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Modelagem simplificada do processo de fissuração e colapso em pórticos e arcos de concreto armado

Resumos

A simulação consistente de processos de falha progressiva e colapso estrutural ainda é um problema aberto de grande interesse para a engenharia. Dentre as teorias que são capazes de modelar de alguma forma tal classe de problemas, a mecânica do dano contínuo é a maisrecente. Entretanto, um dos gargalos que ainda persistem é quando nas simulações numéricas a estrutura passa a apresentar o fenômenode localização de deformações, com consequente dependência dos resultados sobre a malha empregada. Para sanar este problema diversosmétodos ditos de regularização foram desenvolvidos. Todavia, apesar de eficazes, estes métodos podem inserir um grau de complexidadesignificativo nas abordagens numéricas. Neste trabalho propõe-se uma metodologia simplificada para análise estrutural não linear de pórticose arcos por meio da localização prévia dos fenômenos inelásticos em rótulas, posicionadas nas extremidades dos elementos finitos de barra earco. Desta forma é possível contornar a dependência de malha e reproduzir de forma satisfatória problemas reais, como mostram os exemplos de estruturas de concreto armado reunidos no fim deste artigo.

póticos; arcos; concreto armado; teoria de dissipação concentrada; localização


The consistent simulation of progressive failure and structural collapse processes still is a problem of great interest for the engineering. Among theories which are somehow capable of model such class of problems, the continuum damage mechanics is the latest. However, one of the issues that still persist is when in the numerical simulations the structure begins to present the strain localisation phenomenon, with consequent dependence of the results on the mesh used. To solve this problem several so-called regularisation methods were developed. Nevertheless, despite effectiveness these methods can insert a significant degree of complexity on the numerical approaches. In this paper is proposed a simplified methodology to nonlinear structural analysis of frames and arches by means of the previous localisation of inelastic phenomena on hinges, located on the edges of the finite elements of frame and arch. Therefore it is possible to circumvent the mesh dependency and to reproduce satisfactorily real problems, as the examples of reinforced concrete structures gathered at the end of this article.

frames; arches; reiforced concrete; lumped dissipation mechanics; localisation


Modelagem simplificada do processo de fissuração e colapso em pórticos e arcos de concreto armado

D. L. N. F. AmorimI; S. P. B. ProençaI; J. Flórez-LópezII

IDepartamento de Engenharia de Estruturas, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, SP, Brasil. davidnf@usp.br, persival@sc.usp.br

IIDepartamento de Engenharia de Estruturas, Universidad de Los Andes, Mérida, Venezuela. iflorez@ula.ve

RESUMO

A simulação consistente de processos de falha progressiva e colapso estrutural ainda é um problema aberto de grande interesse para a engenharia. Dentre as teorias que são capazes de modelar de alguma forma tal classe de problemas, a mecânica do dano contínuo é a maisrecente. Entretanto, um dos gargalos que ainda persistem é quando nas simulações numéricas a estrutura passa a apresentar o fenômenode localização de deformações, com consequente dependência dos resultados sobre a malha empregada. Para sanar este problema diversosmétodos ditos de regularização foram desenvolvidos. Todavia, apesar de eficazes, estes métodos podem inserir um grau de complexidadesignificativo nas abordagens numéricas. Neste trabalho propõe-se uma metodologia simplificada para análise estrutural não linear de pórticose arcos por meio da localização prévia dos fenômenos inelásticos em rótulas, posicionadas nas extremidades dos elementos finitos de barra earco. Desta forma é possível contornar a dependência de malha e reproduzir de forma satisfatória problemas reais, como mostram os exemplos de estruturas de concreto armado reunidos no fim deste artigo.

Palavras-chave: póticos, arcos, concreto armado, teoria de dissipação concentrada, localização.

1. Introdução

A mecânica do dano contínuo (vide [1], por exemplo) é a mais recente das grandes teorias para a descrição do processo de deterioração progressiva e falha estrutural. A ideia fundamental baseia-se na simples introdução de uma variável interna que caracteriza o estado de deterioração do material. Esta variável, comumente chamada dano, usualmente toma valores entre zero e um. O dano é introduzido nas leis de comportamento mediante o conceito de tensão efetiva combinada a uma hipótese de equivalência em deformações. A teoria tem sido muito exitosa na descrição local de uma grande variedade de mecanismos de deterioração.

A atividade científica nesta área tem sido muito significativa e, atualmente, o tema tem se tornado um dos mais importantes da mecânica do contínuo com aplicações na engenharia estrutural, em particular. Desde os primeiros artigos científicos publicados, em meados da década de sessenta do século passado, o número de trabalhos, conferências e revistas especializadas sobre o assunto tornou-se enorme. Apesar da intensa atividade científica e acadêmica, o número de aplicações práticas da teoria ainda é pequeno, sobretudo em razão da complexidade conceitual das respostas de amolecimento (encruamento negativo) por deformação, implícitas nos modelos constitutivos dos meios contínuos com dano. De fato, uma consequência da hipótese de equivalência em deformações é que a variável de dano se acopla às deformações, penalizando diretamente as propriedades elásticas, e às tensões, nas funções que controlam os processos de escoamento e encruamento plástico. Este caráter "parasita" da variável de dano conduz a uma perda de propriedades matemáticas fundamentais de unicidade e o problema torna-se mal colocado. Consequentemente, as análises podem ter uma infinidade de soluções, fazendo com que as soluções por elementos finitos não apresentem convergência mesmo com o refinamento da malha. É por isso que as versões clássicas da teoria do dano contínuo não são adequadas para as aplicações práticas. A busca de procedimentos de regularização dos modelos matemáticos de dano tornou-se, portanto, crucial.

Inicialmente os pesquisadores procuraram por métodos de regularização que pudessem ser utilizados em qualquer contexto ou aplicação. Dentre estes, os mais conhecidos e estudados são os modelos não locais de dano [2] e os similares, denominados modelos com gradientes de dano [3]. No entanto, estes enfoques também não têm se traduzido em aplicações práticas mais objetivas. Além dos aspectos matemáticos, as justificativas físicas destas classes de modelos são limitadas e, numericamente, os problemas tornaram-se demasiadamente complexos para se pensar na resolução de problemas reais de engenharia, que exigiriam abordagens tridimensionais.

Uma alternativa aos processos de regularização consiste no desenvolvimento de métodos simplificados. Este enfoque apresenta como principais vantagens: o bom condicionamento dos problemas matemáticos, na maioria dos casos; o bom entendimento, ou justificativa, dos métodos simplificados e a interpretação simples dos seus resultados. Finalmente, o esforço computacional é significativamente reduzido. Um dos métodos simplificados mais utilizados consiste na utilização de rótulas plásticas, ou inelásticas, acopladas ao dano. Essa combinação dá lugar às teorias de dano concentrado ou de dissipação concentrada (TDC). Tal abordagem tem sido utilizada com grande sucesso para a modelagem de pórticos de concreto armado [4-12] ou aço [13]. As rótulas com dano podem ser usadas para a modelagem da fissuração do concreto em estruturas de concreto armado, e da flambagem local em estruturas metálicas tubulares.

Até agora, a TDC tem considerado somente os casos de pórticos com elementos retos. Entretanto, arcos e anéis de concreto armado são também alternativas estruturais muito importantes, compondo, entre outras aplicações, suportes de pontes, reforços nos tetos de túneis e diversas estruturas de emprego na engenharia hidráulica e saneamento. Em termos da aplicação do método dos elementos finitos, a formulação de elementos de barra de eixo curvo não é novidade. Um elemento finito especial para arcos circulares elásticos foi proposto em [14]. Esse trabalho foi estendido para o caso de pórticos parabólicos [15]. Mais recentemente, propôs-se outro elemento de arco circular com rótulas plásticas [16]. Não obstante, nenhum desses estudos considera os fenômenos associados à fissuração do concreto.

Ocorre que o mecanismo de falha dominante em túneis, condutos e arcos é justamente a fratura do concreto quando as instabilidades estão controladas. Atualmente, duas alternativas para a modelagem desse fenômeno encontram-se descritas na literatura. A primeira está baseada na utilização de modelos de dano contínuo clássicos em combinação com elementos finitos de vigas, cascas ou sólidos (vide, por exemplo, [17]), com todos os problemas associados à localização já mencionados. A segunda consiste na utilização da mecânica da fratura [18]. Entretanto, a inclusão do efeito da armadura na propagação das fissuras e a própria complexidade da mecânica da fratura computacional tornam esta abordagem bastante difícil para aplicações práticas.

Neste trabalho apresenta-se uma teoria geral baseada na TDC para a análise de estruturas curvilíneas gerais. Esta generalização é conseguida combinando os métodos da TDC e os procedimentos apresentados em [14,16]. Consegue-se, dessa forma, um procedimento numérico muito eficiente para a análise de estruturas reais, utilizando poucos elementos, com boa precisão, permitindo a descrição da fase de amolecimento por deformação e que, portanto, inclui todas as informações necessárias para uma avaliação consistente. Espera-se que esta abordagem possa ser útil em termos práticos e venha a constituir- -se em alternativa interessante para subsidiar os projetos reais de engenharia estrutural.

Este artigo está organizado da seguinte maneira: nas duas seções seguintes, descreve-se uma teoria geral de pórticos inelásticos, empregando- se a notação introduzida em [19], considerada mais apropriada no caso de leis constitutivas complexas. Nas quatro seções que se seguem descreve-se o modelo proposto. Na continuação do artigo aborda-se um procedimento de implementação numérica no âmbito de programas de elementos finitos convencionais. O desempenho do modelo é ilustrado a partir de duas simulações numéricas apresentadas na penúltima seção do artigo.

2. Estática de estruturas compostas por elementos retos e circulares

Considere-se um pórtico plano composto por elementos circulares e retos, como indicado na figura 1. Segundo um sistema de referência global XGiZG, os deslocamentos generalizados de um nó i do pórtico estão representados por: ui, wii e as forças externas sobre o nó j são: Puj, Pwj, Pθj. O vetor de forças nodais externas de uma estrutura de n nós indica-se da seguinte maneira:


Considere-se agora um elemento b de pórtico, reto ou circular, definido entre os nós i e j. Os elementos retos ficam caracterizados pelas coordenadas dos nós no sistema global, enquanto que os elementos circulares precisam, além disso, também do raio Rb. O vetor das forças nodais internas geradas pelo elemento b indica-se da maneira seguinte:

Segue que as equações de equilíbrio quase estático podem ser escritas como:

onde, por consistência com a ordem dimensional de cada parcela da somatória, as matrizes de forças internas {QA}b são ampliadas incluindo zeros nos graus de liberdade que não correspondem aos nós do elemento:

Para cada elemento introduz-se um sistema de referência local xbzb, como ilustrado na figura 2. Nos elementos retos, a origem local coincide com o nó i e o eixo xb se alinha com a corda i–j. O ângulo entre os eixos local xb e global XG é representado por ab. Naturalmente, o ângulo ab e o comprimento Lb podem ser calculados a partir das coordenadas dos nós i e j segundo o sistema global. Já nos elementos circulares, a origem do sistema é colocada no centro do arco, o eixo zb passa pelo nó i e bb é o ângulo entre o eixo global ZG e local zb. O elemento forma um arco de círculo χb. Os ângulos βb e χb também podem ser calculados a partir das coordenadas dos nós e do raio do elemento, como se mostra no apêndice 1 apêndice 1 .


Utilizando a mesma abordagem utilizada em [19] para a análise de pórticos elásticos não lineares, define-se um segundo conjunto de variáveis estáticas atrelado à referência local: o vetor de tensões generalizadas do elemento (vide figura 3):


No vetor em questão, mi e mj são os momentos fletores nas seções i e j, respectivamente, e ni a força axial (compressão positiva) em i. Os vetores de forças internas e de tensão relacionam-se mediante a seguinte equação de equilíbrio estático:

onde [B]b é chamada de matriz de transformação cinemática do elemento b. A determinação da matriz [B]b para elementos retos e curvos é indicada no apêndice 2 apêndice 2 .

A matriz de forças externas também pode se relacionar com as tensões generalizadas combinando as equações (3,6):

onde a matriz de transformação cinemática dita ampliada constrói-se de maneira similar à indicada na equação (4).

3. Cinemática de estruturas incluindo elementos retos e circulares

Os vetores de deslocamentos nodais generalizados da estrutura de pórtico e de um elemento b entre os nós i e j são, respectivamente:

Ao nível do elemento, define-se, ainda, outra variável cinemática, {ε}b a matriz de deformações generalizadas , conjugada com as tensões generalizadas através da potência mecânica :

Por outro lado, as deformações generalizadas podem ser calculadas a partir dos deslocamentos nodais generalizados do elemento. Efetivamente, da combinação das equações (6-9) obtêm-se:

As deformações do elemento também podem ser calculadas a partir dos deslocamentos nodais do pórtico, utilizando a matriz de transformação ampliada:

Para o caso de pequenos deslocamentos, as matrizes de transformação que se referem às configurações original [Bo]b e deformada [B]b podem ser confundidas [19]:

Segue, então, que as equações cinemáticas e de equilíbrio estático podem ser escritas como:

4. Hipóteses de equivalência emdeformações e da dissipação concentrada

Na teoria clássica do dano contínuo (vide [1], por exemplo), o processo de degradação das propriedades mecânicas do sólido é representado mediante uma variável chamada de dano contínuo w que pode assumir valores entre zero e um. O dano contínuo introduz-se na lei constitutiva elástica do material utilizando o conceito de tensão efetiva (que ocorre na parte íntegra do meio com defeitos) e a hipótese de equivalência em deformações (a parte íntegra submetida à tensão efetiva apresenta a mesma deformação que a parte degradada sob tensão nominal):

sendo σ a tensão de Cauchy, ou nominal no caso de pequenas deformações, a tensão efetiva, E o modulo de elasticidade, e a deformação total específica e εp a parcela de deformação plástica. A relação constitutiva elástica, dada na equação (14), pode ser escrita também em termos de flexibilidade [9]. Dessa alternativa decorrem as seguintes relações:

A deformação específica total pode, portanto, ser decomposta em três partes: um termo elástico, calculado pela lei de Hooke, um termo de deformação plástica e um termo de dano, que decorre da acumulação de micro defeitos no material. Esta última parcela de deformação é nula quando não há dano e tende a um valor infinito quando o dano tende ao valor unitário. Das equações (15) também se pode interpretar que o material tem uma flexibilidade elástica inicial 1/E e uma flexibilidade adicional devido à deterioração do material expressa por: ω E(1−ω) . Naturalmente, a flexibilidade adicional não existe quando o material não apresenta danificação e tende a infinito quando o dano tende a um.

Para levar em conta os efeitos inelásticos de plastificação e dano, de modo simplificado no problema do pórtico, admite-se a hipótese de dissipação concentrada. Tal hipótese consiste em supor que todos os efeitos inelásticos são concentrados em rótulas plásticas com dano, de comprimento nulo. Assim, supõe-se que um elemento de pórtico combina um componente elástico e duas rótulas inelásticas localizadas nas suas extremidades (vide figura 4).


A aplicação da hipótese de equivalência em deformações neste contexto leva à seguinte expressão:

A matriz {εε}i,contém as deformações generalizadas do compo- nente elástico do elemento. Essas deformações expressam-se em função das tensões generalizadas, utilizando-se a matriz de flexibilidade elástica [Fo]:

As expressões para [Fo] nos casos dos elementos retos e curvos são apresentadas no apêndice 3 apêndice 3 .

5. Variáveis internas: rotações plásticas e danos nas rótulas

As rótulas podem experimentar rotações e alongamentos plásticos como os indicados na figura 5. Portanto a potência plástica no elemento é [16]:


onde são os momentos fletores e as forças axiais nos extremos i e j do elemento, conforme indicado no apêndice 2. Por outro lado, sejam as componentes da matriz de deformações plásticas generalizadas, então a potência plástica também pode ser escritada seguinte forma:

No caso de um elemento reto: e . Assim, da relação (19) obtém-se uma interpretação física para as componentes da matriz de deformações plásticas:

Isto é, os termos φip e φjp são as rotações plásticas nas rótulas i e je δ p é o encurtamento, ou alongamento, permanente do elemento.

No caso de um elemento de arco circular, tem-se: , e (vide a equação (2) do apêndice 3), logo:

Desta forma, φip e φjp não são exatamente as rotações plásticas. Entretanto, para arcos de grande raio e alongamentos permanentes pequenos esta diferença é desprezável, sendo possível admitir que φip e φjp sejam rotações plásticas.

Introduz-se, agora, um segundo conjunto de variáveis internas, reunido no vetor de dano nas rótulas: {D}t = (d ,d ). Essas variáveis tomam valores entre zero e um, como no caso do dano contínuo, mas medem densidades de macro fissuração no concreto e não de micro defeitos (vide figura 6).


Desta forma, de acordo com a hipótese de equivalência em deformações, as deformações devidas ao dano nas rótulas podem ser expressas como:

onde são os coeficientes da matriz de flexibilidade elástica do elemento. As equações (16,17 e 22) permitem escrever a lei de elasticidade de um elemento da seguinte maneira:

A relação anterior também evidencia que a matriz de flexibilidade do elemento pode ser descomposta em um termo elástico inicial e outro adicional devido ao dano. Quando o dano é zero a parcela adicional de flexibilidade é nula, já quando o dano se aproxima do valor unitário a flexibilidade adicional tende a infinito.

5.1 Critério de Griffith generalizado para o cálculo do dano em uma rótula plástica

Na Mecânica da Fratura clássica o critério de propagação de uma fissura em um meio contínuo é obtido a partir de um balanço de energia e fundamentado no conceito de taxa de liberação de energia. Uma abordagem análoga pode ser conduzida no caso de um elemento de pórtico [4]. A energia de deformação complementar Wb do elemento é:

Então, a taxa de liberação de energia das rótulas inelásticas é dada por:

Neste caso, a taxa da liberação de energia atua como um 'momento' termodinâmico condutor da fissuração. Com isso, o critério de Griffith estabelece que a propagação do dano em uma rótula i é possível só se o momento condutor igualar a resistência à fissuração, ou evolução do dano, R(di), valendo, para o elemento de barra, as seguintes condições:

onde ∆di e ∆dj representam os incrementos do dano nas rótulas i e j, respectivamente.

Uma relação para a resistência à fissuração foi proposta em [4] a partir de uma avaliação experimental como:

O elemento tem uma resistência à fissuração inicial R0 e um termo de encruamento logarítmico proporcional ao parâmetro q. Este último é a consequência do efeito da armadura no concreto armado, que dificulta a propagação das fissuras. A condição de propagação de Griffith, Gi = R(di ) , descreve, essencialmente, a relação entre o momento fletor sobre a rótula e o nível de dano, conforme se ilustra nafi gura 7. Os parâmetros R0 e q podem ser identificados de tal modo que a curva de comportamento passe pelos pontos correspondentes ao momento de fissuração da seção transversal Mcr e ao momento último resistente Mu [4]. Essa alternativa permite dispensar uma análise experimental para fins de identificação paramétrica, empregando- se, para tanto, apenas parâmetros e conceitos clássicos da teoria convencional do concreto armado.

Lei de evolução da rotação plástica em uma rótula com dano O último conjunto de equações necessárias para o modelo simplificado é a lei de evolução das deformações plásticas. Na teoria da plasticidade clássica essa relação é obtida a partir de uma função de escoamento. No modelo simplificado, introduzem-se duas funções: fi ≤ 0 e fj ≤ 0, uma para cada rótula inelástica do elemento, sendo o encruamento descrito por um modelo cinemático:

sendo My o momento de escoamento plástico efetivo e c a rigidez plástica efetiva. Ambos os parâmetros também podem ser calculados utilizando a teoria de concreto armado [4].

Desprezando-se os alongamentos plásticos, as leis de evolução das rotações plásticas decorrem de uma relação de complementaridade com as funções de escoamento:

Para levar em conta também os efeitos da fissuração do concreto, as funções de escoamento podem ser modificadas utilizando-se, novamente, a hipótese de equivalência em de formações em termos de rigidez. Sejam, então, os momentos efetivos sobre as rótulas e definidos da seguinte maneira:

Desta forma, as funções de escoamento com encruamento cinemático linear são assim reescritas:

6. Implementação numérica

Considere-se, novamente, a equação de equilíbrio (3):

A equação (32) estabelece que a solução só é obtida quando as forças residuais {Res}, definidas como a diferença entre as forças internas e externas, são nulas.

Um programa de elementos finitos é aqui composto por um conjunto de rotinas que processam os dados fornecidos pelo usuário, geram o processo de cálculo passo-a-passo da estrutura e possibilitam a análise dos resultados em forma gráfica ou tabulada. Em cada passo de cálculo, o programa resolve numericamente o problema definido pela equação matricial (32) e pelas condições de contorno. Estas condições estão definidas por valores de deslocamentos conhecidos nas regiões onde as forças são incógnitas e vice-versa.

Um elemento finito está fundamentalmente inserido na rotina que calcula as forças internas {Q}b a partir dos deslocamentos. O procedimento computacional que amplia as matrizes de forças internas e as combina na matriz de forças residuais é o bem conhecido algoritmo de montagem.

O elemento de pórtico proposto neste trabalho está então definido pela equação cinemática (13a), que permite o cálculo das deformações a partir dos deslocamentos, pelas leis de elasticidade (23), dano (26) e plasticidade (28), que permitem o cálculo das tensões generalizadas e das variáveis internas a partir das deformações e, finalmente, pela equação de equilíbrio (13b), que dá as forças internas a partir das tensões.

O sistema de equações de equilíbrio global da estrutura (31) é, em geral, não linear. Portanto, tal sistema deve ser resolvido mediante linearização do sistema combinada com algum método iterativo para correção da estimativa de solução, sendo usualmente empregado o método de Newton ou alguma de suas variantes. Neste caso, em decorrência da linearização, também se faz necessário o cálculo das matrizes de rigidez tangentes, ou jacobiano, das forças internas: .

Note-se que o modelo constitutivo, representado pelo sistema de equações (23,26,28) para o cálculo das tensões e variáveis internas, também é não linear. Portanto, faz-se necessário o emprego do método de Newton combinado a uma estratégia de previsão e correção em caráter local. Vale salientar que uma característica especial desse tipo de problema local é que as condições de convergência variam significativamente com o dano, ou seja, quanto maior o valor do dano a ser calculado menor deve ser o tamanho do incremento. Além disso, os acréscimos no carregamento são usualmente acompanhados pela concentração de dano em poucas rótulas. É por isso que o procedimento clássico, que consiste em utilizar o mesmo passo de cálculo para o problema de equilíbrio global e para os problemas locais, não é eficiente. Neste casso e preferível utilizar passos de cálculo diferentes em cada elemento [20]. A figura 8 mostra um possível algoritmo baseado nesta ideia.


7. Exemplos

7.1 Segmento de túnel pré-moldado

Em [21] foram realizados ensaios experimentais sobre segmentos pré-moldados que compõem o túnel Brennero, que liga a Itália à Áustria. Seis segmentos compõem uma seção transversal do túnel, apresentando comprimento circunferencial total de 19 m e 6 m de diâmetro externo. O tipo de segmento analisado apresenta dimensões de espessura, comprimento e largura iguais a 200 mm, 3640 mm e 1500 mm, respectivamente (vide figura 9).


O segmento pré-moldado analisado em [21] apresenta concreto com resistência característica à compressão de 50 MPa e armadura de flexão composta por barras com 8 mm de diâmetro (vide figura 10).


Dentre os ensaios realizados descritos em [21] para este tipo de segmento, escolheu-se o de flexão por três pontos (figura 11) a fim de avaliar a resposta do modelo proposto.


Assim, tomando-se partido da simetria do problema, a simulação foi realizada utilizando-se apenas dois elementos finitos de arco (figura 12).


De posse das propriedades dos materiais adotados e das características da seção transversal [21], com recurso à teoria clássica do concreto armado foram obtidos diagramas de interação entre força axial e momento de flexão na seção (figura 13). Como o esforço axial ao longo da direção longitudinal do túnel pode ser negligenciado, do diagrama de interação foram identificados os valores de 451 tf.cm, 550 tf.cm e 916 tf.cm para os momentos crítico, plástico e último, respectivamente.


A comparação entre as respostas numérica e experimental, em termos dos valores de carga contra deslocamento para o ponto de aplicação da força, está apresentada na figura 14. Observa-se que a solução numérica resultou bem ajustada à resposta experimental.


7.2 Segmento protendido de túnel

Para a construção de um túnel específico (figura 15a) na cidade de Osaka [22], Japão, foram utilizados segmentos pré-moldados de concreto (figura 15b).


Para análise do comportamento estrutural foram realizados ensaios de flexão em quatro pontos (figura 16) em corpos de prova compostos por dois segmentos pré-moldados, aplicando-se força de protensão de 29,4 kN em cada cordoalha, [22]. No arranjo experimental a semicircunferência formada pela montagem supracitada foi simplesmente apoiada em sua base, sendo o carregamento aplicado em dois pontos, equidistantes 450 mm da seção central do corpo de prova (vide figura 17).



A resposta obtida com o modelo proposto (figura 19) foi comparada com a resposta experimental média extraída de [22]. Vale ressaltar que os parâmetros do modelo para este problema foram aferidos experimentalmente, considerando-se inclusive a protensão aplicada.



Observa-se que o modelo proposto consegue acompanhar, de forma satisfatória, a resposta média experimental, inclusive no seu trecho descendente. Este trecho decorre do fenômeno de localização dos efeitos inelásticos na região logo abaixo da carga aplicada. No modelo proposto, este fenômeno foi captado numa das rótulas plásticas (figura 20a), onde as evoluções do dano (figura 20b) e da rotação plástica passaram claramente a se concentrar, atingindo valores preocupantes em relação à integridade da estrutura.


Na figura 21 estão sobrepostos os gráficos apresentados nas figuras 19 e 20b, para melhor análise dos resultados.


Na figura 21 observa-se que o dano nas rótulas evolui rapidamente na primeira etapa do carregamento, quando o efeito inelástico decorre apenas fissuração do concreto. Logo que a armadura inicia seu processo de plastificação o crescimento do dano passa a ser menos acelerado. No instante em que a estrutura atinge o valor máximo de resistência ao carregamento medido experimentalmente (vide [22]), o dano na rótula '2' apresenta-se com intensidade em torno de 0,6, valor já considerado excessivo para estruturas de concreto armado, [23]. A partir deste ponto, a estrutura analisada continua a se deformar, num processo de deslocamento controlado, com força de reação ao deslocamento aplicado decrescente. As respostas do dano, e também a deformação plástica, passam a ser constantes nas rótulas '1' e '3'. Entretanto, o dano (e também a deformação plástica) continua a evoluir na rótula '2'. Assim, é possível afirmar que a partir deste ponto da análise ocorre o fenômeno da localização dos processos inelásticos. Vale salientar que a rótula '4' não teve seus processos inelásticos ativados ao longo de toda a análise.

8. Conclusões

A formulação proposta neste trabalho tem por objetivo descrever com boa aproximação o comportamento de estruturas reticuladas em presença de concentração de efeitos inelásticos. Para avaliação da resposta numérica do modelo foram considerados dois ensaios experimentais de estruturas compostas por arcos circulares. No primeiro exemplo, além da boa precisão, em certo sentido a própria robustez da formulação proposta foi posta à prova, uma vez que a obtenção dos parâmetros foi feita por meio da teoria convencional de concreto armado. Já no segundo exemplo, observou- se que a formulação também é capaz de reproduzir, de forma muito satisfatória, o fenômeno de localização dos processos inelásticos. Assim sendo, evidenciou-se que o modelo simplificado de dano e plasticidade proposto é capaz de reproduzir, de modo consistente, regimes de comportamentos não lineares reais de estruturas de concreto armado.

9. Referências bibliográficas

Received: 20 Nov 2013

Accepted: 25 Jan 2014

Available Online: 13 Feb 2014

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apêndice 1

apêndice 2

apêndice 3

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Fev 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Nov 2013
  • Aceito
    25 Jan 2014
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