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Gravidez precoce de estudantes de enfermagem e o consumo de álcool

Resumos

Esta pesquisa qualitativa, descritiva teve como objetivo descrever e analisar as dinâmicas presentes durante a gravidez em um grupo de mulheres que na época tinham no máximo 19 anos, e identificar o papel que atribuem ao consumo de bebidas alcoólicas nessas dinâmicas. A pesquisa se desenvolveu com um grupo de 20 estudantes da Universidade Nacional da Colômbia. Dentre elas, foram selecionadas seis jovens para investigação em profundidade, por meio de entrevistas que foram analisadas pelo método de análise de conteúdo. O artigo analisa, com base na literatura e na história de vida dos sujeitos da pesquisa, as categorias: gravidez, fazer amor, ser mulher, maternidade e beber. É possível identificar, através das mesmas, as dinâmicas envolvidas nas gestações vividas pelas jovens estudadas.

gravidez; bebidas alcoólicas; saúde; estudantes de enfermagem


This qualitative descriptive research aimed to analyze pregnancy dynamics, experienced by a group of women who, at the time, were at most 19 years old, and identify the role attributed to the consumption of alcohol in such dynamics. The research was developed with a group of 20 students from the Colombia National University. Six of them were selected for in dept investigation through interviews, which were analyzed by content analysis. Based on the literature and the subjects' life history, the study examines the following categories: pregnancy, making love, maternity, being a woman, and drinking. Through these categories, was possible to identify the dynamics experienced by these women during pregnancy.

pregnancy; alcoholic beverages; health; students, nursing


Esa investigación cualitativa de modalidad descriptiva tuve como propósitos describir y analizar las dinámicas presentes en el embarazo de un grupo de mujeres que para el momento contaban con una edad límite de 19 años, identificando el papel que atribuyen a la ingesta de bebidas alcohólicas en dichas dinámicas. La investigación se desarrolló con un grupo de 20 estudiantes de la Universidad Nacional de Colombia. De ellas fueran seleccionadas 6 jóvenes para la investigación en profundidad, por medio de entrevistas que han sido analizadas por el método de análisis cualitativo de contenido. El artículo analiza, basado en la literatura y en la historia de vida de los sujetos de la investigación, las categorías identificadas: embarazo, hacer el amor, ser mujer, maternidad y tomar. Por ellas es posible identificar as dinámicas involucradas en las gestaciones de las jóvenes estudiadas.

embarazo; bebidas alcohólicas; salud; estudiantes de enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Gravidez precoce de estudantes de enfermagem e o consumo de álcool

Martha Lucio Alvarez

Enfermeira, Docente na Universidade Nacional da Colômbia, Bogotá

RESUMO

Esta pesquisa qualitativa, descritiva teve como objetivo descrever e analisar as dinâmicas presentes durante a gravidez em um grupo de mulheres que na época tinham no máximo 19 anos, e identificar o papel que atribuem ao consumo de bebidas alcoólicas nessas dinâmicas. A pesquisa se desenvolveu com um grupo de 20 estudantes da Universidade Nacional da Colômbia. Dentre elas, foram selecionadas seis jovens para investigação em profundidade, por meio de entrevistas que foram analisadas pelo método de análise de conteúdo. O artigo analisa, com base na literatura e na história de vida dos sujeitos da pesquisa, as categorias: gravidez, fazer amor, ser mulher, maternidade e beber. É possível identificar, através das mesmas, as dinâmicas envolvidas nas gestações vividas pelas jovens estudadas.

Descritores: gravidez; bebidas alcoólicas; saúde; estudantes de enfermagem

INTRODUÇÃO

No ano 2000, dados estatísticos da Colômbia revelaram que 15% das adolescentes de 15 a 19 anos já eram mães, e 4% estavam em período de gestação do seu primeiro filho, totalizando 19%(1).

Segundo um estudo desenvolvido em 2003 na Universidade Nacional da Colômbia, o país investiu mais de 1,2 bilhões de pesos como conseqüência dos casos de gravidez de adolescentes, cifra que corresponde aos custos do atendimento de saúde da mãe e do filho, e ao empobrecimento social que se apresenta como conseqüência da deserção escolar de algum dos membros do casal, com conseqüências para a vida produtiva. Este estudo reporta que um milhão de bebês e cerca de 70.000 mães adolescentes morrem a cada ano em países em desenvolvimento devido à maternidade precoce(2).

Por sua vez, o serviço médico estudantil da Universidade Nacional da Colômbia informa que atendeu 221 estudantes menores de 19 anos em 2003, em controle pré-natal, cifra que não representa totalmente a realidade, pois, toda vez que a Universidade exige afiliação a qualquer uma das EPS (Entidade Promotora da Saúde) ou ao SISBEN (Sistema de Identificação Social para Beneficiários de Programas Sociais) para a matrícula, muitos dos controles e partos passam a ser atendidos por estas entidades.

Além disso, vários estudos e relatórios estatísticos da Colômbia autorizam afirmar que a gravidez entre adolescentes é um problema de saúde pública, com implicações para a vida da mãe e do filho, agravando as conseqüências de um país arrasado pela pobreza, muito bem expressado em um estudo: a gravidez juvenil é causa e conseqüência da pobreza. Causa, pois a gravidez afeta o progresso educativo de maneira adversa; e conseqüência, pois a pobreza e a falta de educação incrementam a probabilidade da gravidez(3).

A literatura indica os impactos psicossociais mais facilmente previsíveis da gravidez precoce: 1) deserção escolar, que por sua vez empobrece a possibilidade de um futuro de trabalho; 2) marcas emocionais deixadas por uma gravidez indesejada ou um aborto, com ou sem complicações; 3) dependência afetiva, econômica ou ambas; 4) maior vulnerabilidade das mães adolescentes à prostituição e exploração sexual, assim como a adquirir doenças sexualmente transmissíveis(3-5).

O estabelecimento educativo e a família são os campos que geram mais impacto sobre esta problemática(4,6). Estudos sobre a fertilidade adolescente indicam o papel importante da família no comportamento reprodutivo dos adolescentes. Igualmente para esses estudos, a despeito de, em 1993, o Ministério de Educação da Colômbia ter decretado a educação sexual como obrigatória, o efeito que a educação sexual oferecida nos colégios tem tido sobre o comportamento das adolescentes é limitado(6).

Na Universidade, a convivência com jovens universitárias permite apreender seu baixo nível de conhecimento sobre comportamento reprodutivo e constatar a gravidez precoce e o uso de drogas, sobretudo de bebidas alcoólicas entre os graves problemas enfrentados pelas estudantes. Conversas com as estudantes e um estudo, onde uma grande porcentagem dos universitários colombianos reconhece haver mantido relações sexuais de risco sob a influência do álcool(7) possibilitam antever uma possível associação entre estes problemas.

Com o objetivo de contribuir para a compreensão dos processos que cercam a gravidez precoce em um grupo de estudantes de enfermagem, esta pesquisa está voltada a conhecer o contexto que enquadra a gravidez e verificar se ela esteve relacionada ao consumo de bebidas alcoólicas, a partir do ponto de vista das protagonistas.

METODOLOGIA

A partir do ponto de vista de adolescentes que enfrentaram uma gravidez precoce, o presente estudo buscou identificar os acontecimentos relacionados com essa vivência através de uma pesquisa qualitativa descritiva. A pesquisa tem um enfoque abrangente, trabalha no campo do universo de significados das ações e relações humanas(8) e seu interesse é compreender as dinâmicas vividas por estudantes de enfermagem que tiveram a experiência da gravidez precoce. Uma entrevista semi-estruturada, como história de vida, foi utilizada para a coleta de dados.

Após ter sido aprovada pelo Comitê de Pesquisa da Faculdade de Enfermagem da Universidade Nacional da Colômbia, Sede Bogotá, a pesquisa foi desenvolvida entre os estudantes de Enfermagem desta Universidade, entre o final de 2005 e a primeira metade de 2006.

Na seleção dos indivíduos, nos quatro semestres iniciais do curso de Enfermagem, foi realizada uma sondagem verbal para identificar estudantes que tivessem sido mães ou que estiveram grávidas com no máximo 19 anos de idade. Após serem identificadas, as 20 pessoas concordaram em participar da pesquisa, através de um termo de consentimento informado e esclarecido, e então foram configurados os perfis socioeconômicos das estudantes. As entrevistas individuais foram realizadas a seguir, das quais apenas seis estudantes concordaram em participar. O presente artigo tem como base os dados obtidos com estas seis jovens.

Com as entrevistas gravadas, transcritas e lidas muitas vezes, buscou-se encontrar as irregularidades e diferenças, visando agrupar os dados. O processo da construção de síntese, do estabelecimento de relações, codificação, classificação e categorização dos dados deu-se através do método de análise qualitativa de conteúdo(8). Após analisar os conteúdos manifestos e latentes das entrevistas, os mesmos foram organizados em categorias e interpretados em contraste com a amostragem teórica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise foi realizada à luz das categorias que emergiram das entrevistas: gravidez; maternidade; fazer amor; ser mulher e beber. Estas categorias permitem compreender os significados que elas atribuem à sua experiência da gravidez precoce.

Gravidez

As relações entre noivos ou casais não foram marco das relações sexuais que geraram a gravidez das protagonistas; seu contexto se deve principalmente a relações casuais, marcadas pela atração sexual e a urgência(9), segundo pode-se aduzir de afirmações como: a mamãe só foi ao mercado... digamos, em nosso caso, se ele tivesse ido buscar preservativos, já não teríamos tido tempo, de início é não ter as coisas á mão.

Um estudo que trata do contexto da gravidez na adolescência identifica três maneiras de se engravidar sem planejamento: a repentina, a prematura e a residual(9). Segundo as características dos casos de gravidez vividos pelas participantes do estudo, é possível designá-los como "repentinos", pois os indivíduos não tinham uma relação estável com o companheiro e, para três delas, aquela era sua primeira experiência sexual. Todas as estudantes investigadas reportam que, no momento em que engravidaram, estavam superando a perda recente de alguém a quem elas coincidentemente chamam de o amor da minha vida, com quem haviam desejado ter um filho.

Os primeiros acontecimentos importantes, trazidos à tona pelos relatos, foram as dificuldades e o mal-estar que rodeiam suas vidas a partir de sua gravidez precoce e indesejada. Um fundo afetivo acompanha as narrações, sendo na maioria das vezes de porte doloroso e triste, e outras inclusive com conotações de insegurança e rancor. Expressões como o que vou fazer, minha vida, meu estudo? ou estraguei minha vida, ditas por elas, e é seu filho, veja o que vai fazer com ele, formulada por algum familiar, exemplificam a matiz que guardou o processo. Expressões como acabou a minha liberdade explicitam os sentimentos diante do processo árduo que tem sido a gravidez, como se esta fosse um incômodo.

Os processos de gestações não desejadas não são planejados e se relacionam com negações e conflitos. A possibilidade de abortar é apresentada nos relatos, abertamente ou como uma sombra, gerando sentimentos de culpa. As seis estudantes revelam a intenção manifesta ou velada de aborto. Em geral, esta possibilidade é descartada quando reconhecem a gravidez e decidem comunicar a situação ao companheiro sexual, aos familiares e/ou amigos.

Uma estudante relata um aborto, de uma gravidez anterior gerada em uma relação com um homem casado, quando tinha 15 anos de idade. Anos depois, ante uma nova gravidez e por causa de um sonho, a estudante expressa culpa e erro na interrupção da gestação: tomei a decisão de ter o bebê um dia em que dormi e sonhei que a criança me dizia que eu a tinha matado.

Os sentimentos de culpa se relacionam também com a presença de um filho fora de uma relação formal de casal, o que torna até as demais partes de sua vida íntima evidentes; sem o aparecimento de evidências, o "pecado" a vida sexual ativa fora da relação formal é uma mera suspeita. A partir dos relatos das protagonistas, trata-se de uma vida sexual que viola a norma social e, portanto é como se fosse merecedora de castigo, este representado pela culpa mencionada, pela solidão e conflito com a família. Esta situação só pode ser superada reconhecendo os significados que o feito da gravidez tem para elas, a fim de que sejam assumidos de forma saudável e que contribuam positivamente com a educação dos filhos. Do contrário, os padrões fracos e danosos da educação, que reproduzem o rancor, a culpa e a sensação permanente de não serem desejados, serão perpetuados.

Um aspecto relacionado a ser considerado é que a gravidez é considerada uma condição biológica e fisiologicamente normal em qualquer mulher, nas diferentes culturas. Entretanto, as sociedades estipulam os momentos oportunos para viver essa condição e tratam (ou deveriam tratar) de preparar seus membros para isto. Nas sociedades urbano-industriais contemporâneas, existe um distanciamento entre o aparecimento do estar biologicamente fértil, psíquica e socialmente hábil, sendo estas últimas destrezas de aparecimento mais tardio e a qual nossa sociedade não tem prestado a atenção necessária(6,9-11). Neste contexto, a adolescente que "fica grávida" se vê transgredindo regras, pois está vivendo uma etapa de sua vida socialmente designada como a época em que a jovem deve preparar-se, tanto física e psicológica, como intelectual e socialmente, para ser uma adulta apta a formar sua própria família e responder por ela.

Maternidade

Suas concepções de maternidade se relacionam com o rol sociocultural assumido pela mulher, evidenciado pelo auto-cuidado durante o processo de gestação e, posteriormente, ao cuidar do filho ou filha: a maternidade é um processo muito bonito, por saber que se tem dentro de si algo único que é seu... Para as jovens investigadas, o cuidado durante o tempo de gravidez se iniciou apenas a partir do momento em que a maternidade deixou de ser um segredo e foi liderado por suas mães: nos quatro primeiros meses eu segui a vida que estava levando até antes disso. Mas depois que contei a ela, a gravidez foi deliciosa, porque pude vive-la plenamente. Em outras palavras, deu-se a aceitação de tudo e meu filho se tornou meu sol e minha vida.

Ainda assim, todas as jovens relatam seqüelas afetivas importantes a partir da maternidade, explicitadas principalmente por sentimentos de insegurança e solidão: eles nunca me acompanharam ao médico, eu me senti muito sozinha. Quatro delas narram, ainda, dificuldades materiais e destacam a dependência de seus pais que, em alguns casos, são delimitados com a submissão.

A criação dos bebês conduz a dificuldades e sentimentos de solidão para estas mães inexperientes; a presença do companheiro sexual se reporta quase inexistente, limitando-se a aspectos muito pontuais: [nome] chegou com uma libra de carne: 'tome para que cozinhe'. Uma estudante só obteve apoio econômico de seu companheiro sexual depois de um pedido de paternidade.

Ter o filho e assumir a criação se converte em um desafio para elas, embora elas redefinam seus projetos no processo: todo mundo me dizia que eu não era capaz.... Sentimentos contraditórios expressam as dificuldades em aceitar as modificações em suas vidas ocasionadas pela maternidade: eu carrego muitas cruzes com o nascimento de... eu estou muito só e, da mesma forma que meu filho é a razão para viver, também é a razão para que as coisas tenham mudado tanto. O projeto de vida, os ideais e as metas para que cada pessoa se sinta realizada precisam mudar, mediante a gravidez e a maternidade. Revelam frustração: eu posterguei o semestre, dediquei-me os primeiros seis meses a [nome do filho]... é claro que para mim foi extremamente estressante, porque eu estava acostumada a estudar sempre, quer dizer, eu nunca tinha parado de estudar e esses seis meses foram espantosos para mim.

As entrevistas evidenciam a importância do apoio familiar, especialmente de suas mães, quando ocorre e, quando não, as estudantes se sentem expostas a dificuldades de todo tipo. Pesquisas são enfáticas ao afirmar que se cria um círculo vicioso em torno da gravidez adolescente e a pobreza originada pela falta de apoios - econômico, familiar, educativo - a que as jovens são submetidas(2-3,6,9), situação que se apresenta no presente trabalho toda vez que as famílias optaram por confiar em suas filhas e estender-lhes a mão, assumindo-as junto com seus filhos. Os estudos em torno da necessidade de acompanhamento dos adolescentes confirmam os resultados da presente pesquisa: o apoio da família é fundamental para superar a crise vivida, continuar os estudos e cuidar do filho(2-3, 6,9).

Fazer amor

Os relatos explicitam uma concepção de sexualidade reduzida ao coito, referida como fazer amor. Essa concepção reduzida de sexualidade reflete características comuns à representação de sexo entre adolescentes, como foi observado na literatura(6).

A satisfação sexual, para as participantes do estudo, está relacionada a sentir-se bem ou mal no momento de ter relações sexuais, e este sentimento está associado com a existência ou ausência de afeto entre o casal. Por sua vez, a presença de insatisfação, segundo o relato de quatro das protagonistas, é associada ao mau trato físico ou psicológico.

Alterações na auto-estima, assim como a pressão proveniente de diferentes fontes (companheiro sexual, pares, familiares) são baseadas na primeira relação sexual, vivida negativamente por todas as participantes. Uma das jovens narra: foi um dos primeiros que me disse que eu era bonita. Outra se recorda: neste dia ele me tratou bem, mas foi horrível depois.

A relação sexual que produziu a gravidez obedeceu mais a um feito fortuito, que procurava, suprir carências afetivas no contato sexual, embora todas aspirem ao ideal de amor(5,9-10), vivido como fracasso em experiências anteriores. Nesse aspecto, esta pesquisa concorda com os resultados encontrados por estudo sobre a gravidez entre adolescentes, que destacam a conexão entre o amor e a atração sexual, marcada por uma urgência(9).

Os dados evidenciam um conhecimento sexual informal, desordenado e incompleto, em geral adquirido através de empregadas do serviço doméstico, primeiro companheiro sexual, familiares jovens e pares do mesmo sexo. Por mais que a educação sexual seja tema de cumprimento obrigatório nos colégios desde 1993, no momento em que as estudantes a recebem, muitas já tiveram a primeira relação sexual. Esta orientação, dada por docentes, se mostra igualmente longe da realidade e desagradável.

A maioria das jovens reconhece que foi a mãe quem informou sobre seu desenvolvimento fisiológico, mas até aí, não mais. Se a informação sobre as mudanças fisiológicas ocorridas na mulher é dada pelas mães, o mesmo não acontece com a educação sexual, tema silenciado e vivido como um tabu: minha mamãe nunca me falou. Nenhuma das mães se deu conta da gravidez de suas filhas antes dos seis meses de gestação.

O conhecimento sobre planejamento familiar, assim como sobre a educação sexual, é dado por elas mesmas e avalizado, em alguns casos, por parceiros e adultos. Elas reconhecem que não tinham informações suficientes e que misturaram seu pouco conhecimento a crenças populares: não havia uma concepção desse fato de ter de cuidar-se todas as vezes, porque apesar de todo o tempo, nós estivemos juntos poucas vezes. Outra jovem diz: eu não pensei nisso, na verdade, eu não pensei em me cuidar, nem pensei que isso iria acontecer comigo, porque era minha primeira relação.

Nas histórias das seis jovens se afirmam eventos que se repetem nas famílias, como gravidez precoce, mães solteiras entre familiares, ausência de informações a respeito de sexualidade e planejamento familiar, maus tratos nas relações de casal, subordinação da mulher ao homem. A importância da família, especialmente das mães, no início da atividade sexual das adolescentes, juntamente com a educação que possam receber na escola, é reconhecida por estudos, que igualmente reconhecem a tendência do ser humano em repetir as histórias de geração em geração, por não refletir sobre elas(5-6).

As confusões às que estas estudantes se vêem submetidas mediante a presença de uma gravidez não planejada, indesejada, e o impacto negativo que esta deixou em seu projeto de vida, convertem-se em um risco emocional de sofrimento psíquico. Os sentimentos de frustração e fracasso são uma constante que pode levá-las a uma vida solitária, embora, no plano de suas aspirações, a vida em casal seja primordial.

Refletir sobre a gravidez de adolescentes leva, também, à necessidade de encarar a jovem como um sujeito de direitos e, entre eles, os sexuais e reprodutivos(5,11). Tendo em conta que, na Colômbia, o desenvolvimento integral das pessoas obedece a processos muito desiguais, é fundamental a constatação entre as adolescentes estudadas de seu pouco conhecimento sobre esses direitos e a forma de fazê-los valer, e os relatos evidenciam que esse desconhecimento interferiu na gestação de seu filho ou filha.

Ser mulher

Ser mulher, para todas as protagonistas, está associado ao temor de depender de um homem ou de ser tratada como faxineira, atender ao homem, aos filhos, ser mãe: a mamãe tem que cozinhar... meu papai chegava e dizia: o almoço já está pronto?, e ficava bravo se não o servia na hora. Os relatos indicam que a relação de gênero, fundamental na definição da identidade pessoal, resulta em uma identidade subordinada. No entanto, os padrões culturais de gênero são vistos como injustos e originam tensões: ter que ser dona-de-casa se tornou tão doloroso.

Discutir a questão sobre o que é ser mulher nos faz retomar a distinção entre sexo, condição biológica, e gênero, condição social, destacando que os dois aspectos incidem sobre os corpos das pessoas, porque cada corpo é historicamente construído conforme os sonhos e receios de sua época e cultura(12). Gênero é a construção social e histórica dos sujeitos como femininos e masculinos, transmitida na socialização (4,13).

Com relação à identidade de gênero, todas as participantes têm modelos de subordinação feminina em suas famílias, mas também todas valorizam e projetam para suas vidas a idéia de serem mulheres economicamente independentes. O processo de construção de identidade de gênero, vivido como contraditório e doloroso por essas jovens, está associado às relações que a sociedade atribui às vidas de seus meninos e meninas desde muito cedo. Na construção e transmissão cultural dessas relações, o que os adultos que rodeiam estes novos seres dizem e fazem é muito importante, pois eles são os encarregados de propiciar os exemplos que assinalam o caminho aceito pela sociedade(4,11).

A maternidade, nesse contexto, é crucial no momento de identificar-se como mulher. Entretanto, esta exerce um jogo duplo simultaneamente. Por um lado, diferencia e engrandece a mulher frente aos homens, mas por outro, escraviza-as, razão pela qual se vêem destinadas à solidão ou à busca da relação de casal com independência.

A partir de outros aspectos, a presença constante de desilusões amorosas, ou casais que não cumprem com as expectativas sexuais das jovens, seja porque há violência ou porque há disfunção, chamam a atenção nos relatos fornecidos pelas estudantes. Porém, esses fatos, além de silenciosos, são assumidos mediante atitudes servis ou indecentes que as levam a condutas evidentemente arriscadas, atentando contra sua própria integridade.

Retomando as reflexões sobre a identidade de gênero das mulheres(4-5), é possível notar como a tão desejada igualdade entre homens e mulheres, embora presente nas mentes destas jovens como uma aspiração, se encontra muito distante da realidade cotidiana e das práticas sexuais efetivas, como já advertiu o trabalho referente à fertilidade adolescente(6).

Parte da desigualdade de gênero está representada pela ausência de paternidade. Com exceção de dois pais que visitam seus filhos eventualmente, os pais biológicos não estão presentes na criação dos meninos, enquanto alguns contribuem exclusivamente no âmbito econômico, aspecto descrito na literatura(14).

Beber

Das seis estudantes estudadas a fundo, três delas expõem a influência das bebidas alcoólicas no momento da relação sexual que deu origem à gravidez e três o negam.

As três jovens que relacionam a gravidez precoce ao consumo de bebidas alcoólicas pertencem a camadas socioeconômicas distintas. Todas nasceram em Bogotá, os pais de duas delas têm origem rural, o nível educativo dos progenitores varia desde o ensino primário incompleto até o secundário completo. Uma delas teve a primeira gravidez com 15 anos, que resultou em grande desilusão e mal-estar; da segunda vez tinha 16 anos depois de uma decepção amorosa, iniciou um caminho até chegar a promiscuidade, resultando na gravidez; a terceira, quando tinha 18 anos, ficou grávida como resultado de uma relação com um amigo. Seus relatos revelam as influências do consumo de álcool no momento da gravidez: então estávamos tomando, tomamos muito... Há um pedaço que não me lembro; lembro-me quando me levantei, vesti-me, saí e fui, e foi o que aconteceu.

Suas vivências são marcadas por encontros e desencontros muito pessoais, mas que têm afluências comuns quanto ao fato de o consumo de bebidas alcoólicas lhes ter impedido de reconhecer uma situação de perigo. Todas as três conviveram em ambiente propício para as festas; e evidenciam, em suas histórias de vida, circunstâncias propícias à vulnerabilidade, como a ausência de autoridade paterna - materna, as carências afetivas e o acesso fácil a bebidas embriagantes, o que é identificado como fatores que predispõem ao consumo de álcool (15).

Quanto a fatores que predispõem ao consumo de álcool, não se fala aqui estritamente dos fatores de risco na acepção da epidemiologia, mas sim dos hábitos, costumes, disposições que estão presentes no núcleo familiar ou nas primeiras redes de apoio em que o indivíduo se molda. São acontecimentos dos quais não se tem consciência, sendo apenas vividos, sem questionamentos, e assumidos pouco a pouco até absorvê-los por completo, tendo grande repercussão nas atitudes do indivíduo em formação. Nos relatos das três jovens que relacionam a gravidez precoce ao consumo de álcool, evidenciaram-se os seguintes fatores: 1) Convivência com consumidores; 2) Permissividade quanto ao uso de bebidas alcoólicas; 3) Deficiências na autoridade paterna - materna; 4) Vazios afetivos; 5) Comunicação negativa entre familiares; 6) Relações interpessoais conflitantes entre os membros da família; 7) Transmissão de valores de desigualdade entre os gêneros masculino e feminino.

Aceitando-se que os seres humanos aprendem, sobretudo, mediante a observação e imitação a outros, mais do que pelo discurso normativo(16), pode-se compreender a importância das práticas cotidianas na transmissão de valores e como modelos de condutas. Estudos enfatizam os problemas na dinâmica familiar: comportamentos de pais que bebem, aceitação do consumo de álcool, distanciamento dos pais e condição socioeconômica como fatores de risco para o abuso de álcool pelos adolescentes(15).

Além das influências das dinâmicas familiares, consideram-se também os condicionantes individuais de predisposição ao consumo de álcool, dentre os quais a vulnerabilidade durante a adolescência ocupa um lugar sobressalente. Devido ao processo de maturação psicosocial a que o adolescente está submetido, ele ainda não tem a habilidade de reconhecer com clareza as possíveis conseqüências dos atos(17). Outro aspecto importante tem a ver com o tipo de personalidade e seus traços próprios, o que se pode identificar com os processos de formação em que uma pessoa desenvolve tendências a manter uma auto-estima frágil, condição presente nas histórias de vida analisadas.

Os fatores sócio-culturais que predispõem ao consumo de álcool são aqueles que permanecem no meio que rodeia as pessoas. Neste grupo de estudo é evidente que as jovens têm fácil acesso às bebidas alcoólicas nos ambientes que freqüentam; igualmente, suas condutas explicitam padrões culturais que convidam os cidadãos ao consumo de bebida alcoólica (paradoxalmente na Colômbia, porcentagens das vendas de bebidas alcoólicas e cigarros são transferidos para apoiar a saúde e o esporte).

Pode-se também detectar fatores protetores nas histórias de vida, que impediram, até o momento, que seus protagonistas se afoguem no álcool ou mantenham o padrão de promiscuidade com o risco que este tem para que se adquira doenças sexualmente transmissíveis. Dentre estes encontramos: 1) Ver no filho ou filha alguém que lhes dá afeto; 2) Bom desempenho acadêmico; 3) Níveis de escolaridade elevados.

Um estudo realizado pela Unidade Coordenadora de Prevenção Integral (UCPI), de corte estatístico, reporta um consumo de bebidas alcoólicas entre 70% dos universitários de Bogotá, especialmente dos primeiros semestres; 30% deles admitiram ter tido relações sexuais não planejadas sob o efeito destas bebidas(7). Entretanto, conforme suas características inventariais, este relatório não faz referência às circunstâncias que rodeiam tais relações sexuais e suas possíveis implicações em uma gravidez não desejada.

Por tudo isso, quando o gole irrompe nos quartos das adolescentes, suas conseqüências podem ser funestas, porque seus efeitos na lucidez das pessoas não permitem um controle adequado dos acontecimentos. O guayabo - termo que define tanto a ressaca depois de uma bebedeira, como um estado particular de tristeza, característico do despertar depois de uma noite de balada, pode durar toda a vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi visto nas histórias de vida relatadas como o tabu do sexo se forma, a forma como a menina é ensinada de que há aspectos da vida que são exclusivos das mulheres e que não devem ser compartilhados com os homens, o que gera posteriores dificuldades de comunicação entre o casal sobre aspectos como satisfação sexual e métodos de planejamento familiar, ou que as impedem de reclamar seus direitos. Isto indica a importância da herança sociocultural nas concepções que as adolescentes têm do gênero: do que ela deve ou não ser, do que pode ou não dizer, padrões que são transmitidos através das gerações nos processos de educação sobre o desenvolvimento sexual e reprodutivo das mulheres.

A sexualidade, reduzida ao coito nos relatos, é vivida como uma forma de compensação de frustrações e carências. Mas, experimentada negativamente, revela e resulta em alterações na auto-estima.

As gestações das adolescentes estudadas foram vividas como um incômodo, um obstáculo, e mudaram radicalmente seus projetos de vida. O apoio da família ou do casal, quando este existe, revela-se de grande importância na vivência da gravidez e da maternidade.

Entre as seis estudantes, três relatam a influência do consumo de bebidas alcoólicas sobre a relação sexual que gerou a gravidez. Embora o número muito restrito das entrevistadas não permita generalizações, é possível estabelecer a relação entre o consumo de álcool e comportamentos sexuais de risco em suas histórias de vida.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas/CICAD da Subsecretaria de Segurança Multidimensional da Organização dos Estados Americanos/OEA, a Secretaria Nacional Antidrogas/SENAD, aos docentes da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, a população da amostra dos estudos e aos representantes dos oito países Latinoamericanos que participaram do I e II Programa de Especialização On-line de Capacitação e Investigação sobre o Fenômeno das Drogas - PREINVEST oferecido no biênio 2005/2006 pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, na modalidade de ensino a distância.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2006
  • Aceito
    08 Jan 2008
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