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Apresentação

APRESENTAÇÃO

Josué de Castro, no prefácio de sua obra pioneira, Geografia da Fome, publicada pela 1ª vez em 1947, comentava que o assunto fome era bastante delicado e perigoso.

"A tal ponto delicado e perigoso que se constituiu num dos tabus de nossa civilização. É realmente estranho, chocante, o fato de que, num mundo como o nosso, caracterizado por tão excessiva capacidade de escrever e de se publicar, haja até hoje tão pouca coisa escrita acerca do fenômeno da fome, em suas diferentes manifestações". (Castro, 1952 3ª ed.p.9)

Segundo o mesmo autor, " trata-se de um silêncio premeditado pela própria alma da cultura: foram os interesses e os preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental que tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado publicamente... Ao lado dos preconceitos morais, os interesses econômicos das minorias dominantes também trabalharam para escamotear o fenômeno da fome do panorama espiritual moderno. É que ao imperialismo econômico e ao comércio internacional a serviço do mesmo interessava que a produção, a distribuição e o consumo dos produtos alimentares continuassem a se processar indefinidamente como fenômenos exclusivamente econômicos- dirigidos e estimulados dentro dos seus interesses econômicos- e não como fatos intimamente ligados aos interesses da saúde pública" (Castro, 1952 3ª ed.pgs. 11 e 12).

Em pouco mais de 50 anos, bastante se caminhou no entendimento da Geografia da Fome, suas causas e conseqüências. Entretanto, os artigos publicados nesse número temático da revista Saúde e Sociedade revelam que ainda há muito a ser estudado e pesquisado para a efetivação de políticas públicas de segurança alimentar para a totalidade da população brasileira. É corajoso o PROGRAMA FOME ZERO, lançado pelo Governo Federal, na medida em que enfrenta velhos tabus e problemas de desigualdade da sociedade brasileira, em que pese a. necessidade de seu aprimoramento, como apontado em alguns dos artigos. A Saúde e Sociedade vem trazer a seus leitores diferentes visões da problemática da fome, da desnutrição e da pobreza como fatores indissociáveis do direito à saúde e à cidadania e, portanto, tema de grande interesse da saúde pública, numa perspectiva interdisciplinar.

Sete artigos escritos por profissionais de diferentes especialidades e de diferentes instituições compõem este volume:

• Fome, Desnutrição e Pobreza: além da Semântica do professor do Departamento de Nutrição da FSP/USP, Carlos Augusto Monteiro, inicia com a discussão de conceitos essenciais de fome, desnutrição e pobreza, de natureza, dimensão e tendências muito distintas no Brasil, comportando soluções com escala, investimentos e conteúdos distintos. Defende ações de combate à pobreza como as mais eficientes para lutar contra a desnutrição.

• Perspectivas para segurança alimentar e nutricional no Brasil do professor do Instituto de Economia da UNICAMP, Walter Belik, discute os conceitos de segurança alimentar e de direito à alimentação, passando aos números estimados de pessoas sem segurança alimentar no Brasil, chegando à descrição do Programa Fome Zero, adotado pelo Governo Federal, e suas diferentes políticas estruturais e específicas. Defende que o Programa Fome Zero, como concebido, promoveria não apenas o lado do consumo, como o lado da produção, dando origem a um círculo virtuoso de crescimento econômico e de "empoderamento" da comunidade.

• Pobreza e desnutrição: uma análise do Programa Fome Zero sob uma perspectiva epidemiológica, de Rômulo Paes-Sousa da PUC/MG; Walter Massa Ramalho e Beatriz Meirelles Fortaleza, ambos do Centro Nacional de Epidemiologia da FUNASA, faz uma revisão dos conceitos do Programa Fome Zero, sob a perspectiva dos epidemiologistas, para, em seguida, através do estudo da distribuição da mortalidade por desnutrição, quanto a idade, grau de alfabetização e localização geográfica, apresentar um quadro de referência para o entendimento das relações entre pobreza e desnutrição. Conclui que há uma polarização quanto ao padrão etário da mortalidade por desnutrição: nas regiões Norte e Nordeste há maior ocorrência de óbitos entre menores de um ano; nas regiões Sudeste e Sul entre idosos. Essa polarização indica fatores causais distintos da desnutrição e necessidade de abordagens diferenciadas para seu enfrentamento.

• Condições socioeconômicas, programas de complementação alimentar e mortalidade infantil no Estado de São Paulo (1950 a 2000), de Nicanor Ferreira Cavalcanti, economista e doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP e Helena Ribeiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP, discute a diminuição do déficit nutricional em crianças, no período de 1950 a 2000, no Estado de São Paulo, correlacionando-a com diferentes fatores, dentre eles, os programas de suplementação alimentar, atenção médica e cobertura de serviços de saneamento.

• Fome Zero: uma política social em questão, da professora do curso de Serviço Social da PUC/SP, Maria Carmelita Yazbek, analisa o Programa Fome Zero, sob a ótica do Serviço Social, ressaltando que o texto do Programa apresenta lacunas, particularmente na problematização dos fundamentos estruturais da desigualdade social que historicamente caracteriza a sociedade brasileira e ao não levar em consideração outros programas sociais no âmbito do enfrentamento à pobreza. Defende sua articulação à Seguridade Social para superar a histórica desarticulação e superposição das ações sociais no país.

• Fome, desnutrição e cidadania: inclusão social e direitos humanos, do médico Flávio Luiz Schieck Valente, propõe o fortalecimento da ótica dos Direitos Humanos na discussão sobre o tema da fome no Brasil e sugere passos para uma política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: construção de consenso técnico e político; identificação de indicadores para monitoramento da evolução da situação alimentar e nutricional; estabelecimento de metas em relação a cada um dos indicadores; identificação de ações e programas prioritários, desenvolvidos por distintos setores governamentais e da sociedade.

• Programa Fome Zero do Presidente Lula e as Perspectivas da Renda Básica de Cidadania no Brasil, do Senador e professor de Economia da FGV Eduardo Matarazzo Suplicy, descreve o contexto em que se inicia o Programa Fome Zero, com dados de distribuição de renda no Brasil e no mundo, e os diferentes sub-programas do Fome Zero. Defende a adoção de uma Renda Básica de Cidadania a todos habitantes do país, cujas vantagens são descritas no texto.

Helena Ribeiro

  • 1 CASTRO, J. de. Geografia da Fome Rio de Janeiro. Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1952.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2003
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