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Paternidade e configurações vinculares nos transtornos alimentares à luz da psicanálise vincular1 1 Texto baseado na Dissertação de Mestrado intitulada “Paternidade, parentalidade etransmissão psíquica entre gerações: a relação pai-filha nos transtornos alimentares”, de Michel da Matta Simões, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de SãoPaulo, campus Ribeiro Preto, SP, no ano de 2022.

Parenthood and linking configurations in eating disorders in the light of linking psychoanalysis

Parentalité et configurations d’attachement dans les troubles alimentaires à la lumière de la psychanalyse des liens

La paternidad y las configuraciones de apego en los trastornos alimentarios a la luz del psicoanálisis del apego

Resumos

Ao contrário do vínculo mãe-filha(o), a relação pai-filha(o) tem recebido pouca atenção nos Transtornos Alimentares (TAs). Este estudo com desenho clínico-qualitativo objetivou compreender como pais de jovens com TAs vi,0 realizadas entrevistas semidirigidas com cinco pais cujas(os) filhas(os) estavam em tratamento. Os resultados foram analisados a partir da Análise de Conteúdo Clínico-Qualitativa e da Psicanálise das Configurações Vinculares. A relação pai-filha foi marcada por proximidade afetiva na infância, embora com pouco envolvimento com as tarefas de cuidado. O distanciamento afetivo, a partir do período pubertário da(o) filha(o), contribuiu para fragilizar o vínculo paterno. Os resultados fornecem subsídios para a inclusão dos pais no tratamento.

Palavras-chave
Distúrbios do ato de comer; relações pai-criança; parenta-lidade; psicanálise das configurações vinculares


Unlike the mother-daughter bond, the father-daughter relationship has received little attention in eating disorders (ED). This study with clinical-qualitative method aimed to understand how parents of young people with ED experienced the bonds with their parental figures during childhood/adolescence and, later, with their wives and daughters. Semi-structured interviews were conducted with five parents whose daughters were in treatment. The results were analyzed using the Clinical-Qualitative Content Analysis and the Psychoanalysis of Linking Configurations. The father-daughter relationship was marked by affective closeness in childhood, although with little involvement in caregiving tasks. The affective distancing, starting in the daughter’s pubertal period, contributed to weaken the paternal bond. The results provide subsidies for the inclusion of fathers in the treatment.

Key words:
Eating disorders; father-child relations; parenting; psychoanalysis of linking configurations


Contrairement au lien mère-fille, la relation père-fille a reçu peu d’attention dans le domaine des troubles alimentaires (TA). Cette étude avec la méthode clinico-qualitative visait à comprendre comment les parents de jeunes atteints de troubles de l’élocution ont vécu les liens avec leurs figures parentales pendant l’enfance / adolescence et, plus tard, avec leurs épouses et leurs filles. Des entretiens semi-structurés ont été menés avec cinq parents dont les filles étaient en traitement. Les résultats ont été analysés sur la base de l’analyse de contenu clinico-quanitative et de la psychanalyse des configurations d’attachement. La relation père-fille était marquée par une proximité affective dans l’enfance, mais avec une faible implication dans les tâches de soins. La distanciation affective, dès la période de puberté de la fille, a contribué à affaiblir le lien paternel.

Mots-clés:
Troubles des conduites alimentaires; relations père-enfant; parentalité; psychanalyse des configurations de liens


La relación padre-hija ha recibido poca atención en los trastornos alimentarios (TAs). Este estudio, con un diseño clínico-cualitativo, pretendía comprender cómo los padres de jóvenes con TAs experimentaban los vínculos con sus figuras parentales durante la infancia/adolescencia y, posteriormente, con sus esposas e hijas. Se realizaron entrevistas semiestructuradas a cinco padres cuyas hijas estaban en tratamiento. Los resultados se analizaron a partir del Análisis de Contenido Clínico-Cualitativo y del Psicoanálisis de las Configuraciones de Apego. La relación padre-hija estuvo marcada por la cercanía afectiva en la infancia, aunque con poca implicación en las tareas de cuidado. El distanciamiento afectivo, a partir del período de pubertad de la hija, contribuyó a debilitar el vínculo paterno. Los resultados proporcionan subsidios para la inclusión de los padres en el tratamiento.

Palabras-clave
Trastornos de la ingestión de alimentos; relaciones padre-niño; paternidad; psicoanálisis de las configuraciones vinculares


Introdução

Transtornos Alimentares (TAs) agrupam categorias diagnósticas que configuram um problema crítico de saúde, com o qual convivem muitas famílias de adolescentes e jovens adultos. Os sintomas geram preocupação nos pais por causarem perturbações no funcionamento pessoal e familiar do indivíduo acometido, acarretando graves prejuízos no processo de desenvolvimento (Valdanha, Scorsolini-Comin & Santos, 2013Valdanha, E. D., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2013). Anorexia nervosa e transmissão psíquica transgeracional. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 16(1), 71-88. https://doi.org/10.1590/S1415-47142013000100006
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).

Os TAs se caracterizam por medo mórbido de estar acima do peso, ainda que haja evidências de que a pessoa acometida encontra-se dentro ou até abaixo da média esperada para as suas características físicas (Souza, Valdanha-Ornelas, Santos & Pessa, 2019Souza, A. P. L., Valdanha-Ornelas, É. D., Santos, M. A., & Pessa, R. P. (2019). Significados do abandono do tratamento para pacientes com transtornos alimentares. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, e188749. https://doi.org/10.1590/1982-3703003188749
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). Os dois transtornos mais conhecidos são: Anorexia Nervosa (AN) e Bulimia Nervosa (BN) (Leonidas & Santos, 2017Leonidas, C., & Santos, M. A. (2017). Emotional meanings assigned to eating disorders: Narratives of women with anorexia and bulimia nervosa. Universitas Psychologica, 16(4), 189-201. https://doi.org/10.11144/javeriana.upsy16-4.emae
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). Os critérios diagnósticos descritos pelo DSM-5 (American Psychiatric Association - APA, 2014American Psychiatric Association [APA]. (2014). DSM: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (5ª ed.). Artmed.) para TAs destacam aspectos objetivos e características do funcionamento comportamental do indivíduo, no entanto sem abordar elementos dinâmicos e desconsiderando outras dimensões da etiologia multifatorial, que não se restringem a aspectos unidimensionais.

Nesse sentido, uma visão dinâmica dos vínculos e de seu papel na produção do sofrimento que acompanha esses quadros psicopatológicos pode ter valor significativo, contribuindo para incrementar a sensibilidade dos profissionais de saúde e a precocidade do diagnóstico (Alckmin-Carvalho at al., 2016Alckmin-Carvalho, F., Santos, D. R., El Rafihi-Ferreira, R., & Soares, M. R. Z. (2016). Análise da evolução dos critérios diagnósticos da anorexia nervosa. Avaliação Psicológica, 15(2), 265-274. https://doi.org/10.15689/ap.2016.1502.15
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; Ynomoto et al., 2022Ynomoto, D. I. S., Oliveira-Cardoso, E. A., Valdanha-Ornelas, E. D., Pessa, R. P., Leonidas, C., & Santos, M. A. (2022). Escolha da profissão e da especialidade por médicos de um serviço de transtornos alimentares. Interação em Psicologia, 26(1), 99-110. http://dx.doi.org/10.5380/riep.v26i1.78746
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). Para tanto, são necessários estudos que possibilitem ampliar o entendimento dos TAs, indo além da dinâmica individual para incluir a configuração intersubjetiva e familiar das pessoas acometidas, de modo a oferecer subsídios ao tratamento (Leonidas & Santos, 2017Leonidas, C., & Santos, M. A. (2017). Emotional meanings assigned to eating disorders: Narratives of women with anorexia and bulimia nervosa. Universitas Psychologica, 16(4), 189-201. https://doi.org/10.11144/javeriana.upsy16-4.emae
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; Santos et al., 2020cSantos, M. A., Valdanha-Ornelas, E. D., Leonidas, C., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020c). Adolescentes intransigentes: Revisitando as psicoterapias no contexto da anorexia e bulimia. In D. M. Amparo, R. A. O. Morais, K. T. Brasil, & E. R. Lazzarini (Orgs.), Adolescência: Psicoterapias e mediações terapêuticas na clínica dos extremos (pp. 51-74). Brasília, DF: TechnoPolitik. https://repositorio.unb.br/handle/10482/43344
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).

Desde as primeiras descrições da AN, no final do século XIX, considera-se que as relações familiares desempenham papel relevante nesses contextos. Ademais, o convívio familiar com um(a) filho(a) com TA é considerado tarefa árdua e desafiadora (Valdanha et al., 2013Valdanha, E. D., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2013). Anorexia nervosa e transmissão psíquica transgeracional. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 16(1), 71-88. https://doi.org/10.1590/S1415-47142013000100006
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). O processo de subjetivação se articula a partir de elementos que resultam da inscrição psíquica dos laços estabelecidos primariamente no espaço vincular familiar. Portanto, é suscetível às suas inconstâncias, irregularidades e inconsistências (Berenstein, 2011Berenstein, I. (2011). Do ser ao fazer. Curso sobre vincularidade (M. Seincman, Trad.). Via Lettera.), sobretudo quando o funcionamento familiar se sustenta na negação dos conflitos e no apagamento das diferenças, como estratégia inconsciente utilizada para inibir a individuação de seus membros.

Para além da maneira singular como se configura a dinâmica das relações familiares em cada núcleo, estudos apontam a influência que o funcionamento familiar parece exercer tanto no desenvolvimento e manutenção dos sintomas de TAs, como na evolução do tratamento e recuperação. A qualidade dos relacionamentos desponta como um ponto crítico nas famílias, constituindo-se ao mesmo tempo como fator de risco e de proteção (Leonidas & Santos, 2017Leonidas, C., & Santos, M. A. (2017). Emotional meanings assigned to eating disorders: Narratives of women with anorexia and bulimia nervosa. Universitas Psychologica, 16(4), 189-201. https://doi.org/10.11144/javeriana.upsy16-4.emae
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; Valdanha et al., 2013Valdanha, E. D., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2013). Anorexia nervosa e transmissão psíquica transgeracional. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 16(1), 71-88. https://doi.org/10.1590/S1415-47142013000100006
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).

Nessa vertente, estudos têm indicado a importância da inclusão e fortalecimento da posição do pai no tratamento da AN e BN, destacando sua potencial contribuição para a reabilitação da filha, bem como sua relevância para o desenvolvimento de recursos e habilidades que favoreçam um ambiente propício para relações mais saudáveis no ambiente familiar (Costa & Santos, 2016Costa, L. R. S., & Santos, M. A. (2016). Cuidado paterno e relações familiares no enfrentamento da anorexia e bulimia. In D. Bartholomeu, J. M. Montiel, A. A. Machado, A. R. Gomes, G. Couto, & V. Cassep-Borges (Orgs.), Relações interpessoais: concepções e contextos de intervenção e avaliação (pp. 253-279). Vetor.; Leonidas & Santos, 2015bLeonidas, C., & Santos, M. A. (2015b). Relacionamentos afetivo-familiares em mulheres com anorexia e bulimia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(2), 181-191. https://doi.org/10.1590/0102-37722015021711181191
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; Santos & Costa-Dalpino, 2019Santos, M. A., & Costa-Dalpino, L. R. D. S. (2019). Relação pai-filha e transtornos alimentares: revisando a produção científica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 35(n.esp), e35nspe3. https://doi.org/10.1590/0102.3772e35nspe3
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; Simões & Santos, 2021Simões, M. M., & Santos, M. A.(2021). Paternity and parenting in the context of eating disorders:An integrative literature review. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 37, e37549. https://doi.org/10.1590/0102.3772e37459.
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).

Até a passagem do século XIX para o século XX, a representação social do pai era pautada nos preceitos da moral cristã e pela herança do sistema patriarcal, no qual a figura paterna era entronizada como senhor absoluto da família. A partir do século XX passou a vigorar o modelo de autoridade paterna que fornece suporte e sustento econômico à família, assegurando sua subsistência material. Somente na década de 1970 começa a emergir com mais nitidez o ideal de paternidade que conhecemos atualmente: um pai mais presente, participativo e próximo da família e dos assuntos domésticos (Gomes & Resende, 2004Gomes, A. J., & Resende V. R. (2004). O pai presente: o desvelar da paternidade em uma família contemporânea. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20(2), 119-125. https://doi.org/10.1590/S0102-37722004000200004
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).

Esse novo ideal transparece na expectativa de um efetivo envolvimento paterno nos cuidados dos filhos e está diretamente relacionado às concepções atuais do papel do homem na família e da articulação de tal função com as representações de masculinidade disponíveis na sociedade contemporânea (Campana & Gomes, 2019Campana, N. T. C., & Gomes, I. C. (2019). A study about the characteristics of the contemporary parental exercise and care network. Estudos de Psicologia, 36, 1-12. https://doi.org/10.1590/1982-0275201936e190028
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; Cherer, Ferrari & Piccinini, 2018Cherer, E. D. Q., Ferrari, A. G., & Piccinini, C. A. (2018). Tornar-se pai: a paternidade como inscrição subjetiva da finitude. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, 1-11. https://doi.org/10.1590/0102.3772e34433
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; Guerrero Nancuante et al., 2020Guerrero Nancuante, C. I., Armstrong Barea, L., González Adonis, F., Bratz, J., & Sandoval Ramírez, M. (2020). Paternidad activa y cuidado en la niñez: reflexiones desde las desigualdades de género y la masculinidad. Enfermería Actual de Costa Rica, 38, 282-291. http://dx.doi.org/10.15517/revenf.v0i38.34163
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).

Tem sido reivindicada maior presença da figura masculina no cuidado, valorizada também como fator de amadurecimento humano do próprio pai e de desenvolvimento de seu senso de paternidade (Matos & Magalhães, 2014Matos, M. G. D., & Magalhães, A. S. (2014). Tornar-se pais: sobre a expectativa de jovens adultos. Pensando Famílias, 18(1), 78-91. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2014000100008&lng=pt&tlng=pt
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). Por outro lado, é preciso considerar que o exercício ativo da paternidade implica a abdicação de certos privilégios da herança patriarcal e a renúncia à liberdade de que outrora o homem desfrutava, tendo inclusive de renunciar à gratificação imediata de determinados desejos, ou pelo menos se abstendo por certo tempo da concretização de alguns planos futuros, o que pode levar a dificuldades em lidar com as exigências de amadurecimento implicadas no processo de tornar-se pai e de assimilar as características de tal função (Matos & Magalhães, 2014Matos, M. G. D., & Magalhães, A. S. (2014). Tornar-se pais: sobre a expectativa de jovens adultos. Pensando Famílias, 18(1), 78-91. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2014000100008&lng=pt&tlng=pt
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). Quando essas condições estão ausentes ou são débeis, o exercício da função paterna pode constituir fonte de sofrimento. O homem que não consegue assimilar adequadamente as especificidades da paternidade pode assumir uma posição defensiva de afastamento de suas funções (Cherer et al., 2018Cherer, E. D. Q., Ferrari, A. G., & Piccinini, C. A. (2018). Tornar-se pai: a paternidade como inscrição subjetiva da finitude. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, 1-11. https://doi.org/10.1590/0102.3772e34433
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).

O conceito de parentalidade diferencia-se da noção de paternidade na medida em que não enfatiza o aspecto biológico e os papéis sociais, mas o processo psíquico e socioafetivo no qual se constrói a vincularidade. A paternidade se dá no plano subjetivo, uma vez que diz respeito a um movimento de assunção a determinado papel, além de estar pautada por uma construção psicossocial e ser baseada nas experiências familiares que o sujeito usufruiu enquanto filho no passado. Já a parentalidade se situa em um plano objetivo, tendo em vista que seu exercício se expressa por meio da ação, ou seja, do ato de cuidar (Cherer et al., 2018Cherer, E. D. Q., Ferrari, A. G., & Piccinini, C. A. (2018). Tornar-se pai: a paternidade como inscrição subjetiva da finitude. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, 1-11. https://doi.org/10.1590/0102.3772e34433
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). Sendo assim, a parentalidade se constrói e se desenvolve em um campo intersubjetivo, que se instaura entre os pais e o(a) filho(a). Esse campo é atravessado por aquilo que a criança desperta nos pais e pelo que os pais evocam na criança.

Não obstante certo corpus teórico e empírico já ter sido estabelecido, é notório que a relação pai-filha tem recebido pouca atenção da produção científica que emerge no cenário dos TAs, em comparação com o vínculo mãe-filha(o), a despeito de se reconhecer a importância da função paterna no desenvolvimento emocional dos filhos (Moura, Santos & Ribeiro, 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. (2015). A constituição do vínculo mãe-filha e sua relação com os transtornos alimentares. Estudos de Psicologia, 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
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; Santos & Costa-Dalpino, 2019Santos, M. A., & Costa-Dalpino, L. R. D. S. (2019). Relação pai-filha e transtornos alimentares: revisando a produção científica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 35(n.esp), e35nspe3. https://doi.org/10.1590/0102.3772e35nspe3
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; Simões & Santos, 2021Simões, M. M., & Santos, M. A.(2021). Paternity and parenting in the context of eating disorders:An integrative literature review. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 37, e37549. https://doi.org/10.1590/0102.3772e37459.
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). Evidências da literatura acumuladas até o momento apontam para inconsistências no exercício da paternidade, sobretudo no que diz respeito às funções de contenção e mediação de conflitos e interdição ao longo do desenvolvimento psicossexual da filha (Geraldo & Lange, 2017Geraldo, R. P. S. R., & Lange, E. S. N. (2017). O declínio da função paterna na anorexia feminina. Subjetividades, 16(2), 34-45. https://doi.org/10.5020/23590777.16.2.34-45
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).

Este estudo se debruça sobre tais elementos a partir do referencial teórico da Psicanálise das Configurações Vinculares - PCV (Benghozi, 2010aBenghozi, P. (2010a). Malhagem, filiação e afiliação. Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor., 2010bBenghozi, P. (2010b). Le scénario genéalogique porte-la-honte. Dialogue, 4(190), 25-40. https://doi.org/10.3917/dia.190.0025
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; Berenstein, 2011Berenstein, I. (2011). Do ser ao fazer. Curso sobre vincularidade (M. Seincman, Trad.). Via Lettera.; Berenstein & Puget, 1997/2007Berenstein, I., & Puget, J. (2007). Lo vincular: clínica y técnica psicoanalítica. Paidós. (Trabalho original publicado em 1997)). O desenvolvimento da PCV (ou Psicanálise Vincular) se dá como expansão da psicanálise clássica, a qual tinha como objeto de estudo e interesse elementos e fenômenos intrapsíquicos (Santos, Ciani & Pillon, 2020aSantos, M. A., Ciani, T. A., & Pillon, S. C. (2020a). Clínica das configurações vinculares: do estabelecimento do vínculo terapêutico às transformações possíveis. Vínculo, 14(2), 45-57. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/vinculo/v14n2/v14n2a07.pdf
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). A PCV enfatiza que a assunção à subjetivação ocorre a partir da construção do espaço da intersubjetividade (Santos at al., 2020b), o que permite pensar o sujeito em sua posição de elo entre gerações e inserido nos vínculos que ele estabelece em sua jornada compartilhada com outros (Eiguer, 1998Eiguer, A. (1998). A transmissão do psiquismo entre gerações: enfoque em terapia familiar psicanalítica (L. H. S. Barbosa, Trad.). Unimarco.; Kaës, 2005Kaës, R. (2005). Espaços psíquicos comuns e partilhados (L. Bouhadoun, Trad.). Casa do Psicólogo.).

O espaço vincular tem estrutura em rede, sendo que a malha dessa rede é constituída pelo entrecruzamento dos laços de filiação e afiliação, que dão origem à disposição dos vínculos (Berenstein & Puget, 1997/2007Berenstein, I., & Puget, J. (2007). Lo vincular: clínica y técnica psicoanalítica. Paidós. (Trabalho original publicado em 1997)). Esses espaços são constituídos pelo conjunto de vínculos que compõem o grupo familiar e que definem o continente que sustenta a vida psíquica de seus membros - o continente genealógico familiar. Segundo Benghozi (2010a)Benghozi, P. (2010a). Malhagem, filiação e afiliação. Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor., tal conjunto é dinâmico e passível de ser malhado, desmalhado e remalhado em função do permanente trabalho de construção, desconstrução e reorganização dos vínculos no decorrer do ciclo de vida familiar.

Nessa perspectiva, a emergência do sintoma anoréxico ou bulímico - que se expressa por meio de uma grave desorganização do comportamento alimentar - pode ser entendida como uma tentativa débil e mal-sucedida de remalhagem dessa rede, que já se encontrava enfraquecida e exposta e, portanto, passível de ser facilmente desmalhada. Para Benghozi (2010a)Benghozi, P. (2010a). Malhagem, filiação e afiliação. Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor., a desmalhagem só se dá porque a rede pressupõe a existência de um espaço bem delimitado, delineado com nitidez quanto às suas fronteiras, de modo que possa haver, posteriormente, a remalhagem dentro desses contornos prévios. Pode-se indagar em que medida os vínculos familiares, em particular entre pais e filhas acometidas por TAs, podem contribuir para a sustentação dos sintomas e/ou para a sua dissolução, colaborando assim para a superação do sofrimento.

Ainda há muitas lacunas e incertezas evidenciadas nos escassos estudos dedicados a investigar a relação pai-filha no contexto dos TAs, em parte devido à escassez de pesquisas que privilegiem a ótica paterna (Costa & Santos, 2016Costa, L. R. S., & Santos, M. A. (2016). Cuidado paterno e relações familiares no enfrentamento da anorexia e bulimia. In D. Bartholomeu, J. M. Montiel, A. A. Machado, A. R. Gomes, G. Couto, & V. Cassep-Borges (Orgs.), Relações interpessoais: concepções e contextos de intervenção e avaliação (pp. 253-279). Vetor.; Santos & Costa-Dalpino, 2019Santos, M. A., & Costa-Dalpino, L. R. D. S. (2019). Relação pai-filha e transtornos alimentares: revisando a produção científica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 35(n.esp), e35nspe3. https://doi.org/10.1590/0102.3772e35nspe3
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; Simões & Santos, 2021Simões, M. M., & Santos, M. A.(2021). Paternity and parenting in the context of eating disorders:An integrative literature review. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 37, e37549. https://doi.org/10.1590/0102.3772e37459.
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). Assim, neste estudo a pergunta de pesquisa foi formulada desta forma: “Quais são os significados que o pai atribui aos vínculos estabelecidos com seus próprios pais no decorrer de seu desenvolvimento e aos vínculos construídos posteriormente com sua parceira íntima e sua/seu filha(o) que sofre de TA?”. Considerando tal problematização, este estudo objetivou compreender como pais de jovens com TAs vivenciaram os vínculos que estabeleceram com suas figuras parentais durante a infância e adolescência e, posteriormente, com suas mulheres e filhas(os).

Método

Estudo exploratório, de corte transversal, utilizando o Método Clínico--Qualitativo (Turato, 2013Turato, E. R. (2013). Tratado de metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas (6ª ed.). Vozes.) e o arcabouço teórico da PCV para interpretação dos resultados. Pesquisas qualitativas no campo da saúde, que utilizam esse arcabouço metodológico, permitem aprofundar a compreensão dos aspectos psicossociais na perspectiva das pessoas envolvidas em tal contexto. Assim, esta investigação se caracteriza como uma pesquisa empírica, de abordagem qualitativa e caráter exploratório, uma vez que busca aprofundar conhecimentos acerca de uma temática ainda pouco conhecida (Fontanella, Ricas & Turato, 2008Fontanella, B. J. B., Ricas, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, 24(1), 17-27. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200800...
).

Participantes

Participaram do estudo pais (genitores masculinos) de adolescentes e jovens adultas(os) com diagnóstico de TAs, inseridos em um serviço ambulatorial de um hospital público universitário considerado referência no tratamento de TAs. A amostra foi obtida por conveniência e fechada por saturação teórica de informações (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008Fontanella, B. J. B., Ricas, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, 24(1), 17-27. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200800...
).

Os participantes foram selecionados a partir dos seguintes critérios de elegibilidade, definidos de acordo com a intencionalidade dos pesquisadores: ter filha(o) diagnosticada(o) com algum tipo de TA, em atendimento regular no serviço; residir com a(o) filha(o) diagnosticada(o); estar em condições físicas e mentais adequadas para conceder a entrevista. Foram definidos como critérios de não inclusão: nunca ter comparecido ao serviço no qual a(o) filha(o) era assistida(o); apresentar suspeita de alterações cognitivas inferidas durante o contato inicial.

A Tabela 1 apresenta as características dos participantes do estudo, bem como de suas filhas. Quatro dos participantes integram uma família do tipo nuclear e intacta, configuração que reflete a composição familiar predominante no serviço, e um dos entrevistados configura uma família do tipo monoparental.

Tabela 1
Caracterização psicossocial dos participantes e respectivas(os) filhas(os), e modalidade da entrevista.

Instrumentos

Formulário de Dados Sociodemográficos: Este instrumento foi desenvolvido pelos pesquisadores para a caracterização sociodemográfica dos participantes.

Roteiro de Entrevista Semiestruturado: Foram conduzidas entrevistas narrativas episódicas (Flick, 2009Flick, U. (2009). Introdução à pesquisa qualitativa (3. ed.; J. E. Costa, Trad.). Artmed.), que exploram a compreensão dos participantes em relação a fatos, episódios e acontecimentos considerados relevantes para o entendimento do fenômeno estudado, a saber: percepções e vivências das relações com os pais na infância e do vínculo pregresso e atual com as filhas. Enquanto articula seus relatos, o entrevistado tinha a possibilidade de construir, descontruir e reconstruir suas concepções, atribuindo significados às suas vivências.

Procedimento de coleta de dados

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição a que os pesquisadores estão vinculados, sob o parecer número 3.854.520 e CAEE 27234719.7.0000.5407. Mediante autorização da coordenação do serviço especializado, foi obtida a lista de pacientes cadastrados e que estavam em acompanhamento regular.

Foram convidados a participar da pesquisa os oito pais cujas(os) filhas(os) estavam em acompanhamento regular no período delimitado para a coleta de dados (fevereiro a julho de 2020). Cinco aceitaram o convite e colaboraram com a pesquisa, formalizando sua anuência por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Duas entrevistas foram realizadas em ambiente online. Nesses casos, a via do TCLE foi enviada por e-mail e devolvida assinada.

O início da coleta de dados se deu antes da deflagração da pandemia de COVID-19, portanto, inicialmente os pais foram contatados presencialmente, enquanto acompanhavam suas filhas nas consultas ambulatoriais ou após sua participação nas reuniões do grupo de apoio aos familiares. A coleta foi realizada de forma individual, em situação face a face, em sala reservada do hospital.

Com o início da pandemia, devido às restrições do distanciamento social, o contato passou a ser mediado por tecnologia de comunicação. O procedimento de coleta foi adaptado para o modo remoto e realizado por meio de videochamada com uso da plataforma google meet. As entrevistas foram audiogravadas mediante consentimento e duraram em média 70 minutos.

Procedimento de análise dos dados

O conteúdo das entrevistas foi transcrito na íntegra e literalmente. O corpus de pesquisa foi submetido a leituras exaustivas por dois juízes, sendo um deles o pesquisador que realizou as entrevistas em campo. Os dados foram organizados em categorias temáticas, de acordo com as recomendações para operacionalização da análise temática reflexiva (Braun & Clarke, 2019Braun, V., & Clarke, V. (2019). Reflecting on reflexive thematic analysis. Qualitative Research in Sport, Exercise and Health, 11(4), 589-597. https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.1628806
https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.16...
).

Os pesquisadores realizaram leituras minuciosas de cada entrevista, de forma independente, codificaram as falas e identificaram temas. Para organizar o material e sistematizar o processo de análise foi utilizado o software QDA Miner Lite (versão 2.0.7). Os juízes discutiram suas listas, cruzando os dados da análise de cada entrevista, observando as convergências e divergências encontradas. Estas foram examinadas, discutidas e avalizadas por consenso ou recorrendo-se a um terceiro avaliador da equipe de pesquisa, elaborando-se então uma lista única com as categorias temáticas.

Posteriormente, os resultados foram discutidos com outros membros do grupo de pesquisa, com o intuito de refinar e validar as categorias temáticas elaboradas, tal como proposto por Yardley (2000)Yardley, L. (2000). Dilemmas in qualitative health research. Psychology and Health, 15(2), 215-228. https://doi.org/10.1080/08870440008400302
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e preconizado pelo Método Clínico-Qualitativo (Turato, 2013Turato, E. R. (2013). Tratado de metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e humanas (6ª ed.). Vozes.). Após o procedimento descrito, os resultados foram sistematizados nas categorias temáticas validadas, sendo interpretados com base no referencial teórico da PCV.

Resultados e discussão

Após repetidas e minuciosas leituras do material obtido nas entrevistas, foram elaboradas duas categorias de análise e suas respectivas subcategorias.

Reverberações das primeiras experiências de vincularidade na constituição subjetiva do pai

Essa categoria foi elaborada a partir dos relatos que se referem à trajetória de vida dos participantes em etapas iniciais de seu desenvolvimento, como infância e adolescência, o que permite compreender algumas marcas da constituição subjetiva dos participantes. A subcategoria Enfrentando dificuldades no começo da vida reflete uma dualidade identificada nas falas. Ao rememorarem sua infância, os pais descrevem o período como uma “fase boa” de suas vidas e da qual guardam memórias agradáveis. No entanto, ao fornecerem mais detalhes das experiências iniciais, descreveram diversas situações de dificuldades e privações por que passaram, que não se limitaram a questões de ordem material e financeira das famílias. Foram mencionados eventos traumáticos, como perda de pessoas significativas, situações estressantes e experiências desafiadoras, gerando instabilidade em um ambiente familiar marcado pela rigidez disciplinar, caracterizando um início de vida tumultuado em meio a condições adversas.

A gente era precário, a situação era precária, né, mas nunca passamos fome. Mas não era essa facilidade que é hoje. A gente cresceu dentro de um ambiente saudável, sim... de valores que... geram disciplina, né. Claro, tinham as dificuldades, mas... foi... foi bom. (Tom, 51 anos)

Minha infância? [pigarro] É... eu vim pra [cidade atual] quando eu tinha seis anos de idade, era um mundo completamente diferente, né. Enfim, você deixa todas as pessoas que você conhecia para trás e começa uma vida nova. Era uma vida difícil para os meus pais. Recomeçaram do zero, deixaram para trás tudo o que tinham. Depois de muitos anos que eu vim a saber que a vinda deles foi pela perda da primeira filha. Eles fizeram acompanhamento psicológico por causa dessa perda, foi muito dolorida, e foram aconselhados a terem mais filhos e que de preferência mudassem de cidade. (João, 61 anos)

Ao compartilharem suas memórias, algumas vezes reconstituídas em uma chave positiva/idealizada, os relatos iniciais descreveram a infância como um período que permitiu constituir uma trama vincular favorável ao desenvolvimento inicial. No entanto, as dificuldades destacadas na sequência dos relatos inseriram uma dimensão que contempla falhas e descontinuidades, o que imprime, na história individual, marcas que podem ter ressonâncias no modo como estes pais se vincularam na vida adulta às suas filhas. Considerando que o processo de subjetivação ocorre em função do modo como o sujeito significa os vínculos que estabelece com os outros e o mundo, especialmente no período inicial da vida (Berenstein, 2011Berenstein, I. (2011). Do ser ao fazer. Curso sobre vincularidade (M. Seincman, Trad.). Via Lettera.), podemos identificar, já em etapa precoce do desenvolvimento, a presença de vivências registradas de forma ambivalente (como as privações materiais extremas, disciplina rígida, segredos familiares) e que repercutiram em suas atitudes e ações que marcam suas experiências futuras como pais.

Considerando que a paternidade promove no indivíduo uma reatualização de suas fantasias, desejos e conflitos a partir daquilo que foi vivido e experienciado durante a infância (Zornig, 2010Zornig, S. M. A. (2010). Tornar-se pai, tornar-se mãe: o processo de construção da parentalidade. Tempo Psicanalitico, 42(2), 453-470. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382010000200010&lng=pt&tlng=pt
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), não se pode perder de vista o impacto dos episódios descritos pelos participantes, tais como a morte prematura de uma irmã por uma condição congênita, as relações conflituosas com outros irmãos e as dificuldades estruturais e financeiras, sobre o modo como eles concebem a paternidade e se relacionam com suas filhas. Pedro e Tom se emocionaram ao evocar as condições difíceis da infância, definindo as limitações como “precariedade” (Tom associou a falta de condições materiais com a constituição de sua identidade: “A gente era precário”), com suas implicações negativas na relação com os irmãos e outros membros. João recordou as marcas dolorosas de uma experiência de luto não autorizado de seus pais.

A única coisa é que minha mãe não falava da filha, sempre evitou falar, nunca… a gente procurava saber mais alguma coisa, ela sempre desviava o assunto e nunca quis falar. Acho que machucou fundo. Perder um filho, acho que machuca muito. (João)

Além da dimensão suprimida da história familiar, o enunciado “e foram aconselhados a terem mais filhos” é digno de nota, sugerindo um “mandamento” que foi inserido na estrutura fantasmática familiar: o de gerar outros filhos para preencher o vazio deixado pelo bebê morto. Os membros do casal formam alianças, contratos e pactos inconscientes, que determinam o destino do recalcamento e da repetição. A aliança inconsciente é uma formação intersubjetiva que os sujeitos utilizam para reforçar esses processos, assim como a recusa, denegação, desmentido e enquistamento, encontrados em todo vínculo intersubjetivo. Esses processos permitem entender o pacto denegativo em torno do filho morto, um pacto de resistência intergeracional ao luto, com a transmissão psíquica dos efeitos da morte de uma criança sobre os irmãos e irmãs e sobre sua descendência (Kaës, 2000Kaës, R. (2000). Um pacto de resistência intergeracional ao luto: transmissão psíquica dos efeitos da morte de uma criança sobre os irmãos e irmãs e sobre sua descendência. In O. B. R. Correa (Org.), Os avatares da transmissão psíquica geracional. Escuta.). A filha de João pode ter se identificado com a tia-bebê morto, ela própria referiu por várias vezes ao pai ter desejo de morrer. Todavia, para Trachtenberg (2005)Trachtenberg, A. R. C. (2005). Trauma, transgeracionalidade e intergeracionalidade: uma transformação possível. In A. R. C. Trachtenberg et al. (Orgs.), Transgeracionalidade. De escravo a herdeiro: um destino entre gerações. Casa do Psicólogo., o trauma que ecoa no movimento inercial da transgeracionalidade, com tendência a se perpetuar, pode ter uma transformação possível e finalmente se inscrever na intergeracionalidade.

A subcategoria Vivenciando o adolescer como abertura de possibilidades abarca relatos sobre essa etapa de transição do desenvolvimento que também foi reconstruída, nas reminiscências dos entrevistados, de forma positiva, como um período marcado por boas lembranças. Porém, essa representação idealizada do passado também não pôde ser sustentada por muito tempo, pois logo emergiram relatos de perdas traumáticas e dificuldades vivenciadas. A diferença em relação à infância é que as descrições sobre a transição adolescente acabaram sendo dominadas pelo deslumbramento com o senso de liberdade que sentiram conquistar, quando começaram a ter acesso a certos “privilégios” que suas famílias concediam aos filhos do sexo masculino. Adquirir essas prerrogativas “masculinas” durante a adolescência parece ter reforçado um sentimento progressivo de autonomia na gestão da própria vida, levando-os a sentirem que podiam ser “donos de seu caminho”.

Ah, tem boas lembranças. Adolescente, aí já comecei a trabalhar e já tinha vindo pra cidade... Tenho boas lembranças. Anos 1980 foi uma época em que mudou muita coisa no mundo, então eu peguei um momento bom. Quando eu mudei para a cidade, amizades diferentes, né, tinha muita diversão, mesmo com pouco dinheiro a gente se divertia muito. Sem carro, sem nada, mas cidade pequena, né, a gente se divertia muito. Foi muito bom. Ir para cidade vizinha, foi muita farra. (Pedro, 57 anos)

Nota-se a associação da adolescência a um período favorecedor da assunção a uma posição de maior autonomia, legitimada pelo ingresso precoce no mundo do trabalho, possibilitando circular com liberdade no espaço público, se divertir e “aproveitar a juventude”. Isso denota a passagem da rígida supervisão parental vivenciada durante a infância para uma conduta mais flexível, que ajuda o adolescente do sexo masculino a consolidar seu processo gradual de individuação e diferenciação frente aos seus pares. O campo experiencial é alargado com a possibilidade de incorporar dimensões diferentes daquelas que eles haviam tido oportunidade de exercitar até então. Isso incluiu o namoro e, sem demora, a opção pelo casamento e formação da própria família.

Sendo a parentalidade um processo dinâmico, pautado pelas experiências e pela história familiar do indivíduo, o que inclui aspectos conscientes e inconscientes de sua constituição subjetiva (Paiva & Gomes, 2012Paiva, M. L. S. C., & Gomes, I. C. (2012). La transmission psychique et la constitution du lien conjugal. Revue de Psychothérapie Psychanalytique de Groupe, 58, 81-90. https://doi.org/10.3917/rppg.058.0081
https://doi.org/10.3917/rppg.058.0081...
; Zanetti & Gomes, 2012Zanetti, S. A. S., & Gomes, I. C. (2012). Efeitos da herança psíquica na opção pela não construção do vínculo amoroso. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 3(1), 57-74. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-64072012000100005&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
), as experiências de desvinculação da família de origem desvelam uma faceta significativa do modo como os entrevistados se situam frente às responsabilidades da vida adulta, incluindo o exercício da paternidade. A ênfase da educação que receberam - e a essência do legado transmitido - foi aprender a cuidar de si, e não de outrem.

A ênfase em uma educação centrada no cuidar de si, e não de outrem, é influenciada por aspectos relacionados às questões de gênero que envolvem a masculinidade, fundadas em uma cisão que relega o afeto e o cuidado do outro às figuras femininas (Guerrero Nancuante et al., 2020Guerrero Nancuante, C. I., Armstrong Barea, L., González Adonis, F., Bratz, J., & Sandoval Ramírez, M. (2020). Paternidad activa y cuidado en la niñez: reflexiones desde las desigualdades de género y la masculinidad. Enfermería Actual de Costa Rica, 38, 282-291. http://dx.doi.org/10.15517/revenf.v0i38.34163
http://dx.doi.org/10.15517/revenf.v0i38....
). Embora o afeto e o cuidado sejam atualmente pensados como elementos intrínsecos à paternidade (Campana & Gomes, 2019Campana, N. T. C., & Gomes, I. C. (2019). A study about the characteristics of the contemporary parental exercise and care network. Estudos de Psicologia, 36, 1-12. https://doi.org/10.1590/1982-0275201936e190028
https://doi.org/10.1590/1982-0275201936e...
; Cherer, Ferrari & Piccinini, 2018Cherer, E. D. Q., Ferrari, A. G., & Piccinini, C. A. (2018). Tornar-se pai: a paternidade como inscrição subjetiva da finitude. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 34, 1-11. https://doi.org/10.1590/0102.3772e34433
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), observa-se que esse não foi o modelo que norteou os participantes durante as primeiras etapas de seu desenvolvimento. Isso repercute em suas concepções e ações como pais.

Segundo Pereira e Freitas (2020)Pereira, C. V. G., & Freitas, M. C. A. (2020). Transmissão psíquica geracional vinculada com as dimensões de repetição e transformação. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 23(1), 103-110. https://doi.org/10.1590/1809-44142020001012
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, as ressonâncias das vivências da adolescência nas atitudes e ações parentais são moduladas pela constituição subjetiva do indivíduo que se torna pai e pela relação que ele estabelece com suas experiências e percepções acerca da função e do papel exercidos por seus próprios pais. Isso significa que as dinâmicas vinculares do grupo familiar de origem dos participantes, tais como eles as internalizaram, exercem influência no modo como eles concebem e lidam com a parentalidade na vida adulta.

Dos laços primários com mães e pais aos enlaces contemporâneos com esposa e filhas(os)

Esta categoria contempla os relatos que descrevem aspectos do relacionamento dos participantes com os próprios pais. Também foram incorporadas as falas que retratam o modo como se configuram os vínculos com suas esposas e filhas. Desse modo, as narrativas abordaram o arco dos relacionamentos interpessoais mantidos ao longo da vida, circunscrevendo um conjunto de dados que possibilitaram compreender elementos cruciais na subjetivação das formas de se vincularem.

Considerando que a relação mãe-bebê constitui o primeiro modelo vincular que sedimenta os processos identificatórios que constituirão a base da formação da subjetividade, delimitamos a subcategoria laço primário. Percebemos que a constituição do vínculo com o casal parental foi pautada em uma relação de proximidade afetiva com a figura materna, com descrições que privilegiam qualidades, referências elogiosas e sentimentos positivos. A figura materna é envolta em uma aura sublime, de perfeição quase angelical.

Olha, eu não via defeito na minha mãe, viu? Sério mesmo, eu não via. Minha mãe era muito bonita, entendeu? Era elegante, era bonita, entendeu? Era sempre... Os filhos, todos os filhos adoravam ela. (Ruy, 61 anos)

Ah, ela tinha todas as qualidades de mãe. Eu nunca senti falta de nada, ela sempre deu atenção, estava assim pra ouvir a gente a hora em que a gente precisava, trocava ideia, dava palpite, falava: “Faz isso, não faz isso, oh! Não faz isso que está fazendo errado, faz aquilo.” Sempre foi de boa, sempre no papo... nunca, nunca de ficar brava, minha mãe não tinha disso, ela sempre foi da paz. (João)

No entanto, ao discorrerem sobre suas lembranças de fatos significativos vivenciados e que envolveram a figura materna, os participantes evocaram também reminiscências de situações dolorosas e experiências traumáticas, como o impacto do diagnóstico de uma doença degenerativa e um grave acidente doméstico sofrido pela mãe.

Ah, tem várias... mas teve um dia que ela passou mal no chuveiro e eu tive que arrombar a porta e pegar ela. Isso aí me marcou muito. Joguei a toalha, cobri, peguei ela, o chuveiro deu um choque nela, aí ela gritou e caiu, aí senti o cheiro de fumaça, tive que arrombar a porta, minha irmã estava junto, eu joguei a toalha, peguei ela no colo e levei pra cama. É uma coisa que... foi um contato que eu tive com ela, assim, que foi muito... marcante na minha vida. (Pedro)

As características e qualidades pessoais atribuídas à mãe situam-se em uma dimensão de cuidado, atenção e proximidade afetiva. São registros pautados pela dinâmica vincular da díade, ou seja, trata-se de uma apreensão do espaço intersubjetivo, daquilo que existe de mais singular entre filho e mãe: o vínculo. São elementos importantes para compreender a dinâmica vincular porque, frente a percepções de um ambiente rígido, com baixo grau de liberdade e autonomia para os filhos, como o que foi relatado ao reconstruírem suas experiências da infância, foi possível perceber também a preservação de um espaço partilhado favorável ao desenvolvimento afetivo. Desse modo, o registro intrasubjetivo não se atém unicamente às falhas e dificuldades vividas, pois o intersubjetivo agrega e o complementa, uma vez que, ainda que não seja de forma linear e causal, ambos os registros se articulam e se definem mútua e dialeticamente (Puget, 2002Puget, J. (2002). O corpo denuncia e encobre. Psicanálise: Revista da SBPPA, 4(2), 397-411. http://sbpdepa3.hospedagemdesites.ws/site/wp-content/uploads/2017/03/O-Corpo-Denuncia-e-Encobre.pdf
http://sbpdepa3.hospedagemdesites.ws/sit...
).

As questões edípicas implicadas na relação mãe-filho possivelmente contribuíram para acentuar uma idealização reverencial da figura feminina, exacerbada pela carência de proximidade afetiva por parte do pai. Essa vertente destaca a dimensão intrasubjetiva das experiências infantis, que também se articula com a dimensão intersubjetiva. Por outro lado, as principais lembranças da figura materna, destacadas pelos entrevistados, também veicularam uma carga afetiva associada a elementos traumáticos. Foram vivências precoces de situações fragilizadoras que muitas vezes colocaram os filhos em uma posição parental, assumindo funções de cuidadores dos pais. É importante articular as duas dimensões dos vínculos - intra e intersubjetiva - para apreender o potencial que eles adquirem, dependendo da qualidade da vinculação, de trazer à luz aspectos da dinâmica intrapsíquica do sujeito, reverberando em suas atitudes e ações.

De forma contrastante, a relação estabelecida com o pai parece ser pautada por um outro tipo de laço, que se diferencia do vínculo materno e dá nome à segunda subcategoria. Essa subcategoria abrange elementos também positivos que foram atribuídos aos pais. Os participantes construíram significados com base em uma depuração de aspectos pessoais objetivos do pai, como características físicas e intelectuais valorizadas, e não de aspectos afetivos e relacionais, como ficou explícito nos relatos sobre a relação estabelecida com a mãe.

As interações com o pai foram descritas como tênues, rarefeitas e efêmeras, envolvendo pouco intercâmbio afetivo. O contato com a figura paterna foi marcado por inconstância e distanciamento e, na maior parte das vezes, era intermediado pela mãe, que facilitava a aproximação, denotando inibições que podem ter resultado em limitações na identificação do filho com a figura paterna. Essas vicissitudes foram potencializadas pelo perfil de personalidade do pai, descrito como homem rígido, fechado e circunspecto, que se mostrava pouco permeável ao contato, tanto em seu viver pessoal como no relacionamento com os filhos.

Era bem assim.... tipo de um regime militar. Meu pai era bem durão, era muito respeitador, ele era muito rígido, sabe? Então... era bem rígido assim, né. Nunca faltou ao respeito, nunca ninguém me bateu, uma convivência boa assim. Mas ele era bem rígido, de um padrão bem forte. (Pedro)

Vista sob a perspectiva da PCV, a família oferece a cada membro um continente experiencial no qual podem ser traçadas as trilhas e linhas de construção relacional dos recursos afetivos. Os laços afetivos podem facilitar ou dificultar a maturação emocional do indivíduo em desenvolvimento, por meio das relações interpessoais que são modeladas dentro do grupo primário (Valdanha et al., 2013Valdanha, E. D., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2013). Anorexia nervosa e transmissão psíquica transgeracional. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 16(1), 71-88. https://doi.org/10.1590/S1415-47142013000100006
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). Assim, as características dos vínculos que os participantes estabeleceram com seus próprios pais, filtradas pelas descrições oferecidas sobre a figura paterna, fornecem pistas relevantes para pensarmos os recursos afetivos e emocionais que puderam ser desenvolvidos e os que permaneceram truncados.

As relações marcadas pela rigidez de caráter, distanciamento afetivo e contenção emocional, sugerem prejuízos na dinâmica vincular, com possível fixação aprisionante à dependência materna para obtenção de afeto. A trama vincular ganha contornos particulares, uma vez que o vínculo paterno será a base sobre a qual se assentarão as concepções do homem adulto acerca da paternidade e da parentalidade. A matriz vincular construída na primeira infância pauta em larga medida as fantasias, atitudes e ações futuras como pais, configurando limites e possibilidades da formação de vínculo com as filhas. Isso permite compreender o quão confortáveis ou desconfortáveis eles se sentem com os papeis que desempenham dentro da família constituída, incluindo o de pai. Segundo Zornig (2010)Zornig, S. M. A. (2010). Tornar-se pai, tornar-se mãe: o processo de construção da parentalidade. Tempo Psicanalitico, 42(2), 453-470. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382010000200010&lng=pt&tlng=pt
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, ao se tornar pai são atualizados os engramas que o indivíduo adquiriu nas experiências vinculares infantis: o “processo de filiação se inicia antes do nascimento do bebê, a partir da transmissão consciente e inconsciente da história infantil dos pais, de seus conflitos inconscientes, da relação com seus próprios pais, que colorem sua própria representação sobre parentalidade” (p. 466).

Não sei se era defeito ou as circunstâncias, meu pai era... talvez, assim, igual eu sou hoje, acho que eu puxei muito ele nesse lado, muito fechado assim, muito sério. É o que eles chamam de sistemático, “fulano é muito sistemático”. (Tom)

Sim, o exemplo do meu pai, procuro não seguir o exemplo dele. Eu procuro não ser autoritário, procuro não ser fechado, procuro não ser estúpido, procuro não ser grosseiro, procuro sempre conversar mais. (João)

A literatura aponta que o grupo familiar de jovens com TAs enfrenta dificuldades significativas de comunicação e expressão emocional, o que leva a menor integração e coesão entre os membros da família, promovendo um distanciamento nas relações (Leonidas & Santos, 2015aLeonidas, C., & Santos, M. A. (2015a). Family relations in eating disorders: The Genogram as instrument of assessment. Ciência & Saúde Coletiva, 20(5), 1435--1447. https://10.1590/1413-81232015205.07802014
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), o que é congruente com os resultados obtidos. Em se tratando de um vínculo que envolve experiências de interações descontínuas e marcadas pelo distanciamento afetivo da figura paterna, entende-se que a ligação emocional que esses indivíduos estabelecem com a paternidade e a parentalidade está sujeita às vicissitudes que podem repercutir na qualidade do vínculo estabelecido com suas filhas, reverberando no seu bem-estar (Seteanu & Giosan, 2020Seteanu, S. L., & Giosan, C. (2020). Adverse childhood experiences in fathers and the consequences in their children. Professional Psychology: Research and Practice, 52(1), 80-89. http://doi.org/10.1037/pro0000360
http://doi.org/10.1037/pro0000360...
).

Nesse sentido, é possível vislumbrar uma articulação entre a experiência dos participantes com o próprio pai com a influência de aspectos sociais e culturais na vivência da paternidade, uma vez que o ideal atual de relação pais-filhos mais próxima e afetiva que adentre o campo do cuidado parece se distanciar das representações acerca da figura paterna e da performance masculina em uma relação (Guerrero Nancuante et al., 2020Guerrero Nancuante, C. I., Armstrong Barea, L., González Adonis, F., Bratz, J., & Sandoval Ramírez, M. (2020). Paternidad activa y cuidado en la niñez: reflexiones desde las desigualdades de género y la masculinidad. Enfermería Actual de Costa Rica, 38, 282-291. http://dx.doi.org/10.15517/revenf.v0i38.34163
http://dx.doi.org/10.15517/revenf.v0i38....
; Nunes, Souza & Silva, 2021).

Outro tipo de vínculo fundamental, o conjugal, foi caracterizado como satisfatório pelos quatro entrevistados casados, envolvendo alto nível de companheirismo e cumplicidade com as esposas, denotando a preponderância de sentimentos de proximidade e afinidade entre os membros do casal. Um elemento importante para elucidar o tipo de vínculo existente entre os participantes e suas esposas tem a ver com o início do relacionamento, que imprimiu certos contornos à trama vincular do casal. A aproximação inicial se deu de forma superficial e até mesmo pueril, sem evidência de amadurecimento emocional de cada membro do futuro casal para alicerçar a malha vincular. Um excerto de fala indica, aparentemente, que não havia genuíno interesse por investir no relacionamento e deixá-lo evoluir com o tempo até assumir um compromisso consistente com um projeto de vida a dois:

Aí eu vi aquela menina, e ela me deu bola, me deu mole. Aí eu tentei entrar em contato: “Não, não quero nada com você não, você tem namorada”, e tal e qual. E eu fui forçando a barra, fui forçando a barra, aí ela aceitou conversar comigo, mas disse: “Não, oh loco, vai dar confusão, eu não quero isso não pra minha vida”. (Olavo, 64 anos)

As descrições sobre o relacionamento também mostram nuances que permitem fazer inferências acerca dos acordos tácitos firmados pelo casal por meio de conluios inconscientes, que se expressam na forma defensiva com que os participantes se referem ao relacionamento conjugal. São descrições que retratam a idealização de um padrão vincular inabalável e que se mantém supostamente imune aos problemas, inclusive aqueles comezinhos e frequentes nas relações de intimidade.

A tentativa inconsciente de aplainar arestas com vista a minimizar conflitos transparece na dualidade presente na fala de Tom, que denota uma relação de extrema lealdade e cumplicidade conjugal, porém marcada por reclamações persistentes e diárias da esposa, que sugerem um padrão de insatisfação recorrente:

Nós somos muito companheiros, muito cúmplices, a gente não faz nada sem consultar o outro, têm muita participação, você vê até que ela reclama, reclama assim, reclama muito, em parte entendo ela, mas a gente também faz o que pode. (Tom)

As alianças inconscientes propõem-se, fundamentalmente, a instituir e organizar as relações dentro de um meio comum, com inclusão daquilo que é aceito e tido como desejável, e persistente exclusão daquilo que é rechaçado e tido como intolerável pelos membros que estabelecem o pacto com o propósito de evitar conflitos e desgastes, visando manter a harmonia da dinâmica estabelecida (Kaës, 2014Kaës, R. (2014). As alianças inconscientes (J. L. Cazarotto, Trad.). Ideias & Letras. (Trabalho original publicado em 2009).). Apesar de estruturantes e necessárias para a conjugalidade e o grupo familiar, as alianças inconscientes podem se constituir em pactos denegativos, tal como ocorre em situações nas quais as alianças se tornam destrutivas, alienantes ou patológicas. Tais circunstâncias ocorrem porque o pacto denegativo se propõe a negar aquilo que é da ordem do reprimido, do interdito, mas que de alguma maneira não pôde ser evitado ou contido pelos indivíduos que celebram o pacto (Kaës, 2014Kaës, R. (2014). As alianças inconscientes (J. L. Cazarotto, Trad.). Ideias & Letras. (Trabalho original publicado em 2009).).

A força alienadora dessa operação de supressão de elementos conflitivos, em que pese o esforço de contenção dos membros que compõem o grupo, pode respingar no núcleo familiar, afetando as dinâmicas de tal modo que os indivíduos podem buscar outras saídas ou vias de expressão. Uma dessas alternativas é a produção do sintoma, que permite dar expressão ao sofrimento psíquico, podendo, em situações extremas, vir a engendrar o adoecimento grave de um membro da família (Kaës, 2005Kaës, R. (2005). Espaços psíquicos comuns e partilhados (L. Bouhadoun, Trad.). Casa do Psicólogo.).

A literatura sobre a clínica dos TAs consolida o entendimento de que a família pode ter uma contribuição substancial ao desenvolvimento e manutenção dos sintomas, bem como pode também assumir papel crucial para a consolidação e efetividade do tratamento, com a restauração dos vínculos danificados (remalhagem) e recuperação da pessoa acometida (Souza & Santos 2010Souza, L. V., & Santos, M. A. (2010). A participação da família no tratamento dos transtornos alimentares. Psicologia em Estudo (Maringá), 15(2), 285-294. https://doi.org/10.1590/S1413-73722010000200007
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). Assim, os profissionais de saúde devem estar atentos também para a possível influência da qualidade do relacionamento conjugal dos pais e seus potenciais efeitos sobre as alianças inconscientes firmadas no grupo familiar.

Finalmente, no que diz respeito ao vínculo parental, os entrevistados relataram mudanças na dinâmica do vínculo estabelecido com a(o) filha(o), que antecederam o início dos sintomas de TAs. Mais especificamente, começaram a se distanciar entre a segunda infância e o início da adolescência; referem que até esse estágio evolutivo havia uma relação próxima com a filha e que essa intimidade ocupava um lugar destacado na vida emocional da díade. Também é possível inferir um padrão de indiferenciação nesse relacionamento estabelecido durante a infância da filha, pautado na satisfação de suas necessidades físicas. Um dos pais relatou que, após o nascimento da filha, a conexão emocional ficou cada vez mais fortalecida com a oferta de cuidados básicos:

Nossa relação sempre foi muito grudada... Sempre foi tudo muito junto, os três... Eu sempre participei dos cuidados no começo... sempre estava ali. Lógico que a mãe ficou por mais tempo, claro, porque tinha licença-maternidade... Era a nossa primeira filha. (Tom)

É pertinente refletir sobre a necessidade de um outro próximo e disponível para que se promova o desenvolvimento saudável do bebê, dada a sua dependência física e emocional de alguém que possa ajudá-lo na construção de uma representação de si próprio e de seu corpo. Nesse sentido, a alimentação e outros cuidados básicos assumem não apenas uma função de sobrevivência orgânica, mas também uma função psíquica e de ordem simbólica, que auxilia na configuração de um vínculo especial (Fernandes, 2016Fernandes, M. H. (2016). Onde começa o corpo? Ide, 38(61), 13-26.; 2011Fernandes, M. H. (2011). O corpo e os ideais na clínica contemporânea. Revista Brasileira de Psicanálise, 45(4), 43-55.), e que nos casos analisados parecem ter sofrido perdas com o decorrer do tempo.

O distanciamento se deu em etapa posterior, quando praticamente cessou a participação do pai no cuidado, impondo uma ruptura e um contraste significativo na passagem de uma relação anterior de proximidade para uma relação distanciada, o que parece ter sido vivenciado pela filha como abandono afetivo, suscitando sentimentos de desamparo e menos valia. A única exceção foi trazida por Pedro, pai de uma adolescente de 13 anos com diagnóstico de AN do tipo restritivo. Ele é o único participante que nunca foi casado, embora tenha mantido um relacionamento com a mãe da paciente por alguns anos. Dessa relação nasceram duas filhas, que vivem com a mãe. Pedro relatou que a filha que adoeceu tinha uma ligação emocional muito estreita com ele, ao contrário da irmã. Constantemente o procurava e esse comportamento se acentuou ainda mais quando ela ficou doente: “Ela sempre foi apegada a mim. Sempre quem pedia as coisas para mim era ela; a outra irmã, não. Ia muito e ficava comigo na minha casa, lá na minha irmã, né” (Pedro).

Para os demais participantes observamos que, após o adoecimento, a relação pai-filha, que já era distanciada, passou a ser permeada também por conflitos e interações menos nutritivas do ponto de vista emocional, favorecendo o afrouxamento ainda mais acentuado dos laços, com prejuízos na relação de intimidade afetiva: “Era boa [a relação com a filha]. Agora, naquele tempo em que ela estava bem mal, ela não queria papo comigo, ela queria com a mãe, comigo não queria” (Olavo).

Desse modo, observa-se que o distanciamento que se instala na relação pai-filha implica uma configuração vincular que opera não pela presença, mas pela ausência, remetendo à perspectiva de que assim como a figura materna integra a organização sintomática do transtorno com a presença, a figura paterna a complementa com seu distanciamento e/ou ausência.

Considerações finais

Considerando que a experiência da paternidade e da parentalidade é atravessada pela configuração vincular constituída na história singular de cada indivíduo, este estudo permitiu elucidar significados emocionais atribuídos pelo pai aos vínculos estabelecidos com suas figuras parentais durante o seu desenvolvimento, bem como aos vínculos mantidos com suas mulheres e sua/seu filha(o) acometida(o) por TA.

Os resultados permitem tecer algumas considerações que servem de subsídios a serem investigados em estudos futuros no campo da relação paterna de adolescentes e jovens com anorexia e bulimia. Do ponto de vista dos pais, na transição para a adolescência das filhas parece haver uma perda importante na qualidade do vínculo, quando se compara com o padrão anteriormente estabelecido na infância das mesmas. Desse modo, os impasses vivenciados pelas filhas em seu processo maturacional parecem ter sido agravados pelas adversidades acentuadas pelo distanciamento do vínculo paterno. Pode-se conjeturar até que ponto a emergência dos sintomas poderia ser uma resposta inconsciente a essa mudança, tendo em vista que o comportamento regressivo da filha exige atenção redobrada do pai, forjando uma reaproximação, ainda que no modo sintomático, permeada por exigências e cuidados calcados em necessidades infantis.

Profissionais de saúde devem valorizar a inclusão do pai no tratamento das jovens com TAs, uma vez que o cuidado com as filhas adoecidas pode ser uma oportunidade de revitalizar os vínculos e reconfigurar as relações familiares de modo mais abrangente, tendo em vista que um ambiente familiar conturbado está associado a progressos mais modestos no tratamento e a dificuldades mais acentuadas no processo de recuperação (Santos & Costa-Dalpino, 2019Santos, M. A., & Costa-Dalpino, L. R. D. S. (2019). Relação pai-filha e transtornos alimentares: revisando a produção científica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 35(n.esp), e35nspe3. https://doi.org/10.1590/0102.3772e35nspe3
https://doi.org/10.1590/0102.3772e35nspe...
; Vall & Wade, 2015Vall, E., & Wade, T. D. (2015). Predictors of treatment outcome in individuals with eating disorders: A systematic review and meta-analysis. International Journal of Eating Disorders, 48(7), 946-971. https:/doi.org/10.1002/eat.22411
https:/doi.org/10.1002/eat.22411...
).

A configuração dos vínculos familiares na anorexia e bulimia é bastante peculiar e guarda relações com as manifestações sintomáticas. Evidentemente, não se trata de um nexo causal, mas de efeitos de sentido produzidos entre os padrões vinculares e a condição de saúde da filha. Como este estudo demonstrou, a trajetória do relacionamento pai-filha movimenta-se desde um polo de proximidade e participação ativa do pai nos primeiros anos do desenvolvimento da filha, favorecidas pela satisfação de necessidades básicas, até o extremo oposto de distanciamento gradual na adolescência, com interações cada vez mais raras e empobrecidas, que passam a ser pautadas, após a instalação do transtorno, pelas exigências e urgências impostas pelos sintomas.

Isso confere novos contornos à hipótese do sintoma anoréxico/bulímico enquanto uma formação de compromisso na qual é atribuído ao paciente identificado o papel de depositário, isto é, um emissário, um mensageiro que insiste em comunicar à família e em trazer à luz aquilo que se encontra interditado e/ou não metabolizado na malha vincular do grupo familiar, em uma tentativa de elaborar e reconfigurar os laços que unem os membros, para sua manutenção e desenvolvimento (Benghozi, 2005Benghozi, P. (2005). Resiliência familiar e conjugal numa perspectiva psicanalítica dos laços. Psicologia Clínica, 17(2), 101-109. https://doi.org/10.1590/S0103-56652005000200008
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).

Nessa perspectiva de análise, a emergência do sintoma pode ser vista como uma busca pela remalhagem da rede composta pelas configurações vinculares do grupo familiar, que se mostra enfraquecida, exposta e suscetível à desmalhagem e rompimento (Benghozi, 2010aBenghozi, P. (2010a). Malhagem, filiação e afiliação. Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor.). O autor propõe que essa emergência ocorre porque a rede necessita de um espaço que seja suficientemente delimitado para que se delineiem fronteiras claras e lugares que favoreçam a individualização de cada membro dentro do grupo, algo que a literatura sobre as relações familiares no contexto dos TAs mostra ser escasso nessas famílias. Ou seja, não se constitui um espaço potencial/intersticial satisfatório, que permitiria a cada membro se diferenciar, definir seus contornos narcísicos e se individualizar (Leonidas & Santos, 2015aLeonidas, C., & Santos, M. A. (2015a). Family relations in eating disorders: The Genogram as instrument of assessment. Ciência & Saúde Coletiva, 20(5), 1435--1447. https://10.1590/1413-81232015205.07802014
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).

A partir dessa leitura pode-se entender que o mal-estar expresso através dos sintomas tem uma dimensão paradoxal: opera como denúncia da insatisfação com as relações que não se transformam e, ao mesmo tempo, sinaliza a preocupação com a possibilidade de colapso iminente dos vínculos. Estudos futuros que incluam amostras maiores e forneçam uma descrição mais detalhada de possíveis articulações entre vincularidade, gravidade dos sintomas e comorbidades podem contribuir para melhor compreensão do fenômeno investigado.

Agradecimentos: Ao Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto (HC-FMRP-USP) e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP-USP.

Apoio: Este trabalho recebeu apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2022
  • Revisado
    23 Maio 2023
  • Aceito
    06 Jun 2023
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