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Construção de uma proposta de ensino de nutrição para curso de enfermagem

Construction of a proposal for nutrition teaching in nursing education

Resumos

Este trabalho consiste em uma pesquisa realizada com o propósito de aprimorar o ensino de Nutrição, adequando-o às necessidades específicas de graduandos de Enfermagem. Para a coleta de dados, foi aplicado um questionário a 30 docentes. As respostas foram analisadas qualitativamente, empregando-se a técnica de análise de conteúdo. Foram identificados seis eixos em torno dos quais foram aglutinadas as expectativas dos docentes: segurança alimentar e nutricional, qualidade de vida, problema alimentar, processo de cuidado nutricional, papel profissional/interdisciplinaridade e conteúdos técnicos específicos. As conclusões apontam a necessidade de o ensino ultrapassar a ministração de conteúdos estritamente técnicos, pois ele deve preparar o aluno para analisar criticamente as situações que exigem intervenções específicas do campo da nutrição e para agir interdisciplinarmente.

nutrição; ensino; enfermagem; interdisciplinaridade


This article describes a research to improve nutrition teaching, adapting it to the specific needs of nursing students. The data were obtained through a questionnaire filled by 30 professors. The answers were analyzed by a qualitative method, applying the content analysis technique and were assembled in six groups in which the expectation of the professors were gathered: food and nutrition security, life quality, feeding problem, nutritional care process, professional role/interdisciplinarity and specific technical contents. The conclusions point out that teaching must go beyond pure technical contents, and must prepare the students to critically analyze situations where interventions in nutrition field are required and to act in an interdisciplinary manner.

nutrition; teaching; nursing; interdisciplinarity


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Construção de uma proposta de ensino de nutrição para curso de enfermagem

Construction of a proposal for nutrition teaching in nursing education

Maria Cristina Faber BOOG1 1 Departamento de Enfermagem, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Caixa Postal 585, 13270-000, Valinhos, SP, Brasil. E-mail: fboog@hiway.com.br

RESUMO

Este trabalho consiste em uma pesquisa realizada com o propósito de aprimorar o ensino de Nutrição, adequando-o às necessidades específicas de graduandos de Enfermagem. Para a coleta de dados, foi aplicado um questionário a 30 docentes. As respostas foram analisadas qualitativamente, empregando-se a técnica de análise de conteúdo. Foram identificados seis eixos em torno dos quais foram aglutinadas as expectativas dos docentes: segurança alimentar e nutricional, qualidade de vida, problema alimentar, processo de cuidado nutricional, papel profissional/interdisciplinaridade e conteúdos técnicos específicos. As conclusões apontam a necessidade de o ensino ultrapassar a ministração de conteúdos estritamente técnicos, pois ele deve preparar o aluno para analisar criticamente as situações que exigem intervenções específicas do campo da nutrição e para agir interdisciplinarmente.

Termos de indexação: nutrição, ensino, enfermagem, interdisciplinaridade.

ABSTRACT

This article describes a research to improve nutrition teaching, adapting it to the specific needs of nursing students. The data were obtained through a questionnaire filled by 30 professors. The answers were analyzed by a qualitative method, applying the content analysis technique and were assembled in six groups in which the expectation of the professors were gathered: food and nutrition security, life quality, feeding problem, nutritional care process, professional role/interdisciplinarity and specific technical contents. The conclusions point out that teaching must go beyond pure technical contents, and must prepare the students to critically analyze situations where interventions in nutrition field are required and to act in an interdisciplinary manner.

Index terms: nutrition, teaching, nursing, interdisciplinarity.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho refere-se a um estudo por meio do qual se pretendeu levantar subsídios para encontrar a melhor forma de ministração das disciplinas da área de Nutrição e Dietética e adequação dos respectivos conteúdos, às necessidades específicas de futuros enfermeiros. Ao assumirmos a responsabilidade pela ministração das disciplinas "Nutrição e Dietética Aplicada à Enfermagem I, II e III", em 1989, junto ao Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, propusemo-nos a buscar subsídios à adequação do conteúdo às necessidades dos estudantes de Enfermagem o que inicialmente foi realizado através de um estudo que permitiu conhecer cargas horárias, qualificação dos docentes responsáveis, objetivos e conteúdos das disciplinas da área de Nutrição nos cursos de Enfermagem do Estado de São Paulo (Boog et al., 1995; Boog et al., 1996). Existem, no âmbito acadêmico, grandes controvérsias relativas aos possíveis enfoques a serem imprimidos às disciplinas da área de Nutrição, aspecto este também já estudado por nós em trabalho anterior (Boog, 1999a). Os docentes responsáveis pelo ensino de Nutrição a graduandos de outras áreas precisam conhecer a diversidade de opiniões a respeito dos possíveis enfoques que podem ser dados a esse ensino, bem como as amplas perspectivas que se oferecem a ele, pelo fato da Nutrição comportar a discussão de temas de grande interesse atual como ecologia, ética, qualidade de vida, direitos humanos, entre outros.

Na literatura internacional, encontra-se uma produção científica razoavelmente extensa que busca definir o escopo do ensino de Nutrição. No âmbito do ensino médico, a ministração de conteúdos de nutrição está voltada, precipuamente, à promoção da saúde (Butriss, 1997; Hiddink et al., 1997), à prevenção e controle das doenças crônicas não transmissíveis (Mant, 1997) e à assistência ao paciente hospitalizado. Há ainda trabalhos que discutem formas de incluí-lo nos currículos e estratégias para aprimorá-lo (Heimburger et al.,1994). No campo da Enfermagem, Perry (1997) chama atenção para o fato de que os conhecimentos sobre Nutrição são imprescindíveis na formação do Enfermeiro, visto que a desnutrição hospitalar constitui um grave problema passível de prevenção.

Adequar conteúdos implica em selecionar do patrimônio cultural elementos que irão compor uma disciplina, seleção essa em que se encontra implícita uma visão de mundo subjacente aos objetivos pedagógicos. Adequar o ensino de uma disciplina a um curso de graduação exige que os docentes conheçam o contexto de trabalho do futuro profissional, de forma a poder antecipar as situações-problema nas quais espera-se que aquele conteúdo seja aplicado. Romo & Olivares (1983), avaliando o ensino de Nutrição nas Universidades do Chile através dos objetivos colocados para as disciplinas nos diversos cursos e instituições estudados, verificaram que ele era direcionado apenas para aquisição de conhecimentos e compreensão de conteúdos técnicos, não incluindo condutas afetivas e psicomotoras vinculadas às situações alimentares e nutricionais que podem se apresentar ao egresso no cumprimento de suas funções profissionais.

Nos primórdios da Medicina e da Enfermagem, a importância do cuidado nutricional foi enfatizada por Hipócrates, Galeno e Florence Nightingale. Por um longo período da história, as modificações dietéticas constituíram um dos mais importantes recursos terapêuticos. Flandrin (1998), relata que, até o século XVII, as técnicas culinárias e as ervas eram empregadas com funções dietéticas e que havia forte influência do poder médico sobre as práticas alimentares. Segundo o autor citado, o desenvolvimento científico, especialmente o da química, contribuiu para minar os princípios da antiga dietética e tornar menos freqüente e relevante o uso dos alimentos com finalidade terapêutica. Hoje, a despeito da crescente importância dos agentes farmacológicos e do avanço na tecnologia, a prestação de cuidado nutricional adequado ao paciente hospitalizado é fundamental para o sucesso do tratamento. Haja vista o resultado do Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI), que identificou prevalência média de 48,1% de desnutrição em pacientes de hospitais públicos brasileiros, decorrente, segundo os pesquisadores, do fato da atenção com o estado nutricional dos pacientes ser mínima, por falta de consciência dos profissionais de saúde sobre a relevância do assunto (Waitzberg et al., 1999).

No âmbito da promoção da saúde, hoje discute-se a possibilidade de gerar "reservas de saúde", como um recurso adicional para viver mais e com melhor qualidade de vida, cultivando um estilo de vida mais saudável que obviamente inclui, entre outros cuidados, aqueles relativos à alimentação (Breslow, 1999).

Assim, a Nutrição ganha importância tanto como recurso terapêutico nos tratamentos hospitalares, como na prevenção e controle de doenças e, ainda, na promoção da saúde e da qualidade de vida. Pressupondo-se que os profissionais cujo trabalho tenha relação com a promoção da saúde, prevenção de doenças ou recuperação da saúde, devam conhecer o processo nutricional enquanto fenômeno fisiológico, influenciado diretamente por condições ambientais, sociais e psicológicas, evidencia-se a necessidade do ensino de Nutrição nos cursos superiores da área da saúde (Boog, 1999a).

A concepção de educação norteadora do trabalho pedagógico junto ao curso de Enfermagem é a de uma educação crítica, que visa dar condições à apropriação dos conhecimentos técnicos com vistas à transformação das condições concretas de existência, através de um trabalho multidisciplinar de boa qualidade técnica, comprometido também com a qualidade de vida dos usuários dos serviços de saúde e dos profissionais envolvidos, ambos inseridos nas instituições que compõe a sociedade.

A fundamentação teórica para a realização da pesquisa foi buscada em Berger & Luckmann (1985), autores que se debruçaram sobre a sociologia do conhecimento, área que estuda os processos por meio dos quais a realidade é continuamente construída. Na acepção de Berger e Luckmann, os conteúdos disponibilizados pela ciência são produzidos historicamente na relação dos homens com o trabalho e, assim, as expectativas que se têm a respeito do ensino são forjadas no embate cotidiano dos profissionais frente às demandas da sociedade impostas tanto pelos problemas concretos do dia-a-dia como pelos valores que regem as instituições, não havendo pois como separar o conteúdo técnico da realidade de aplicação do mesmo. Constituem categorias essenciais para esta análise a realidade em que se dá o trabalho e o conhecimento que os profissionais detêm mediante o qual desenvolvem as atividades inerentes à sua função, participando assim da reconstrução dessa mesma realidade. A sociologia do conhecimento trata, pois, das relações entre o pensamento humano e o contexto social dentro do qual surge esse pensamento. No âmbito específico da Nutrição, a segurança ou insegurança alimentar em que vive o cidadão, a qualidade do processo de cuidado nutricional oferecido nas instituições hospitalares, a demanda por orientação nutricional buscada pelos usuários dos serviços de saúde, o modelo de alimentação agro-industrial que vem substituindo o modelo tradicional de alimentação, têm um duplo caráter: de um lado, uma facticidade objetiva e, de outro, significados subjetivos que se consubstanciam, transformando-se também em fatos. O ensino se dá nesta via de mão dupla, o que nos permite afirmar que, se por um lado o ensino reproduz a sociedade, por outro detém um potencial tranformador que, convenientemente explorado, pode efetivamente nos tornar e a nossos alunos "capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela" (Freire, 1998).

Com vistas à finalidade de adequar conteúdos e forma de ministração das disciplinas da área, foi concebido o presente estudo com o objetivo de identificar as expectativas dos docentes supervisores de estágio a respeito de conhecimentos de Nutrição necessários para os graduandos.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

O método consistiu na aplicação de um questionário aos 34 docentes supervisores de estágio do curso. Responderam a ele sete da área Materno-Infantil, nove da Médico Cirúrgica, quatro da Saúde Pública, quatro da Saúde Mental, dois da Administração e quatro de Fundamentos, totalizando 30 devoluções. Houve quatro recusas, uma delas justificada pela falta de tempo e as demais não justificadas. A aplicação do questionário foi iniciada em 1994 para duas áreas. Intercorrências de ordem profissional impediram a conclusão imediata da coleta de dados, o que só pôde ser feito em final de 1997 e início de 1998, quando o mesmo questionário foi aplicado aos docentes das demais áreas. Entre as duas fases de coleta de dados, a coordenação do curso empreendeu a formulação do seu projeto pedagógico e o implantou a partir de 1997. A disponibilidade de parte dos dados a partir de 1995, permitiu que a autora os utilizasse para delinear os objetivos das disciplinas do novo currículo, procurando assim melhor atender às expectativas dos docentes, ao mesmo tempo em que procurava trazer para dentro do campo da Enfermagem uma visão crítica da área de Nutrição, analisando essas expectativas à luz de outros referenciais que não exclusivamente os da Enfermagem.

A análise dos dados foi qualitativa, empregando a técnica de análise de conteúdo, conforme descrita por Minayo (1993) e por Lüdke & André (1986). Repetidas leituras das respostas dos docentes permitiram extrair seis eixos em torno dos quais puderam ser aglutinadas as respostas dos docentes: segurança alimentar e nutricional, qualidade de vida, problema alimentar, processo de cuidado nutricional, papel profissional/interdisciplinaridade e conteúdos técnicos específicos. A denominação atribuída a cada um desses eixos é da autora que interpretou as respostas dos docentes enfermeiros e procurou inserí-las dentro de temáticas próprias do campo da Nutrição e, quando isso não foi possível, foi criada uma denominação específica.

RESULTADOS

Segurança alimentar e nutricional

A preocupação com o preparo dos alunos para atuarem junto à população de baixa renda foi uma das temáticas trazidas pelos docentes através de colocações relativas às condições socio-econômicas da população ou de pacientes hospitalizados, referidas em geral como "questões sociais". Evidencia-se uma dificuldade dos docentes de estabelecerem limites para as possibilidades de atuação técnica frente à situação econômica da população de baixa renda. Existe a expectativa de que os alunos sejam ensinados a orientar pacientes empregando "recursos alternativos: "farelo de arroz, casca de ovos...", e que sejam capacitados a "comunicar de forma clara, objetiva e principalmente exeqüível, uma forma adequada desse povo pobre se alimentar". Existe ainda a expectativa de que os alunos desenvolvam "com segurança" a orientação alimentar para diferentes grupos etários "de acordo com as situações sociais", ou de que os alunos procurem "aconselhar os pacientes de baixo poder aquisitivo, as possibilidades para adquirir alimentos que levem a uma dieta equilibrada diante de dificuldades financeiras."

Evidencia-se a necessidade de colocar estas questões dentro de um âmbito maior, qual seja o da segurança alimentar como direito humano fundamental, clareando o fato de que não compete ao profissional de saúde encontrar formas para que famílias cuja renda se encontra abaixo da linha de pobreza possam alimentar-se adequadamente. Tal expectativa de fato existe, de acordo com a manifestação de que o aluno deve "saber oferecer alternativas do tipo de alimento a ser substituído pelos pacientes com baixa ou nenhuma renda familiar". Constatou-se expectativas em relação ao ensino do uso de alimentos não convencionais, o que até suscitou a realização de uma reunião interdisciplinar com a área materno-infantil, logo após a primeira coleta de dados, para debater especificamente essa questão, de natureza indiscutivelmente polêmica, por envolver aspectos de natureza ética. A respeito do uso de alimentos não convencionais, a autora concorda com Amaya-Farfan (1998), que diz:

"a forma muitas vezes desvirtuada em que podem ser executados os programas de intervenção alimentar ou nutricional, no mundo inteiro, mais do que justificaria a necessidade de expressar e por em prática alguns princípios básicos que impeçam a primazia de interesses políticos corporativistas ou pessoais, sobre o direito da população a uma alimentação palatável, completa, sadia e sem violação dos direitos à saúde, educação integral, livre escolha e privacidade".

Segurança alimentar é um conceito que surgiu na Europa, no começo do século XX, associado ao conceito de segurança nacional e à capacidade de cada país em produzir sua própria alimentação de forma a não ficar vulnerável a possíveis cercos, embargos ou boicotes de motivação política ou militar. Na década de 40, frente à ameaça de privação alimentar causada pela guerra, ele volta a ser discutido por ocasião da criação da Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) da Organização das Nações Unidas (ONU). Embora o resgate da evolução e ampliação do conceito de segurança alimentar ao longo do século XX transcenda os objetivos do presente trabalho, é relevante mencionar que as primeiras referências documentais ao conceito no Brasil, surgiram no Ministério da Agricultura, no final de 1985. Em 1993 foi criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar integrado por 8 ministros e 21 representantes da sociedade civil e vinculado diretamente à Presidência da República, e em 1994, foi realizada a I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição que definiu diretrizes e prioridades para a questão da fome e da carência alimentar (Valente, 1997).

Basicamente a segurança alimentar refere-se ao acesso físico e econômico a alimentos adequados e necessários para levar uma vida ativa e saudável. Para Galeazzi (1995), haverá segurança alimentar "quando todos os brasileiros tiverem, permanentemente, acesso em quantidade e qualidade aos alimentos requeridos e às condições de vida e de saúde necessárias para a saudável reprodução do organismo humano e para uma existência digna". Para Valente (1997), a segurança alimentar e nutricional

"consiste em garantir a todos condições de acesso a alimentos básicos seguros e de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim para uma existência digna em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana".

A formação de um profissional de saúde não pode prescindir de uma visão ampla e crítica de um problema tão grave como o da insegurança alimentar, representado pela fome e pelas carências nutricionais que comprometem a qualidade de vida e a saúde. A discussão, no curso de graduação em Enfermagem, do conceito de segurança alimentar, da grave condição de insegurança alimentar em que se encontra um quinto da população brasileira e do contexto gerador dos grandes problemas de nutrição existentes no Brasil - desnutrição energético-protéica, anemia ferropriva, hipovitaminose A, bócio endêmico - e ainda problemas decorrentes da hiperalimentação, inerentes ao fenômeno da transição nutricional pelo qual o país esta passando (Monteiro et al., 2000), é fundamental à compreensão do processo saúde-doença na perspectiva coletiva. É preciso que os alunos se conscientizem do fato de que o não fornecimento de alimentação suficiente, saudável e palatável não pode ser jamais aceita sob a alegação de "falta de recursos", uma vez que se trata da violação de um direito humano fundamental garantido no artigo 25º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Qualidade de vida

Expectativas relacionadas à qualidade da alimentação de indivíduos sadios foram manifestadas como "importância da alimentação na vida das pessoas", "alimentação nas várias fases do ciclo vital", ou mais explicitamente relacionada à questão da qualidade de vida: "vejo também um espaço que está começando a ser ocupado pelos nutricionistas (...) no que se refere à discussão sobre qualidade de vida, estando aí inclusive aspectos nutricionais, numa perspectiva mais abrangente, do homem enquanto sujeito de sua vida". A qualidade da alimentação em termos nutricionais, higiênicos e culturais constitui, efetivamente, um dos fatores inerentes à qualidade de vida. Este pensamento representa um avanço pois, tradicionalmente, nos cursos de Enfermagem, as questões nutricionais, foram priorizadas em função da terapia - dieto-terapia - e menos voltadas à promoção da saúde.

Problema alimentar

Os docentes manifestaram a necessidade do futuro enfermeiro ser capacitado a "levantar, junto ao paciente, problemas relacionados à dieta" ou a perceber e compreender os "problemas alimentares". Essa demanda fica muito evidente no acompanhamento de pacientes portadores de doenças crônicas não transmissíveis, que necessitam mudar hábitos alimentares e estilo de vida.

Problema alimentar não é uma terminologia de consenso, mas já foi empregada por nós anteriormente (Boog & Magrini, 1999), para referir hábitos alimentares inadequados, hipóteses relativas a possíveis hábitos alimentares inadequados levantados a partir de dados clínicos, bioquímicos ou antropométricos, práticas alimentares de seleção, compra, preparo, armazenamento ou consumo que podem ser prejudiciais ao organismo, bem como qualquer questão de caráter subjetivo, que possa gerar dúvida, ansiedade, insegurança às pessoas, relativa a efeitos dos alimentos ou nutrientes sobre o organismo, aventados ou efetivamente percebidos como sinais ou sintomas.

Na prática, esta questão se mescla muito com a questão da qualidade de vida, pois aquele docente que trabalha com idosos espera que se ensine não só como deve ser a alimentação do idoso, mas como prevenir problemas e como lidar com os problemas alimentares inerentes a essa fase da vida, ainda que não haja patologia envolvida e nem problema relativo à dieta propriamente dita.

Processo de cuidado nutricional

Para alguns docentes, o cuidado nutricional ao paciente hospitalizado ainda constitui a grande demanda para o aluno de enfermagem, como pode ser constatado na declaração seguinte:

"As ações do enfermeiro relacionadas ao campo da nutrição, infelizmente, na maioria das vezes são, pode-se dizer, 'vazias de conteúdo'. Ou seja, acho que, eficazmente, acabamos atuando pouco. No desempenho de minhas atividades enquanto enfermeira, procuro levantar (de fato!!) como o paciente vem se alimentando, principalmente durante o período que se encontra sob meus cuidados: qual o tipo de alimento, quantidades, preferências, se não está se alimentando bem, o motivo. Detectado o problema, procuro entrar em contato com a DND, para que possa ser providenciada a dieta mais adequada. Também de acordo com sinais/sintomas, procuro chegar a um acordo com a DND (dieta constipante, se diarréia, com fibras, na constipação, dieta hiperprotéica e hipercalórica nos casos de catabolismo acentuado)".

O risco de desnutrição também aparece como objeto de preocupação: "Nos preocupamos com a nossa impotência diante das pacientes oncológicas que são inapetentes". Por outro lado, há docentes que têm posição diferente: "Quando encontro alguma dificuldade, peço para falar com a nutricionista do andar e, assim, nunca me preocupei com ações específicas".

Perguntados se nos estágios são propostas ou apenas esperadas ações relacionadas à nutrição, 12 docentes responderam que esperam, seis que propõem, quatro que esperam mas também propõem e oito nem propõem e nem esperam, não incorporando portanto, pelo menos rotineiramente, nenhuma questão de nutrição à sua supervisão de estágio. Foi manifestada ainda, por um docente, a preocupação com a orientação de alta que também faz parte do processo de cuidado nutricional. O processo de cuidado nutricional consiste no conjunto de medidas a serem tomadas a fim de prover, ao paciente, alimentação e/ou nutrição com finalidade terapêutica, que garanta o fornecimento adequado de nutrientes, previna a desnutrição e contribua para o controle do processo patológico e recuperação da saúde proporcionando, ao mesmo tempo, o maior grau possível de satisfação sensorial e psicológica. O processo de cuidado nutricional envolve quatro etapas: diagnóstico nutricional, no qual são avaliadas as condições nutricionais do paciente e identificadas necessidades de intervenções, planejamento das intervenções, implementação das intervenções e avaliação de resultados.

Papel profissional e interdisciplinaridade

Quando perguntados sobre as suas ações em relação à alimentação e nutrição dos pacientes, observa-se três tipos de condutas. Uma que remete para uma visão do processo de cuidado nutricional centrada no trabalho do próprio enfermeiro, uma que identifica um limite de atuação sem contudo remeter o problema a outro profissional e, a terceira, claramente voltada à interdisciplinaridade.

Exemplos da primeira são aqueles em que os enfermeiros relatam as suas atividades em relação a nutrição, informando diretamente as ações executadas: "oriento em relação à dieta rica em cálcio, potássio, ferro e fibras"; "alimentação da criança sadia (...), portadora de doenças, alimentos indicados para crianças diabéticas, educação alimentar para a criança e familiares, (...) aceitação, orientação sobre plantio de verduras e legumes, adaptação da alimentação (...), orientação sobre hábitos alimentares." Os próximos dois exemplos também ilustram esse modo de pensar a atuação do enfermeiro totalmente responsável pela orientação nutricional: "Na saúde da criança, aleitamento materno, alimentação no primeiro ano de vida, alimentação no segundo ano de vida, do pré-escolar. Na saúde do adulto, cuidados na saúde do hipertenso, diabético, idoso. Na saúde da mulher: alimentação da gestante e da nutriz."; "Orientação nutricional à gestante, à criança, aleitamento materno, aleitamento misto e artificial, introdução de alimentos sólidos ao portador de doenças crônicas, principalmente hipertensão arterial e diabetes e saúde bucal". O próximo depoimento exemplifica a segunda forma do enfermeiro perceber o seu papel, identificando limites de atuação ao referir que sente necessidade, mas efetivamente não faz: "...orientações mais precisas aos pacientes amputados, com diabetes, hipertensão, obesos. A maior dificuldade é ter domínio de conhecimento sobre nutrição e dietética nas diferentes doenças, uma vez que extrapola a nossa formação profissional." Na terceira posição encontram-se aqueles enfermeiros que não só identificam o limite de sua atuação como ainda manifestam seu interesse em trazer o nutricionista para dentro da equipe de saúde, reivindicando "a participação efetiva de uma nutricionista nos grupos educativos realizados no Centro de Saúde" ou apontando que "seria interessante se pudéssemos contar com uma nutricionista para orientação alimentar dos pacientes".

Os docentes manifestaram a necessidade de interagir com os nutricionistas na clínica, através de colocações como "Se houvesse um trabalho mais integrado entre enfermagem e nutrição no dia-a-dia, as ações de enfermagem nesse aspecto seriam otimizadas." Uma professora referiu "incentivar o aluno a desenvolver um vínculo com a nutricionista" e procurar discutir com ela a situação do paciente, embora esta prática fique sujeita ao momento em que "a nutricionista aparece na unidade", expressão essa que indica que essa presença não é rotineira. Nesse mesmo sentido, outros referiram como obstáculo ao bom atendimento a "não disponibilidade de nutricionista para atender a demanda de todo o hospital" e a "carência de recursos humanos". Um dos sujeitos foi mais além, sugerindo etapas no trabalho interdisciplinar: "Se o número de nutricionistas fosse maior, o enfermeiro e o nutricionista poderiam discutir os casos mais difíceis, propor soluções em conjunto, experimentá-las, e também orientar adequadamente os pacientes na alta hospitalar". Em relação a essa última posição, um docente, concordando com ela, em contrapartida, afirma: "Acho utópico ter um nutricionista, mas reconheço a sua importância". A necessidade da presença do nutricionista nas enfermarias é percebida pelos docentes: "A nutricionista precisa estar mais presente nos setores ou no caso da pediatria para conhecer estas crianças e verificar suas necessidades, na tentativa de procurar atendê-las ou ajudá-las na sua satisfação alimentar". Outra docente manifesta sua percepção da contribuição que o nutricionista pode dar, estando presente nas enfermarias, para "avaliar as necessidades nutricionais dos pacientes, intervir para satisfazer essas necessidades nutricionais, identificar e indicar dietas terapêuticas".

Conteúdos

Quando solicitados a expressar suas expectativas a respeito de conteúdos a serem ministrados, os docentes colocaram temas muito variados. A apuração permitiu agrupá-los em cinco grupos, conforme a classificação que se segue:

a) temas relacionados à dietética: valor nutritivo dos alimentos; necessidades nutricionais do indivíduo sadio nas várias fases do ciclo vital; aleitamento materno; alimentação equilibrada; alimentação alternativa.

b) temas relacionados aos aspectos sociais e culturais da alimentação: hábito alimentar; marketing;

c) temas relacionados à dietoterapia: nutrição em cirurgia, nutrição enteral; nutrição parenteral; dietas especiais;

d) temas relacionados à nutrição em saúde pública: situação nutricional da população brasileira; carências nutricionais; política econômica;

e) outros: fisiologia da digestão; organização do Serviço de Nutrição e Dietética e da Cozinha Dietética; higiene de alimentos; educação nutricional; avaliação nutricional; noções de culinária.

Em relação a dietas especiais para doenças, foram explicitamente citadas as seguintes: Diabetes melitus, doença renal crônica, anemia, desnutrição calórico-protéica, obesidade, anorexia nervosa, hipertensão arterial, nefropatias, hepatopatias, diarréias, AIDS, dislipidemias.

DISCUSSÃO

A inserção de uma disciplina em determinado curso exige que se tome decisões relativas aos objetivos, conteúdos, cargas horárias, momento de ministrá-la e estratégias de ensino.

No caso da disciplina em pauta, a definição de objetivos gerais e específicos deveria contemplar a percepção dos docentes enfermeiros sobre o contexto em que o conhecimento será aplicado, e também a percepção do docente da disciplina Nutrição, sobre a adequação dos conteúdos solicitados, tendo em vista o uso que a sociedade e as instituições fazem da ciência da Nutrição e dos conteúdos ensinados nessa disciplina. Sobretudo é necessário estimular o aluno para o exercício da dúvida, para a produção do conhecimento novo, não criando nele a ilusão de que conhecer nutrição significa "conhecer as dietas" ou "ter segurança para fazer uma orientação", segurança esta que pode até ser mais decorrente da ignorância sobre a multiplicidade de fatores envolvidos no comportamento alimentar, do que de fato de um conhecimento sólido de nutrição, uma vez que este conhecimento técnico, por si só, não garante a competência para desenvolver atividades educativas. Como diz Freire (1998),

"ensinar, aprender e pesquisar, lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente".

Frente à diversidade de conteúdos solicitados pelos docentes, que vão desde questões amplas, de cunho sócio-político, como é o caso da política alimentar, até as mais especializadas como suporte nutricional, exige, em primeiro lugar, que a disciplina não seja ministrada em um único momento. Parece imprescindível que ela seja ministrada ao longo do curso, de forma a permitir a abordagem dos diversos temas em momentos oportunos, de acordo com a evolução do aluno e com as experiências que ele já vivenciou ou está vivenciando nas atividades práticas.

As cargas horárias constituem uma questão importante e, porque não dizer também, polêmica. As disciplinas da área de Nutrição têm, em geral, cargas horárias muito pequenas, o que faz com que cada tema seja abordado em apenas uma aula, e geralmente no início do curso. A esse respeito se posicionaram também Romo & Olivares (1983), dizendo que pelo fato da disciplina estar incluída nos primeiros anos da carreira, os futuros profissionais não têm ainda clara visão da importância da Nutrição em seu papel profissional e, na realidade, cada um dos temas é tratado em apenas uma aula, o que pode limitar sua análise e internalização. Estes autores sugerem ainda que seria recomendável incorporar, como parte do currículo, outros conteúdos de Nutrição nos níveis superiores, quer seja mediante uma nova disciplina, ou em forma de conteúdos complementares em disciplinas afins.

As estratégias de ensino precisam ainda propiciar o desenvolvimento no aluno da predisposição favorável ao trabalho interdisciplinar, uma vez que o enfermeiro exerce um papel muito importante na implementação do cuidado nutricional ao paciente hospitalizado. Entretanto, ele tem aí uma participação pontual, uma vez que as outras etapas desse processo são de responsabilidade dos Serviços de Nutrição e Dietética e dos nutricionistas, com os quais ele deve interagir continuamente. Mas essas postura, aberta à interdisciplinaridade, é importante também em outros campos, como em Saúde Pública e em Enfermagem do Trabalho, pois os enfermeiros que trabalham em empresas podem desenvolver atividades em conjunto com as Unidades de Alimentação e Nutrição dessas empresas.

As respostas dos docentes apontam para o fato de que pairam dúvidas quanto aos papéis, funções, limites e responsabilidades das enfermeiras em relação às atividades do campo da nutrição. Ainda que se procure explicitar melhor esta questão no ensino, a experiência do cotidiano, vivenciada nos hospitais, pode influenciar de forma contrária a fomação de conceitos no aluno. As considerações de Berger & Luckmann (1985), a respeito da predominância da influência das experiências da vida cotidiana sobre a formação da consciência, contribuem para a compreensão do que vem ocorrendo na formação dos graduandos em enfermagem:

"Entre as múltiplas realidades, há uma que se apresenta como sendo a realidade por excelência. É a realidade da vida cotidiana. Sua posição privilegiada autoriza a dar-lhe a designação de realidade predominante. A tensão da consciência chega ao máximo na vida cotidiana, isto é, esta última impõe-se à consciência, de maneira mais maciça, urgente e intensa. É impossível ignorar e mesmo é difícil diminuir sua presença imperiosa. Conseqüentemente, força-me a ser atento a ela de maneira mais completa. Experimento a vida cotidiana no estado de total vigília. Este estado de total vigília de existir na realidade da vida cotidiana e de apreendê-la é considerado por mim normal e evidente, isto é, constitui a minha atitude natural".

A ausência quase absoluta do nutricionista na Rede Básica de Saúde do município de Campinas é considerada "natural" pelas enfermeiras, o que em parte pode explicar a forma como as atividades de educação nutricional são referidas como função do serviço de enfermagem. Questões dessa ordem devem ser analisadas de vários ângulos. A Lei Federal 8234/91, que regulamenta a profissão de nutricionista, prevê, no inciso VII do artigo 3º, que dispõe sobre as atividades privativas do nutricionista, aquelas referentes à assistência e educação nutricional (Brasil..., 1991). Estudos já mostraram, porém, que o nutricionista é identificado por outros profissionais de saúde, como um administrador de serviços e não como um profissional que visita os pacientes internados nas enfermarias, atende em consultório, desenvolve ações educativas com grupos, enfim, como um profissional que efetivamente integra a equipe de saúde (Boog, 1999b). As experiências práticas reforçam essa idéia, pois os alunos de Enfermagem quase não encontram nutricionistas trabalhando na Rede Básica de Saúde e, no hospital onde estagiam, há nutricionistas em número insuficiente. Tem-se procurado amenizar este problema promovendo visitas em outras instituições que possuem um modelo diferente de prestação de cuidado nutricional.

Na reforma curricular do curso em pauta, procurou-se organizar as disciplinas de forma que o aluno tenha contato com a prática desde o início do curso, partindo de atividades, na assistência, de menor para maior complexidade, iniciando as intervenções junto a indivíduos sadios na comunidade, passando em seguida aos serviços de saúde de nível básico, ambulatórios e finalmente de nível hospitalar. Os conteúdos de Nutrição foram distribuídos obedecendo a essa lógica, em quatro momentos, sendo um módulo de 15 horas na disciplina EN 112 - Enfermagem em Saúde Coletiva I, no primeiro semestre, e mais três disciplinas de 30, 15 e 15 horas, respectivamente no 2º , 4º e 5º semestres do curso. É interessante ressaltar ainda que a experiência anterior de ministração da disciplina em diferentes semestres e não de uma só vez, já havia sido avaliada positivamente. Optou-se por manter essa prática no novo currículo não só em função dos resultados da pesquisa, mas com base na própria experiência.

a) a disciplina EN 112: Enfermagem em Saúde Coletiva I tem a seguinte ementa: "Promover a integração do estudante à vida universitária, ao contexto particular de formação profissional e à prática de enfermagem. Saúde-doença como expressão das condições concretas de existência. Introdução ao estudo e aplicação de métodos de apreensão do processo saúde-doença mediante a identificação, análise e discussão das condições sociais, econômicas, políticas e culturais de sua produção. Planejamento, desenvolvimento e avaliação de inquérito de saúde e construção do perfil demográfico e epidemiológico de uma dada população". Essa disciplina tem por objetivo desenvolver um conteúdo que permita ao aluno entender o processo saúde-doença na perspectiva coletiva e apreender noções introdutórias de investigação em saúde coletiva. A esssa disciplina foi incorporada a discussão sobre segurança alimentar e nutricional. Essa é uma disciplina teórico-prática, na qual, os alunos vão a campo para realizar um inquérito de saúde e nesse inquérito são incluídas algumas questões relativas a consumo alimentar.

b) a disciplina EN 241: Nutrição e Dietética no Ciclo Vital foi criada com a seguinte ementa: "Estudo da alimentação normal do lactente, pré-escolar, adolescente, adulto, gestante, lactante e idoso, de forma a instrumentalizar o aluno para desenvolver ações relativas ao processo de cuidado nutricional inerentes à prática de enfermagem." Tem por objetivo geral levar o aluno a compreender o papel da nutrição na promoção da saúde, prevenção de doenças e recuperação da saúde, preparando-o para aplicar conhecimentos básicos de nutrição e dietética no exercício de suas funções, considerando a situação nutricional da população brasileira. A essa vem sendo mais diretamente incorporado um conteúdo que relaciona alimentação e qualidade de vida.

c) a disciplina EN 441: Nutrição e Dietética Aplicadas ao Processo de Cuidado Nutricional I foi criada com a seguinte ementa: "Estudo da nutrição, dietética e dietoterapia aplicadas ao processo de cuidado nutricional em sua interface com a prestação de assistência de enfermagem ao cliente em nível ambulatorial". Tem por objetivo oferecer subsídios para abordagem de aspectos relacionados à alimentação junto a usuários de serviços de saúde, de ambulatórios e junto a grupos institucionalizados. A essa disciplina foi incorporada a discussão sobre os problemas alimentares vivenciados pelos pacientes portadores das doenças crônicas como hipertensão, diabetes, obesidade e dislipidemias, entre outras.

d) a disciplina EN 542: Nutrição e Dietética Aplicada ao Processo de Cuidado Nutricional II foi criada com a seguinte ementa: "Estudo da nutrição, dietética e dietoterapia aplicada ao processo de cuidado nutricional, em sua interface com a prestação de assistência de enfermagem, ao cliente em nível hospitalar." Tem por objetivo "Instrumentalizar o aluno para atuar no processo de cuidado nutricional ao paciente hospitalizado interagindo em equipe multidisciplinar. Como ficou explicitado na ementa e no objetivo, a essa disciplina foi incorporado, desde a reforma curricular, o conteúdo relativo a processo de cuidado nutricional.

Considerou-se que essa distribuição contemplaria uma visão de diferentes temas, ainda que de forma superficial. Essa distribuição não impede, contudo, que temas mais específicos sejam ministrados em outros momentos ou abordados no decorrer dos estágios, em função dos casos que surgem: Por exemplo, anorexia nervosa, quando o aluno está desenvolvendo atividades práticas na clínica psiquiátrica, ou fenilcetonúria quando ele passa na clínica pediátrica, ou conduta dietética para portadores de doença de Chron, ostomias e outros casos. A partir dos conhecimentos básicos obtidos na disciplina específica o aluno pode estudar sozinho o tema nos livros de dietoterapia, procurar o nutricionista responsável pela clínica ou ainda pode-se convidar um nutricionista especializado naquela patologia para ministrar uma palestra sobre um tema específico.

Por fim, não se pode deixar de ressaltar que ao ensinar Nutrição em um curso de Enfermagem, fica evidente a necessidade de contemplar a questão da interdisciplinaridade, uma vez que a aplicação prática dos conteúdos envolve profissionais com diferentes formações. As considerações de Fazenda (1994) transcritas abaixo, reforçam a necessidade dessa interlocução:

"A polêmica sobre as comparações entre disciplina e interdisciplina nos conduz a uma nova forma de acesso ao real, de inteligibilidade, em que as noções de parte e de todo adquirem distinta abordagem. Essa nova abordagem é possibilitada ao submetê-la a um tratamento eminentemente pragmático, e que a ação passa a ser o ponto de convergência e partida entre o fazer e o pensar da interdisciplinaridade".

Encontrar e cultivar um espaço junto a uma outra área requer do profissional persistência, paciência, disposição para a interlocução, humildade para reconhecer os próprios limites, auto-confiança e ousadia para promover avanços. Não se constrói um trabalho interdisciplinar simplesmente somando contribuição de profissionais. A construção de um trabalho interdisciplinar requer parceria. Segundo Fazenda (1994),

"A parceria, portanto, pode constituir-se em fundamento de uma proposta interdisciplinar, se considerarmos que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma racional. A parceria consiste numa tentativa de incitar o diálogo com outras formas de conhecimento a que não estamos habituados, e nessa tentativa a possibilidade de interpenetração delas".

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

A formação de um aluno capaz de intervir na realidade requer obviamente mais do que o ensino de conteúdos técnicos, motivo pelo qual as conclusões que se seguem reportam-se a objetivos mais amplos que devem nortear o ensino:

a) A disciplina Nutrição deve ser voltada, antes de mais nada, à conscientização do aluno em relação ao fato de que a alimentação saudável, adequada e agradável ao paladar, constitui, antes de tudo, um direito humano fundamental.

b) A disciplina deve ter um conteúdo voltado à promoção da saúde e da qualidade de vida.

c) O docente deve envidar esforços no sentido dos alunos desenvolverem uma atitude favorável às relações interdisciplinares, considerando que o cuidado nutricional de boa qualidade é fruto de um trabalho em equipe, no qual o nutricionista deve ter papel preponderante, mas também inclui o enfermeiro, o médico, o farmacêutico, o psicólogo, o terapeuta ocupacional.

d) É necessário que os futuros enfermeiros tenham noções sobre a relação desejável nutricionistas/leito segundo os diversos graus de complexidade no atendimento, afim de que possam fazer avaliações corretas e justas das possibilidades reais de atendimento individual dos pacientes, nas enfermarias, pelos nutricionistas do hospital, e apoiar as reivindicações dos Serviços de Nutrição e Dietética, não considerando o aumento do quadro da nutrição como uma disputa por espaço, mas como uma perspectiva de aprimoramento da assistência ao paciente que é o objetivo último do trabalho de todos.

e) Os papéis a serem desempenhados pelos vários profissionais não estão bem definidos a não ser em relação à nutrição enteral e parenteral que já foram definidos nas portarias 272/98 e 337/99 da Agência de Vigilância Sanitária (Brasil..., 1999a; Brasil..., 1999b). Percebe-se a necessidade de pesquisas nessa área, que contribuam para esclarecer melhor as responsabilidades dos vários membros da equipe e as razões pelas quais os pacientes se desnutrem mesmo em presença de recursos para que tal não ocorra.

f) Há necessidade de desenvolver pesquisas também visando ao aprimoramento do ensino de nutrição, para que este seja efetivamente bem sucedido no sentido de desenvolver no aluno a competência para atuar tecnicamente, sem perder a visão crítica, totalizadora e contextualizadora.

g) Sobretudo, é imprescindível manter e aprimorar o ensino de nutrição nos cursos de enfermagem.

AGRADECIMENTO

A todos os professores e professoras que gentilmente responderam ao questionário, meu sincero agradecimento pela colaboração prestada.

Recebido para publicação em 4 de setembro de 2000 e aceito em 15 de junho de 2001.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jun 2002
    • Data do Fascículo
      Jan 2002

    Histórico

    • Recebido
      04 Set 2000
    • Aceito
      15 Jun 2001
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