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Colonialismo, plantation e Antropoceno: o controle sobre corpos e territórios

Colonialism, plantation and Anthropocene: the control over bodies and territories

RESUMO

Neste ensaio, apresentamos uma análise sobre as transformações provocadas nas agriculturas do Holoceno pela plantation. A partir do colonialismo, foram instituídos processos que produziram alterações devastadoras no planeta, destruindo espaços-tempos de refúgios para pessoas e outros seres, o que ocasionou o Antropoceno - período que remete às mutações geológicas decorrentes da ação humana. Como contraponto a esse modelo extrativista de corpos e territórios, discutiremos a agroecologia enquanto correlação de práticas, movimentos sociais e ciências que conectam modos de existência e conhecimentos ancestrais dos povos da terra, criando possibilidades de ressurgências multiespécies frente às catástrofes.

PALAVRAS-CHAVE
Multiespécies; agriculturas; agroecologia.

ABSTRACT

In this essay, we present an analysis of the transformations caused in Holocene agriculture by plantation. Since colonialism, processes were instituted that produced devastating changes on the planet, destroying space-times of refuges for people and other beings, which caused the Anthropocene - a period that refers to geological mutations resulting from human action. As opposed to this extractive model of bodies and territories, we will discuss agroecology as a correlation of practices, social movements and sciences, that connect modes of existence and ancestral knowledge of the peoples of the earth, creating possibilities for multispecies resurgence in the face of catastrophes.

KEYWORDS
Multispecies; agricultures; agroecology.

Holoceno e Antropoceno (Plantationoceno): alterações geológicas do planeta

Este ensaio propõe refletir sobre as alterações provocadas nas agriculturas do Holoceno a partir do colonialismo com a instituição da plantation. Para Anna Tsing (2019)TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019., as culturas agrícolas, compostas de humanos, plantas, animais e outros existentes, floresceram no período denominado Holoceno, que remete a cerca de 12.000 anos atrás. As relações multiespécies estabelecidas nessa temporalidade constituíram modos de existência relacionados a diversas formas de cultivo, habitação, alimentação, cura e conhecimentos - em que os seres cocriaram territórios sociobiodiversos. No entanto, essas relações holocênicas foram profundamente alteradas nos últimos séculos, ocasionando o que Isabelle Stengers (2009)STENGERS. Isabelle. Au temps des catastrophes: résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte, 2009. nominou como tempo das catástrofes e da intrusão de Gaia3 3 Gaia foi a nomeação dada por Lynn Margulis e James Lovelock, nos anos 1970, para o sistema Terra, indicando que ela é dotada de um regime de atividade próprio, um agenciamento de relações em que estão envolvidos, ao mesmo tempo, os seres vivos, os oceanos, a atmosfera, o clima e os solos (STENGERS, 2009). para evidenciar as mutações climáticas ocorridas no planeta, para as quais estamos mal preparados. A autora demonstra que os tempos mudaram e questiona sobre o que a percepção dessa transformação nos obriga a fazer.

Esse período de grandes transformações, de origem antrópica, é caracterizado como Antropoceno - nomeação proposta por Paul Crutzen e Eugene Stoermer (2000)CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, v. 41, p. 17-18, maio/2000. Disponível em: https://acesse.dev/qe4ae. Acesso em: 27 set. 2023.
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. Essa era faz referência à forma pela qual “os humanos se tornaram uma força geológica, capaz de destruição planetária” (CADENA, 2018CADENA, Marisol de la. Natureza incomum: histórias do antropo-cego. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 69, 2018, p. 95-117. https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i69p95-117.
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, p. 100). Tal novo regime climático, segundo Bruno Latour (2020)LATOUR, Bruno. Onde aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020., está no centro dos problemas geopolíticos, ligados às injustiças e desigualdades, que rompem fronteiras nacionais e seus muros pela difusão da erosão, poluição e destruição massiva dos habitats. O autor chama a atenção para como os planos de modernização e desenvolvimento dos países não são compatíveis com o planeta, visto que os modernos seguem saqueando o solo, usando e abusando dele e, assim, a Terra começa a revidar de forma cada vez mais violenta às suas investidas.

Não obstante, esse conceito passou a ser questionado por diversas(os) autoras(es), que interrogaram quem é o “nós”, o Anthropos (do Antropoceno). Conforme afirmam Débora Danowski e Eduardo Viveiros de Castro (2014)DANOWSKI, Débora; CASTRO, Eduardo Viveiros de. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014., essa noção assume diferenças quando observamos o Ocidente, que se definiu como moderno, e os outros coletivos. Levando em conta essas reflexões, conectamo-nos a análises que consideram que o colonialismo - estabelecido no final do século XV e início do século XVI, no acontecimento da “descoberta da América” - estabeleceu a difusão da plantation, que culminou em alterações planetárias, iniciando-se, assim, uma nova era geológica, que hoje conhecemos como Antropoceno. Esse período é marcado por genocídios, ecocídios e epistemicídios, em que as terras e os territórios dos povos indígenas foram expropriados pela violência colonizadora.

Em razão disso, Donna Haraway (2016)HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica, n. 5, p. 139-146, 2016. propõe nomear essa era como Plantationoceno, pois é marcada pelo controle dos corpos, pela concentração de terras e pela centralização do poder político e econômico nas mãos de um número reduzido de homens, brancos, europeus e cristãos. Em diálogo com a autora, Tsing (2019TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019., p. 235) argumenta que as plantations “disciplinam os organismos como recursos, removendo-os de seus mundos de vida”, padronizando e maximizando a velocidade e a eficiência da replicação de monoculturas, em configurações de escalabilidade na qual as diversidades biológica e cultural são consideradas inimigas do progresso moderno. Esse modelo se alicerçou sobre a violência e exploração de povos da América e da África que foram escravizados; sobre a extração de florestas, minérios e monoculturas, visando acumular capital4 4 Outro termo para definir essa era é o Capitaloceno, proposto Jason Moore e Andreas Malm (HARAWAY, 2016). e lucros nas metrópoles (FERDINAND, 2022FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Editora Ubu, 2022.). Tal padrão foi intensificado e acelerado, alguns séculos depois, com a industrialização, provocando o tempo das catástrofes no qual nos encontramos.

Assim, a empresa monocultora “foi o motor da expansão europeia” (TSING, 2015TSING, Anna. Margens indomáveis: cogumelos como espécies companheiras. Tradução: Pedro Castelo Branco Silveira. Ilha - Revista de Antropologia, v. 17, n. 1, p. 177-201, 2015. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8034.2015v17n1p177.
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, p. 189), que se difundiu por meio do mercado de distribuição global de produtos, pautado nas commodities para o comércio internacional, principalmente para o abastecimento dos países centrais do sistema mundo colonial moderno (WALLERSTEIN, 2001WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo histórico e civilização capitalista. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.; QUIJANO, 2005QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder: eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005, p. 117-142.). Essa forma ordenada e controlada de produção gera lucros enormes, por um lado, e misérias extremas, por outro. Conforme apontou Frantz Fanon (2005)FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005., enquanto os países que foram subdesenvolvidos com o colonialismo atravessam situações de uma geografia da fome, as elites dos países colonizadores (do Norte Global) mergulham na opulência ostensiva que foi construída sobre as costas dos escravizados e da riqueza retirada do solo e do subsolo das regiões colonizadas (do Sul Global).

Desse modo, foram propagadas simplificações dos ecossistemas por meio do bloqueio das paisagens multiespécies (TSING, 2019TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.), que culminaram na extinção de seres que não foram considerados passíveis de se tornarem recursos escaláveis, classificados como pragas ou ervas daninhas5 5 Rachel Carson (2010) explica que essas noções remetem, em geral, às plantas silvestres que não são vistas com alguma utilidade imediata pela agricultura moderna e, portanto, não são cultivadas, além de que sua presença é considerada indesejável ou indiferente por qualquer razão, sendo por isso condenadas à destruição imediata. Situação semelhante também ocorre com os animais, como, por exemplo, insetos, aves etc. Atualmente, essa eliminação ocorre pela aplicação de agrotóxicos, substâncias que afetam aqueles seres, diretamente alvos da pulverização, e todos aqueles ao alcance dos resíduos desses produtos químicos. , o que vem provocando a alteração do clima e transformações devastadoras no planeta. Assim, “a maioria das reservas da terra foram drenadas, queimadas, esgotadas, envenenadas, exterminadas e […] exauridas”, destruindo os “espaços-tempos de refúgio para as pessoas e os outros seres” (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica, n. 5, p. 139-146, 2016., p. 140 e 144). Nesse sentido, o Antropoceno emerge como um acontecimento que remete à depredação e à produção de morte da Terra e da diversidade de entes que nela convivem e coexistem, e que provoca as diversas (e constantes) “crises”, tais como epidemias, colapsos ecossistêmicos e ambientais.

Portanto, desde o Holoceno, diferentes comunidades camponesas cultivaram relações multiespécies, compostas de variedades de práticas e saberes milenares, ligadas aos seus ecossistemas locais e transmitidas entre as gerações (TSING, 2019TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.). Essas tecno(eco)logias refletem cosmovisões complexas criadas por humanos e extra-humanos. No entanto, com o avanço da plantation, os diversos povos foram perdendo as terras onde viviam e seus conhecimentos. Ao mesmo tempo, é nas margens desse modelo que se estabelecem resistências e ressurgências.

Colonialismo/colonialidade/modernidade: a replicação da plantation

A fim de compreender como o modelo da plantation produziu as formas de destruição que provocaram as mutações climáticas, é fundamental analisar como foi instituído o padrão de poder colonial moderno, que iniciou a partir de 1492, com o “descobrimento” do território de Abya Yala. É importante observar que esse continente já era habitado por milhões de pessoas (KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.), e que a violência colonial fomentou o encobrimento dos povos que aqui viviam (DUSSEL, 1993DUSSEL, Enrique. O encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.), estabelecendo a noção de terra nullius. Os colonizadores passaram a narrar e escrever a história dos territórios como suas epopeias, o começo absoluto, visando controlar a terra e os corpos. Fanon (2005)FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005. analisou como o colonialismo destruiu modos de vida, territórios, práticas e saberes coletivos desses povos.

Tal sistema de subalternização teve como base a ideia de raça, que foi estabelecida para classificar a população mundial, indicando uma suposta diferença de estrutura biológica que foi associada à inferiorização de uns em relação a outros, respectivamente, não europeus e europeus (QUIJANO, 2005QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder: eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005, p. 117-142.). Essa imposição de uma hierarquia racista, pautada no eurocentrismo, atribuiu humanidade apenas ao colonizador, enquanto os demais coletivos foram definidos como selvagens, bárbaros e primitivos, provocando o genocídio de povos indígenas e a escravização de africanos (FERDINAND, 2022FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Editora Ubu, 2022.). Grada Kilomba (2019)KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. denuncia o racismo como a base da plantation, em que sujeitos foram aprisionados e subordinados por estruturas coloniais violentas que seguem se reproduzindo. Mesmo com a abolição da escravatura, no século XIX, esse modelo não parou de operar, perpetuando-se através das formas de exploração e precarização da vida, da concentração da propriedade da terra e do avanço das monoculturas sobre as florestas e territórios ancestrais.

Também as mulheres, principalmente aquelas dos povos colonizados, foram subalternizadas, desconsiderando-se seus modos de existência e seus conhecimentos. Conforme María Lugones (2014)LUGONES, María. Rumo a um feminismo decolonial. Estudos Feministas, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013.
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, a violência colonial incidiu sobre seus corpos através de formas de controle em que o patriarca passou a ser o representante do Estado no nível da unidade doméstica e seu poder foi relacionado à propriedade privada e à herança. De modo semelhante, Tsing (2015TSING, Anna. Margens indomáveis: cogumelos como espécies companheiras. Tradução: Pedro Castelo Branco Silveira. Ilha - Revista de Antropologia, v. 17, n. 1, p. 177-201, 2015. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8034.2015v17n1p177.
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, p. 186) argumenta que “tanto as mulheres quanto os grãos foram confinados e manejados para maximizar a fertilidade” da plantation.

A apropriação colonial da terra e dos corpos ocorreu por meio de dispositivos de regulação jurídica que impuseram leis produzidas pelo militarismo, cristianismo e poder de Estado. Tal sistema forjou as instituições modernas, ligadas a uma divisão geopolítica entre o que foi considerado centro (a Europa) e periferia (os demais lugares do planeta e seus coletivos). Além disso, ela está pautada em estruturas coloniais que perpetuam desigualdades e opressões interseccionais de raça, gênero e classe (DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.). Os Estados monárquicos e cristãos (posteriormente, liberais e neoliberais) buscaram dominar povos e territórios por meio da expropriação de terras e daqueles que nelas viviam, do extrativismo de minérios e de florestas (SVAMPA, 2019SVAMPA, Maristella. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. São Paulo: Elefante, 2019.), além da divisão internacional do trabalho (WALLERSTEIN, 2001WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo histórico e civilização capitalista. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.). Essas formas de violências foram a base do acúmulo de riqueza para os colonizadores, que estabeleceram sobrecodificações6 6 O conceito de sobrecodificação é proposto por Deleuze e Guattari (1997), e neste artigo referimo-nos ao desmonte dos modos de existência dos povos da terra, visto que sobre eles foi imposto outro tipo de codificação, regido pelo Estado, que integra as áreas desses coletivos à propriedade privada, aos títulos fundiários e ao mercado de terras. das diversidades existentes, difundindo a produção monocultural de commodities e do pensamento.

Ao longo de séculos, foram elaboradas narrativas oficiais, pelos colonizadores e inquisidores, nas quais essas atrocidades eram escamoteadas em nome daquilo que definiam como civilização, progresso, crescimento e desenvolvimento. Essas noções foram difundidas como processos lineares, pautados na concepção da flecha do tempo única, que partia das sociedades classificadas pelo colonialismo como “selvagens, primitivas” para as sociedades “modernas”, cujo ponto de chegada são aquelas euro-norte-globais (STENGERS, 2009STENGERS. Isabelle. Au temps des catastrophes: résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte, 2009.). Assim, a Europa decretava-se como modelo de uma história universal (DUSSEL, 1993DUSSEL, Enrique. O encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.).

Para Lugones (2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo decolonial. Estudos Feministas, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013.
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, p. 936), o colonialismo e a colonialidade infiltraram-se em cada aspecto da vida pela circulação do poder nos níveis dos corpos, em que o homem europeu “colonial moderno tornou-se um sujeito/agente, apto a decidir, para a vida pública e o governo, um ser de civilização, heterossexual, cristão, um ser de mente e razão”, que se colocou em oposição aos povos da América e da África, que foram classificados como não humanos.

Silvia Federici (2017)FEDERICI, Silvia. O Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017. demonstra que há uma correlação entre a subjugação desses povos e o acontecimento de caça às bruxas, no contexto europeu, em que camponesas(es) foram torturadas(os) e queimadas(os), enquanto suas terras comunais (formas coletivas de posse da terra) foram expropriadas e transformadas em propriedade privada. Conforme a autora, tanto no “velho” quanto no “novo mundo”, grande parte das resistências, contra os cercamentos e a expropriação da terra, foi feita por mulheres. Milhares delas foram classificadas como bruxas e conduzidas às fogueiras durante os séculos XVI e XVII, acarretando uma ação de controle, aniquilamento e extermínio de seus corpos e de seus modos de existência.

De modo semelhante, Stengers (2009STENGERS. Isabelle. Au temps des catastrophes: résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte, 2009.; 2017STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Belo Horizonte: Chão de Feira, 2017.) aponta para a expropriação das terras camponesas no contexto europeu e a sua transformação em mercadoria quando coletivos foram expulsos dos territórios por meio da criação dos enclosures (cercamentos). Tais ações provocaram a erradicação do direito consuetudinário das terras de uso comum, essenciais para a vida dessas comunidades. Por conseguinte, essas pessoas passaram a ser reduzidas à força de trabalho do industrialismo emergente ou a massas de desempregados - o exército de reserva.

Em meados do século XX, no pós-Segunda Guerra Mundial - denominado como período da grande aceleração -, setores ligados ao capital financeiro impulsionaram o processo de transformação da natureza em “recursos” e mercadorias, por meio do avanço das monoculturas, fortemente apoiados por políticas e legislações estatais (ROSSET; MARTINEZ TORRES, 2016ROSSET, Peter Michael; MARTINEZ TORRES, María Elena. Agroecología, territorio, recampesinización y movimientos sociales. Estudios Sociales, v. 25, n. 47, p. 275-299, 2016.). Dessa forma, o modelo colonial/moderno da plantation foi ampliado em escala e velocidade, intensificando o controle econômico, político, social e ambiental da produção agrícola por meio da difusão de produtos químicos industriais, de modificações biológicas e de adaptações das máquinas de guerra para a agricultura, instituindo a chamada Revolução Verde. As grandes empresas multinacionais passaram a disseminar sementes híbridas e geneticamente modificadas, fertilizantes sintéticos, agrotóxicos, e a mecanização com base em combustíveis fósseis (GOODMAN; SORJ; WILKINSON, 1990GOODMAN, David; SORJ, Bernardo; WILKINSON, John. Da lavoura às biotecnologias: agricultura e indústria no sistema internacional. Rio de Janeiro: Campus, 1990.).

Assim, o modelo colonial da plantation, associado ao capitalismo industrial, replica, via infraestruturas fabris com escalas de precisão, formas de produção espalhadas em diferentes partes do globo, que se expandem sem se modificar, simplificando paisagens e relações sociais (TSING, 2019TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.; HARAWAY et al., 2016HARAWAY, Donna; ISHIKAWA, Noboru; GILBERT, Scott Frederick; KENNETH, Olwig; TSING, Anna Lowenhaupt; BUDANDT, Nils. Anthropologists are talking - about the Anthropocene. Ethnos, v. 3, n. 81, p. 535-564, 2016. https://doi.org/10.1080/00141844.2015.1105838.
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). Atualmente elas se expressam no agronegócio, em que a escalabilidade avança como modelo moderno que perpassa projetos estatais, de mercado e de tecnologia. Tal padrão de poder incide em sérias consequências para os povos da terra, que foram perdendo o direito de permanecer em seus territórios de vida e impedidos de realizarem suas práticas e saberes relacionados a distintos modos de existência e cosmo-ontologias. No contexto brasileiro, esses coletivos são os povos indígenas, quilombolas, seringueiros, assentados e acampados de reforma agrária, pescadores artesanais, ribeirinhos, quebradeiras de coco, entre outros, que estabelecem intensa relação com os seres que coabitam o planeta. As vozes e histórias desses povos, nesses diferentes contextos, foram silenciadas.

Eles seguem enfrentando as violências perpetradas por empreendimentos do capitalismo moderno, fundamentalmente nas inúmeras formas de extrativismos - da mineração, das barragens, entre outras (SVAMPA, 2019SVAMPA, Maristella. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. São Paulo: Elefante, 2019.). Ferdinand (2022)FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Editora Ubu, 2022. denominou essas violências como o habitar colonial, demonstrando o modo como esse sistema retirou e segue retirando seus bens dos países que foram colonizados. Para os povos que sofreram essa violência, vemos que o valor mais essencial é a terra - e seus modos de uso comum -, que vem sendo usurpada e mercantilizada de forma cada vez mais profunda. Há cinco séculos, esses coletivos lutam para manter e/ou recuperar seus territórios.

Desse modo, compreendemos que a partir do colonialismo, e mais intensamente no último século, ocorreram formas de exploração que extinguiram seres constituídos ao longo de bilhões de anos de história terrestre. A definição da terra como recurso explorável provocou a eliminação massiva de inúmeras espécies vivas, conduzidas à catástrofe, com uma rapidez sem precedentes. Entre os efeitos já mencionados dessas ações, estão também: a contaminação da terra e do ar; o esgotamento de lagos e rios; a poluição dos mares; a simplificação dos ecossistemas; e a morte de pessoas e outros seres (STENGERS, 2009STENGERS. Isabelle. Au temps des catastrophes: résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte, 2009.). Na próxima seção, discutiremos como a forma monocultural da plantation incide sobre os saberes dos povos da terra.

A proliferação das monoculturas e o apagamento dos conhecimentos dos povos

O colonialismo/colonialidade/modernidade, além de destituir os povos da terra, provocou a erosão de seus conhecimentos e práticas face à imposição do saber ocidental dominante, estipulado como único e universal (SHIVA, 2003SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Editora Gaia, 2003.). Esse processo envolveu epistemicídios, genocídios e ecocídios (GROSFOGUEL, 2016GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade & Estado, v. 31, n. 1, p. 25-49, 2016. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100003.
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), causados por operações “de erradicação cultural e social” - cometidas em nome da civilização e da razão -, que está associada à eliminação correlata dos corpos de humanos e de outros seres de seus territórios (STENGERS, 2017STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Belo Horizonte: Chão de Feira, 2017., p. 9). Para Lugones (2014)LUGONES, María. Rumo a um feminismo decolonial. Estudos Feministas, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013.
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, esse padrão de poder, “concentrou-se no apagamento das práticas comunitárias ecológicas, dos saberes de cultivo, de tecelagem, do cosmos”, subjugando os conhecimentos dos diversos povos.

Parte dessa destruição está conectada à institucionalização da Ciência Moderna, no século XVI, quando ocorreu a imposição de uma racionalidade hegemônica, centralizada em homens brancos, das elites intelectuais europeias (FEDERICI, 2017FEDERICI, Silvia. O Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.). Tal posição constituiu a Ciência Régia (com C maiúsculo), que obteve determinada sacralidade e imunidade social frente aos sistemas de saberes de outros coletivos, aos quais foi atribuída a irracionalidade (STENGERS, 2017STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Belo Horizonte: Chão de Feira, 2017.). Segundo Latour (1994)LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994., aqueles que se definiram como modernos estabeleceram separações dicotômicas entre o que classificaram como falso saber e verdadeira Ciência. Essa hierarquia está ligada ao processo de colonização no qual “uns se sentiam livres para estudar e categorizar outros” (STENGERS, 2017STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Belo Horizonte: Chão de Feira, 2017., p. 2). Stengers (2009)STENGERS. Isabelle. Au temps des catastrophes: résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte, 2009. assinala que os enclosures e a instituição da propriedade privada provocaram a destruição não só dos meios de vida dos povos, mas também de suas inteligências coletivas, concretas e situadas, ligadas aos modos de existência comuns dos quais todos dependiam.

Ademais, Tsing (2019)TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019. argumenta que a Ciência Moderna se pauta no excepcionalismo humano, que se unifica em uma concepção de Homem, segundo a qual ele seria autônomo e soberano com relação àquilo que definiu como natureza - impondo o antropocentrismo como forma de relação com o globo, em que os demais seres, designados como não humanos, passaram a ser vistos como fontes de matérias-primas e recursos para a acumulação do capitalismo mundial. Com isso, a manipulação e o disciplinamento foram legitimados tendo como base princípios de rentabilidade, o que provocou a destruição de milhares de espécies que foram definidas como ervas daninhas. Essa suposta superioridade em relação aos outros seres nega as interdependências multiespécies, o que é visível no controle científico da plantation, em que as plantas são coagidas a crescerem sem essas interações, em linhas administradas, nas quais é destruído tudo aquilo que não tem valor no mercado (HARAWAY et al., 2016HARAWAY, Donna; ISHIKAWA, Noboru; GILBERT, Scott Frederick; KENNETH, Olwig; TSING, Anna Lowenhaupt; BUDANDT, Nils. Anthropologists are talking - about the Anthropocene. Ethnos, v. 3, n. 81, p. 535-564, 2016. https://doi.org/10.1080/00141844.2015.1105838.
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).

Em vista dessas questões, Stengers (2009)STENGERS. Isabelle. Au temps des catastrophes: résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte, 2009. aponta que a Ciência Régia está conectada à economia do conhecimento, financiada pelo Estado e o mercado, que passam a controlar a pesquisa. De acordo com Vandana Shiva (2003)SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Editora Gaia, 2003., a partir desse saber científico dominante, produz-se uma monocultura mental, análoga à monocultura de plantas, que tenta fazer desaparecer o espaço de alternativas locais dos conhecimentos plurais e multidimensionais, em que são ocultados milênios de saberes agrícolas dos diversos povos indígenas e camponeses do planeta correlacionados à sociobiodiversidade.

Conforme Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 53), as concepções de Ciência e racionalidade moderna estão fortemente ligadas ao poder colonial, que estabeleceu a racialização e as hierarquias a ela associadas. A autora afirma que, nessa classificação, “qualquer forma de saber que não se enquadre na ordem eurocêntrica de conhecimento tem sido continuamente rejeitada” (KILOMBA, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 53). Ela questiona, ainda, quais temáticas têm feito parte das agendas acadêmicas e quais não fazem, evidenciando que a universidade também se constitui como um espaço de violência epistêmica, visto que a colonialidade do saber se estabelece como estrutura de poder e desqualifica experiências dos diversos coletivos definidos como não modernos, declarando-as inválidas, mesmo quando se apropria delas sem as reconhecer como emergentes em contextos não eurocêntricos.

No que se refere aos conhecimentos relacionados às agriculturas dos povos não europeus, eles foram considerados ineficazes pela perspectiva eurocêntrica. A partir do colonialismo foram estabelecidas hierarquias que inferiorizaram esses saberes ancestrais, classificados como obstáculos à produção monocultural de commodities para o mercado mundial. Um exemplo disso são as sementes cultivadas há milhares de anos por coletivos indígenas e camponeses, classificadas como “primitivas” e “inferiores”, mesmo quando seu valor nutricional era comprovadamente maior (SHIVA, 2003SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Editora Gaia, 2003.). A imposição da monocultura como uma das bases da plantation estabeleceu um único cultivo para as áreas dos latifúndios, eliminando todas as demais plantas que compunham as roças e florestas.

Esse modelo avançou, no século XX, por meio das empresas de sementes, que inseriram no mercado as denominadas variedades de alto rendimento (VAR), que, no entanto, eram fortemente dependentes de fertilizantes e agrotóxicos, denominadas por Shiva (2003)SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Editora Gaia, 2003. como variedades de grande receptividade (VGR). Assim, na produção monocultural, os nutrientes locais dos solos são substituídos por produtos sintéticos, processados por indústrias químicas, difundindo trilhas de poluição.

Stengers (2009)STENGERS. Isabelle. Au temps des catastrophes: résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte, 2009. analisa o avanço da apropriação industrial das sementes a partir da introdução de organismos geneticamente modificados (OGM), que contêm genes resistentes a herbicidas. Esse controle, instituído por meio de pressões internacionais da Organização Mundial do Comércio (OMC), de empresas e seus lobbies e de leis promulgadas pelos Estados, permitiu o registro de patentes de manipulação de organismos vivos. Dessa forma, elas foram transformadas em propriedade intelectual e, com isso, as famílias agricultoras foram obrigadas a comprá-las, anualmente, por meio do pagamento de royalties para seu uso. Isso provoca a erradicação massiva de sementes tradicionais dos coletivos indígenas e camponeses e dos conhecimentos a elas associados7 7 O documentário intitulado Sementes da liberdade (2012), produzido pela Fundação Gaia e pela Rede de Biodiversidade Africana, aborda a história ancestral das sementes e o controle industrial que ocorreu no último século. .

A aceleração das monoculturas intensificou a destruição das florestas e dos espaços de refúgios de povos e outros seres. Tal padrão agrícola e industrial expulsa da terra aqueles humanos que não adotam esse pacote tecnológico, e que são classificados como atrasados (SHIVA, 2003SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Editora Gaia, 2003.). Com isso, amplia-se a concentração da terra nas mãos de homens brancos, aumentando, consequentemente, seu poder econômico e político. É fundamental notar que o desenvolvimento técnico/científico atrelado a esse modelo recebeu vultosos investimentos financeiros de instituições internacionais, governos e corporações, fomentando uma estratégia técnica, política e econômica, por meio da qual Ciência, Estado e Mercado se interligam (PALMEIRA, 1989PALMEIRA, Moacir. Modernização, Estado e questão agrária. Estudos Avançados, v. 3, n.7, p. 87-108, 1989.). A difusão das sementes agroindustriais das monoculturas8 8 Em viagem na qual atravessamos o oeste dos três estados do Sul do Brasil, a paisagem desconcertante é de monoculturas gigantes de soja, com silos de estocagem de grãos instalados em meio às plantações. As poucas faixas de florestas, que são vistas da estrada, estão nas áreas onde as placas indicam estarmos adentrando em terras indígenas. passou a ser promovida por institutos de pesquisa, públicos e privados, pela extensão técnica e pelo crédito agrícola.

Esse sistema foi ampliado através do domínio de oligopólios que formam os impérios agroalimentares - por meio do controle da produção, do processamento e da distribuição de produtos em âmbito mundial -, bloqueando, cada vez mais, a autonomia e a diversidade alimentar das comunidades locais (PLOEG, 2008PLOEG, Jan Douwe van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.). Nos termos de Haraway (2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica, n. 5, p. 139-146, 2016., p. 144), tal modelo prossegue “com crescente ferocidade na produção global de carne industrializada, no agronegócio da monocultura, e nas imensas substituições de florestas multiespecíficas”, além de estar alicerçado no trabalho precarizado. A escala, a velocidade e a sincronicidade do avanço dessa agricultura moderna/colonial da plantation perpetuam a colonialidade do poder, do saber e do ser.

O padrão agrícola monocultural, portanto, provoca problemas sociais e ambientais, dentre os quais, a concentração de terras, o desmantelamento de comunidades rurais, a intensificação do êxodo rural - com sequelas que são visíveis no espaço urbano, pela precarização da vida -, a perda da biodiversidade, a ampliação das áreas desertificadas e a contaminação dos alimentos, gerando graves consequências para a saúde9 9 Uma análise fundamental dessa questão é apresentada nos documentários, produzidos pelo cineasta Silvio Tendler, intitulados O veneno está na mesa I (2011) e O veneno está na mesa II (2014). (ZANONI, 2004ZANONI, Magda. A questão ambiental e o rural contemporâneo. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 10, p. 101-110, 2004.). Opondo-se a essas violências, os povos indígenas e camponeses resistem por meio de modos de vida criados nas margens da plantation e ligados aos ecossistemas onde realizam relações multiespécies, entre humanos e outros seres. Na próxima seção, discutiremos as possibilidades que a agroecologia abre para compreendermos as agriculturas diversas desses povos.

Agroecologia e os modos de ressurgência das agriculturas

Formas de resistências à plantation ocorreram ao longo de todo o processo colonial, expressas em lutas de povos indígenas, quilombolas e camponeses. Nesta seção abordamos uma delas - a agroecologia10 10 Experiências de agroecologia, em diferentes partes do planeta, estão sistematizadas na revista Agriculturas, que é publicada pela AS-PTA - Agricultura Familiar e Agroecologia e promove o desenvolvimento rural sustentável no Brasil. A revista “tem como objetivo dar visibilidade a iniciativas de promoção da agroecologia desenvolvidas por famílias e organizações camponesas no Brasil e em outros países, sobretudo da América Latina” (AGRICULTURAS, s. d.). -, construída por distintos movimentos sociais e outros coletivos, que, a partir dos anos 1970, criaram organizações de oposição ao modelo agrícola depredador, dando sequência ao enfrentamento do avanço colonial do controle da terra, das águas e das florestas pelas corporações transnacionais e Estados (LEFF, 2002LEFF, Enrique. Agroecologia e saber ambiental. Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, v. 3, n. 1, p. 36-51, 2002.).

Correlacionando ciências, práticas e movimentos sociais, a agroecologia abre possibilidades de compreendermos outros modos de existir, que envolvem socialidades mais que humanas, nas quais uns estão vinculados às vidas dos outros de forma variada. Consiste, portanto, em uma ecologia política na qual são construídas (re)conexões com os seres extra-humanos, reconhecendo o caráter animado da Terra, que respira. Nela, residem composições de reativação, recuperação e regeneração daquilo que foi envenenado pelas monoculturas da plantation e pela modernização/industrialização da agricultura (STENGERS, 2017STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Belo Horizonte: Chão de Feira, 2017.).

Essas relações de conexão da sociobiodiversidade são (re)criadas pelas práticas cotidianas dos povos da terra, que as estimulam, por meio do manejo das paisagens, espalhando sementes, produzindo a interdependência entre espécies que nos dão a vida na Terra (TSING, 2015TSING, Anna. Margens indomáveis: cogumelos como espécies companheiras. Tradução: Pedro Castelo Branco Silveira. Ilha - Revista de Antropologia, v. 17, n. 1, p. 177-201, 2015. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8034.2015v17n1p177.
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; 2019TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.). São, portanto, formas de ressurgência das agriculturas holocênicas, criadas por muitos seres, que forjam as assembleias de habitabilidades multiespécies (TSING, 2019TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.) e constituem experiências que não estão centradas na lógica do mercado e da escalabilidade. Esses modos de vida geram autonomia frente ao modelo hegemônico (SILIPRANDI, 2015SILIPRANDI, Emma. Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.).

Assim, entendemos que na agroecologia constroem-se possibilidades de descolonizar o padrão de agricultura moderno, colonial e de commodities e, consequentemente, a colonialidade do poder, saber e ser, já que ela envolve modos de (r)existências que permitem conectar pluralidades de vivências de diferentes povos, podendo ser compreendida como uma ecologia de saberes e das práticas (STENGERS, 2018STENGERS, Isabelle. A proposição cosmopolítica. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 69, p. 442-464, 2018. https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i69p442-464.
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). Nessas criações, também ocorre aquilo que Haraway (2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica, n. 5, p. 139-146, 2016., p. 141) definiu como união de “forças para reconstituir refúgios, para tornar possível uma parcial e robusta recuperação e recomposição biológica-cultural-política-tecnológica, que deve incluir o luto por perdas irreversíveis”, em um “renovado florescimento generativo”. Trata-se de uma perspectiva que busca reestabelecer os vínculos entre humanos e extra-humanos, reintegrando os ecossistemas, que eram a base dos saberes-fazeres agrícolas ancestrais e que foram rompidos com o advento da agricultura colonial e moderna.

Emma Siliprandi (2015SILIPRANDI, Emma. Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015., p. 25) considera a agroecologia “como um conjunto de conhecimentos voltados à construção de uma agricultura sustentável que atenda simultaneamente a critérios sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais”. Envolve também ciências experimentais (com c minúsculo), ligadas à perspectiva rizomática11 11 O conceito de rizoma foi proposto por Deleuze e Guattari (1995, p. 32) e remete a inter-relações de diversos agentes, saberes e práticas, em que pode ocorrer a conexão “de um ponto qualquer a outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços da mesma natureza [...]. Ele não é feito de unidades, mas de dimensões e direções movediças. Não tem começo e nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda”. (STENGERS, 2017STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Belo Horizonte: Chão de Feira, 2017.), conectadas às inúmeras formas de agriculturas no mundo, nas quais são estabelecidos vínculos tecno(eco)lógicos nos ecossistemas, envolvendo relações simbióticas entre água, solo, plantas, animais e humanos. Nessa compreensão, as agriculturas compõem as florestas de onde provêm alimentos, fertilizantes e remédios (SHIVA, 2003SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Editora Gaia, 2003.).

As agriculturas indígenas são fundamentais para compreendermos essa relação, pois, conforme demonstra Joana Cabral de Oliveira (2020)OLIVEIRA, Joana Cabral de. A agricultura contra o Estado. In: OLIVEIRA, Joana Cabral de (Org.). Vozes vegetais: diversidade, resistência e histórias da floresta. São Paulo: Ubu Editora, 2020, p. 77-96. - referindo-se aos povos amazônicos, principalmente os Wajãpi -, nelas estão envolvidas práticas de cuidado, manejo de múltiplas variedades, composição temporal, ritmos diversos e saberes refinados sobre a ecologia das plantas. Tais conhecimentos ancestrais são provenientes de longa e íntima convivência entre humanos e outros emaranhados, a exemplo de insetos e espíritos. Mesmo que eles não sejam diretamente definidos como agroecológicos, são conectados a memórias bioculturais (TOLEDO; BARRERA-BASSOLS, 2008TOLEDO, Víctor M.; BARRERA-BASSOLS, Narciso. La memoria biocultural: la importancia ecológica de las sabidurías tradicionales. Barcelona: Icaria Editorial, 2008.), que possibilitam que formas agrícolas regenerativas sejam (re)criadas.

Atualmente, crescem as iniciativas agroecológicas que, de forma mais ou menos silenciosa, constroem resistências e propõem alternativas às monoculturas e à destruição ambiental massiva. Nem sempre essas lutas aparecem no espaço público, pois na maioria das vezes se desenvolvem no cotidiano das comunidades, expressando o que Lugones (2014)LUGONES, María. Rumo a um feminismo decolonial. Estudos Feministas, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013.
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denomina como infrapolítica. Nesse contexto, são os saberes dos povos indígenas e camponeses e suas interações multiespécies com os ecossistemas locais que são compartilhados, resgatados e (re)conhecidos. Essas comunidades operam a formação de grupos de interconhecimento na relação com os outros seres, nas sociabilidades de parentesco e de vizinhança, reafirmando projetos comuns de coexistência (GODOI; MENEZES; MARIN, 2009GODOI, Emilia Pietrafesa de; MENEZES, Marilda Aparecida de; MARIN, Rosa Acevedo (Org.). Diversidade do campesinato: expressões e categorias. v. II. Estratégias de reprodução social. São Paulo: Ed. Unesp; Brasília: Nead, 2009.). Assim, esses conhecimentos locais se convertem em elementos-chaves da agroecologia (ROSSET, MARTINEZ TORRES, 2016ROSSET, Peter Michael; MARTINEZ TORRES, María Elena. Agroecología, territorio, recampesinización y movimientos sociales. Estudios Sociales, v. 25, n. 47, p. 275-299, 2016.).

Essas agriculturas, intimamente relacionadas aos ecossistemas, também são baseadas em circuitos curtos e descentralizados de produção, consumo e comercialização de alimentos, contrapondo-se ao agronegócio, que está centrado nas cadeias longas de processamento e distribuição de commodities, controladas pelos impérios alimentares que são constituídos pelas corporações transnacionais (PLOEG, 2008PLOEG, Jan Douwe van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.). Sobre esse aspecto, é fundamental também indicar que a agroecologia se distingue da chamada agricultura orgânica, que, embora se baseie na produção sem agrotóxicos e insumos sintéticos, padroniza a certificação e pode reproduzir a escalabilidade industrial das cadeias de mercado internacionais, difundir monoculturas e envolver relações de trabalho precarizadas. Esse modelo não se conecta aos modos de vida dos diversos povos, ligados às relações multiespécies, que estão no cerne da agroecologia.

Alguns estudos têm demonstrado que são, principalmente, as mulheres que se agregam à agroecologia, por estarem mais envolvidas com as questões que foram desvalorizadas pelo colonialismo/colonialidade/modernidade e pelo capitalismo, a saber, o cuidado, a saúde e a alimentação das comunidades rurais (SILIPRANDI, 2015SILIPRANDI, Emma. Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.). Há, entre esses coletivos, modos de identificar o que é bom ou nocivo, envolvendo práticas de proteção e compartilhamento de experiências, através de formas de sentir, pensar e imaginar outras agriculturas. Um dos seus horizontes de luta é o ecofeminismo12 12 Não nos deteremos aqui em expor as diferenças internas do ecofeminismo visto a brevidade do ensaio. Porém, essa análise pode ser encontrada em Siliprandi (2015). (entendido aqui na interface entre feminismo e ecologia), que vem se constituindo, desde a década de 1970, como movimento teórico e prático que partilha do reconhecimento da necessidade de transformações das relações humano-natureza, desde uma perspectiva não sexista e não racista, de valorização de todos os seres existentes, humanos e extra-humanos (MIES; SHIVA, 1993MIES, Maria; SHIVA, Vandana. Ecofeminismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1993.). Nesse contexto, a crítica elaborada considera que a violência que se estabeleceu sobre animais, plantas e demais seres, é semelhante àquela que incidiu sobre as mulheres e os diversos povos no processo moderno-colonial.

As lutas antirracistas também têm sido pautadas nos espaços coletivos por meio do lema: “se há racismo não há agroecologia”. No entanto, conforme pontua Vivian Delfino Motta (2020)MOTTA, Vivian Delfino. Por uma agroecologia antirracista. Cadernos de Agroecologia, v. 15, n. 3, p. 1-6, 2020., há necessidade de que essa questão avance nessa construção a fim de reconhecer a contribuição dos conhecimentos ancestrais das comunidades negras nas agriculturas, fundamentalmente das mulheres desses coletivos. A autora aponta que o racismo é a base do processo colonizador. Tal padrão de poder se impôs sobre as agriculturas dos distintos povos com o avanço da plantation, conforme discutimos anteriormente. Ao mesmo tempo, foi nas margens desse modelo que inúmeras resistências se construíram por meio das agriculturas quilombolas e indígenas, que hoje podem ser compreendidas, nos termos de Malcom Ferdinand (2022)FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Editora Ubu, 2022., como ecologia decolonial, pois expressam suas lutas seculares, que envolvem socialidades humanas e de outros seres que coabitam o planeta.

No entanto, ainda que a agroecologia se configure como uma crítica potente à agricultura de plantation, podem ocorrer reproduções de padrões epistêmicos masculinos e eurocêntricos na produção científica nesse campo, invisibilizando os conhecimentos elaborados por mulheres, povos indígenas, quilombolas e camponeses. Tais aspectos foram identificados por Héloïse Prévost (2019)PRÉVOST, Héloïse. Agroecologia, uma ciência “norma(l)cho”? Sob as escrituras científicas, o androcentrismo. Cadernos de Ciências Sociais UFRPE, v. II, n. 15, p. 25-52, 2019., que observou como se estabelece a representação da agroecologia nos espaços públicos, formada, em geral, por homens brancos do Norte Global. As mulheres e outros coletivos possuem menor visibilidade em razão de relações patriarcais e racistas, ainda bastante arraigadas. Contrapondo-se a esse apagamento, no III Encontro Nacional de Agroecologia, ocorrido em 2014 na Bahia, foi definido o lema “sem feminismo não há agroecologia”, por meio do qual as mulheres presentes reivindicaram equidade efetiva nos mais diversos âmbitos, desde no trabalho doméstico até nas organizações coletivas. Demandaram, também, o “acesso à terra, à água, às sementes e às condições de produção e comercialização com autonomia e liberdade”, além de uma vida sem violência (CARTA POLÍTICA do III ENA, 2014CARTA política do III ENA. Encontro Nacional de Agroecologia - Cuidar da Terra, alimentar a saúde, cultivar o futuro. 16-19 de maio de 2014. Juazeiro (BA). Disponível em: https://encr.pw/WulHi. Acesso em: 18 set. 2022.
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).

Além disso, outros movimentos sociais - como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - têm mobilizado a agroecologia como modo de vida e produção, que considera a relação entre sociedade e natureza, visando ao cultivo de alimentos livres de agrotóxicos e de organismos geneticamente modificados, em defesa da biodiversidade e da soberania alimentar13 13 Um desses exemplos de organização dos movimentos sociais é a Jornada de Agroecologia do Paraná, constituída em 2001 e que está na 20ª edição no ano de 2023 (O QUE É A JORNADA, 2023). (SILIPRANDI, 2015SILIPRANDI, Emma. Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015.; WEDIG; RAMOS, 2020WEDIG, Josiane Carine; RAMOS, João Daniel Dorneles. Resistências camponesas em tempos de pandemia. Tessituras - Revista de Antropologia e Arqueologia, v. 8, n. 1, p. 41-47, 2020.).

A partir do que apresentamos neste ensaio, enfatizamos que a pluralidade de saberes e práticas dos povos da terra constitui (r)existências frente às catástrofes de escala planetária. Na urgência de engajamentos e experimentações que busquem criar a possibilidade de um futuro que não seja desastroso, a agroecologia passa a ser parte das lutas por processos de descolonização, que buscam (re)criar ressurgências e refúgios multiespécies diante do Antropoceno.

  • 3
    Gaia foi a nomeação dada por Lynn Margulis e James Lovelock, nos anos 1970, para o sistema Terra, indicando que ela é dotada de um regime de atividade próprio, um agenciamento de relações em que estão envolvidos, ao mesmo tempo, os seres vivos, os oceanos, a atmosfera, o clima e os solos (STENGERS, 2009STENGERS. Isabelle. Au temps des catastrophes: résister à la barbarie qui vient. Paris: La Découverte, 2009.).
  • 4
    Outro termo para definir essa era é o Capitaloceno, proposto Jason Moore e Andreas Malm (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno, Chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom Cultura Científica, n. 5, p. 139-146, 2016.).
  • 5
    Rachel Carson (2010)CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Editora Gaia, 2010. explica que essas noções remetem, em geral, às plantas silvestres que não são vistas com alguma utilidade imediata pela agricultura moderna e, portanto, não são cultivadas, além de que sua presença é considerada indesejável ou indiferente por qualquer razão, sendo por isso condenadas à destruição imediata. Situação semelhante também ocorre com os animais, como, por exemplo, insetos, aves etc. Atualmente, essa eliminação ocorre pela aplicação de agrotóxicos, substâncias que afetam aqueles seres, diretamente alvos da pulverização, e todos aqueles ao alcance dos resíduos desses produtos químicos.
  • 6
    O conceito de sobrecodificação é proposto por Deleuze e Guattari (1997)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 5. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997., e neste artigo referimo-nos ao desmonte dos modos de existência dos povos da terra, visto que sobre eles foi imposto outro tipo de codificação, regido pelo Estado, que integra as áreas desses coletivos à propriedade privada, aos títulos fundiários e ao mercado de terras.
  • 7
    O documentário intitulado Sementes da liberdade (2012SEMENTES da liberdade (Seeds of Freedom - Portuguese). The Gaia Foundation. Produzido pela Fundação Gaia e Rede de Biodiversidade Africana, em colaboração com Melca Etiópia, Internacional Navdanya e grãos. 2012. Disponível em: https://acesse.dev/ShSlz. Acesso em: 20 set. 2023.
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    ), produzido pela Fundação Gaia e pela Rede de Biodiversidade Africana, aborda a história ancestral das sementes e o controle industrial que ocorreu no último século.
  • 8
    Em viagem na qual atravessamos o oeste dos três estados do Sul do Brasil, a paisagem desconcertante é de monoculturas gigantes de soja, com silos de estocagem de grãos instalados em meio às plantações. As poucas faixas de florestas, que são vistas da estrada, estão nas áreas onde as placas indicam estarmos adentrando em terras indígenas.
  • 9
    Uma análise fundamental dessa questão é apresentada nos documentários, produzidos pelo cineasta Silvio Tendler, intitulados O veneno está na mesa I (2011O VENENO está na mesa 1, 2011. Direção e roteiro: Sílvio Tendler. (48min57). Disponível em: https://encr.pw/yAJRy. Acesso em: 23 jun. 2023.
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    ) e O veneno está na mesa II (2014O VENENO está na mesa 2, 2014. Direção: Sílvio Tendler. (71min). Disponível em: https://l1nq.com/IqqIY. Acesso em: 23 jun. 2023.
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    ).
  • 10
    Experiências de agroecologia, em diferentes partes do planeta, estão sistematizadas na revista Agriculturas, que é publicada pela AS-PTA - Agricultura Familiar e Agroecologia e promove o desenvolvimento rural sustentável no Brasil. A revista “tem como objetivo dar visibilidade a iniciativas de promoção da agroecologia desenvolvidas por famílias e organizações camponesas no Brasil e em outros países, sobretudo da América Latina” (AGRICULTURAS, s. d.AGRICULTURAS: experiências em agroecologia. S. d. Disponível em: https://aspta.org.br/revista-agriculturas/sobre-a-revista. Acesso em: 16 dez. 2022.
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    ).
  • 11
    O conceito de rizoma foi proposto por Deleuze e Guattari (1995DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v. 1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995., p. 32) e remete a inter-relações de diversos agentes, saberes e práticas, em que pode ocorrer a conexão “de um ponto qualquer a outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços da mesma natureza [...]. Ele não é feito de unidades, mas de dimensões e direções movediças. Não tem começo e nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda”.
  • 12
    Não nos deteremos aqui em expor as diferenças internas do ecofeminismo visto a brevidade do ensaio. Porém, essa análise pode ser encontrada em Siliprandi (2015)SILIPRANDI, Emma. Mulheres e agroecologia: transformando o campo, as florestas e as pessoas. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2015..
  • 13
    Um desses exemplos de organização dos movimentos sociais é a Jornada de Agroecologia do Paraná, constituída em 2001 e que está na 20ª edição no ano de 2023 (O QUE É A JORNADA, 2023O QUE É a jornada. 20ª Jornada de Agroecologia. 2023. Curitiba-Paraná. Disponível em: https://l1nq.com/aMrys. Acesso em: 8 jun. 2022.
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    ).

Referências

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    » https://aspta.org.br/revista-agriculturas/sobre-a-revista
  • CADENA, Marisol de la. Natureza incomum: histórias do antropo-cego. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 69, 2018, p. 95-117. https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i69p95-117
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i69p95-117
  • CARSON, Rachel. Primavera silenciosa São Paulo: Editora Gaia, 2010.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    08 Ago 2022
  • Aceito
    21 Set 2023
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