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Análise experimental da capacidade portante em vigas com reforço de fibras de aço na face tracionada

Resumo

A utilização de fibras de aço no concreto visa aumentar principalmente a tenacidade, em função da aderência das fibras à matriz cimentícia. Entretanto como existem diversas tipologias de fibras de aço, as principais diferenças estão no fator de forma (relação entre comprimento e diâmetro), na geometria das fibras, e, na caracterização entre macrofibras e microfibras, que de modo geral servem para reduzir a macrofissuração e microfissuração, respectivamente. Dentro deste contexto, este trabalho avaliou a utilização de microfibras (20 kg/m³ ou volume igual a 0,26% (Vf) do volume de concreto), macrofibras (20 kg/m³ ou Vf = 0,26%) e a hibridização entre os dois tipos (microfibras (10 kg/m³) + macrofibras (10 kg/m³)) inseridas em um concreto de alta resistência (fc = 80 MPa). Foram utilizados dois tipos de fibras de aço: as macrofibras com diâmetro de 0,75 mm e comprimento de 60 mm (fator de forma igual a 80, com gancho na extremidade); e microfibras com diâmetro de 200 µm e comprimento de 13 mm (fator de forma igual a 65). As fibras foram utilizadas no concreto para atuar como reforço na face tracionada de vigas armadas (12×20×160cm), e foram analisadas as características mecânicas dos concretos: (i) resistência à flexão em corpos de prova prismáticos (10×10×35 cm), (ii) resistência à compressão em corpos de prova cilíndricos (20×Ø10 cm) e (iii) módulo de elasticidade em corpos de prova cilíndricos (20×Ø10 cm). Análise dos resultados mostraram que na resistência à compressão houve um acréscimo de aproximadamente 8% para todas as composições com fibras em relação ao concreto sem fibras. Quanto ao módulo de elasticidade foi verificado comportamento semelhante. Nos corpos de prova prismáticos (10×10×35 cm) ocorreu aumento na tenacidade, sendo que as macrofibras tiveram melhor desempenho. Nas vigas de 12×20×160cm, ocorreu aumento da capacidade portante, quanto ao momento de fissuração e rotação plástica, sendo que o melhor resultado também foi obtido com as macrofibras. De modo geral, pode-se concluir que a aplicação do reforço com fibras de aço na face tracionada das vigas foi eficiente, embora não apresentou aumento significativo na resistência à compressão, fato que pode estar correlacionado ao reduzido volume de fibras utilizado.

Palavras-chave:
reforço; concreto de alto desempenho; fibras de aço; microfibra; macrofibras

Abstract

The use of steel fibers in the concrete is mainly aimed at increasing the post-peak toughness, due to the adhesion of the fibers to the cementitious matrix. However, there are several typologies of steel fibers, and the main differences are in the form (relation between length and diameter), fiber geometry, and the characterization between macrofibers and microfibers, which generally serve to reduce macrocracking and microcracking, respectively. In this context, this work evaluated the use of microfibers (20 kg/m³ or volume equal to 0.26% (Vf) of concrete volume), macrofibers (20 kg/m³ or Vf = 0.26%) and hybridization (10 kg/m³) + macrofibers (10 kg/m³) inserted in a high strength concrete (fc = 80 MPa). Two types of steel fibers were used: macrofibers with a diameter of 0.75 mm and a length of 60 mm (a form factor of 80); and microfibers with a diameter of 200 μm and a length of 13 mm (a form factor of 65). The fibers were used in concrete to act as a reinforcement on the compression face of reinforced beams (12×20×160cm), and the mechanical characteristics of the concretes were analyzed: (i) flexural strength in prismatic specimens (10×10×35 cm), (ii) compressive strength in cylindrical specimens (20×Ø10 cm) and (iii) modulus of elasticity in cylindrical specimens (20×Ø10 cm). Analysis of the results showed that compressive strength increased by approximately 8% for all the compositions with fibers compared with concrete without fibers. Similar behavior was verified for the modulus of elasticity. In the prismatic specimens (10×10×35 cm) an increase in toughness was observed, with the macrofibers performing better. In beams measuring 12×20×160 cm, an increase in bearing capacity was verified regarding cracking time and plastic rotation, with the best result also obtained using macrofibers. Overall, it can be concluded that the application of reinforcement with steel fibers in the compression face of beams was efficient, even though it did not present a significant increase in compressive strength, a fact that could be correlated with the reduced volume of fibers used.

Keywords:
reinforcement; high-performance concrete; steel fibers; microfibers; macrofibers

1. Introdução

As estruturas de concreto armado, quando bem projetadas e executadas, possuem uma grande durabilidade, contudo necessitam de manutenções preventivas e corretivas para garantir a sua funcionalidade. Os reforços são soluções para evitar problemas na construção civil e ainda aumentar a capacidade portante dos elementos estruturais, que por diversos motivos não atendem mais os requisitos para os quais foram projetados [1[1] DEGHENHARD, C. C., TEIXEIRA, T., VARGAS, A., VITO, M., PICCININI, Â. C., DO VALE SILVA, B. Experimental analysis of various configurations of metal sheets in the reinforcement of flexion of reinforced concrete beams. ALCONPAT Journal, v. 6, p. 105-199, 2016.].

Uma das formas de reforçar e melhorar o desempenho das estruturas de concreto é a adição de fibras, que de uma maneira geral, causa um ganho de tenacidade, um aumento da resistência à ruptura estática, à fadiga dinâmica e ao impacto, melhoramento do comportamento à tração, redução das deformações de solicitação, e o controle de fissuras, considerando seu número e à velocidade de propagação. Esses efeitos contribuem, conjuntamente, com o aumento da durabilidade da estrutura, pois a presença das fibras colabora com a diminuição das aberturas das fissuras, bem como ajuda a controlar e retardar sua propagação, permitindo que ocorra de forma estável.

Com o tempo e os avanços tecnológicos, foram sendo investigados e desenvolvidos diferentes tipos de fibras, com características que as tornavam mais adequadas para a incorporação ao concreto, o que vem permitindo o desenvolvimento de uma geração de compósitos com propriedades cada vez melhores, e com desempenho muito superior ao tradicional, em alguns aspectos. É possível, por exemplo, encontrar na literatura mais recente referências feitas a termos como macrofibras e microfibras, usados para tentar diferenciar as fibras maiores e mais resistentes, que atuam primeiramente na pós-fissuração da matriz, das fibras menores e mais disseminadas, que atuam principalmente no retardo da fissuração [2[2] BERNARDI, S. T. Avaliação do comportamento de materiais compósitos de matrizes cimentícias reforçadas com fibra aramida Kevlar, 2003. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2003. ]. Um exemplo da contribuição das fibras no dimensionamento à flexão de uma viga de concreto armado [3[3] REAL, L.V., NOGUEIRA, A.B., SIMÃO, L., FIGUEIREDO, A.D. Contribuição das fibras de aço para o dimensionamento à flexão de viga armada. Revista Concreto & Construções, n 87, 2017.] mostram uma redução da área de aço iguais a 11, 17 e 21%, utilizando consumos de fibras de 20, 30 e 45 kg/m3 (utilizando fibra de aço Dramix RC 80/60).

Esse é um tema considerado relevante e atual, visto que muitas estruturas têm sido construídas com demanda crescentes de resistência e durabilidade, ou sujeitas às mais variadas solicitações oriundas de condições de suporte ou carregamento excepcionais. O presente estudo pretende avaliar o desempenho das microfibras de aço - em conjunto com as macrofibras - utilizadas em concreto armado como reforço estrutural.

2. Aspectos fundamentais dos compósitos de matriz cimentícia reforçados com fibras

Reestabelecer uma estrutura de concreto armado tem por objetivo retornar ao nível original a sua resistência ou aumentar a capacidade de carga da estrutura. O reforço é o ato de corrigir uma deficiência estrutural ou funcional que muitas vezes focaliza em apenas extinguir a taxa de deterioração. Por fim, espera-se que uma estrutura recuperada e/ou reforçada deva apresentar desempenho superior ao que ela apresentava antes da realização da intervenção. [4[4] FERRARI, V.J., HANAI, J.B. Flexural strengthening of reinforced concrete beams with carbon fibers reinforced polymer (CFRP) sheet bonded to a transition layer of high performance cement-based composite. IBRACON Structures and Materials Journal. v.5, n.5, p. 596-626, 2012.]

As fibras de aço foram escolhidas, assim como no trabalho desenvolvido por Quinino [5[5] QUININO, U. C. M. Investigação experimental das propriedades mecânicas de compósitos de concreto com adições híbridas de fibras. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil (UFRGS) Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS, 2015.], por serem as mais difundidas na área de reforço de matrizes cimentícias, em virtude dos inúmeros benefícios e a importância econômica deste material. Fibras agem como ponte de transferência de tensão através das fissuras, possibilitando que o concreto apresente maiores deformações na carga de pico, bem como tenha maior capacidade de carga pós-fissuração, ou seja, há aumento da ductilidade e da resistência residual à tração do material [6[6] FIGUEIREDO, A.D. Concreto reforçado com fibras, Tese de Livre-Docência, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. ]. Para Figueiredo [7[7] FIGUEIREDO, A.D. Concreto com fibras. Concreto, Ensino, Pesquisa e Realizações, São Paulo, Ed. Geraldo Cechella Isaia, IBRACON, p.1194-1225, 2005. ], a distribuição aleatória das fibras no material reforça a peça de modo global, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com armaduras convencionais no concreto armado. É necessário destacar que, de modo geral, a utilização das fibras como elemento de reforço não é considerada como sendo suficientemente eficiente para substituir as armaduras convencionais. Além disto, é imprescindível atentar para aspectos como a compatibilidade matriz-fibra e a aderência, para que se obtenha o resultado esperado.

Para Martineau e Agopyan [8[8] MARTINEAU, P., AGOPYAN, V. Conferência Magma I - Compósitos: material inovador. In: Arquimacom’2002. São Paulo, 2002.], a colocação das fibras contribuem no processo de fissuração, atuando como ponte de transferência dos esforços através de trincas, assegurando uma capacidade resistente após a abertura da mesma. Mehta e Monteiro [9[9] MEHTA, P. K. & MONTEIRO, P. J. M. Concreto: Microestrutura, propriedades e materiais. 2º Edição (português). São Paulo, IBRACON, 2014.] observam que mesmo portando deformações muito superiores a deformação da fratura do concreto convencional, os concretos reforçados com fibras, continuam a resistir a cargas consideráveis, sendo que a resistência última da primeira fissura, depende, intensamente de parâmetros da matriz, como também da influência das características das fibras. Existem ainda dúvidas quanto à eficácia da adição de fibras na melhoria da resistência última. Todavia, é consensual a aceitação do fato de que as fibras melhoram a ductilidade dos compósitos de base cimentícia.

3. Metodologia experimental

Primeiramente foram definidos 4 grupos: i) concreto sem fibras (A); ii) concreto com macrofibras (B); iii) concreto com microfibras (C); iv) concreto com micro e macrofibras (D). Para cada grupo foram produzidos 2 (dois) protótipos de vigas de concreto armado com dimensões de 12×20×160 cm, para ensaios à flexão instrumentado em 4 pontos, 2 corpos de prova cilíndricos (20×Ø10 cm), para ensaios de resistência à compressão axial e módulo de elasticidade, e, 2 corpos de prova prismáticos com dimensões de 10×10×35 cm, para determinação da resistência à flexão do concreto.

Para o dimensionamento dos protótipos, as vigas foram produzidas com seções transversais de 12×20 cm e 160 cm de comprimento. As armaduras de flexão foram dimensionadas segundo os critérios da NBR 6118 [10[10] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto. Rio de Janeiro, 2014.], considerando a resistência à compressão do concreto de 80 MPa e aço CA-50, adotando-se duas barras de 12,5 mm de diâmetro para armadura principal de combate ao esforço de flexão. Os estribos tiveram espaçamento de 10,0 cm e 12,5 cm e diâmetro de 5,0 mm. Além disso, foram utilizados espaçadores de 2,5 cm, para garantir o cobrimento da armadura.

Foram utilizadas macrofibras (presentes nos grupos B e D), com dimensões de 600 mm×0,75 mm (fator de forma igual a 80, denominação comercial RC 80/60 BN, fabricante ArcelorMittal/Dramix®), e microfibras (presentes nos grupos C e D), com dimensões de 13 mm×200 µm (fator de forma igual a 65, denominação comercial OL 13/.20, fabricante ArcelorMittal/ Dramix®).

A concretagem foi realizada em duas fases: Na primeira fase foram realizadas somente as concretagens de uma parcela das vigas (12×20×160 cm) dos grupos B, C e D, entretanto as vigas do grupo A (referência) foram concretadas na sua totalidade por não possuir reforço com fibras. Os corpos de prova prismáticos (10×10×35 cm) e os corpos de prova cilíndricos (20×Ø10 cm) sem adição de fibras foram concretados simultaneamente a esta primeira fase. Foi definida uma composição de concreto, utilizando o traço unitário de 1:2,3:2,7:0,4 (cimento:areia:brita:a/c). O cimento utilizado foi tipo CP-IV. A mistura foi realizada em betoneira com capacidade para 400 litros. A consistência do concreto foi medida pelo ensaio de abatimento e foi igual a 11 cm. Todas as vigas foram concretadas simultaneamente com concreto dosado em laboratório e adensadas com auxílio de vibradores de imersão e mesa vibratória. As vigas foram concretadas até uma altura de 13,75 cm. Essa limitação foi controlada no momento da primeira fase da concretagem, através de uma marcação interna na forma, ficando exposta a armadura de combate a flexão dos grupos B, C e D. A dimensão do reforço dos grupos B, C e D foi estabelecida como sendo duas vezes a dimensão do cobrimento das armaduras somado a uma vez o diâmetro da barra de combate a flexão (2,5+2,5+1,25=6,25 cm), esta dimensão foi mantida na concretagem da segunda fase (grupos B, C e D), variando-se apenas os tipos das fibras.

A segunda fase da concretagem das vigas (12×20×160 cm) ocorreu após 24 horas do final da primeira fase, porém a reconstituição do banzo tracionado das vigas dos grupos B, C e D, tiveram a presença de fibras nos 6,25 cm de espessura definidos. Não houve preparo da superfície, pois havia os estribos que serviriam de ponte de ligação (aderência) para o concreto novo. A quantidade de fibras inseridas nos grupos que receberam reforço foi de 20 kg/m³ ou Vf=0,26% em relação ao volume de concreto. Vale ressaltar, que os corpos de prova prismáticos (10×10×35 cm) e os corpos de prova cilíndricos (20×Ø10 cm) com adição de fibras foram concretados simultaneamente a esta segunda fase.

Após 24 horas de concretagem os corpos de prova cilíndricos foram desmoldados e colocados em cura submersa até idade de 28 dias para os ensaios de resistência à compressão axial [11[11] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5739: Concreto - Ensaio de compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2014.] e módulo de elasticidade [12[12] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8522: Concreto - Determinação do módulo estático de elasticidade à compressão. Rio de Janeiro, 2014.]. Os corpos de prova prismáticos e as vigas de concreto armado foram desmoldadas 14 dias após a última concretagem, posteriormente foram pintados para melhor análise de fissuras e identificados conforme as sequências dos grupos correspondentes, sendo que a idade de ruptura para todas vigas ocorreu após 28 dias de concretagem da 2ª fase. As vigas (12×20×160 cm) foram identificadas por: grupo A (Vigas A1 e A2), grupo B (Vigas B1 e B2), grupo C (Vigas C1 e C2), grupo D (Vigas D1 e D2). Sendo que as Vigas A1, B1, C1 e D1 se referem a vigas instrumentadas com Strain Gages, totalizando 4 vigas, já as identificadas como Vigas A2, B2, C2 e D2 tratam-se das vigas sem a presença de sensores ligados ao aço e ao concreto. Os corpos de prova prismáticos (10×10×35 cm) também receberam as nomenclaturas Ap, Bp, Cp e Dp, respectivamente para cada grupo.

Todas as vigas foram submetidas ao ensaio de flexão em 4 pontos. As cargas foram aplicadas de cima para baixo sobre um perfil metálico (Perfil I - 10×25,5 cm) que transferiu o carregamento para as vigas em duas cargas pontuais divididas exatamente nos terços do vão teórico da viga. As vigas foram posicionas sob um pórtico metálico de reação e a carga foi aplicada mediante um cilíndrico hidráulico de controle elétrico com capacidade de 500 kN. Os valores de carga foram registrados por meio de uma célula de carga disposta entre o cilíndrico hidráulico e a viga de distribuição (Perfil I - 10×25,5 cm). Foram avaliados os deslocamentos verticais em 3 pontos (LVDT 1, LVDT 2(centro), LVDT 3) ao longo do comprimento da viga com a utilização de transdutores indutivos de deslocamentos (LVDT - Linear Variable Differential Transformes). As deformações foram monitoradas por meio de extensômetros elétricos (strain gages) colados nos materiais em pontos estratégicos de deformação: no concreto e na armadura de flexão, como mostra o croqui da Figura 1. Os equipamentos foram conectados ao sistema de aquisição de dados QuantumX® com interface com o software Catman Easy®, ambos da HBM®.

Figura 1
Posicionamentos dos LVDT’s e SG’s ao longo da viga

As verificações foram feitas de modo a analisar o comportamento de cada grupo em diferentes instantes de aplicação de carga: i) quando atingido o deslocamento máximo permitido por norma (L/250); ii) na ruptura. No primeiro instante foi verificado o carregamento necessário para que as vigas atingissem o deslocamento máximo estabelecido por norma (L/250), foi considerado (L=150 cm) sendo o vão teórico das vigas, no qual foi encontrado um valor para o deslocamento de 6,0 mm. No segundo e último instante do ensaio, foi verificado o valor do carregamento e deslocamento que levaram a viga à ruptura. Com os resultados do ensaio de flexão, por meio das curvas de carga versus deslocamentos verticais, obtida com os LVDT’s, posicionados ao longo do comprimento, pode-se traçar a linha elástica experimental da viga. Com os valores de deformação pode-se ter uma melhor compreensão dos limites dos Estádios em valores de momento fletor de fissuração e momento fletor de plastificação. Foi possível caracterizar um modelo para o fenômeno de mudança de Estádios de deformação de uma viga reforçada com fibras através da observação da relação entre o momento fletor e a curvatura formada na seção transversal da viga. Por fim mapeou-se o desenvolvimento das fissuras e a forma ruptura.

4. Resultados e discussões

4.1 vigas de concreto armado (12 × 20 × 160cm)

4.1.1 Carregamento e deslocamento na ruptura

O carregamento, os deslocamentos atingidos na ruptura das vigas e os fatores de ductilidade podem ser observados na Tabela 1. O comportamento dos percentuais que justificam o aumento da capacidade portante entre os grupos, foram diferentes no deslocamento até a ruptura. Para levar as vigas do grupo B à ruptura, teve um incremento de carga de 3,5% superior ao grupo A. O grupo C foi 4,0% mais elevado em comparação ao grupo A, assim como o grupo D, que foi de 1,4%. Com relação aos deslocamentos, estes foram semelhantes e próximos entre todos os grupos. Ao analisar os valores médios de cargas na ruptura, apresentados na Figura 2, observa-se um aumento para as vigas B e C com uso das macrofibras e microfibras, respectivamente. Apesar do fator de forma menor, as microfibras mostram uma tendência de aumento, que pode ser associada a maior quantidade de fibras, e, devido a sua eficiência para reforçar a microfissuração, provocada antes da ruptura. Ao utilizar as macrofibras+microfibras (Grupo D), é observado uma redução de carga de ruptura da viga, mantendo o resultado superior às vigas de referência (Grupo A). Comparando este resultado com as fibras utilizadas isoladamente, a explicação mais plausível, seria uma perda de resistência devido à menor compacidade da matriz cimentícia composta com as duas fibras. Considerando o deslocamento na ruptura das vigas, o grupo C mostrou que as microfibras não contribuem para o aumento do deslocamento final antes da ruptura. O fator de ductilidade obtido entre a relação do deslocamento na ruptura e o deslocamento no momento de plastificação, mostrou que o grupo D apresentou melhor comportamento em relação ao grupo A de referência.

Tabela 1
Resultados do carregamento e deslocamento de ruptura das vigas (12 × 20 × 160 cm)

Figura 2
Análise dos resultados de carga na ruptura - vigas (12 × 20 × 160 cm)

4.1.2 Comportamento carga versus deslocamento

Na Figura 4, estão apresentados os gráficos de carga versus deslocamento de todas as vigas (12×20×160 cm). Observa-se que os comportamentos entre os grupos foram similares quanto às cargas últimas e nas cargas de serviço (L/250). Nota-se também, que as vigas de todos os grupos ultrapassaram o deslocamento máximo admitido por norma (L/250 = 6,0 mm) antes do colapso. Todas as vigas romperam por esmagamento do concreto da face comprimida.

Figura 3
Análise dos resultados do deslocamento na ruptura - vigas (12 × 20 × 160 cm)

Figura 4
Comportamento carga versus deslocamento - vigas (12 × 20 × 160 cm)

Para compreender a forma de ruptura e fissuras entre os grupos de vigas (12×20×160 cm), as imagens na sequência da Figura 5, ilustram estas particularidades. O grupo A, de referência e sem fibras na face tracionada, foi que apresentou maior número de fissuras visuais, ultrapassando até a região do terço médio. Os grupos B, C e D foram semelhantes em relação ao aparecimento de fissuras concentradas no terço médio do vão teórico da viga, e, também para o surgimento de algumas fissuras por cisalhamento.

Figura 5
Forma de ruptura e fissuras dos grupos das vigas (12 × 20 × 160 cm)

4.1.3 Análise das deformações específicas

O gráfico da Figura 6 apresenta as deformações específicas do concreto na face superior mais comprimida e a do aço na face inferior (barra de aço - Ø12,5 mm) mais tracionada, ambas localizadas na seção transversal central (Figura 1). Nota-se que as deformações finais no concreto e no aço foram similares entre os grupos, ficando aproximadamente 2200 µm/m para os concretos e 11000 µm/m para os aços. Entretanto, observa-se que os grupos B e D apresentaram uma deformação menor no aço entre as cargas de 10 kN e 20 kN, o que contribuiu para aumentar o momento de fissuração. Se for fixado um valor de carregamento (entre as cargas de 10 kN e 20 kN), pode ser observado que a menor deformação (aço) ocorre nas vigas com as microfibras e macrofibras, seguido das microfibras, após as macrofibras e por último e mais deformável o concreto de referência. Estes resultados mostram o potencial das microfibras em conjunto com as macrofibras, para a melhoria do comportamento estrutural de um reforço, atuando de forma conjunta, antes e após a ocorrência de fissuras. Pesquisas recentes mostram o efeito benéfico da utilização de fibras híbridas - macro e microfibras - melhorando a resistência a deformação em estados múltiplos de fissuração [13[13] PARK, S. H., KIM, D.J., RYU, G. S., KOH K. T. Tensile behavior of Ultra High Performance Hybrid Fiber Reinforced Concrete. Cement & Concrete Composites 34, 172-184, 2012.].

Figura 6
Deformações específicas do aço e concreto - vigas (12 × 20 × 160 cm)

4.1.4 Análise do diagrama momento - curvatura

A Tabela 2 apresenta os resultados de momentos e curvaturas e as diferenças em porcentagens com relação a viga referência e a Figura 7 observa-se os diagramas momento-curvatura para viga A1, B1, C1 e D1. O grupo B com a presença de macrofibras apresentou 6,5 vezes maior momento de fissuração superior ao grupo A (referência), seguidos dos grupos D e C. Quanto à rotação o grupo B foi 19,6 vezes superior ao grupo A (referência), seguidos dos grupos D e C referente ao momento de fissuração (Mr). Este comportamento mostra que as fibras aumentaram o momento de fissuração e rotação plástica, porém a adição isolada de microfibras foram as que menos contribuíram. A geometria das macrofibras, com ganchos e não lisas como as microfibras, contribuem para esta propriedade [13[13] PARK, S. H., KIM, D.J., RYU, G. S., KOH K. T. Tensile behavior of Ultra High Performance Hybrid Fiber Reinforced Concrete. Cement & Concrete Composites 34, 172-184, 2012.].

Figura 7
Diagrama momento - curvatura - vigas (12 × 20 × 160 cm)

Tabela 2
Resultados dos momentos e curvaturas das vigas (12 × 20 × 160 cm)

4.2 Propriedades mecânicas dos concretos

4.2.1 Resistência à compressão (f c ) e Módulo de elasticidade (E c )

Para caracterizar mecanicamente o concreto foram realizados ensaios de resistência à compressão e módulo de elasticidade à compressão. Para resistência à compressão a diferença máxima entre os grupos foi de 8,8%, sendo que os concretos com adições de fibras apresentaram resultados similares e superiores em aproximadamente 8% ao concreto sem fibras (Tabela 3). Segundo Mehta e Monteiro [9[9] MEHTA, P. K. & MONTEIRO, P. J. M. Concreto: Microestrutura, propriedades e materiais. 2º Edição (português). São Paulo, IBRACON, 2014.] o acréscimo de fibras de aço no concreto em teores inferiores a 2% em volume, exerce pouca influência na resistência à compressão. No entanto para concretos de alta resistência, é verificado aumento na resistência à compressão para concentração de 0,5% de microfibras [14[14] SU, Y., LI, J., WU, C. WU, P. LI, Z-X. Effects of steel fibres on dynamic strength of UHPC. Construction and Building Materials 114, 708-718, 2016.]. Para Su et al. [14[14] SU, Y., LI, J., WU, C. WU, P. LI, Z-X. Effects of steel fibres on dynamic strength of UHPC. Construction and Building Materials 114, 708-718, 2016.] ao utilizarem o teor máximo de 2,5% de microfibras de aço, de dois tipos, com fator de forma de 50 (6 mm×0,12 mm) e 125 (15 mm×0,12 mm), atingiram uma resistência à compressão de 114 MPa e 145 MPa, respectivamente. Neste trabalho, o fator de forma das microfibras foi de 65 (13 mm×0,2 mm), e uma concentração menor de fibras, podendo-se considerar os resultados de aumento da resistência satisfatórios, e, associado a maior resistência a propagação de microfissuras durante o carregamento.

Tabela 3
Resultados de resistência à compressão e módulo de elasticidade - CPs (20 × Ø10 cm)

Considerando o módulo de elasticidade, observa-se que a diferença máxima entre os grupos foi menor, de aproximadamente 6% (Tabela 3), entre o concreto com macrofibras e microfibras (Grupo B e C) para o concreto sem fibras. Esta diferença pode ter sido causada pela maior densidade do concreto com fibras.

4.2.2 Ensaio de flexão - corpos de prova prismáticos (10 × 10 × 35 cm)

Com relação a carga e deslocamento na ruptura (Figuras 8 e 9, respectivamente), os grupos C e D atingiram cargas maiores para o deslocamento na ruptura, sendo 13% superior do grupo C em relação ao grupo A com deslocamento médio de 0,27 mm, de mesmo modo, o grupo D apresentou um acréscimo de 8% para o deslocamento determinado de 0,30 mm. O grupo B não obteve aumento da resistência, em relação ao grupo A. Novamente é verificada esta tendência de aumento da resistência à fissuração, utilizando as microfibras ou as microfibras+macrofibras, em relação ao concreto sem fibras. Ao utilizar os corpos de prova prismáticos - ao invés de vigas de concreto armado - ficou mais evidente esta melhoria provocada pelas microfibras. Apesar das diferenças serem pequenas, o volume de fibras também é baixo (Vf=0,26%). Esta quantidade reduzida, foi utilizada por se tratar de um concreto a ser aplicado como reforço, mantendo-se assim a facilidade de aplicação. Este mesmo comportamento foi observado no deslocamento até a ruptura, considerando os corpos de prova prismáticos com fibras, nos quais as microfibras apresentam os melhores resultados.

Figura 8
Análise dos resultados de carga na ruptura - CPs prismáticos (10 × 10 × 35 cm)

Figura 9
Análise dos resultados do deslocamento na ruptura - CPs prismáticos (10 × 10 × 35 cm)

Com relação à tenacidade os resultados estão apresentados nas Figuras 10 e 11, e, mostram índice superior para o grupo B, utilizando macrofibras. Os grupos C e D apresentaram valores inferiores ao grupo B e superiores ao grupo A. A maior tenacidade causada pelas macrofibras, pode ser explicado, devido ao seu maior fator de forma, e consequentemente maior área de contato fibra-matriz. Complementarmente, as macrofibras com ganchos, melhoram a resistência pós-fissuração do concreto, se comparado com as fibras lisas [13[13] PARK, S. H., KIM, D.J., RYU, G. S., KOH K. T. Tensile behavior of Ultra High Performance Hybrid Fiber Reinforced Concrete. Cement & Concrete Composites 34, 172-184, 2012.].

Figura 10
Análise dos resultados de tenacidade - CPs prismáticos (10 × 10 × 35 cm)

Figura 11
Comportamento carga versus deslocamento - CPs prismáticos (10 × 10 × 35 cm)

5. Considerações finais

Referente ao estudo realizado pode-se chegar às seguintes conclusões:

  • Com relação aos resultados de carregamento e deslocamento (admitidos por norma L/250 e na ruptura) apresentados para as vigas de concreto armado (12×20×160 cm) e vigas de concreto (10×10×35 cm), conclui-se que para todos os grupos que continham fibras de aço na face tracionada, contribuíram para melhores resultados;

  • No diagrama momento - curvatura, todas as fibras aumentaram o momento de fissuração e rotação plástica;

  • As fissuras das vigas de 10×10×35 cm mostram que o grupo A teve comportamento frágil, levando a ruptura de forma brusca;

  • Os resultados de resistência à compressão foram superiores (8%) para os concretos com adições de fibras;

  • As macrofibras apresentaram os melhores resultados diante dos demais grupos, para as vigas de 12×20×160 cm, assim como para as vigas de 10×10×35 cm;

  • Comparando as microfibras, com as macrofibras, pode-se concluir que as microfibras melhoraram a resistência a flexão e os deslocamentos das vigas armadas, e, melhoraram a resistência à compressão, apesar do baixo volume utilizado. As macrofibras foram melhores para aumento da tenacidade ou comportamento após a ruptura;

  • O uso das fibras híbridas - macrofibras+microfibras - não teve um comportamento diferenciado entre as fibras utilizadas isoladamente, porém contribui para aspectos de melhoria - ainda que de forma menos significativa - na região de microfissuração e pós-fissuração do concreto.

Por fim, o método de aplicação do reforço com fibras de aço na face tracionada das vigas se mostrou eficaz, embora não apresenta incrementos de resistência elevados. As fibras contribuíram para uma série de resultados, atuando de forma eficiente no combate a fissuração.

6. Agradecimentos

Os autores são gratos pelo apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a empresa Belgo Bekaert pela doação das fibras utilizadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2017
  • Aceito
    11 Jun 2018
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