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Co-educação entre gerações: do conflito ao desenvolvimento da solidariedade

REFLETINDO SOBRE O NOVO

Co-educação entre gerações: do conflito ao desenvolvimento da solidariedade

Comentado por: Ana Paula Berberian; Giselle Massi

Doutora, Professora dos Cursos de Graduação em Fonoaudiologia e do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP – Curitiba (PR), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ana Paula Berberian R. Alfredo Muraro, 7 - Curitiba PR CEP 82020-230 E-mail: asilva@utp.br

A publicação da obra Tratado de Gerontologia constitui um marco histórico na divulgação de conhecimentos vinculados ao atendimento interdisciplinar da população idosa, no Brasil. Suas duas edições contemplam estudos desenvolvidos por pesquisadores de diferentes áreas que enfocam múltiplas facetas relativas ao processo de envelhecimento, analisando aspectos biofisiológicos, ambientais, sociais, antropológicos, econômicos e políticos envolvidos nesse processo.

De sua segunda edição, a qual foi revisada e ampliada em vinte e seis capítulos, tecemos algumas considerações sobre o capítulo " Co-educação entre Gerações: do Conflito ao Desenvolvimento da Solidariedade" , uma vez que discute práticas e conceitos extremamente profícuos para a Fonoaudiologia, indicando a necessidade de refletirmos sobre abordagens teórico-práticas intergeracionais.

Tais abordagens vêm sendo debatidas por José Carlos Ferrigno a partir de sua experiência enquanto psicólogo e pesquisador dos processos de envelhecimento. Ele é mestre e doutorando em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo – USP, especialista em Gerontologia pela Universidade de Barcelona e pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Além disso, é pesquisador da Gerência de Estudos e Programas da Terceira Idade do Serviço Social do Comércio – SESC/SP e coordenador editorial da revista " A Terceira Idade" .

Com objetivo de fundamentar a importância do relacionamento entre as diferentes faixas etárias, o autor chama atenção para a atualidade das cisões entre o mundo da criança, do adolescente, do adulto e do idoso, ressaltando que se, em outros períodos da humanidade, tais grupos compartilhavam espaços e experiências, para além do contexto familiar, como por exemplo, nos contextos do trabalho e lazer, atualmente, predomina nos grandes centros urbanos a separação das gerações em espaços sociais exclusivos e excludentes.

Denunciando as implicações decorrentes dessas cisões, Ferrigno ressalta o empobrecimento psicológico e cultural, visões e práticas preconceituosas, o enfraquecimento da troca de conhecimentos entre as diferentes gerações, o progressivo esvaziamento de papéis no envelhecimento, o que determina ao idoso um crescente isolamento ou recolhimento ao espaço doméstico. Decorrentes de uma visão que naturaliza e classifica as idades da vida a partir do fenômeno biológico, para Ferrigno as representações e práticas, predominantes na modernidade, destinadas ao envelhecimento materializam uma história de injustiças e desigualdades sociais que têm limitado as possibilidades de idosos de diferentes idades, sexos, regiões, níveis de escolaridade exercer sua cidadania.

Contrapondo os efeitos deletérios do preconceito etário, José Carlos Ferrigno aponta para a urgência do implemento de políticas e propostas educacionais e culturais que, a exemplo da entidade sócio-cultural SESC/SP, promovam a aproximação de gerações, oportunizando o enriquecimento mútuo, a tolerância e a solidariedade. No estudo em questão, o autor apresenta resultados de pesquisa realizada entre os anos de 2000 e 2003, em unidades do próprio SESC, os quais apontam para a possibilidade de fomentar processos de educação recíproca, no momento em que estereótipos são destruídos e uma perspectiva histórico-crítica passa a nortear o entendimento e as intervenções voltadas ao envelhecimento.

Assim, ao discutir os princípios que fundamentam abordagens intergeracionais, o estudo de José Carlos Ferrigno nos remete a reflexões acerca das diferentes formas de concebermos a temporalidade. Se, de acordo com o autor, a crescente compartimentalização de espaços sociais para as diversas faixas etárias é um fenômeno da modernidade e, portanto, construído historicamente, há de se pensar que os marcos que definem a infância, a adolescência, a fase adulta e a velhice se sustentam em uma lógica que concebe o desenvolvimento humano em função de etapas que se sucedem de forma linear e progressiva. Nessa direção, esquemas cronológicos tradicionais imputam a equivocada noção de que é possível delimitarmos o início, o meio e o fim de determinados ciclos de vida.

A fragilidade e a artificialização de tal lógica podem ser evidenciadas ao reconhecermos em nossa própria existência um tempo descontínuo que articula passado, presente e futuro. Enfim, quando percebemos ecos de experiências vivenciadas nos diferentes momentos de nossas vidas, permitindo que ecoe em nossa consciência quem somos, quem fomos e quem seremos. No desenrolar da vida, a crescente recorrência com que a afirmação " no meu tempo" passa a integrar o discurso dos sujeitos é reveladora de uma visão hegemônica e das repercussões materiais e subjetivas que marcam a noção de temporalidade compatível com uma forma de organização social regida pelos princípios da produtividade e do consumo.

Chama atenção como tais princípios delineiam a construção e veiculação de sentidos em relação ao tempo para cada faixa etária. Se para bebês, crianças e adolescentes o tempo ainda está por vir, razão pela qual o que vai ser quando crescer é a pergunta que materializa expectativas e experiências próprias a esses grupos; se para os idosos o tempo já passou; podemos notar, então, que o tempo socialmente reconhecido como marco divisor de águas é aquele inventado para delimitar a fase adulta. Fase essa, cuja à máxima predominante é a falta de tempo para viver.

Com base e a exemplo das noções de história e de temporalidade ensinadas tradicionalmente nos bancos escolares, não só a história da humanidade é dividida em etapas, mas as faixas-etárias são definidas e apresentadas como a única forma possível de entendimento acerca do desenvolvimento humano. Como uma verdade neutra, nos foi ensinado ser imprescindível para o entendimento da história da humanidade e da história dos homens que ambas fossem divididas e categorizadas, hierarquicamente, em estágios uniformes e sucessivos.

Interessa para a Fonoaudiologia apreender criticamente a maneira pela qual, essa lógica racional-positivista, implica em uma categorização não só da história da humanidade em grandes períodos, como oferece sustentação para o entendimento dos diferentes momentos da vida dos homens como distintos e superáveis. Enfatizando a importância de compreendermos as significações sociais que engendram o fenômeno das gerações e as invenções etárias, o texto de Ferrigno aponta para outra reflexão: as definições, regras de conduta, valores definidos em torno das diferentes gerações não são apenas construções conceituais, mas se materializam em programas de intervenção específicos.

Dessa forma, o autor nos leva a questionar posições políticas e éticas que pretendemos construir em torno de abordagens que objetivam atuar junto a grupos de idosos. Se, hegemonicamente, as intervenções visam promover o encontro entre idosos, evitando assim o conflito entre gerações (equivocadamente avaliado como algo negativo) e priorizando o atendimento a demandas (em geral físicas e cognitivas) consideradas próprias a este grupo; o estudo de Ferrigno sinaliza para a recente, contudo, paulatina promoção de abordagens que viabilizem a integração intergeracional em instituições de saúde, educação e cultura.

Consideramos, portanto, que as reflexões suscitadas por Ferrigno, ao ofecerem subsídios teórico-práticos para a promoção de abordagens intergeracionais que potencializem o desenvolvimento da subjetividade, da autonomia e do exercício da cidadania das pessoas envolvidas, contribuem para a criação de novos campos de inserção e intervenção fonoaudiológica com diferentes grupos etários.

  • Endereço para correspondência:
    Ana Paula Berberian
    R. Alfredo Muraro, 7 - Curitiba PR
    CEP 82020-230
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007
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