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Impacto de causas básicas de morte na esperança de vida em Salvador e São Paulo, 1996

Impact of underlying causes of death on life expectancy in Salvador and São Paulo, Brazil, 1996

Resumos

OBJETIVO: Avaliar e comparar o impacto de algumas causas básicas de morte na esperança de vida de residentes em duas áreas metropolitanas. MÉTODOS: Trata-se de um estudo ecológico descritivo, transversal, utilizando dados oficiais secundários (óbitos e populações) e estimativas para residentes nos municípios de Salvador, BA, e São Paulo, SP, em 1996. Analisou-se a importância dos grupos de causas de óbito na esperança de vida, utilizando-se tábuas de vida e a teoria de riscos competitivos. RESULTADOS: As esperanças de vida ao nascer masculinas para cada município (64,1 anos, em Salvador, e 63,4 anos, em São Paulo) são menores que as das mulheres (70,3 anos, em Salvador e 73,9 anos, em São Paulo). Doenças de caráter infeccioso têm influência maior nas primeiras idades. As causas externas atuam principalmente entre os homens de idades intermediárias. Nas idades mais avançadas, destacam-se as doenças do aparelho circulatório. Por ordem de importância, atuaram, nos homens, as doenças do aparelho circulatório, as causas externas, as neoplasias, as doenças do aparelho respiratório e, por fim, as doenças infecciosas e parasitárias, em ambos os municípios estudados. No sexo feminino, a ordenação foi: doenças do aparelho circulatório, neoplasias, doenças do aparelho respiratório, doenças infecciosas e parasitárias e, por fim, as causas externas. CONCLUSÕES: As conhecidas disparidades sociais entre as duas capitais interferem, primeiramente, no nível estrutural, que vai desde a oferta e qualidade dos serviços disponíveis para a população até o grau de informação que estes serviços conseguem gerar, prejudicando análises mais minuciosas.

Mortalidade; Esperança de vida; Causa básica de morte; Estudos transversais; Tabelas de vida; Fatores de risco; Fatores socioeconômicos; Atestados de óbito; Zonas metropolitanas


OBJECTIVE: To evaluate and compare the impact of some underlying causes of death on life expectancy of residents in two metropolitan areas. METHODS: It was carried out a cross-sectional descriptive ecological study based on official data (deaths and populations) and estimates of residents in the cities Salvador and São Paulo, Brazil, in 1996. The impact of different causes of death on life expectancy was evaluated by means of competitive risks and life tables. RESULTS: Life expectancy for males at birth in both cities (64.1 years in Salvador and 63.4 years in São Paulo) was lower than for females (70.3 years in Salvador and 73.9 years in São Paulo). Communicable diseases have a major impact on the mortality in the first years of age, external causes are very important especially for men in intermediate ages, and cardiovascular diseases have a main role in elderly. Ranked by decreasing importance, causes of death for males in both cities were cardiovascular diseases, external causes, neoplasms, respiratory diseases and infectious and parasitic diseases. For females, the most important were cardiovascular diseases, then neoplasms, respiratory diseases, infectious and parasitic diseases, and external causes. CONCLUSIONS: The well-known social gap between the two capitals affects first the basic level, from availability and quality of public services to data provided by these services, which impair a more detailed analysis.

Mortality; Life expectancy; Underlying cause of death; Cross-sectional studies; Life tables; Risk factors; Socioeconomics factors; Death certificates; Metropolitan zones


ARTIGOS ORIGINAIS

Impacto de causas básicas de morte na esperança de vida em Salvador e São Paulo, 1996

Impact of underlying causes of death on life expectancy in Salvador and São Paulo, Brazil, 1996

André Renê BarboniI; Sabina Léa Davidson GotliebII

IDepartamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, BA, Brasil

IIDepartamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência André Renê Barboni Rua Castro Alves, 217 44075-110 Feira de Santana, BA, Brasil E-mail: barboni@uefs.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar e comparar o impacto de algumas causas básicas de morte na esperança de vida de residentes em duas áreas metropolitanas.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo ecológico descritivo, transversal, utilizando dados oficiais secundários (óbitos e populações) e estimativas para residentes nos municípios de Salvador, BA, e São Paulo, SP, em 1996. Analisou-se a importância dos grupos de causas de óbito na esperança de vida, utilizando-se tábuas de vida e a teoria de riscos competitivos.

RESULTADOS: As esperanças de vida ao nascer masculinas para cada município (64,1 anos, em Salvador, e 63,4 anos, em São Paulo) são menores que as das mulheres (70,3 anos, em Salvador e 73,9 anos, em São Paulo). Doenças de caráter infeccioso têm influência maior nas primeiras idades. As causas externas atuam principalmente entre os homens de idades intermediárias. Nas idades mais avançadas, destacam-se as doenças do aparelho circulatório. Por ordem de importância, atuaram, nos homens, as doenças do aparelho circulatório, as causas externas, as neoplasias, as doenças do aparelho respiratório e, por fim, as doenças infecciosas e parasitárias, em ambos os municípios estudados. No sexo feminino, a ordenação foi: doenças do aparelho circulatório, neoplasias, doenças do aparelho respiratório, doenças infecciosas e parasitárias e, por fim, as causas externas.

CONCLUSÕES: As conhecidas disparidades sociais entre as duas capitais interferem, primeiramente, no nível estrutural, que vai desde a oferta e qualidade dos serviços disponíveis para a população até o grau de informação que estes serviços conseguem gerar, prejudicando análises mais minuciosas.

Descritores: Mortalidade. Esperança de vida. Causa básica de morte. Estudos transversais. Tabelas de vida. Fatores de risco. Fatores socioeconômicos. Atestados de óbito. Zonas metropolitanas.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate and compare the impact of some underlying causes of death on life expectancy of residents in two metropolitan areas.

METHODS: It was carried out a cross-sectional descriptive ecological study based on official data (deaths and populations) and estimates of residents in the cities Salvador and São Paulo, Brazil, in 1996. The impact of different causes of death on life expectancy was evaluated by means of competitive risks and life tables.

RESULTS: Life expectancy for males at birth in both cities (64.1 years in Salvador and 63.4 years in São Paulo) was lower than for females (70.3 years in Salvador and 73.9 years in São Paulo). Communicable diseases have a major impact on the mortality in the first years of age, external causes are very important especially for men in intermediate ages, and cardiovascular diseases have a main role in elderly. Ranked by decreasing importance, causes of death for males in both cities were cardiovascular diseases, external causes, neoplasms, respiratory diseases and infectious and parasitic diseases. For females, the most important were cardiovascular diseases, then neoplasms, respiratory diseases, infectious and parasitic diseases, and external causes.

CONCLUSIONS: The well-known social gap between the two capitals affects first the basic level, from availability and quality of public services to data provided by these services, which impair a more detailed analysis.

Keywords: Mortality. Life expectancy. Underlying cause of death. Cross-sectional studies. Life tables. Risk factors. Socioeconomics factors. Death certificates. Metropolitan zones.

INTRODUÇÃO

A distribuição das mortes segundo causas tem grande influência sobre a esperança de vida ao nascer (EVN), mas o seu valor não expressa com clareza tal relação. Embora este seja um bom indicador da saúde de uma população, não aponta por si só caminhos mais específicos para melhorar as suas condições. Por outro lado, o padrão de mortalidade de uma dada região, definido pela mortalidade específica por causas, pode refletir o grau de qualidade de vida existente e fornecer subsídios para uma política de saúde mais eficiente e eficaz, à medida que permite estabelecer normas e metas prioritárias para balizar a ação das autoridades de saúde pública.

Considerando que a morte não é um evento repetitivo e nem atribuível a um único fator, devem ser levados em conta os vários riscos concomitantes e competitivos que atuam na vida de um ser humano.2 Assim, é recomendável o emprego de outros modelos de análise de mortalidade. As tábuas de vida passaram a representar instrumento analítico valioso em estudos de saúde pública, sobretudo os epidemiológicos, desde a introdução da noção de riscos competitivos que fundamentaram a construção das tábuas de vida de múltiplo decremento.4

Na construção da tábua de vida, Chiang2 pressupõe que a força de mortalidade, definida como coeficiente de mortalidade instantâneo, seja constante em cada grupo etário. Admite ainda que os vários riscos de morte atuam simultaneamente em cada indivíduo, havendo para cada risco uma correspondente força de mortalidade (teoria dos riscos competitivos). A soma dessas é igual à força de mortalidade total, existindo uma razão constante entre as forças de mortalidade de uma causa e a total, em cada idade.

As tábuas de vida, segundo Chiang,2 são mais coerentes com a realidade, pois consideram a interdependência dos vários riscos e seus efeitos ao se eliminar uma causa específica (ou grupo de causas); servem para avaliar não só o impacto das causas de óbito em populações com sistemas confiáveis de estatísticas vitais, como, também, naquelas com cobertura parcial de óbitos, admitindo-se que a sub-notificação não seja diferenciada por causas.11

Diante do interesse em conhecer-se a influência que diferentes causas de óbito teriam na esperança de vida da população baiana e comparar os resultados obtidos com os de uma região socioeconômica mais desenvolvida, pensou-se, inicialmente, em comparar os dados da Bahia e de São Paulo, utilizando-se tal metodologia. Entretanto, em face de um fator limitante – a má qualidade dos dados de óbito referentes à Bahia, isto é, problemas de cobertura – e considerando-se todas as limitações, optou-se por avaliar o impacto de algumas causas básicas de morte na esperança de vida de residentes nos municípios de Salvador e São Paulo, em 1996.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico descritivo, com dados oficiais secundários (óbitos e populações) e estimativas para residentes nos municípios de Salvador e São Paulo, em 1º de julho de 1996. As estimativas foram calculadas com base na publicação da Fundação IBGE,7 Contagem Populacional e Censos.

A cobertura do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)9 nesses municípios é bastante heterogênea. Em São Paulo, considera-se haver uma alta abrangência, não existindo praticamente subnotificação. Em Salvador, a situação é diferente, pois, embora não existam dados oficiais sobre a falta de cobertura, as estimativas mostram que o sub-registro de óbitos em menores de um ano em 1998 na Bahia era de 61,1% e estava concentrado no interior do estado.13 Adotou-se o pressuposto de que tal sub-registro não seria seletivo em função das causas básicas e procedeu-se à correção dos óbitos para Salvador.

Na correção das mortes de menores de um ano, utilizou-se a interpolação das estimativas de mortalidade infantil de 1994 e 1998.12 A partir dessas estimativas e considerando-se o número de nascidos vivos para o ano de 1996, fornecido pelo Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos do Ministério da Saúde, foi possível estimar um sub-registro de 33% para Salvador.

Foi também corrigida a subinformação dos óbitos naturais de Salvador, a partir de um ano de idade, com a metodologia proposta por Courbage & Fargues,3 utilizando-se as tábuas padrão do Modelo Brasil.6

Quanto aos valores referentes ao índice de concentração de óbitos para idades avançadas, foram escolhidos os mais adequados à população de Salvador, implicando fatores de correção iguais a 1,06 e 1,13, respectivamente, para os óbitos naturais masculinos e femininos.

Os óbitos naturais corrigidos foram acrescentados aos óbitos por causas externas e procedeu-se ao cálculo das tábuas de vida segundo Chiang.2

As causas básicas de morte analisadas foram as cinco principais para o Brasil (Tabela 1) e seguem a estrutura da Classificação Internacional de Doenças (CID-10 BR):10

• G1. Algumas doenças infecciosas e parasitárias (A00-B99) – (DIP)

• G2. Neoplasias (C00-D48)

• G3. Doenças do aparelho circulatório (I00-I99) – (DAC)

• G4. Doenças do aparelho respiratório (J00-J99) – (DAR)

• G5. Causas externas de morbidade e mortalidade (V01-Y98) – (CE)

O cálculo da esperança de vida foi feito com base na probabilidade de uma pessoa com idade exata X, no início de um determinado ano, vir a falecer nesse mesmo ano, conhecendo-se o número de casos que compõem o evento "vir a falecer durante o período" e o de indivíduos com idade exata X, no início do período.

A construção da tábua de vida, considerando os riscos competitivos, requer o conhecimento de diferentes probabilidades de morte por uma dada causa. A probabilidade bruta de morte é aquela quando ocorre uma causa específica (ou grupo de causas), com todos os outros fatores de risco atuando na população. A probabilidade líquida de morte é aquela que ocorre se um fator de risco específico for o único agindo na população ou, ainda, a probabilidade de morte se o fator de risco específico for eliminado.2

A técnica utilizada na construção desta tábua diferencia-se unicamente na coluna referente à proporção de mortes no intervalo etário. Neste caso, a probabilidade de morte é líquida, isto é, admite-se que alguma causa específica de morte tenha sido eliminada.

Adotou-se a nomenclatura de probabilidades de morte hipotética, de sobrevida hipotética e esperança de vida hipotética para aquelas calculadas nas tábuas de vida construídas de acordo com a teoria de riscos competitivos, isto é, pressupondo a inexistência de risco de morte por determinado grupo de agravos.

RESULTADOS

As estruturas populacionais das duas cidades, em 1996, são diferentes (Figura). A de São Paulo apresenta uma concentração proporcionalmente maior de indivíduos em idades mais avançadas, enquanto a de Salvador tem proporção maior de adolescentes, provavelmente em função de quedas mais recentes da fecundidade e da mortalidade infantil. Ambas as pirâmides populacionais possuem uma certa assimetria, privilegiando o sexo feminino, entre os adultos e os idosos. Em todas as capitais brasileiras, esse mesmo fenômeno é visualizado, resultado da emigração feminina do interior, à procura de trabalho.


A esperança de vida do sexo masculino (64,1 anos, em Salvador, e 63,4 anos, em São Paulo) foi menor do que a do sexo feminino (70,3 anos, em Salvador, e 73,9, em São Paulo). Nas Tabelas 2 e 3 são apresentados os valores calculados para a esperança de vida com e sem a eliminação do risco de morrer pelos cinco grupos de causa de morte estudados.

A Tabela 4 resume os ganhos hipotéticos na esperança de vida ao nascer de ambas as cidades estudadas, em 1996, por sexo e por grupo de causa de morte.

DISCUSSÃO

Gotlieb4 chamou a atenção que a vida média feminina se distanciava da masculina, ao serem analisados os dados de São Paulo, em 1950, 1960 e 1970 (diferenças de 5,3 , 7,6 e 7,1 anos, respectivamente). Esta tendência é confirmada, uma vez que, em 1996, essa diferença chegou a 10,5 anos.

Distintamente do que acontecia em São Paulo, em 1970, o perfil de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias mudou. Agravos que tipicamente afetavam menores de um ano, em 1996, atuam em homens de 25 a 45 anos. Comparando as esperanças de vida real e hipotética, há ganhos de 1,8 (2,8%) e 1,6 anos (2,5%) para os homens de Salvador e São Paulo, e 1,4 (2%) e 0,9 anos (1,2%) para as respectivas populações femininas (Tabelas 2, 3, e 4).

Em 1970, a diferença, a partir de um ano, para São Paulo, era de 0,9 ano (1,4%) para os homens e 0,7 ano (1%) para as mulheres.4 No presente estudo (1996), as diferenças absolutas decresceram com o aumento da idade, mas assumem valores relativos maiores em algumas idades adultas. Entre as principais causas está o aparecimento da Aids, nos anos 80, com o aumento das mortes. Nas duas cidades, os homens são os mais expostos. Embora o comportamento da Aids tenha sofrido alterações nos últimos anos, com aumento de mulheres contaminadas pelos companheiros, ainda assim, os óbitos de homens superam os das mulheres. Houve um decréscimo significante da razão de sexo.

As neoplasias estão entre as principais causas de morte no Brasil, apresentando uma curva de crescimento ascendente para todas as regiões. São doenças de etiologia multifatorial com características biológicas, clínicas e epidemiológicas distintas e com um longo período de latência entre a exposição a um fator de risco e o início das manifestações clínicas. Constituem sério problema de saúde pública mundialmente, com aumentos acentuados de incidência, em face de distintas características socioeconômicas e culturais.9

Mello Jorge & Gotlieb8 descrevem diferenças marcantes entre as regiões brasileiras. No Norte e Nordeste, as taxas de mortalidade variam em torno de 27 e 30 por 100 mil habitantes; no Sul e Sudeste, os valores estão entre 78,2 e 107,1 por 100 mil homens (1979-1995) e, para as mulheres, entre 58,3 e 79,9. Confirma-se o comportamento diferencial da mortalidade por neoplasias de acordo com o gênero,4 que é, predominantemente, uma doença das idades adultas e idosas, raramente de jovens adultos e crianças, sendo mais precoce nas mulheres. No presente estudo, em São Paulo, entre 20 e 39 anos, a diferença relativa entre as probabilidades de morte real e líquida femininas é cerca de três vezes maior do que as masculinas; no grupo de 50 a 75 anos, é maior entre os homens.

Gotlieb5 ressalta o aumento da proporção de indivíduos de 15 anos que chegariam aos 65 anos caso o câncer fosse eliminado como risco de morte dos paulistanos em 1970. Naquela época, haveria um ganho de 61,9% para 66,6% nas chances de sobrevivência masculina e de 77,3% para 81,9% na feminina. No presente estudo, esta proporção passaria de 60,1% para 64,8% (homens) e 81% para 85,4% (mulheres). Em Salvador, mudaria de 63,3% para 66,9% (homens) e de 76,3% para 80,7% (mulheres).

As esperanças de vida aumentariam em 2 e 2,2 anos, para os homens, e em 2,3 e 2,6, para as mulheres, de Salvador e São Paulo, respectivamente. Estas diferenças aumentam com o decorrer das idades e, até os 34 anos, são maiores para as mulheres de Salvador, havendo depois uma inversão, refletindo incidência mais precoce do câncer feminino. Em São Paulo, esta mudança que, em 1970, acontecia após os 45 anos, passou a ocorrer após os três anos de idade, indicando uma tendência para a eqüidade da mortalidade por neoplasias, entre sexos (Tabela 4).

Em 1996, o grupo das doenças do aparelho circulatório foi o grande responsável pela mortalidade em São Paulo (27,7%, em homens, e 38,1%, em mulheres) e em Salvador (24,3% e 34,2%, respectivamente), como em todo o Brasil.8 Em Salvador, o principal agrupamento de causas de morte foi o de doenças cerebrovasculares. Já em São Paulo foi o das doenças isquêmicas do coração.

Caso as doenças do aparelho circulatório deixassem de ser risco, as probabilidades de morrer sofreriam sensíveis reduções. As diferenças absolutas entre as probabilidades de morte real e hipotética aumentam com a idade, em ambos municípios, com discrepâncias maiores para os homens. No entanto, quando comparadas, as diferenças relativas são freqüentemente maiores entre as mulheres, devido ao seu menor risco de morte.

Os dados de São Paulo apontam redução nas diferenças relativas. Em 1970, o decréscimo na probabilidade de morte entre os homens a partir dos 35 anos era de 20,8% e, em 1996, passaria para 11,1%. Já para as mulheres, os 24,3% se transformariam em 22,1%, revelando redução maior para os homens.

As diferenças absolutas permaneceram maiores para Salvador do que para São Paulo no dos caso homens de até 34 anos e das mulheres até 74 anos. O dado indica que, na capital paulista, as mortes acontecem em idades mais avançadas em função de melhores condições de assistência médica e da estrutura populacional mais idosa.

A esperança de vida para o sexo masculino, com a exclusão dos óbitos por esses agravos, seriam iguais a 69,5 anos e 78 anos (homens/mulheres), em Salvador, e 69,6 e 83,2 anos (homens/mulheres), em São Paulo. Comparando a esperança de vida real e hipotética, haveria ganhos acentuados de 5,4 e 7,6 anos, em Salvador, e de 6,2 e 9,3 anos, em São Paulo, respectivamente, para homens e mulheres (Tabelas 2, 3 e 4). Os dados estão coerentes com os de Gotlieb,4 mostrando sempre maior ganho entre as mulheres, com valores máximos de oito anos, na faixa de 20 a 29 anos, em Salvador, e de 9,6 anos, no grupo etário de 35 a 39 anos, em São Paulo.

Entre as doenças do aparelho respiratório, as principais causas de morte são as pneumonias e as doenças crônicas das vias aéreas inferiores, sendo a asma a representante mais importante. De caráter transmissível ou com sintomas provocados por agentes externos e ambientais, essas doenças costumam ser associadas às doenças infecciosas e parasitárias nas análises epidemiológicas, notadamente as que envolvem estudos sobre a transição epidemiológica. A explicação é que ambas as doenças citadas acima tendem a desaparecer à medida que são resolvidos os problemas de saneamento e atenção básica à saúde. Na prática, elas são mais prevalentes em populações com piores condições sociais. Já as neoplasias, as doenças do aparelho respiratório e as causas externas de morbidade e mortalidade são típicas do processo de industrialização e urbanização. De fato, há de se concordar que as primeiras apresentam a mesma estrutura de mortalidade, com importante presença em menores de cinco anos, o que fica ainda mais acentuado se a Aids for excluída do capítulo das doenças infecciosas.

Na ausência das doenças do aparelho respiratório, haveria redução de 37,5% na probabilidade de morte de meninas até um ano de idade em Salvador e de 30,2% em São Paulo e as menores de cinco anos teriam suas chances de sobrevida aumentadas.

A mortalidade por causas externas merece especial atenção em função do escalonamento da sua ocorrência em todo o mundo. É uma das principais causas de morte no Brasil. No início da década de 80, contribuía com cerca de 9% do total, elevando-se para 12,3% em 1990 (37% de aumento). Nesse mesmo período, a taxa de mortalidade por violências elevou-se de 59 para 70 óbitos por 100 mil habitantes.1

Em importância, representa o segundo grupo de causas de morte para os homens das grandes regiões brasileiras, sendo que, no Norte, é o primeiro, desde 1985.8

Ao serem analisadas as probabilidades de morte real e hipotética, verifica-se o impacto diferencial por sexo. Nos homens, até um ano de idade, haveria redução de 13%, em Salvador, e de 10,9%, em São Paulo. Para se reconhecer o crescimento das causas externas em São Paulo, basta citar que, em 1970, o ganho era de 5%.4 O maior incremento, provavelmente, é decorrente do decréscimo das outras causas de morte e do grande aumento da violência nessas capitais. As diferenças relativas são crescentes e atingem o seu ápice na faixa dos 15 aos 19 anos. No sexo feminino, apesar da grande discrepância (menor risco de morte), os valores são consideráveis até os 49 anos.

Quando se analisa a probabilidade de sobreviver até os 80 anos, Salvador contaria com 12,6% e 2,9% a mais de homens e de mulheres, e São Paulo teria acréscimos, respectivamente, de 16,3% e 3%, caso as causas externas de morbidade e mortalidade não se constituíssem em fator de risco de morrer, em 1996. O ganho na vida média seria de 2,9 e 4,2 anos para os homens de Salvador e São Paulo, respectivamente. As diferenças relativas de anos ganhos têm o seu máximo entre os homens de 15 a 19 anos (Tabelas 2, 3 e 4).

Indiscutivelmente, esses agravos têm grande peso entre os óbitos de Salvador e, principalmente, de São Paulo. Medidas como a introdução do Novo Código de Trânsito Brasileiro, cujo impacto na diminuição das mortes por acidentes de trânsito foi avaliado por Vasconcelos & Lima,14 representam uma valiosa arma nesta luta.

Análise global

Observando a distribuição de óbitos segundo causas, é possível verificar a relevância de algumas delas na mortalidade das duas capitais estudadas (Tabela 1). Para completar a compreensão, é necessário ampliar a visão conjunta dessas causas através da sua ordenação, dentro de cada faixa etária e sexo.

Em 1970, analisando as diferenças relativas entre as probabilidades real e hipotética de morte para São Paulo, havia predominância das doenças infecciosas e parasitárias nas primeiras idades, das causas externas para jovens adultos e, por último, entre adultos e idosos, dominavam as DAC. Em 1996, considerando-se as doenças do aparelho respiratório e as infecciosas, a situação é semelhante à encontrada anteriormente. No entanto, uma observação deve ser feita com relação às populações femininas dos dois municípios. Dos 25 aos 34 anos, em Salvador, e dos 25 aos 39 anos, em São Paulo, as doenças infecciosas e parasitárias em conjunto com as doenças do aparelho respiratório assumem um papel significativo na mortalidade. As neoplasias constituem a segunda causa de óbito para as mulheres de 40 e mais anos, havendo, assim, um diferencial entre os sexos.

A probabilidade de sobreviver até os 15 anos, eliminando algumas causas, tem comportamento semelhante em ambos os sexos e para ambos os municípios. A maior atuação foi exercida pelas doenças infecciosas no Município de Salvador e pelas do aparelho respiratório em São Paulo. A análise dos ganhos na esperança de vida permite definir os principais agravos que atuam sobre a população residente. Assim, no sexo masculino, têm-se as doenças do aparelho respiratório, as causas externas de morbidade e mortalidade, as neoplasias, as doenças do aparelho respiratório e, por fim, as infecciosas e parasitárias, em ambos os municípios. No feminino, a seqüência é formada pelas doenças do aparelho circulatório, neoplasias, doenças do aparelho respiratório, as infecciosas e parasitárias e as causas externas.

Sendo Salvador um município que, nos últimos 50 anos, apresentou um crescimento desordenado e mais caótico que o de São Paulo, era de se esperar que a expectativa de vida de seus residentes fosse menor do que a da capital paulista. Isso só se deu no sexo feminino e, embora as causas externas de morbidade e mortalidade as doenças do aparelho circulatório e a Aids atuem de forma bem mais grave entre os paulistanos, não se pode afirmar que isso seja suficiente para explicar os resultados. Problemas de cobertura do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), na capital nordestina, podem constituir-se em outro importante motivo.

A concentração de esforços no sentido de reduzir a mortalidade nos cinco grupos de causas estudados, certamente contribuirá em muito para o aumento da esperança de vida dessas populações. A solução deste problema passa pelo entendimento do conceito de saúde no seu sentido mais amplo, como componente da qualidade de vida e um direito social. É uma questão de cidadania que, para ser resolvida, deve basear-se em uma lógica de inclusão e valorização de cada um e de todos ao mesmo tempo. Para isso, é fundamental a participação social, sendo a informação elemento essencial para a integração dos vários setores e na tomada de decisões.

Quanto às conhecidas disparidades sociais entre as duas capitais, pode-se dizer que elas interferem primeiramente em um nível estrutural, que vai desde a oferta e qualidade dos serviços oferecidos à população até o grau de informação que estes conseguem gerar e disponibilizar. O sub-registro dos óbitos no Nordeste é um excelente exemplo do prejuízo causado a análises mais profundas, tornando obrigatório o uso de técnicas indiretas de estimativas. Tal fato pode vir a distorcer a realidade, pois estimativas não conseguem detectar mudanças repentinas no padrão de óbitos, decorrentes de programas de intervenção em saúde.

É difícil avaliar a amplitude do custo real das desigualdades sociais. É mais fácil medir alguns dos seus reflexos como o crescimento da violência urbana e das favelas. Os sistemas de informação hoje disponíveis não dão conta de todos os aspectos. Mas, antes de tudo, é preciso respeitar o ser humano, incluir os excluídos com a idéia de que saúde e qualidade de vida são para todos e não só para quem pode pagar. Só assim a informação será considerada um instrumento de mudança e progresso de todos e não apenas um instrumento de poder para poucos. À medida que melhoram a qualidade dos dados e a sua cobertura, mais clara é a visão da realidade. Uma vez que todos a compartilhem, as soluções se apresentam.

Recebido em 24/7/2002

Reapresentado em 17/6/2003

Aprovado em 21/7/2003

Parte da tese de doutorado apresentada ao Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, em 2002.

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  • Endereço para correspondência
    André Renê Barboni
    Rua Castro Alves, 217
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Fev 2004

    Histórico

    • Recebido
      24 Jul 2002
    • Revisado
      17 Jun 2003
    • Aceito
      21 Jul 2003
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