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Viabilidade celular de Saccharomyces cerevisiae em cultura mista com Lactobacillus fermentum

Cellular viability of Saccharomyces cerevisiae in mixed culture with Lactobacillus fermentum

Resumos

O presente trabalho teve por objetivo avaliar os efeitos de L. fermentum em cultura mista com S. cerevisiae sobre a viabilidade celular da levedura, bem como outros parâmetros relacionados com os produtos metabólicos bacterianos. Os microrganismos foram cultivados individualmente em meio de caldo de cana-de-açúcar diluído e suplementado com extrato de levedura e peptona. A partir da mistura de ambas as culturas foi acompanhada a viabilidade celular da levedura em ensaios denominados: cultura mista ativa, bactéria inativada por esterilização e inativada por agentes antimicrobianos. Nos cultivos onde foi observada floculação, foi testada a ação de enzimas do grupo peptidohidrolases (papaína, bromelina e ficina). A cultura mista ativa apresentou redução da viabilidade levedura de 96% em 12 horas. Nos ensaios utilizando as culturas bacterianas inativadas, as reduções médias foram de 50 a 60% nas primeiras 12 horas, chegando a 80-90% com 24 horas. O cultivo bacteriano inativado por esterilização produziu menor redução de viabilidade que os cultivos inativados por agentes antimicrobianos. No experimento com enzimas, foi observada ação desfloculante ainda não relatadas, confirmando a natureza protéica do causal da floculação.

viabilidade; floculação; Saccharomyces cerevisiae; Lactobacillus fermentum


The aim of this work was to study the cellular viability of the yeast S. cerevisiae in mixed culture with L. fermentum, considering the growing conditions and bacterial metabolic products. The microorganisms were cultivated individually in sugar cane juice supplemented with yeast extract and peptone. Yeast viability was investigated in mixed culture with active bacterial culture and with inactivated bacterial culture (by heat sterilization or by addition of antimicrobial agents). Deflocculation tests were performed on yeast flocculated cultures using peptidohydrolases group enzymes (papain, bromelin and ficin). In mixed active culture, yeast viability reduction of 96% was noticed after 12 h. In assays using the inactivated bacterial culture, reductions were between 50 to 60% during the first 12h, and reaching 80-90% after 24h. The influence of bacterial metabolic products on yeast viability was observed. A deflocculation ability of papain, bromelin and ficin, not yet reported in the litterature, was also observed, confirming the protein involvement in the floc formation by L. fermentum.

viability; flocculation; Saccharomyces cerevisiae; Lactobacillus fermentum


VIABILIDADE CELULAR DE Saccharomyces cerevisiae EM CULTURA MISTA COM Lactobacillus fermentum

R.M. OLIVEIRA-FREGUGLIA; J. HORII

1Depto. de Ciência e Tecnologia Agroindustrial-ESALQ/USP, CEP: 13418-900 - Piracicaba, SP.

RESUMO: O presente trabalho teve por objetivo avaliar os efeitos de L. fermentum em cultura mista com S. cerevisiae sobre a viabilidade celular da levedura, bem como outros parâmetros relacionados com os produtos metabólicos bacterianos. Os microrganismos foram cultivados individualmente em meio de caldo de cana-de-açúcar diluído e suplementado com extrato de levedura e peptona. A partir da mistura de ambas as culturas foi acompanhada a viabilidade celular da levedura em ensaios denominados: cultura mista ativa, bactéria inativada por esterilização e inativada por agentes antimicrobianos. Nos cultivos onde foi observada floculação, foi testada a ação de enzimas do grupo peptidohidrolases (papaína, bromelina e ficina). A cultura mista ativa apresentou redução da viabilidade levedura de 96% em 12 horas. Nos ensaios utilizando as culturas bacterianas inativadas, as reduções médias foram de 50 a 60% nas primeiras 12 horas, chegando a 80-90% com 24 horas. O cultivo bacteriano inativado por esterilização produziu menor redução de viabilidade que os cultivos inativados por agentes antimicrobianos. No experimento com enzimas, foi observada ação desfloculante ainda não relatadas, confirmando a natureza protéica do causal da floculação.

Descritores: viabilidade, floculação, Saccharomyces cerevisiae, Lactobacillus fermentum

CELLULAR VIABILITY OF Saccharomyces cerevisiae IN MIXED CULTURE WITH Lactobacillus fermentum

ABSTRACT: The aim of this work was to study the cellular viability of the yeast S. cerevisiae in mixed culture with L. fermentum, considering the growing conditions and bacterial metabolic products. The microorganisms were cultivated individually in sugar cane juice supplemented with yeast extract and peptone. Yeast viability was investigated in mixed culture with active bacterial culture and with inactivated bacterial culture (by heat sterilization or by addition of antimicrobial agents). Deflocculation tests were performed on yeast flocculated cultures using peptidohydrolases group enzymes (papain, bromelin and ficin). In mixed active culture, yeast viability reduction of 96% was noticed after 12 h. In assays using the inactivated bacterial culture, reductions were between 50 to 60% during the first 12h, and reaching 80-90% after 24h. The influence of bacterial metabolic products on yeast viability was observed. A deflocculation ability of papain, bromelin and ficin, not yet reported in the litterature, was also observed, confirming the protein involvement in the floc formation by L. fermentum.

Key Words: viability, flocculation, Saccharomyces cerevisiae, Lactobacillus fermentum

INTRODUÇÃO

Os prejuízos causados pela contaminação bacteriana na fermentação alcoólica tem início na lavoura com a matéria-prima. A cana-de-açúcar excessivamente contaminada, aliada aos problemas de eficiência no tratamento do caldo levam um grande número de bactérias e produtos de seu metabolismo para o processo fermentativo (Amorim & Oliveira, 1982; Kaji & Canhos, 1989).

A fermentação alcoólica consiste na transformação dos açúcares do mosto em etanol, gás carbônico e energia, sob ação catalítica das leveduras. Quando condições de temperatura, acidez, concentração de açúcares, qualidade da cana, higiene, preparação de pé-de-cuba e do mosto são impróprias podem desenvolver-se outros tipos de microrganismos que consomem os açúcares ou então o álcool, produzindo compostos orgânicos indesejáveis para a qualidade final do álcool, além de reduzir o rendimento do processo (Camargo et al., 1990).

Na fermentação alcoólica industrial é freqüente a contaminação por bactérias lácticas principalmente do gênero Lactobacillus. Algumas dessas bactérias são capazes de provocar a floculação das leveduras (Serra et al. 1979; Yokoya & Oliva-Neto, 1991; Zaratini et al., 1993). Dentre as diversas espécies e linhagens, apenas algumas linhagens de L. fermentum se mostraram eficientes em provocar a floculação de leveduras (Yokoya & Oliva-Neto, 1991), agregando um elevado número de células à sua volta pela ação de componentes provavelmente de caráter protéico (Santos, 1991; Santos & Yokoya, 1993), além de produzir um efeito letal sobre parte da população agregada. O presente trabalho teve como objetivo avaliar a viabilidade celular da levedura S. cerevisiae quando em cultura mista com L. fermentum e avaliar o efeito das enzimas hidrolíticas (papaína, a bromelina e a ficina) nos cultivos floculados.

METODOLOGIA

Microrganismos e meios de cultura: Foram utilizadas culturas de S. cerevisiae (IZ 1904) e linhagens de L. fermentum que fazem parte da coleção de microrganismos do Departamento de Ciência e Tecnologia Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz ", Universidade de São Paulo.

Foram desenvolvidos meios de cultura à base de caldo de cana-de-açúcar e suplementados para o cultivo dos microrganismos utilizados neste trabalho.

Após a extração, o caldo da cana foi submetido a filtração em algodão e em Celite 503 (10 g/L) sob vácuo. O caldo clarificado foi esterilizado em autoclave a 121ºC por 15 minutos e armazenado sob refrigeração em frascos tipo erlenmeyer de 1000 mL sendo utilizado no decorrer dos experimentos.

Para preparo do meio de cultura o caldo clarificado foi diluído em água destilada para 5,0 ± 0,1º Brix e suplementado com extrato de levedura (1,0 %), peptona (1,0 %). Nos plaqueamentos foi utilizado o mesmo meio de cultura, acrescido de 1,5 % de agar (Oliveira-Freguglia et al., 1996).

Determinações fisico-químicas e microbiológicas: As determinações da acidez total nas amostras de meio de cultura (MCC), nas culturas de L. fermentum e nas culturas mistas seguiram o protocolo de Copersucar (1987), sendo os valores convertidos em ácido láctico conforme Amerine & Ough (1974).

O pH foi medido em potenciômetro Digimed DMPH-2, no meio de cultura, durante o cultivo de L. fermentum e na cultura mista, segundo Instituto Adolpho Lutz (1985).

O brix refratométrico foi avaliado em refratômetro digital Atago dbx-30, em amostras do caldo de cana-de-açúcar, caldo clarificado, do caldo diluído e na preparação dos meios de cultura (MCC e MCC-A).

A determinação da viabilidade celular de S. cerevisiae foi conduzida segundo Copersucar, 1987 e Oliveira et al., 1996, utilizando como corante solução de azul de metileno/citrato de sódio. As amostras foram analisadas em câmara Neubauer através de microscópio óptico BH - Olympus e o resultado expresso em percentagem (%) de células vivas.

Os plaqueamentos foram realizados utilizando-se a técnica alternativa denominada microplacas (Oliveira-Freguglia et al., 1996).

Cultivo de S. cerevisiae e L. fermentum: Para o cultivo da bactéria em MCC, retirou-se 1 mL da cultura de manutenção e adicionou-se 9 mL de MCC sendo incubado a 32ºC por 24 horas. O cultivo de 10 mL foi transferido, após a incubação, para 90 mL de meio MCC em erlenmeyer de 250 mL e incubado em estufa de cultura a 32ºC por 24 horas.

Foi retirada uma alíquota (alça) da cultura pura de S. cerevisiae (IZ 1904) e transferida para frasco erlenmeyer de 250 mL, contendo 100 mL de meio de cultura MCC, mantido a 32ºC por 48 horas, em banho com agitação, tipo "Shaker-Dubnoff" MA 095 - Marconi.

Composição das culturas mistas de L. fermentum e de S. cerevisiae: Os ensaios utilizando culturas mistas de L. fermentum e de S. cerevisiae foram divididos em: cultura mista ativa, bactérias inativadas por esterilização e inativadas por agentes antimicrobianos (Kamoran HJ 100 - Elanco e penicilina Pen-Ve-Oral 500.000 U - Wyeth).

Dos 100 mL de cultura ativa de L. fermentum foram transferidos alíquotas de 50 mL para 2 frascos tipo erlenmeyer e adicionado em cada frasco, 50 mL de cultura de S. cerevisiae, e mantidos em estufa de cultura a 32ºC. Como controle foi utilizado 100 mL da cultura de levedura. A viabilidade celular da cultura mista e do controle foi acompanhada em intervalos de 3 horas e os resulta-dos expressos em porcentagem (%) de células vivas.

Para cultura mista inativada por esterilização, a cultura de L. fermentum foi submetida à autoclavagem a 120°C por 15 minutos e os ensaios seguiram a mesma metodologia descrita para a cultura mista ativa.

Para a inativação do crescimento de L. fermentum por agentes antimicrobianos, foram adicionados aos 100 mL de cultura bacteriana ativa, dosagens dos produtos comerciais Kamoran HJ 100 (10 ppm) e penicilina V potássica (1.250 U.I./mL). Após 24 horas de incubação em estufa de cultura a 32ºC, seguiu-se a mesma metodologia aplicada para cultura mista ativa.

Tratamento enzimático e a capacidade floculante de L. fermentum: Foram utilizadas enzimas de origem vegetal Papaína (1,7 unidades/mg sólido), Bromelina (1,65 unidades/mg sólido) e Ficina (0,2 unidades/mg sólido) - Sigma, nas seguintes doses: Papaína: 1,15 unidades/10mL; Bromelina: 25,41 unidades/10mL; Ficina: 2,92 unidades/10mL.

As culturas de L. fermentum e S. cerevisiae foram misturadas, homogeneizadas e colocadas em banho com agitação tipo "Shaker-Dubnoff" MA 095, por 30 minutos a 32ºC, sendo observado a formação dos flocos.

Foram então retiradas alíquotas 1 mL do material floculado e transferidas para tubos de centrífuga cônicos graduados e adicionados 9,0 mL de água destilada, tanto nos tubos para controle como para cada enzima testada. Após centrifugação a 1000 G por 10 minutos em centrífuga Excelsa Baby I, foi descartado o sobrenadante e o material ressuspenso em 9,0 ml de água destilada onde foram acrescentadas as enzimas. Em seguida foi homogeneizado por agitação durante 10 segundos em agitador de tubos Phoenix AP 56, colocado em repouso por 10 minutos e retirado o sobrenadante onde foram feitas leituras em espectrofotômetro digital Coleman SP35-D, a 600 nm (Santos, 1991).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao término de uma fermentação alcoólica é comum observar-se queda da viabilidade celular frequentemente atribuida a fatores intrísencos do meio como teor alcoólico, acidez, temperatura, metabólitos e outros. Para evitar que estas hipóteses ou variaveis tivessem forte influência, foi utilizado para meio de fermentação e de controle, caldo com 5% de sólidos solúveis que não poderiam, em cultura pura, causar grandes danos ou variações à viabilidade celular.

Os resultados referentes às de reduções de viabilidade celular dos tratamentos com cultura mista de ambos os microrganismos estão apresentados a seguir.

Os resultados comparativos entre cultura bacteriana inativada por esterilização e cultura ativa apresentaram reduções de cerca de 46% e 96% da viabilidade, respectivamente, nas primeiras 12 horas, em relação ao controle que se manteve constante, ao nível de 96% (TABELA 1).

Na inativação por agentes antimicrobianos foram utilizados Kamoran HJ e penicilina V potássica que, segundo Oliveira et al. (1996), são os produtos comerciais mais utilizados na indústria de álcool. A razão deste tratamento foi verificar a possibilidade do surgimento de possíveis compostos pela alteração causada no meio pelo tratamento térmico que pudesse ser considerado responsável pela redução da viabilidade.

Com relação ao Kamoran HJ, a dosagem recomendada para a indústria é de 1 a 3 ppm, mas existem trabalhos onde foram aplicados até 6 ppm (Oliveira et al. 1996) onde se observou reduções de 99,99% das culturas de L. fermentum. A dosagem aplicada foi de 10 ppm e se apresentou eficaz pois, não ocorreu crescimento de colônias de L. fermentum nas placas analisadas às 6, 12 e 24 horas após a aplicação. O intervalo de tempo utilizado para compor a cultura mista neste ensaio foi de 24 horas após adição do antimicrobianos. Com relação à levedura as células com esses produtos não apresentaram alterações quanto à viabilidade quando comparada ao controle.

No tratamento Kamoran HJ a cultura mista apresentou queda de viabilidade de cerca de 60% em 12 horas, chegando a 90% em 24 horas.

A penicilina, também é muito utilizada durante no processo de fabricação de álcool e sua atuação leva a uma inibição da biossíntese de constituintes essenciais da membrana, interferindo no transporte ativo da mesma (Eguchi, 1989).

Para a penicilina V potássica foi seguido o mesmo procedimento do tratamento com Kamoran HJ. Os plaqueamentos realizados no cultivo de L. fermentum onde foi aplicada a penicilina não apresentaram crescimento da bactéria, tendo sido avaliada nos mesmos intervalos de tempo descritos para Kamoran HJ. Igualmente o tratamento com penicilina não causou alterações na cultura de levedura quando comparada ao controle.

O comportamento observado no tratamento com penicilina foi similar ao com Kamoran HJ, conforme pode-se verificar na Figura 1.

Figura 1
- Viabilidade celular da levedura S. cerevisiae nos tratamentos controle, cultura mista ativa, inativada por esterilizacão e pelos antimicrobianos Kamoran HJ (HJ) e penicilina V potássica (PV).

Enquanto o controle não apresenta alterações, os tratamentos com bactérias inativadas por esterilização, por Kamoran HJ e por penicilina V potássica apresentam quedas de viabilidade ao longo das 24 horas. Entretanto a queda de viabilidade foi mais acentuada nas 12 primeiras horas (60% na inativada por antimicrobianos contra 50% na esterilizada), seguindo a mesma tendência até 24 horas. A diferença nos valores de queda de viabilidade, de perfis semelhantes revela a influência provocada pela presença do microrganismo e pela forma de esterilização, atenuando a ação tóxica ou reduzindo a concentração do componente letal. De qualquer modo, a presença e a atividade dos microrganismos em cultivo exercem forte influência, entretanto a simples constatação da ação letal, mesmo de efeito residual, leva a considerar que as fermentações com reciclo, particularmente na indústria, sofrem influência do crescimento de microrganismos como L. fermentum no processo fermentativo e em qualquer fase anterior, da materia-prima ao processamento, podendo ser atenuada por outros fatores fisico-químicos, como já citados anteriormente.

Com relação aos resultados obtidos com as análises de acidez (g acido láctico/L) e pH (TABELA 2), os tratamentos com bactérias inativadas por esterilização, HJ e PV também apresentaram resultados muito próximos, porém, com valores mais altos para tratamento com bactérias inativadas por esterilização, talvez pela formação de novos ácidos como o levulínico em consequência das condições impostas de pressão e temperatura.

Muitos autores (Maiorella et al. 1983; Yokoya, 1991; Makanjiola et al., 1992; Oliva-Neto, 1995) discutem a ação inibitória dos ácidos orgânicos sobre os processos de fermentação alcoólica. Oliva-Neto (1995) cita que os efeitos dos ácidos orgânicos sobre a levedura dependem de vários fatores como tipo e concentração do ácido e das leveduras usadas, sinergismo com outros produtos e pressão osmótica.

Segundo Maiorella et al (1983) o ácido láctico, contendo uma hidroxila extra, é muito menos solúvel em lipídeos do que os demais ácidos orgânicos, e a inibição da levedura ocorre em concentrações mais elevadas (10-40 g/L). Nesse trabalho, os autores constataram um decréscimo de 80% na população de S. cerevisiae crescidos em meio sintético com 40 g/L de ácido láctico.

Para avaliar o efeito da adição das enzimas em culturas puras de L. fermentum e S. cerevisiae, estas foram plaqueadas para verificar qualquer alteração sobre as populações, verificando-se que os resultados não diferiram do controle, nem para bactérias e nem para leveduras. A presença e atividade das enzimas não produziu alterações na viabilidade celular da levedura e também não afetou o crescimento de L. fermentum (TABELA 3 e 4).

A redução da floculação pela ação das enzimas papaína, bromelina e ficina foi avaliada segundo Santos (1991) e a característica floculante da bactéria foi agrupada de acordo com a sua capacidade de flocular relacionada com as leituras em absorbância (Figura 2), e classificadas como: não floculentas (Abs > 0,65); fracamente floculentas (0,40 < Abs < 0,65); fortemente floculentas (Abs < 0,40).

Figura 2
- Determinação dos efeitos do tratamento enzimático sobre a floculação da levedura causada por L. fermentum, através de leituras espectrofotométricas expressas em absorbância.

Os resultados obtidos através das leituras espectrofotométricas (Figura 2) demonstraram um aumento da turbidez nas amostras onde foram aplicadas as enzimas, o que não ocorreu no controle, devido à sedimentação dos flocos. Isto vem reforçar os estudos sobre o fator responsável pela floculação, que aparenta ser realmente de natureza protéica, como verificaram outros pesquisadores (Santos e Yokoya, 1993, Bromberg, 1994).

Avaliando as características da floculação de leveduras causada por L. fermentum, Santos e Yokoya (1993) observaram que as linhagens floculentas da bactéria possuíam moléculas de natureza protéica, intimamente ligadas à superfície celular.

Particularmente para as bactérias, a função de flocular células de leveduras ao seu redor através de pontes protéicas não está elucidado, entretanto, pode-se supor que estejam ligadas à necessidade nutricional já que L. fermentum como outros lactobacilos, são microrganismos seqüenciais na deterioração de diversos substratos (Tilbury, 1975; Viana, 1989).

Bromberg (1994) sugeriu em seu trabalho que esta floculação estaria relacionada com um mecanismo intercelular a nível da parede celular desses microrganismo, envolvendo componentes protéicos da superfície celular da bactéria, mais especificamente os grupos funcionais fenol e indol, e carboidratos da parede celular da levedura. A autora cita ainda que, embora o sistema de floculação de S. cerevisiae causada por L. fermentum tenha sido classificado em seu trabalho de acordo com o modelo simbiótico, este pode ser enquadrado no modelo das lectinas, devido ao envolvimento de componente protéico da parede celular do microrganismo floculante.

Se o caráter floculante é de natureza protéica afetado pela pronase conforme Yokoya e Santos (1993) então, alguma ação sobre a proteína poderia efetivamente mostrar efeito sobre a floculação e também sobre o microrganismo causal. Procurou-se então testar preliminarmente diversas enzimas como pepsina, tripsina e outras, todas completamente inócuas quanto ao efeito floculante e ao microrganismo (Horii, s.d.). Ação desfloculante foi encontrada no grupo das hidrolases de origem vegetal como a papaína, a bromelina e a ficina. As preparações enzimáticas (Sigma Chem Co.) foram testadas na forma e concentração apresentadas, ou seja, respectivamente: papaina - 1,7 unidades/mg sólido; bromelina - 1,65 unidades/mg sólido; ficina - 0,2 unidades/mg sólido.

Frente aos estudos que apresentaram este caráter rotéico da bactéria estar relacionado a mecanismos intercelulares a nível de parede celular, procuramos avaliar se estas enzimas hidrolíticas poderiam causar algum efeito na viabilidade da bactéria, o que não foi observado, pois as análises demonstraram que a presença das enzimas não afetou o crescimento da bactéria. Isto pode estar relacionado com o que foi citado por Klaenhammer (1984) que, em seus estudos sobre a genética do gênero Lactobacillus, relatou a dificuldade encontrada para realizar lise celular da parede das bactérias com lizozima. No caso da levedura, existem citações do uso de papaína em desfloculação de leveduras (linhagens floculantes). Segundo Nishihara et al. (1977) as proteinases como papaína, quimitripsina e pepsina destroem irreversivelmente a capacidade floculadora, fato que não ocorreu em análises preliminares realizadas utilizando a papaína em floculação de leveduras.

CONCLUSÃO

- A contaminação por L. fermentum mostra um fator importante além de causar floculação, pois tem grande influência sobre a viabilidade de Saccharomyces cerevisiae, podendo reduzir a valores próximos a 0 em cerca de 12 horas após o término da fermentação alcoólica.

- Os produtos metabólicos de L. fermentum podem causar grandes prejuízos às leveduras da fermentação, já que a toxidez de seus produtos se manifesta, mesmo atenuados por um tratamento térmico ou antimicrobiano.

- Enzimas do grupo das peptidohidrolases como a papaína, a bromelina e a ficina tem pronta ação sobre o componente causal da floculação de S. cerevisiae causada por L. fermentum.

Recebido para publicação em 24.11.97

Aceito para publicação em 05.05.98

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 1999
  • Data do Fascículo
    1998

Histórico

  • Aceito
    05 Maio 1998
  • Recebido
    24 Nov 1997
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