideravelmente de qualidade em presença de um sistema repressivo ‘mole’ e indulgente, ou talvez, simplesmente ineficiente, ou de um sistema eficiente, determinado e severo. Quem estuda os grupos que não possuem nada, estuda uma parte importante da história dos crimes contra a propriedade, e não pode ignorar a relação que os seus miseráveis tinham com os proprietários e com a polícia, se quiser compreender como viviam efetivamente.

Além disso, a história do direito penal, para não falar da história da justiça criminal, não tem mais um fundamento plausível sem uma contemporânea análise do fenômeno criminal: as duas questões são tão estritamente conexas que seria impensável continuar mantendo-as separadas, isto é, considerando que seria possível ignorar o que está por trás e sob o direito, ou, talvez, imaginando que por trás e por baixo não exista nada.

Resta, agora, tirar pelo menos a primeira conclusão desse discurso todo. Parece-me evidente que a única consequência lógica das premissas elencadas acima é a necessidade de a história criminal tornar-se - posto que já não seja - trabalho de pessoas que tenham a dupla competência de historiadores juristas e sociais, não sendo pensável que toda questão possa ser abordada justapondo competências diversas de sujeitos diversos. É preciso se tornar bilíngue para viver e operar em um mundo que é estruturalmente bilíngue.

A interdependência entre o penal e o social (“o penal não é outra coisa senão uma derivação do social”, “o social, herdeiro do penal”24 24 R. ROTH, Histoire pénale, cit., p. 187, 194. ), é a razão essencial dessa necessidade, e não é, evidentemente, a única. Robert Roth indicou quatro que, na sua opinião, empurram “historiador do penal a se converter rapidamente em pesquisador de história social”. Eu acho que eu acrescentei mais algumas, e todas aconselham a ambos, jurista historiador e historiador das sociedades, que se desdisciplinarizem um pouco, colocando cada um a mão na massa do outro.

Referências

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  • VEYNE, P. Foucault e la storia, in Aut Aut, ns., 181, 1981.
  • 1
    R. ROTH, Evaluation de l’apport des résultats de la recherche historique à la politique criminelle et à la prévision de son évolution, comptetenu des changements du contexte social et économique. Rapport au VIe Colloque de Criminologie du Conseil de l’Europe, (PC. CC. 83.12), Paper, Strasbourg, 1983, p. 7.
  • 2
    R. ROTH, Evaluation, cit., que se refere a E. P. THOMPSON, Whigs and Hunters: the origins of the Black Act, London, 1975, p. 260 ss.
  • 3
    P. VEYNEVEYNE, P. Foucault e la storia, in Aut Aut, ns., 181, 1981., Foucault e la storia, in Aut Aut, ns., 181, 1981, p. 81.
  • 4
    A. MOMIGLIANOMOMIGLIANO, A. Le conseguenze del rinnovamento della storia dei diritti antichi, in La storia del diritto nel quadro delle scienze storiche. Atti del primo Congresso internazionale della Società italiana di Storia del diritto, Firenze, 1966, p. 23., Le conseguenze del rinnovamento della storia dei diritti antichi, in La storia del diritto nel quadro delle scienze storiche. Atti del primo Congresso internazionale della Società italiana di Storia del diritto, Firenze, 1966, p. 23.
  • 5
    S. RODOTARODOTA, S. Relazione, in “La cultura” delle riviste giuridiche italiane. Atti del primo incontro di studio, Firenze, 15-16 aprile 1983, (Per la storia del pensiero giuridico moderno, 13), Milano, 1984., Relazione, in “La culturadelle riviste giuridiche italiane. Atti del primo incontro di studio, Firenze, 15-16 aprile 1983, (Per la storia del pensiero giuridico moderno, 13), Milano, 1984, p. 91.
  • 6
    M. HAURIOU, Police juridique et fond du droit, in Revue trimestrielle de droit civil, 11, 1926AURIOU, M. Police juridique et fond du droit, in Revue trimestrielle de droit civil, 11, 1926., p. 279.
  • 7
    H. CAPITANT, Les grands arrêts de la jurisprudence civile, Paris, 1950CAPITANT, H. Les grands arrêts de la jurisprudence civile, Paris, 1950. , p. VIII. Extraio tais referências e um aspecto da ordem do raciocínio de J.-P. CHARNAYCHARNAY, J. P. Su un metodo della sociologia giuridica: l’utilizzazione della giurisprudenza, in Problemi di metodo storico, a cura di F. Braudel, Bari, 1973., Su un metodo della sociologia giuridica: l’utilizzazione della giurisprudenza, in Problemi di metodo storico, a cura di F. Braudel, Bari, 1973, p. 392.
  • 8
    Storia delle istituzioni come storia del potere istituzionalizzato, publicado em 1976 com o título Lo studio delle istituzioni medievali in Italia (1975), agora em Forme di potere e struttura sociale in Italia nel Medioevo, a cura di G. Rossetti, Bologna, 1977, p. 38.
  • 9
    G. DUBYDUBY, G. Matrimonio medievale. Due modelli nella Francia del XII secolo. Milano, 1981., Matrimonio medievale. Due modelli nella Francia del XII secolo, Milano, 1981. p. 25.
  • 10
    Antonio Marongiu, com uma apaixonada e lúcida explanação, respondeu Georges Duby no longo artigo Matrimonio medievale e matrimonio postmedievale. Spunti-critici, in Rivista di storia del diritto italiano, 57, 1984, pp. 5-119. Cada passagem do escrito de Marongiu, excluindo-se algumas forçadas ideológicas, parece ao historiador do direito prova evidente do fato de que ele tem razão e que Duby está equivocado. Valendo-se do seu ponto de vista, feito de fontes jurídicas e visão cristão-canônica do matrimônio e da família, conseguimos perceber as negligências, as omissões e os ‘erros’ de Georges Duby, quando existem, mas não conseguimos conhecer a família medieval, que é, certamente, como qualquer família em qualquer tempo, algo muito diferente das suas regras matrimoniais e não matrimoniais. Parece-me, então, que, para arbitrar dissensos desse tipo, são válidas as palavras de Marc Bloch (que não devem ser entendidas literalmente, mas compreendidas), extraídas do Apologia della storia o mestiere di storico, Torino, 1969, pp. 130-131: “I1 diritto” - escrevia Bloch há mais de quarenta anos atrás - “nel senso stretto della parola è l’involucro formale di realtà in sé troppo varie per fornire con profitto l’oggetto di un unico studio; ed esso non ne esaurisce nessuna. Per penetrare per esempio veramente a fondo la vita della famiglia - si tratti della piccola famiglia matrimoniale di oggi, dalle continue sistole e diastole, oppure del grande lignaggio medievale, questa collettività cementata da un così tenace intreccio di sentimenti e di interessi - sarà mai sufficiente enumerare, gli uni dopo gli altri, gli articoli di un qualsiasi diritto familare? Pare che talvolta lo si sia creduto: con quali fallaci risultati, risulta abbastanza chiaro dall’impotenza in cui noi siamo ancora oggi di ripercorrere l’evoluzione intima della famiglia francese”.
  • 11
    F. FURET, I metodi delle scienze sociali nella ricerca storica e la a “storia totale”, in La teoria della storiografia oggi, a cura di P. Rossi, Milano, 1983, p. 119.
  • 12
    M. FOUCAULTFOUCAULT, M. La polvere e la nuvola, in Aut Aut, n.s., 181, 1981., La polvere e la nuvola, in Aut Aut, n.s., 181, 1981, p. 48.
  • 13
    R. LEVY, Ph. ROBERT, Le sociologue et l’historie pénale, in Annales ESC, 39, 1984, n. 2, p. 405.
  • 14
    R. LEVY, Ph. ROBERT, Le sociologue, cit., p. 405.
  • 15
    G. TABACCO, Storia delle istituzioni, cit., p. 38.
  • 16
    A página de Bloch a qual me refiro, outrora ignorada, hoje famosa, provavelmente será recordada ou citada por muitos neste Congresso. Eu quero, todavia, pro memoria, reproduzi-la aqui por inteiro porque contém in nuce, mas, também, explicitamente, várias intuições que eu tentei desenvolver neste meu discurso: “Pure, nel concetto del fato giuridico come distinto dagli altri, c’è qualcosa d’esatto. Almeno in molte società, l’applicazione e, in larga misura, la stessa elaborazione delle regole di diritto sono state l’opera di un gruppo di uomini relativamente specializzato e, in questa sua funzione (che i suoi membri potevano, è ovvio, combinare con altre funzioni sociali), sufficientemente autonomo, per possedere tradizioni proprie e, spesso, per praticare persino un metodo peculiare di ragionamento. La storia del diritto, insomma, potrebbe non avere esistenza separata se non come storia dei giuristi: e non sarebbe davvero un cattivo modo di esistere, per un ramo di una scienza degli uomini. Intesa in questo senso, getta su fenomeni assai diversi, ma soggetti ad un’azione umana comune, dei barlumi che, nel loro ambito necessariamente limitato, sono molto rivelatori” (M. BLOCH, Apologia, cit., p. 131).
  • 17
    R. LEVY, Ph. ROBERT, Le sociologue, cit., p. 404.
  • 18
    J.-P. CHARNAY, Su un metodo, cit., p. 400.
  • 19
    O relançamento recente da expressão deve-se a Carlo Ginzburg que refez a sua história e explicou o seu sentido no artigo Spie. Radici di un paradigma indiziario, in Crisi della ragione. Nuovi modelli nel rapporto tra sapere e attività umane, a cura di A. GARGANI, Torino, 1979, p. 82 ss.
  • 20
    A. HELLER, Teoria della storia, Roma, 1982, p. 94 ss.
  • 21
    R. ROTHROTH, R. Evaluation de l’apport des résultats de la recherche historique à la politique criminelle et à la prévision de son évolution, comptetenu des changements du contexte social et économique. Rapport au VI e Colloque de Criminologie du Conseil de l’Europe, (PC. CC. 83.12), Paper, Strasbourg, 1983, p. 7., Histoire pénale, histoire sociale: même débat?, in Déviance et société, 5, 1981, n. 2, p. 195.
  • 22
    Sobre o valor, significado e métodos da história criminal está em curso há alguns anos uma discussão que já envolveu um número muito alto de escritores, especialmente nas áreas francesas e norte-americanas. Talvez já esteja na hora de extrair as primeiras grandes linhas de tal discussão, para consolidar, pelo menos, o espaço de legitimidade, senão de autonomia, desse setor da pesquisa histórica. Para esse auspício, creio que este lugar e esta conferência sejam apropriados e adequados.
  • 23
    G. RUSCHE, Il mercato del lavoro e l’esecuzione della pena. Riflessioni per una sociologia della giustizia penale, in La questione criminale, 2, 1976, n. 3, p. 521.
  • 24
    R. ROTHROTH, R. Histoire pénale, histoire sociale: même débat? Déviance et société, [S.l.], v. 5, n.2, p. 195, 1981., Histoire pénale, cit., p. 187, 194.
  • *
    Storia del diritto e storia della società. Questioni di metodo e problemi di ricerca”, publicado originalmente em GROSSI, Paolo (a cura di). Storia sociale e dimensione giuridica. Atti dell’incontro di studio, Firenze, 26-27 Aprile 1985. Milano: Giuffrè, 1985. p. 127-148. Tradução da língua italiana, resumo e palavras-chave por Ricardo Sontag. Colaboração no ajuste das notas de rodapé: João Paulo Mansur.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2019
  • Revisado
    23 Maio 2018
  • Aceito
    29 Jul 2019
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