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Adoção internacional e o princípio da proteção integral no Brasil e Portugal

International adoption and the principle of full protection in Brazil and Portugal

Resumo

O objetivo do artigo é analisar a adequação do instituto da adoção internacional a partir do viés dos tratados e convenções internacionais nos Ordenamentos Jurídicos da República Federativa do Brasil e de Portugal. O método utilizado foi o dedutivo e os procedimentos metodológicos na construção do corpus documental da análise considerou os marcos teóricos que definem a adoção internacional e a identificação das convergências e divergências existentes nas categorias jurídicas previstas na legislação do Brasil e de Portugal. Os resultados da pesquisa apontam que os Ordenamentos Jurídicos da República Federativa do Brasil e República Portuguesa, no que se refere especificamente ao Instituto da Adoção Internacional, adequaram as respectivas normatizações constitucionais e legislações infraconstitucionais em conformidade ao princípio da Proteção Integral à criança e ao adolescente, tomando por referência os aportes dos Tratados e Convenções Internacionais, resultantes do movimento internacionalista em defesa da proteção integral à criança e ao adolescente.

Palavras-chave:
adoção internacional; ordenamentos jurídicos; proteção integral

Abstract

The objective of the article is to analyze the adequacy of the institute of international adoption from the perspective of international treaties and conventions in the Legal Orders of the Federative Republic of Brazil and Portugal. The method used was deductive and the methodological procedures in the construction of the documentary corpus of analysis considered the theoretical frameworks that define international adoption and the identification of existing convergences and divergences in the legal categories provided for in the legislation of Brazil and Portugal. The research results indicate that the Legal Orders of the Federative Republic of Brazil and the Portuguese Republic, with specific reference to the Institute of International Adoption, have adapted the respective constitutional regulations and infra-constitutional legislation in accordance with the principle of Comprehensive Protection for children and adolescents, taking as a reference the contributions of International Treaties and Conventions, resulting from the internationalist movement in defense of the full protection of children and adolescents.

Keywords:
international adoption; legal orders; complete protection

Introdução

A adoção, além dos aspectos afetivos e emocionais, também está envolvida em aspectos sociais e jurídicos que a caracterizam conforme a sociedade e a época em que se insere. O instituto da adoção está presente desde as sociedades antigas e se mantêm no seio da sociedade atual como instituto importante, reforçando seu papel na construção das famílias e consequentemente do indivíduo e da sociedade.

A pesquisa objeto, resultante de dissertação de mestrado, analisa a Adoção Internacional a partir do viés dos Ordenamentos Jurídicos da República Federativa do Brasil e República de Portugal, com suas nuances e peculiaridades que pautam o reconhecimento dessa tipologia de filiação: a adoção. O instituto da adoção desempenha um papel fundamental nas relações paterno/materno-filiais, pois, além de apresentar o exercício de funções parentais aos adotantes, oferece a oportunidade de crianças e adolescentes, privados de seus vínculos biológicos, terem o direito à proteção integral e ao pleno desenvolvimento garantidos.

O método utilizado na pesquisa foi o dedutivo e os procedimentos metodológicos na construção do corpus documental da análise considerou os marcos teóricos que definem a adoção internacional e a identificação das convergências e divergências existentes nas categorias jurídicas previstas na legislação do Brasil e de Portugal.

Considera-se o estudo apresentado como importante, atual e relevante socialmente, servindo como contributo para a linha de pesquisa Direito, Cidadania e Atores Internacionais, visto que o assunto objeto vem despertando forte interesse na ampliação de sua abordagem por parte de professores, estudantes e pesquisadores.

Adoção internacional: aportes de tratados, convenções e legislações frente ao princípio da proteção integral

A adoção internacional é a modalidade de adoção na qual o adotante, nacional ou estrangeiro, é residente ou domiciliado em país diverso do adotado (Pereira, 2020, pPEREIRA, N. M. O processo de adoção e suas implicações legais. Instituto Brasileiro de Direito de Família. 2020. Disponível em: https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/1531/O+processo+de+ado%C3%A7%C3%A3o+e+suas+implica%C3%A7%C3%B5es+legais. Acesso em: 05 fev. 2023.
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. 61). Conforme a Convenção de Haia, ratificada pelo Brasil em 1999, a adoção internacional acontece quando uma criança, com residência habitual em um Estado Contratante (o Estado de origem) tiver sido, for, ou deva ser deslocada para outro Estado Contratante (o Estado de acolhida) (Convenção de Haia, 1993CONVENÇÃO DE HAIA. Convenção relativa à proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 11 mar. 2023.
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)1 1 A Convenção será aplicada quando uma criança com residência habitual em um Estado Contratante (“o Estado de origem”) tiver sido, for, ou deva ser deslocada para outro Estado Contratante (“o Estado de acolhida”), quer após sua adoção no Estado de origem por cônjuges ou por uma pessoa residente habitualmente no Estado de acolhida, quer para que essa adoção seja realizada, no Estado de acolhida ou no Estado de origem (Convenção de Haia, 1993). . Por envolver mais de um país e consequentemente mais de um ordenamento jurídico e mais que uma realidade cultural que, para a adoção internacional é necessária a cooperação entre Estados (Abreu, 2014, pABREU, F. F. de. A adoção internacional de menores. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito Universidade do Porto, Portugal, 2014.. 13). Dessa forma, adoção nacional e internacional em âmbito brasileiro, deve ser visualizada como um instituto de proteção da criança e do adolescente, fazendo-se efetivar as diretrizes que a norteiam dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente, juntamente com a documentação necessária e outros tratados e legislações que façam com que de fato, se efetue a adoção.

A adoção é um procedimento legal, pelo qual maiores de dezoito anos assumem como filho, de modo definitivo e irrevogável, uma criança ou adolescente nascido de outra pessoa. No Brasil, a estrutura jurídica para a adoção está prevista na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na Lei nº 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente de 1989, no Código Civil de 2002 (Brasil, 2002BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 19 fev. 2020.
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) e na Lei nº 12.010/2009. Em Portugal, a estrutura jurídica da adoção está preceituada no art. 36, nº 7 da Constituição da República Portuguesa de 1976 e é regida pelo Código Civil de 1966 e pela Lei nº 143/2015 que, além de revogar alguns artigos do Código Civil, incluiu em seu escopo o Regime Jurídico do Processo de Adoção do País.

A adoção internacional passou a ter uma maior visibilidade no final da Segunda Guerra Mundial, quando se deixou milhares de crianças e adolescentes órfãos, sendo acolhidos pelas pessoas que residiam nas áreas que não foram atingidos com tanta intensidade pela guerra (Luz, 2021LUZ, L. de C. A. Adoção Internacional: A nova vertente do instituto da adoção e o preconceito social referente ao tráfico de órgãos, 2021. Disponível em: https://laviniaalencar929459.jusbrasil.com.br/artigos/1189051247/adocao-internacional-a-nova-vertente-do-instituto-da-adocao-e-o-preconceito-social-referente-ao-trafico-de-orgaos#_ftn1. Acesso em: 10 abr. 2023.
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). Com o fim da Segunda Guerra Mundial, crianças da Itália, Japão, Alemanha, Grécia, China e de outras nações que sofreram com os prejuízos da guerra foram direcionadas para casais europeus e norte-americanos, diversas daquelas crianças seguiram ao exterior sem qualquer documentação que as identificassem, e que seria indispensável para a adoção e regularização da cidadania. Com isso, somente em 1961 o Serviço Social Internacional começou no auxílio da regularização de mais de seis mil casos de adoção que foram encaminhados para a Europa e Estados Unidos (Olivier, 1990OLIVIER, C. Nous Voulons Adopter em Enfant. Paris: Calmann-Lévy, 1990.).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é a forma mais reconhecida da afirmação dos direitos humanos e pode ser considerada como um sistema de valores humanamente reconhecidos e fundados, pois, fez com que um conjunto de princípios fundamentais da conduta humana, fosse aceito e expresso de forma livre, tornando-se universal, porém, apesar de aceito, há desafios enfrentados, como a proteção desses direitos e a atualização da Declaração, como por exemplo a Declaração dos Direitos das Crianças, adotada em 1959, que leva em consideração a singularidade e as particularidades, como cita o autor (Bobbio, 2004, pBOBBIO, N. A era dos direitos. 13. reimpr. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.. 26–28, 34).

A adoção internacional de crianças e adolescentes é reconhecida pelo artigo 227, § 5º da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 19 fev. 2020.
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). Também tem proteção pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Convenção de Haia de 1993. A Convenção de Haia relativa à Proteção de Crianças e à Colaboração em Matéria de Adoção Internacional de 1993 foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto nº 3.087 de 1999, tornando-se um dos marcos mais importantes, pois, passou a regular a adoção de forma universal estabelecendo diretrizes e proteção aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes em situação de adoção (Brasil, 1999BRASIL. Decreto nº 3.087, de 21 de junho de 1999. Promulga a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída na Haia, 29 de maio de 1993. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3087.htm. Acesso em: 28 jun. 2021.
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).

Para se estabelecer o vínculo pela adoção internacional, o país de origem dos pretendentes necessita ser ratificante da Convenção da Haia, para isso, de acordo com seu artigo 1º, a mesma tem por objetivo: a) estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais que lhe reconhece o direito internacional; b) instaurar um sistema de cooperação entre os Estados contratantes que assegure o respeito às mencionadas garantias e, em consequência, previna o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças; c) assegurar o reconhecimento nos Estados Contratantes das adoções realizadas segundo a Convenção (Rosa, 2020, pROSA, C. P. da. Curso de direito de família contemporâneo. 6. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020.. 417).

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem em seus dispositivos, nos artigos 40 a 52, normas que objetivam assegurar os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, como a saúde, educação, lazer e afeto. O Estatuto também introduziu as diretrizes para a realização da adoção internacional, as quais foram estabelecidas na Convenção da Haia, que se observa nos artigos 51 a 52-D (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. [Brasília], [1990]. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 10 mar. 2023.). Ressalta-se também que o Decreto nº 3.087, de 1999, foi responsável pela promulgação da Convenção referente à proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional, concluída na Haia em 1993 (Brasil, 1999BRASIL. Decreto nº 3.087, de 21 de junho de 1999. Promulga a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída na Haia, 29 de maio de 1993. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3087.htm. Acesso em: 28 jun. 2021.
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).

No Brasil, acerca da adoção internacional, também existe a Resolução nº 01/2000 da Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF), que estipula os cadastros de pretendentes estrangeiros à adoção2 2 2 Art.1º Manter nos cadastros de pretendentes estrangeiros à adoção dos Estados, quer exclusivos da autoridade central, quer existentes em todas as Comarcas, hipóteses em que a comissão funciona como Banco de Dados, os pretendentes oriundos de Países que ainda não ratificaram a Convenção relativa à Proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional, pois, segundo a Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário, os Tratados e Convenções têm efeitos apenas “inter-partes”, não alcançando a terceiros Países; segundo o STF, as Convenções são hierarquicamente equivalentes a uma Lei Ordinária; não existe lei vedando Adoções Internacionais de crianças brasileiras nessas condições, apenas se sugerindo a emissão de regras, em cada uma delas, onde fique claro que, além do princípio da subsidiariedade que assegura preferências aos brasileiros, os pretendentes oriundos de países que ratificaram a Convenção também têm preferência sobre candidatos vindos de Países que não ratificaram (Brasil, 2000a). . A citada resolução também procurou tomar como prioridade a instalação e implantação, em todo o território o INFOADOTE, do Projeto SIPIA, que permitia a integração e centralização de dados coletados de todo o País na Autoridade Central Federal. Também, que fossem realizadas as gestões juntamente com os Tribunais de Justiça, tanto pela presidência, como pelas Corregedorias Gerais da Justiça, encaminhando projetos de Lei às Assembleias Legislativas com o objetivo de incluir as Comissões Judiciárias de Adoção na sua estrutura administrativa (Brasil, 2000bBRASIL. Resolução nº 02/2000. Dispõe sobre a Aprovação do Regimento Interno e dá outras providências. 2000b. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=0f217ab4-22bf-41f9-9666-919b8b04f342&groupId=10136. Acesso em: 10 mar. 2023.
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). Ainda, há a Resolução nº 02/2000, que dispõe sobre o Regimento Interno do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras e dá outras providências (Brasil, 2000bBRASIL. Resolução nº 02/2000. Dispõe sobre a Aprovação do Regimento Interno e dá outras providências. 2000b. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=0f217ab4-22bf-41f9-9666-919b8b04f342&groupId=10136. Acesso em: 10 mar. 2023.
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). A Resolução nº 03/2001 da Autoridade Central Administrativa federal, têm por condão avaliar trabalhos e traçar as políticas e linhas de ação comuns necessárias para o cumprimento das responsabilidades assumidas por força de ratificação da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional pelo Brasil (Brasil, 2001BRASIL. Resolução nº 03/2001. III reunião do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras. 2001. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=59122637-71c5-4ac1-8956-1fcd065c2fce&groupId=10136. Acesso em: 10 mar. 2023.
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).

Em matéria de adoção internacional, também há o decreto nº 5.491, de 18 de julho de 2005, que regulamenta a atuação de organismos estrangeiros e nacionais de adoção internacional3 3 Art. 1º Fica instituído o credenciamento de todos os organismos nacionais e estrangeiros que atuam em adoção internacional no Estado brasileiro, no âmbito da Autoridade Central Administrativa Federal. Parágrafo único. O credenciamento de que trata este artigo é requisito obrigatório para posterior credenciamento49 junto a Autoridade Central do país de origem da criança, bem como para efetuar quaisquer procedimentos junto às Autoridades Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal, na forma do Decreto nº 3.174, de 16 de setembro de 1999 (Brasil, 2005). . Outra resolução que merece destaque é a nº. 10/2006 da Autoridade Central Administrativa federal, que viabilizou modelo de relatório médico da Conferência da Haia para a utilização pelas CEJAS/CEJAIS e o modelo de relatório anual de estatísticas sobre adoção internacional da Conferência da Haia. Ficou também instituído o novo modelo de certificado de continuidade em adoção internacional, para cumprimento aos artigos 16 e 17 da Convenção da Haia, e por fim, instituiu o modelo de certificado de conformidade da Conferência da Haia para a utilização pelas CEJAIS, além de aprovar recomendações (Brasil, 2006BRASIL. Resolução nº 10/2006. IX Reunião Ordinária do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras. 2006. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=e2eb8bb7-6a2a-48c8-b766-af075d35a939&groupId=10136. Acesso em: 10 mar. 2023.
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).

A Resolução nº 11/2007 da ACAF, entre outros pontos, deliberou a aprovação do projeto “Panorama da adoção internacional no Brasil no período de 2003 a 2006”, na qual não serão aceitos requerimentos de habilitação para adoção internacional por pretendentes que venham de países que não tenham ratificado a Convenção de Haia, bem como, que os países ratificantes tenham os organismos de adoção internacional credenciados para atuar no território brasileiro e demais recomendações (Brasil, 2007BRASIL. Resolução nº 11/2007. X reunião do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras. 2007. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=3876aad1-3ab0-4703-812c-a90ef840be95&groupId=10136. Acesso em: 10 mar. 2023.
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). Portanto, a referência legislativa sobre a legislação do tema da adoção pode ser vista nos seguintes dispositivos: a) Convenção de Haia; b) Estatuto da Criança e do adolescente; c) Decreto nº 3.087/99; d) Decreto nº 3.174/99; e) Regimento Interno da Comissão Estadual Judiciária de Adoção. Assim, a adoção internacional, na Convenção de Haia é um tratado internacional que veio estabelecer procedimentos comuns que se aplicam no instituto da adoção, com o objetivo de proteger o direito superior da criança. Por sua vez, o ECA, nos artigos 40 a 52, tem por objetivo assegurar os direitos da criança e do adolescente em seu aspecto fundamental que é o da saúde, educação, lazer e afeto.

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, revogando o Código de Menores. A criação do Estatuto teve como intuito reconhecer crianças e adolescentes como cidadãos com direitos, buscando a sua proteção integral. Dentre as disposições e direitos assegurados para as crianças e adolescentes, que dizem respeito a diversas searas de suas vidas, o Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina a adoção, visando sempre proteger o melhor interesse do adotado.

A adoção está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 394 4 Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei (Brasil, 1990). até 52-D (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. [Brasília], [1990]. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 10 mar. 2023.). Dentre as mudanças advindas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 está a eliminação da diferença entre “adoção plena” e “adoção simples”, anteriormente prevista, e estabeleceu que a adoção será realizada para crianças ou adolescentes de 0 a 18 anos e excepcionalmente até 21 anos de idade (Pereira, 2020PEREIRA, N. M. O processo de adoção e suas implicações legais. Instituto Brasileiro de Direito de Família. 2020. Disponível em: https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/1531/O+processo+de+ado%C3%A7%C3%A3o+e+suas+implica%C3%A7%C3%B5es+legais. Acesso em: 05 fev. 2023.
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). O Estatuto da Criança e do Adolescente é o principal marco jurídico brasileiro sobre adoção.

A partir da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente a infância e adolescência adquirem configuração que busca se adequar aos parâmetros de organismos internacionais (Castro; Macedo, 2019, pCASTRO, E. G.; MACEDO, S. C. Estatuto da criança e adolescente e estatuto da juventude: interfaces, complementariedade, desafios e diferenças. Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 02, p. 1214–1238, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/KJQwwTJWTWgskWqmSRPDpwy/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 10 mar. 2023.
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. 1222). O Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, revogando o Código de Menores. A criação do Estatuto teve como intuito reconhecer crianças e adolescentes como cidadãos com direitos, buscando a sua proteção integral.

Importante compreender que o Estatuto da Criança e do Adolescente ultrapassa a visão assistencialista para propor a afirmação de direitos com vistas para a proteção integral, além disso, desfaz a barreira da diferenciação entre as crianças e adolescentes que vivem ou não em situação de vulnerabilidade, buscando promoção do desenvolvimento integral (Castro; Macedo, 2019, pCASTRO, E. G.; MACEDO, S. C. Estatuto da criança e adolescente e estatuto da juventude: interfaces, complementariedade, desafios e diferenças. Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 02, p. 1214–1238, 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/KJQwwTJWTWgskWqmSRPDpwy/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 10 mar. 2023.
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. 1220). Após a aprovação, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi apontado como uma revolução, sendo considerado uma ruptura de paradigmas no que se refere à justiça até então adotada (Cifali, 2021, pCIFALI, A. C. As disputas em torno da definição do modelo de justiça juvenil do Estatuto da Criança e do Adolescente. Sociologias, ano 23, n. 58, set./dez. p. 138–167, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/soc/a/K8TvWZXZT843PDhKdHHWSbx/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 10 mar. 2023.
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. 139). O Estatuto da Criança e do Adolescente como novo marco jurídico no que se refere os direitos das crianças simboliza o direcionamento para a proteção integral, a busca pelo bem-estar e a garantia e exercício de direitos para crianças e adolescentes.

Dentre as disposições e direitos assegurados para as crianças e adolescentes que dizem respeito a diversas searas de suas vidas, considerando os direitos fundamentais à pessoa humana, a dignidade, a liberdade, a proteção integral e o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, o Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina a adoção, visa sempre proteger o melhor interesse do adotado. A adoção está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 395 5 Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei (Brasil, 1990). até 52-D (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. [Brasília], [1990]. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 10 mar. 2023.). Dentre as mudanças advindas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 está a eliminação da diferença entre “adoção plena” e “adoção simples”, anteriormente prevista, e estabeleceu que a adoção será realizada para crianças ou adolescentes de 0 a 18 anos e excepcionalmente até 21 anos de idade (Pereira, 2020PEREIRA, N. M. O processo de adoção e suas implicações legais. Instituto Brasileiro de Direito de Família. 2020. Disponível em: https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/1531/O+processo+de+ado%C3%A7%C3%A3o+e+suas+implica%C3%A7%C3%B5es+legais. Acesso em: 05 fev. 2023.
https://ibdfam.org.br/index.php/artigos/...
).

O Estatuto da Criança e do Adolescente é o principal marco jurídico brasileiro sobre adoção, buscando sempre a proteção integral da criança e do adolescente e primando pelo seu melhor interesse.

Em Portugal, a proteção à família, à infância e à juventude na Constituição de Portugal estão disciplinadas no Capítulo II – Direitos e deveres sociais, nos artigos 67º, 69º e 70º (Portugal, 1976PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa, 1976. Disponível em: https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx. Acesso em: 20 dez. 2021.
https://www.parlamento.pt/Legislacao/Pag...
)6 6 Art. 67º: Família: 1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para proteção da família: [...]; Artigo 69.º Infância: 1. As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. 2. O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. 3. É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar. Art. 70º. Juventude: 1. Os jovens gozam de proteção especial para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente: [...]. 2. A política de juventude deverá ter como objetivos prioritários o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efetiva integração na vida ativa, o gosto pela criação livre e o sentido de serviço à comunidade. 3. O Estado, em colaboração com as famílias, as escolas, as empresas, as organizações de moradores, as associações e fundações de fins culturais e as coletividades de cultura e recreio, fomenta e apoia as organizações juvenis na prossecução daqueles objetivos, bem como o intercâmbio internacional da juventude. . De forma similar com a Constituição brasileira, a Constituição portuguesa demonstra interesse e obrigações com a proteção da família, promoção de condições dignas de crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente, incumbindo o Estado e a sociedade à proteção e à promoção desses direitos.

A adoção internacional em Portugal está prevista no art. 61º da Lei nº 143/2015 (Portugal, 2015aPORTUGAL. Lei nº 143 de 8 de setembro de 2015. Regime Jurídico do Processo de Adoção. 2015a. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2423&tabela=leis&ficha=1&pagina=1. Acesso em: 28 jun. 2021.
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). Considera adoção internacional quando para a sequência da adoção ocorra a transferência da criança do seu país de origem para o país de residência habitual dos adotantes. Estipula ainda que, as questões relativas à determinação da lei aplicável e a competência será regulada pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil em matéria de competência internacional7 7 Artigo 61.º Objeto 1 – As disposições do presente título aplicam -se aos processos de adoção em que ocorra a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção. 2 – As questões relativas à determinação da lei aplicável e à competência das autoridades judiciárias são reguladas, respetivamente, pelas normas de conflitos do Código Civil e pelas disposições do Código do Processo Civil em matéria de competência internacional (Portugal, 2015a). . Além dos princípios norteadores da adoção, para a adoção internacional são aplicados os seguintes princípios: subsidiariedade, só é permitida a adoção internacional quando não é possível a colocação da criança em família do seu país de residência; cooperação internacional, exige a participação e colaboração obrigatória das autoridades centrais e competentes dos países envolvidos; colaboração interinstitucional, a nível interno, exige-se a colaboração entre a Autoridade Central para Adoção Internacional e outras autoridades diplomáticas e policiais (Portugal, 2015aPORTUGAL. Lei nº 143 de 8 de setembro de 2015. Regime Jurídico do Processo de Adoção. 2015a. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2423&tabela=leis&ficha=1&pagina=1. Acesso em: 28 jun. 2021.
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)8 8 Artigo 62.º Princípios orientadores Para além dos princípios referidos no artigo 3.º, a intervenção em matéria de adoção internacional obedece ainda aos seguintes princípios: a) Subsidiariedade – a adoção internacional só é permitida quando não seja possível encontrar uma colocação familiar permanente para a criança no seu país de residência habitual; b) Cooperação internacional – o processo de adoção internacional exige a participação e colaboração obrigatória e concertada das autoridades centrais e competentes dos países envolvidos, nos termos regulados nos instrumentos internacionais; c) Colaboração interinstitucional – a nível interno, o processo de adoção internacional exige a colaboração entre a Autoridade Central para a Adoção Internacional e outras autoridades, nomeadamente diplomáticas e policiais (Portugal, 2015a). .

A Lei nº 143/2015 de Portugal é o principal marco jurídico português para adoção, denominado Regime Jurídico do Processo de Adoção (RJPA), regula os processos de adoção nacional e internacional e a intervenção nesses processos das entidades competentes. Alterou o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966, e o Código de Registo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 131, de 6 de junho de 1995 (Portugal, 2015aPORTUGAL. Lei nº 143 de 8 de setembro de 2015. Regime Jurídico do Processo de Adoção. 2015a. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2423&tabela=leis&ficha=1&pagina=1. Acesso em: 28 jun. 2021.
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).

Os seus princípios orientadores são: o interesse superior da criança; obrigatoriedade de informação durante todo o processo de adoção; audição obrigatória da criança quando em condições de compreensão; participação, a criança e os candidatos à adoção têm o direito de participar das decisões; cooperação entre os intervenientes, as entidades e os candidatos à adoção; primado da continuidade das relações psicológicas profundas, a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes (Portugal, 2015aPORTUGAL. Lei nº 143 de 8 de setembro de 2015. Regime Jurídico do Processo de Adoção. 2015a. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2423&tabela=leis&ficha=1&pagina=1. Acesso em: 28 jun. 2021.
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_...
)9 9 Artigo 3.º Princípios orientadores. A intervenção em matéria de adoção obedece aos seguintes princípios orientadores: a) Interesse superior da criança – em todas as decisões a proferir, no âmbito do processo de adoção, deve prevalecer o interesse superior da criança; b) Obrigatoriedade de informação – a criança e os candidatos à adoção devem ser informados com precisão e clareza sobre os seus direitos, os objetivos da intervenção inerente ao processo e a forma como esta última se processa, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão que venha a ser tomada no âmbito do processo; c) Audição obrigatória – a criança, tendo em atenção a sua idade, grau de maturidade e capacidade de compreensão, deve ser pessoalmente ouvida no âmbito do processo de adoção; d) Participação – a criança, bem como os candidatos à adoção, têm o direito de participar nas decisões relativas à concretização do projeto adotivo; e) Cooperação – todos os intervenientes no processo e, designadamente, as entidades com competência em matéria de adoção, bem como os candidatos à adoção, têm o dever de colaborar no sentido da boa decisão do processo; f) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas – a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (Portugal, 2015a). .

Ainda, a proteção do melhor interesse da criança e do adolescente, nos processos de adoção, encontram respaldo jurídico na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1990; na Convenção relativa à Proteção das Crianças e a Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída na Haia, em 29 de maio de 1993 e, na Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e Convenção Interamericana sobre Restituição Internacional de Menores.

Principais convergências e divergências do processo de adoção de crianças e adolescentes nos ordenamentos comparados

A adoção internacional nos ordenamentos jurídicos do Brasil e de Portugal, seguem códigos, leis próprias, portarias e convenções, e entre estas há convergências e divergências, que restam ser analisadas (Houdali; Pires, 2009HOUDALI, A. S. H. M.; PIRES, V. P. K. A adoção internacional e suas diretrizes no direito brasileiro. 2009. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-64/a-adocao-internacional-e-suas-diretrizes-no-direito-brasileiro/. Acesso em: 28 jun. 2021.
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).

Pode-se esquematizar as principais convergências e divergências, conforme exposto no Quadro 1.

Quadro 1
– Convergências e divergências do processo de adoção de crianças e adolescentes

Observou-se, por meio do quadro comparativo, significativas diferenças entre as Legislações de Portugal e do Brasil. Na Legislação Brasileira, independente do estado civil, os maiores de 18 anos podem adotar, desde que o adotante seja pelo menos dezesseis anos mais velho do que o adotando. O ECA, também autoriza a adoção de crianças e adolescentes que tenham até 18 anos, cujos pais concordem com a adoção e desde que tenham sido destituídos do poder familiar, ou se forem falecidos, os maiores de 18 anos também podem ser adotados, observando outro procedimento da Lei.

Outro fato conflitante é que, diferentemente do Brasil, não há que se falar em adoção conjunta por aqueles que se encontram separados e/ou divorciados, conforme art. 1979º, 1, Código Civil português (Portugal, 1966PORTUGAL. Decreto-Lei nº 47.344 de 25 de novembro de 1966. Código Civil. 1966. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/122472197/201906281452/73729106/exportPdf/normal/1/cacheLevelPage?_LegislacaoConsolidada_WAR_drefrontofficeportlet_rp=diploma. Acesso em: 28 jun. 2021.
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).

Na Legislação Portuguesa, uma pessoa pode adotar se tiver mais de 30 anos, ou tenha mais de 25 anos, caso queira adotar o filho do cônjuge, conforme art. 1979º, 2, Código Civil Português, e duas pessoas, se forem casadas ou viverem em união estável há mais de 4 anos, se ambas tiverem 25 anos, a partir dos 60 anos também há exceções, ou seja, existem muito mais requisitos em Portugal que no Brasil acerca da idade para adotar. Também, podem ser adotadas, as crianças e adolescentes que tenham até 15 anos e menos de 18 anos, o que abrange uma exceção, neste caso, pelo art. 1980º, do Código Civil Português e somente pode adotar plenamente quem não tiver mais de 50 anos à data em que a criança ou adolescente lhe tenha sido confiado, exceto se o adotando for filho do cônjuge do adotante.

A Constituição Federal Brasileira, prima pela igualdade material entre filiação adotiva e natural, bem como, a lei prima pelo incentivo à adoção de irmãos, crianças mais velhas e/ou com deficiência, doenças crônicas ou necessidades específicas de saúde. Há previsão legislativa de punição para os adotantes que desistirem da adoção, no curso do período de pré-adoção no Brasil, bem como, tem a possibilidade de ocorrer a modalidade de adoção póstuma, e em Portugal não há igual previsão estabelecida em lei.

Conclusão

Pelo presente estudo, fora analisado o instituto jurídico da adoção de crianças e adolescentes sob os prismas dos Ordenamentos Jurídicos da República Federativa do Brasil e República Portuguesa. Verificou-se possível a percepção de similaridades e distinções no tratamento conferido à adoção, por meio da avaliação dos discursos doutrinários e normativos dos Países em questão e, assim, a compreensão dos possíveis avanços e/ou retrocessos entre os Ordenamentos Jurídicos.

Foi possível apurar com a pesquisa os apontamentos dos marcos teóricos que definem a adoção internacional como uma tipologia de filiação, identificando as convergências e divergências existentes nas categorias jurídicas previstas na legislação do Brasil e de Portugal consoante à adoção internacional, bem como, analisar o contexto sociocultural e econômico em ambos Países.

O Direito Internacional se constitui por Convenções, Acordos e Tratados entre Estados, objetivando organizar e melhorar as relações jurídicas entre Países. Ao dissertar sobre adoção internacional, deve-se atentar aos aspectos jurídicos de ambos os Países objeto de estudo, devendo levar em consideração também os aspectos sociais, afetivos, culturais, psicológicos, emocionais e culturais que envolvem a relação, levando em consideração o adotado como figura principal e que merece proteção do Direito e do Estado.

Com as mudanças históricas e legislativas, se demonstrou uma mudança paradigmática envolvendo a adoção e a filiação, na qual pode-se visualizar, que a adoção, seja nacional ou internacional, apesar de ser um instituto antigo, se adapta e se transforma conforme as mudanças gradativas da realidade em que se vive, independentemente do tempo, e isso se observa na visão atual da adoção, na qual o maior interesse são os vínculos afetivos dos envolvidos.

A adoção deve ser visualizada como um Instituto Protetivo da criança e do adolescente, fazendo-se efetivar as diretrizes que norteiam a adoção puramente e a modalidade internacional dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente juntamente com a documentação necessária, para que de fato se concretize a adoção.

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o conceito de família verificou um grande processo de reformulação, passando-se a considerar a afetividade como base para criação de vínculos e laços entre os membros da família brasileira. Em face desta realidade, a adoção nasce como forma de assegurar o direito da criança e do adolescente à convivência familiar, a partir de laços socioafetivos para seu desenvolvimento pleno.

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção brasileira baseou-se pela doutrina da Proteção Integral da criança e do adolescente, tornando-os protagonistas no processo de adoção. Neste entendimento, o desenrolar do processo judicial e a prolação da sentença constitutiva do vínculo devem ser guiados pelo princípio do Interesse Superior, quando da presença de reais vantagens da adoção e presença de vínculos de afetividade.

A análise do instituto da adoção numa proposta de determinada comparação entre o Sistema Nacional e de Portugal, demonstrou mais semelhanças que estranhezas, apresentando, assim, importantes traços de união entre estes países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

Os principais aspectos similares concernem ao fato da adoção ser uma das formas de vínculo de filiação caracterizada pelo afeto, com extinção dos vínculos biológicos prévios. Além disso, esta medida é fundamentada pelo princípio da Proteção Integral e do Superior Interesse da Criança, tanto no Brasil, quanto em Portugal. Logo, a criança e o adolescente são o foco do processo de adoção.

Entre as semelhanças acerca das previsões jurídicas sobre o instituto da adoção entre ambos Ordenamentos Jurídicos, pode-se dar como exemplo o vínculo dos mesmos à Convenção sobre os Direitos da Criança de 1990 e à Convenção Relativa à Proteção das Crianças e a Cooperação em Matéria de Adoção Internacional de 1993, bem como, o assunto ser destaque em ambas as Constituições.

Também, o instituto da adoção está previsto no Código Civil do Brasil e de Portugal, porém, e pelos novos paradigmas envolvendo a criança, como do princípio do melhor interesse, surgiu no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente, que regula a adoção, além de leis posteriores de atualização, como a Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009 e a Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. Já em Portugal, surgiu a Lei nº 143/2015, uma lei que visa o paradigma do melhor interesse da criança e do adolescente.

Nos Ordenamentos, o vínculo origina-se de um processo, com a intervenção de equipes multiprofissionais que, em conclusão, quando a adoção representar reais vantagens às crianças e adolescentes envolvidos, o vínculo será constituído por sentença judicial, possuindo caráter irrevogável, o que confirma o caráter assistencial do Instituto da adoção.

As principais distinções observam-se, principalmente, em avanços nacionais acerca do tema. Tal afirmação se dá, tendo em vista a igualdade material elencada pelo sistema jurídico pátrio, diante da ausência de distinção entre filiação e filiação adotiva, como ocorre no ordenamento jurídico luso. Não obstante, a socioafetividade tem destaque no ordenamento jurídico nacional, sendo possível a adoção “post mortem” sem a instauração de processo judicial prévio; o que não é possível em Portugal.

As alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente, devido à edição da Lei nº 13.509/2017, proporcionaram avanço significativo na adoção brasileira, devido ao estímulo de adoção de irmãos e/ou crianças e adolescentes com deficiência, doença crônica ou portadora de necessidades especiais, com a prioridade no cadastro de adotantes que optarem por esta adoção e à previsão de punição àqueles que desistirem da adoção no estágio de convivência, quando acarretar danos às crianças e adolescentes envolvidos.

Contudo, não há que se questionar quanto a evolução do instituto da adoção no contexto de Portugal, após a extinção da adoção restrita, com a edição do Regime Jurídico do Processo de Adoção (Lei nº 143/2015). E além, constatou-se avanços Portugueses sobre o tema que podem servir de inspiração para a política legislativa nacional. Dentre elas, destacam-se as previsões legislativas da adoção homoparental, acompanhamento pós-adoção, tendo em vista os possíveis desafios após a concretização da adoção e manutenção de contatos pessoais entre o adotado e seus familiares, no caso, os irmãos.

Apesar de certas diferenças, ambos Ordenamentos Jurídicos demonstram que o instituto da adoção se baseia pelo Princípio da Proteção Integral e do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, levando em consideração as Convenções internacionais as quais são signatários, adotando leis e regramentos para o início e conclusão da adoção, principalmente para a adoção internacional, modalidade excepcional, podendo ocorrer somente quando esgotadas as possibilidades de adoção nacional. O conjunto da pesquisa realizada, leva a crer, que ambos Ordenamentos Jurídicos prezam por adoções conscientes e de forma regular, porém, fica a percepção que a adoção internacional ainda ocorre pouco, tendo em vista toda a burocracia que a envolve, retirando de algumas crianças e adolescentes a oportunidade de ter uma família.

Assim, conclui-se que os Ordenamentos Jurídicos da República Federativa do Brasil e República Portuguesa, no que se refere especificamente ao Instituto da Adoção Internacional, adequaram as respectivas normatizações constitucionais e legislações infraconstitucionais em conformidade ao princípio da Proteção Integral à criança e ao adolescente, tomando por referência os aportes dos Tratados e Convenções Internacionais, resultantes de um movimento internacionalista, que solidificou critérios mais rígidos em defesa da Proteção Integral à criança e ao adolescente.

Notas:

Agradecimentos

Ao PPGD - Programa de Mestrado em Direito da Unochapecó.

Notes

  • 1
    A Convenção será aplicada quando uma criança com residência habitual em um Estado Contratante (“o Estado de origem”) tiver sido, for, ou deva ser deslocada para outro Estado Contratante (“o Estado de acolhida”), quer após sua adoção no Estado de origem por cônjuges ou por uma pessoa residente habitualmente no Estado de acolhida, quer para que essa adoção seja realizada, no Estado de acolhida ou no Estado de origem (Convenção de Haia, 1993CONVENÇÃO DE HAIA. Convenção relativa à proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 11 mar. 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
    ).
  • 2
    2 Art.1º Manter nos cadastros de pretendentes estrangeiros à adoção dos Estados, quer exclusivos da autoridade central, quer existentes em todas as Comarcas, hipóteses em que a comissão funciona como Banco de Dados, os pretendentes oriundos de Países que ainda não ratificaram a Convenção relativa à Proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional, pois, segundo a Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário, os Tratados e Convenções têm efeitos apenas “inter-partes”, não alcançando a terceiros Países; segundo o STF, as Convenções são hierarquicamente equivalentes a uma Lei Ordinária; não existe lei vedando Adoções Internacionais de crianças brasileiras nessas condições, apenas se sugerindo a emissão de regras, em cada uma delas, onde fique claro que, além do princípio da subsidiariedade que assegura preferências aos brasileiros, os pretendentes oriundos de países que ratificaram a Convenção também têm preferência sobre candidatos vindos de Países que não ratificaram (Brasil, 2000aBRASIL. Resolução nº 01/2000. I reunião do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras. 2000a. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=35433158-4a64-4823-87cf-4ca39b7f93ba&groupId=10136. Acesso em: 10 mar. 2023.
    http://www.tjrj.jus.br/c/document_librar...
    ).
  • 3
    Art. 1º Fica instituído o credenciamento de todos os organismos nacionais e estrangeiros que atuam em adoção internacional no Estado brasileiro, no âmbito da Autoridade Central Administrativa Federal. Parágrafo único. O credenciamento de que trata este artigo é requisito obrigatório para posterior credenciamento49 junto a Autoridade Central do país de origem da criança, bem como para efetuar quaisquer procedimentos junto às Autoridades Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal, na forma do Decreto nº 3.174, de 16 de setembro de 1999 (Brasil, 2005BRASIL. Decreto nº 5.491 de 18 de julho de 2005. Regulamenta a atuação de organismos estrangeiros e nacionais de adoção internacional. Brasília, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/D5491.htm>. Acesso em 28 jun. 2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
    ).
  • 4
    Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. [Brasília], [1990]. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 10 mar. 2023.).
  • 5
    Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. [Brasília], [1990]. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 10 mar. 2023.).
  • 6
    Art. 67º: Família: 1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para proteção da família: [...]; Artigo 69.º Infância: 1. As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. 2. O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. 3. É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar. Art. 70º. Juventude: 1. Os jovens gozam de proteção especial para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente: [...]. 2. A política de juventude deverá ter como objetivos prioritários o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efetiva integração na vida ativa, o gosto pela criação livre e o sentido de serviço à comunidade. 3. O Estado, em colaboração com as famílias, as escolas, as empresas, as organizações de moradores, as associações e fundações de fins culturais e as coletividades de cultura e recreio, fomenta e apoia as organizações juvenis na prossecução daqueles objetivos, bem como o intercâmbio internacional da juventude.
  • 7
    Artigo 61.º Objeto 1 – As disposições do presente título aplicam -se aos processos de adoção em que ocorra a transferência de uma criança do seu país de residência habitual para o país da residência habitual dos adotantes, com vista ou na sequência da sua adoção. 2 – As questões relativas à determinação da lei aplicável e à competência das autoridades judiciárias são reguladas, respetivamente, pelas normas de conflitos do Código Civil e pelas disposições do Código do Processo Civil em matéria de competência internacional (Portugal, 2015aPORTUGAL. Lei nº 143 de 8 de setembro de 2015. Regime Jurídico do Processo de Adoção. 2015a. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2423&tabela=leis&ficha=1&pagina=1. Acesso em: 28 jun. 2021.
    http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_...
    ).
  • 8
    Artigo 62.º Princípios orientadores Para além dos princípios referidos no artigo 3.º, a intervenção em matéria de adoção internacional obedece ainda aos seguintes princípios: a) Subsidiariedade – a adoção internacional só é permitida quando não seja possível encontrar uma colocação familiar permanente para a criança no seu país de residência habitual; b) Cooperação internacional – o processo de adoção internacional exige a participação e colaboração obrigatória e concertada das autoridades centrais e competentes dos países envolvidos, nos termos regulados nos instrumentos internacionais; c) Colaboração interinstitucional – a nível interno, o processo de adoção internacional exige a colaboração entre a Autoridade Central para a Adoção Internacional e outras autoridades, nomeadamente diplomáticas e policiais (Portugal, 2015aPORTUGAL. Lei nº 143 de 8 de setembro de 2015. Regime Jurídico do Processo de Adoção. 2015a. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2423&tabela=leis&ficha=1&pagina=1. Acesso em: 28 jun. 2021.
    http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_...
    ).
  • 9
    Artigo 3.º Princípios orientadores. A intervenção em matéria de adoção obedece aos seguintes princípios orientadores: a) Interesse superior da criança – em todas as decisões a proferir, no âmbito do processo de adoção, deve prevalecer o interesse superior da criança; b) Obrigatoriedade de informação – a criança e os candidatos à adoção devem ser informados com precisão e clareza sobre os seus direitos, os objetivos da intervenção inerente ao processo e a forma como esta última se processa, bem como sobre as possíveis consequências de qualquer decisão que venha a ser tomada no âmbito do processo; c) Audição obrigatória – a criança, tendo em atenção a sua idade, grau de maturidade e capacidade de compreensão, deve ser pessoalmente ouvida no âmbito do processo de adoção; d) Participação – a criança, bem como os candidatos à adoção, têm o direito de participar nas decisões relativas à concretização do projeto adotivo; e) Cooperação – todos os intervenientes no processo e, designadamente, as entidades com competência em matéria de adoção, bem como os candidatos à adoção, têm o dever de colaborar no sentido da boa decisão do processo; f) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas – a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (Portugal, 2015aPORTUGAL. Lei nº 143 de 8 de setembro de 2015. Regime Jurídico do Processo de Adoção. 2015a. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2423&tabela=leis&ficha=1&pagina=1. Acesso em: 28 jun. 2021.
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    ).
  • Agência financiadora

    Unochapeco.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação Não se aplica.
  • Consentimento para publicaçãoHá consentimento dos autores para publicação.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2023
  • Aceito
    21 Nov 2023
  • Revisado
    21 Fev 2024
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