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A vida política dos documentos: notas sobre burocratas, políticas e papéis

The Political Life of Documents: Notes on bureaucrats, politics and paper

Resumo

Introdução:

O artigo trata de um tema ainda pouco abordado nos estudos sobre burocracia e políticas públicas, qual seja, os efeitos de documentos sobre a atuação de burocratas, sobre políticas públicas e sobre a política no Estado. Com isso pretendemos abrir um debate sobre a importância dos documentos entendidos como instrumentos de ação pública, bem como aprofundar a investigação sobre burocratas, em especial os de médio escalão e os que serão aqui denominados de back-office.

Materiais e Métodos:

A pesquisa decorre de uma etnografia das práticas documentais, empreendida durante os quase três anos em que os autores trabalharam em um projeto de reforma das práticas documentais de grande escopo na Prefeitura de São Paulo. Envolveu coleta de informação por meio de observação participante, entrevistas com atores governamentais e análise de legislação e de processos administrativos.

Resultados:

Observou-se que a incidência conjunta, sobre os burocratas back-office, (1) dos tempos da política – decorrentes das interações do incumbente e de seu governo com a sociedade e demais atores políticos institucionais – e (2) do tempo dos papéis – decorrente do conjunto de regras que estabelecem formas de registro das atividades da burocracia, os graus de obrigatoriedade deste registro e de controle disciplinar – é determinante para compreender o comportamento burocrático, orientado para mitigar riscos disciplinares. Em segundo lugar, observou-se que as práticas mobilizadas pelos burocratas refletem agenciamentos dos documentos a partir dos efeitos que estes podem produzir sobre a burocracia: a produção da “verdade”, a possibilidade de transposição de soluções a novos contextos e a (não) comprovação de negociações políticas.

Discussão:

Três implicações resultam desses achados: 1) a dinâmica de atuação dos burocratas explica parte da tendência inercial das burocracias frente às políticas públicas e ressalta a necessidade de amplas negociações e construção de novos marcos documentais para que projetos de inovação possam ocorrer nas burocracias. 2) A promoção de práticas documentais do Estado pode induzir à produção de maior opacidade, e não transparência, ao contrário do que esperam políticas de abertura de dados. 3) Essa abordagem aponta novos caminhos para as teorias sobre criação de capacidades burocráticas e de coordenação. Desse modo, se entendermos o Estado não só a partir da atuação individual de seus agentes e do entrelaçamento de redes pessoais, mas também a partir de como a materialidade dos instrumentos de ação do Estado pode influenciar tais relações, os desafios da direção política, assim como a tarefa de compreendê-lo, se complexificam.

Palavras-chave:
documentos; burocratas de médio escalão; burocracia; política pública; instrumentação da ação pública

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