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Participação do enfermeiro gerente no processo de acreditação hospitalar

Resumos

Este estudo objetivou compreender a atuação do enfermeiro gerente no processo de acreditação hospitalar (AH). Trata-se de um estudo de caso qualitativo realizado em um hospital privado de grande porte em Belo Horizonte. Foram entrevistados cinco enfermeiros em cargos de gerentes, utilizado roteiro semiestruturado, no período de abril a maio de 2011, e a análise de conteúdo, para análise dos dados. Foi possível identificar a posição estratégica que o enfermeiro ocupa, a sua capacidade gerencial, a importância da gestão do cuidado e sua participação na implantação e manutenção da acreditação. O enfermeiro tem assumido funções gerenciais com mais autonomia, articulando uma assistência intersetorial, contrária ao modelo curativo, estabelecendo parcerias com diferentes segmentos sociais e institucionais e adotando padrões para o trabalho em equipe. O trabalho gerencial, assistencial e educacional é desenvolvido dentro de uma perspectiva processual e indissociável.

Acreditação; Gerência; Enfermagem


This study's aim was to understand the role of nurse managers in the process of hospital accreditation. This qualitative case study was conducted in a large private hospital in Belo Horizonte, MG, Brazil. Five nurse managers were interviewed using a semi-structured script from April to May, 2011 and content analysis was used to interpret the data. Results show the strategic position of this professional, his/her managerial skills and participation in the implementation and maintenance of accreditation, and the importance of care management. Nurses have played managerial roles with greater autonomy, connecting inter-sector care, which contrasts with the curative model, and have established partnerships with different social and institutional segments, adopting standards for teamwork. Managerial, healthcare, and educational work is performed from a procedural and indivisible perspective.

Accreditation; Management; Nursing


El objetivo de ese estudio fue entender el papel de un gerente de enfermería en el proceso de acreditación de hospitales (AH). Este es un recorte de un estudio de caso cualitativo realizado en un hospital privado con semiestructura. Para ese artículo, se presentan los datos obtenidos mayormente de la categoría profesional de enfermeros. Fue posible identificar la posición estratégica que el profesional tiene, las herramientas que ha desarrollado para la evaluación de la asistencia y su papel fundamental en la implementación y mantenimiento de la Acreditación Hospitalaria. halos enfermeros han asumido funciones de administración con más autonomía, articulando una asistencia sectoria. Diferente del modelo curativo, estableciendo alianzas con las diferentes normas sociales e institucionales y adoptarlos en el trabajo en equipo. Sin embargo, había preocupaciones y dificultades con los detalles de la administración. La gestión, la atención y del trabajo educativo se desarrolla desde un punto de vista procesal y son inseparables.

Acreditación; Administración; Enfermería


INTRODUÇÃO

As organizações de todos os setores da economia, e recentemente a saúde, têm envidado esforços em melhorias na qualidade, desenvolvendo estratégias de avaliação. Neste sentido, os hospitais têm se inserido no processo de AH. O "Programa de Acreditação" surge com a proposta de aprimoramento da assistência e a melhoria na gestão das instituições hospitalares. A ideia é aumentar a probabilidade de resultados favoráveis abrangendo o binômio "avaliação e educação", caracterizado com um processo voluntário, periódico e reservado, que tende a garantir a qualidade da assistência através de padrões previamente aceitos. Os padrões podem ser mínimos ou mais exigentes, definindo diferentes níveis de satisfação( 11. Organização Nacional de Acreditação (BR). Manual de organizações prestadoras de serviços hospitalares. Brasília; 2010. p. 160. ).

A iniciativa do processo de acreditação no Brasil está pautada em experiências norte-americanas. Isso, porque a acreditação de organizações de saúde originou-se nos Estados Unidos da América (EUA) quando foi criado o Colégio Americano de Cirurgiões (ACC), que estabeleceu em 1924 o Programa de Padronização Hospitalar. Foi definido um conjunto de padrões apropriados para garantir a qualidade da assistência( 22. Novaes HM. O processo de acreditação dos serviços de saúde. Rev Adm Saúde. 2007;9(37):133-40. ). Neste sentido, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a adoção de programas de acreditação.

Em 1999, foi criada a Organização Nacional de Acreditação (ONA), responsável pela acreditação no país, promovendo um processo permanente de educação consubstanciada no valor que se dá a uma realidade em face de uma referência ou padrão, seguida da avaliação sistemática( 11. Organização Nacional de Acreditação (BR). Manual de organizações prestadoras de serviços hospitalares. Brasília; 2010. p. 160. ). Avedis Donabedian desenvolveu atributos para o entendimento da avaliação de qualidade em saúde, a partir dos conceitos de estrutura, processo e resultados( 33. Donabedian A. The quality of care: how can it be assessed? JAMA. 1988;260(12):1743-8. ). A metodologia da ONA tem como objetivo implantar um processo permanente de avaliação e certificação da qualidade das instituições de saúde também baseada na avaliação da estrutura, processo e resultados( 11. Organização Nacional de Acreditação (BR). Manual de organizações prestadoras de serviços hospitalares. Brasília; 2010. p. 160. ).

Ressalva-se que a preocupação com a qualidade do cuidado acompanha ações para garantir a segurança do paciente, um importante compromisso nacional e um dos focos da AH, além de prioridade atual da OMS, com a estruturação do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), um movimento estabelecedor de ações seguras e metas internacionais para as instituições de saúde( 44. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BR). [Segurança do paciente e qualidade assistencial]. Boletim Informativo Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde. 2011 jan-jul; 1(1):1-12. ). Estudos(5-6) recentes sobre a temática da AH, apontam a gestão da qualidade contribuinte para o aumento da eficiência e eficácia financeira, organização de processos, atendimento de requisitos dos clientes, desenvolvimento e satisfação dos colaboradores. Entretanto, no estudo que buscou conhecer a atuação da enfermagem no processo de AH, destacou-se pontos positivos como o crescimento pessoal e valorização do currículo, e negativos como estresse e pouca valorização profissional( 66. Manzo BF, Ribeiro HCTC, Brito MJM, Alves M. A enfermagem no processo de acreditação hospitalar: atuação e implicações no cotidiano de trabalho. Rev Lat-am Enfermagem. 2012;20(1):151-8. ). Nessa perspectiva, o alcance da acreditação exige esforço dos enfermeiros que ocupam cargos gerenciais, os quais têm como objetivo favorecer o desenvolvimento do conhecimento, competências e habilidades. Entretanto, não foram encontrados estudos que destacaram a atuação do enfermeiro em posição de gerente nas instituições que buscam a certificação no Brasil.

Diante do exposto, surgiu como inquietação para este estudo: quais as singularidades da atuação do enfermeiro gerente, no serviço hospitalar, no processo de acreditação? Acredita-se ser fundamental a participação do enfermeiro no alcance da qualidade do cuidado e das metas institucionais, exigindo participação direta na organização da estrutura e segurança, dos processos e resultados. Portanto, o presente estudo tem como objetivo compreender a atuação do enfermeiro gerente no processo de AH.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de caso de natureza qualitativa. O estudo de caso visa à investigação de fenômenos contemporâneos em seu contexto real, permitindo o conhecimento amplo e detalhado do mesmo, respondendo como e por que os fenômenos ocorrem( 77. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2005. ).

O estudo foi realizado em um hospital privado, de grande porte, de Belo Horizonte, MG, Brasil. Este hospital foi acreditado em nível de Excelência (ONA) em 2004. A escolha do cenário se deu por se tratar de um dos primeiros hospitais acreditados em Nível de Excelência em Belo Horizonte. A escolha dos sujeitos da pesquisa foi realizada pelo critério de inclusão de profissionais inseridos na instituição e no processo de acreditação desde sua implantação, ocupando cargos gerenciais. Portanto, os sujeitos da pesquisa foram todos os cinco enfermeiros com cargos gerenciais atuantes no hospital desde o início da acreditação.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas, de abril a maio de 2011, com roteiro semi-estruturado, com enfermeiros em cargo gerencial. As questões avaliavam aspectos como atividades gerenciais, ações gerenciais no Processo de AH, bem como o papel do enfermeiro neste processo e aspectos facilitadores e dificultadores.

As entrevistas foram gravadas, mediante autorização prévia dos sujeitos, transcritas na íntegra, numeradas de acordo com a sequência em que ocorreram e com a sigla GRE (Gerente Enfermeiro). Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo buscando alcançar a interpretação mais profunda do fenômeno, além de ultrapassar o alcance meramente descritivo do conteúdo manifesto da mensagem( 88. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009. ). A análise dos dados foi realizada, em torno de três pólos cronológicos: a pré-análise, a exploração do material e tratamento dos resultados( 88. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009. ).

Todos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido em cumprimento da resolução 466/12, do Ministério da Saúde, sendo a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital, e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, parecer nº ETIC 0611.0.203.000-10.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As mudanças nos processos de gestão e nos modelos assistenciais têm influenciado o cotidiano dos profissionais de saúde, especialmente do enfermeiro, que atua com diversas funções e responsabilidades, tanto em cargos assistenciais como gerenciais.

Os resultados deste estudo apontaram o conhecimento e a atuação do enfermeiro como fundamentais na AH, já que ele assume posições estratégicas nas instituições de saúde e na articulação com outros profissionais, além de desenvolver ferramentas para avaliação da assistência como ações táticas. O enfermeiro tem assumido funções gerenciais nos níveis estratégicos, intermediário e operacional, conferindo-lhe mais autonomia e inserção na AH. O enfermeiro aparece como destaque na gestão dos programas de AH sempre com grande potencial para a implantação, manutenção e desenvolvimento de políticas de qualidade. Estes aspectos podem ser justificados pela sua capacidade gerencial.

Meu trabalho antes do processo de acreditação, tinha um cunho já voltado para a gerência do serviço com fundamento em gestão empresarial. Já era uma diretriz do hospital X, então já trabalhava com indicadores, com planejamento, processo de melhoria continua também, que você vai incluindo e amadurecendo esse processo com a vinda dos programas de acreditação. Nós incorporamos mais método no trabalho (GRE2).

Supervisionar a assistência que as supervisoras prestam quanto atividades administrativas, como por exemplo, análise de relatórios, de glosa. Diante disso você faz o plano de ação, vou colocar alguns exemplos que eu não vou saber colocar assim, relatório especiais. Questão de pessoal, contratação, avaliação de desempenho dos funcionários, escalas, treinamento, muita reunião. Com a AH E a gente consegue achar muitas melhorias. (GRE4).

Histórica e legalmente, o exercício da gerência integra o cotidiano de trabalho do enfermeiro( 99. Conselho Federal de Enfermagem (BR). Lei 7498/86 de 25 de junho de 1986: dispõe sobre a regulamentação do exercício da enfermagem, e dá outras providências. Brasília; 1986. ). Atualmente observa-se a profissionalização da gestão na saúde, que clarifica as atribuições e as demandas dos clientes e demais profissionais( 1010. Ribeiro de Brito AM, Menezes Brito MJ, Gazzinelli MFC, Montenegro LC. Representações sociais de discentes de graduação em enfermagem sobre "ser enfermeiro". Rev Bras Enferm. 2011 maio-jun [citado 2013 maio 10]; 64(3):527-35. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=267019943017
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).

Ninguém alcança os objetivos propostos pelo sistema da qualidade se trabalhar sozinho. Para isso, os profissionais têm a necessidade de buscar aprendizado em outras ciências. Busca aprender outros conceitos e a trabalhar de forma interdisciplinar, buscando em outras áreas a melhoria da assistência (GRE5).

O depoimento aponta a preparação profissional para a atuação na AH, e a subjetividade da função gerencial marcada pelas relações entre os diversos atores envolvidos nos processos. Essa atuação deve ser destacada, haja vista suas repercussões para a instituição e para a equipe profissional. Entretanto, considerando a acreditação um processo sistêmico, envolvendo diversas categorias profissionais, e, considerando os atributos da qualidade: eficácia; efetividade; eficiência; otimização; aceitabilidade; legitimidade e equidade( 1111. Donabedian A. The seven pillars of quality. Arch Pathol Lab Med. 1990;114(11):1115-8. ), facilita entender a colocação do entrevistado que aponta o alcance da qualidade como algo complexo. Eles identificam na AH a consolidação do trabalho em equipe, impossibilitando o alcance dos objetivos de melhoria e segurança assistencial sem este atributo do trabalho. Nesta perspectiva, é improvável a realização do trabalho de forma isolada e desarticulada para alcance da Excelência.

Destaca-se que essa tendência já foi apontada na adoção de padrões voltados para o trabalho em equipe, em face dos novos modelos de gestão dos serviços de saúde( 1010. Ribeiro de Brito AM, Menezes Brito MJ, Gazzinelli MFC, Montenegro LC. Representações sociais de discentes de graduação em enfermagem sobre "ser enfermeiro". Rev Bras Enferm. 2011 maio-jun [citado 2013 maio 10]; 64(3):527-35. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=267019943017
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) e em cumprimento da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE)( 1212. Torres E, Christovam BP, Fuly PCS, Silvino ZR, Andrade M. Sistematização da assistência de Enfermagem como ferramenta da gerência do cuidado: estudo de caso. Esc Anna Nery. 2011 out-dez;15(4):730-6. ). O depoimento reafirma isso:

A enfermagem não trabalha isolada. Ela é um centro de referência para a assistência do paciente. Então, o que aconteceu é que com a AH nós clareamos isso, nós começamos a evidenciar muito conceitos, cliente interno, cadeia cliente fornecedor. Isso foi um crescente. Hoje, depois de quase sete anos de programa de acreditação, a gente amadureceu muito. Se pegar do primeiro processo de acreditação que a gente passou, a gente evoluiu bastante, e o que tornou muito mais complexa a gestão do cuidado (GRE2).

Autores( 1212. Torres E, Christovam BP, Fuly PCS, Silvino ZR, Andrade M. Sistematização da assistência de Enfermagem como ferramenta da gerência do cuidado: estudo de caso. Esc Anna Nery. 2011 out-dez;15(4):730-6. ) afirmam que o trabalho do enfermeiro gerente se dá em uma relação de interdependência com a equipe, outros profissionais da saúde, por atuar de forma intersetorial, estabelecer parcerias em diferentes segmentos sociais, institucionais e atuação que transcende a especificidade do setor saúde. Seu trabalho envolve ações de cuidado direto e indireto, caracterizando uma prática profissional singular, na qual é cobrado aperfeiçoamento contínuo. Para alcançar uma assistência de qualidade é necessária uma atuação gerencial de forma intersetorial, interdisciplinar, favorecendo a realização do trabalho visando a integralidade do cuidado, rompendo com a lógica biomédica e curativa predominante. Para além da necessidade genuína à profissão de se trabalhar em equipe, a acreditação exige uma potencialização desse tipo de trabalho.

Entretanto, todo trabalho em equipe constitui um desafio pela diversidade de pessoas e ideias diante de um processo de trabalho comum. É necessário compreender o processo de trabalho na sua totalidade e a inter-relação dos seus elementos. Vale ressaltar, quanto mais complexo o processo de trabalho e quanto menos sistematizado, mais difícil será pensá-los( 1313. Gonçalves, RBM. Práticas de saúde: processo de trabalho e necessidades. São Paulo: CEFOR, 1992. ).

Apesar dos conhecimentos específicos da área de Administração, o enfermeiro ainda vivencia algumas dificuldades:

As pessoas têm que ter um conhecimento em Administração. Um fator que às vezes dificulta pro enfermeiro, para quem está na assistência. Apesar de que a maioria dos cursos hoje abordar isso (GRE 2).

Eu não tenho a formação de administrador. Então, para mim é até difícil às vezes ter o controle de números, a gente vai trabalhando. Os outros gerentes dos outros setores do hospital vão ajudando também (GRE 1).

Eles carecem aprimorar cálculos, indicadores, consumo, custos, e essa tendência não é nova, uma vez que foi citada como uma disposição de atualização na área refletindo a preocupação das organizações em profissionalizarem seus quadros gerenciais( 1010. Ribeiro de Brito AM, Menezes Brito MJ, Gazzinelli MFC, Montenegro LC. Representações sociais de discentes de graduação em enfermagem sobre "ser enfermeiro". Rev Bras Enferm. 2011 maio-jun [citado 2013 maio 10]; 64(3):527-35. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=267019943017
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). Na década de 1990( 1414. Motta, Paulo R. Gestão contemporânea: a ciência e a arte de ser dirigente. Rio de Janeiro: Record; 1991. ) o objetivo dos programas de qualidade era renovar processos organizacionais em função das tecnologias modernas e colaborar para a eficiência das práticas produtivas.

Os depoimentos indicam a preocupação dos gerentes em melhorar a qualidade do atendimento baseado na qualificação do corpo gerencial. Na perspectiva de articular saberes, salienta-se a necessidade de adotar novos conhecimentos que vêm sendo incorporados como forma de introduzir melhorias no processo de trabalho e incrementar estratégias gerenciais.

Adverte-se a busca do conhecimento nos processos de cuidar com valorização excessiva do uso das tecnologias materiais em detrimento das tecnologias não materiais, empobrecendo a ação cuidadora e limitando ações mais qualificadas( 1515. Ramos FRS, Bertoncini JH, Machado RR, Flor RC, Pires DEP, Gelbcke FL. Trabalho, educação e política em seus nexos na produção bibliográfica sobre o cuidado. Texto Contexto Enferm. 2009;18(2):361-8. ). O cuidado deve ocorrer a partir de uma combinação de tecnologias duras, leve-duras e leves( 1616. Merhy EE, Franco TB. Por uma composição técnica do trabalho centrada no campo relacional e nas tecnologias leves: apontando mudanças para os modelos tecnoassistenciais. Saúde em Debate. 2003;27(65):316-23. ). O autor utiliza o termo tecnologia leve como forma de agir entre sujeitos trabalhadores e usuários, implicados com a produção do cuidado. Às tecnologias inscritas nos instrumentos, identificamos como tecnologias duras. E ao conhecimento técnico, estruturado como tecnologia leve-duras( 1616. Merhy EE, Franco TB. Por uma composição técnica do trabalho centrada no campo relacional e nas tecnologias leves: apontando mudanças para os modelos tecnoassistenciais. Saúde em Debate. 2003;27(65):316-23. ). Os autores destacam o cuidado como meta e o trabalho como categoria estratégica, destacando o sujeito como fins desta meta, ou seja, o objeto de trabalho do enfermeiro é o sujeito do cuidado( 1515. Ramos FRS, Bertoncini JH, Machado RR, Flor RC, Pires DEP, Gelbcke FL. Trabalho, educação e política em seus nexos na produção bibliográfica sobre o cuidado. Texto Contexto Enferm. 2009;18(2):361-8. - 1616. Merhy EE, Franco TB. Por uma composição técnica do trabalho centrada no campo relacional e nas tecnologias leves: apontando mudanças para os modelos tecnoassistenciais. Saúde em Debate. 2003;27(65):316-23. ).

Outro aspecto interessante é a articulação entre assistência, gerência e educação. A gerência está intimamente relacionada à assistência e vice versa, numa perspectiva processual e indissociável, na qual a educação é imprescindível, principalmente no que tange a AH e melhoria da qualidade. Os enfermeiros entrevistados reconhecem na Enfermagem o cerne da assistência, configurando-se como o elo entre as ações assistenciais sem desvincular gestão e cuidado.

[...] eu procuro pegar o que é gerencial, buracrático e trazer pro lado assistencial, melhorando a parte assistencial (GRE 5).

[...] o enfermeiro, principalmente, prioriza a assistência, e ele acha um saco a tal da burocracia "eu não vou preencher essa burocracia", mas o mais importante que eu faço aqui, é o incentivo do profissional para cumprir a formalidade e o elo de ligação entre os setores, é aliar assistência [...] e o que é muito importante, é o relacionamento (GRE1).

Como peça fundamental, a Enfermagem ocupa lugar de evidência para a instituição ser ou manter-se acreditada.

A organização do cuidado é fundamental. Se não colocar uma data num curativo, se não fizer a parte dele, não checar a medicação, a gente não vai conseguir a acreditação (GRE 3).

Estes relatos remetem novamente à SAE pela citação da organização do cuidado no depoimento. A SAE é um dos instrumentos do processo de trabalho do enfermeiro que contribui para assegurar a qualidade do cuidado. Não é a totalidade da assistência de enfermagem, pois esta contempla uma gama de instrumentos que inclui comunicação, interação e articulação das dimensões assistencial e gerencial( 1212. Torres E, Christovam BP, Fuly PCS, Silvino ZR, Andrade M. Sistematização da assistência de Enfermagem como ferramenta da gerência do cuidado: estudo de caso. Esc Anna Nery. 2011 out-dez;15(4):730-6. ). Outro aspecto importante é a segurança do paciente, um atributo prioritário na qualidade assistencial. O que significa dispensar uma assistência à saúde que supostamente deve ser benéfica, sem lesões, diminuindo riscos de danos ao paciente.

Assim, os enfermeiros possuem uma diversidade de competências, conhecimentos e habilidades técnicas, contribuindo para a melhoria dos serviços de saúde. Estudo recente na temática AH, destaca algumas destas habilidades como a liderança por meio da qual o enfermeiro prover condições para o cuidado de forma segura e com qualidade; as ações gerenciais com a reorganização dos processos de trabalho e a educação permanente( 1717. Manzo BF, Brito MJM, Corrêa AR. Implicações do processo de acreditação hospitalar no cotidiano de profissionais de saúde. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):388-94. ). Ao situar a enfermagem como o eixo central da assistência é fundamental mobilizar, articular todas estas competências em função da melhoria da assistência.

Considerando os atributos da qualidade( 1111. Donabedian A. The seven pillars of quality. Arch Pathol Lab Med. 1990;114(11):1115-8. ) e seus pilares: estrutura, processo e resultado( 33. Donabedian A. The quality of care: how can it be assessed? JAMA. 1988;260(12):1743-8. ), em relação à estrutura, a instituição precisa atender às exigências como recursos humanos, qualificação profissional, habilitação dos responsáveis técnicos e atendimento seguro( 11. Organização Nacional de Acreditação (BR). Manual de organizações prestadoras de serviços hospitalares. Brasília; 2010. p. 160. ). Segundo os entrevistados, o enfermeiro de uma instituição acreditada tem maior confiança em seu trabalho. Neste sentido, destacam que a profissão tem riscos inerentes ao trabalho desenvolvido, mas se tratando de uma instituição acreditada esses riscos são gerenciados. Isso, porque objetivam melhorarias de seus processos, registros das atividades e documentação. Um estudo recente também apontou que a Excelência na assistência aos pacientes se dá com padronização de técnicas, respaldo na cientificidade do cuidado, direcionando ações e práticas de saúde executadas de maneira segura( 1818. Manzo BF, Ribeiro HCTC, Brito MJM, Alves M, Feldman LB. As implicações do processo de acreditação para os pacientes na perspectiva de profissionais de enfermagem. Enfermeria Global. 2012;25:272-81. ). Assim, a AH pela metodologia ONA considera a segurança de quem trabalha e de quem é atendido( 11. Organização Nacional de Acreditação (BR). Manual de organizações prestadoras de serviços hospitalares. Brasília; 2010. p. 160. ), evidenciado no depoimento:

Depois da certificação, ficou tudo mais racional. Houve [...] foi maior a exigência, nós conseguimos gerenciar melhor o nosso dia a dia e o risco da nossa profissão. Além de nos trazer também segurança no nosso trabalho, trouxe também a documentação necessária, registros necessários (GRE1).

Para o programa, a gente tem que fazer registro de tudo [...] isso não é uma prática muito comum. Não era uma realidade antes. Hoje, a gente registra melhor, de forma mais organizada (GRE2).

Tais melhorias traduzem responsabilidade e qualidade, ambas estão diretamente ligadas à busca do conhecimento( 11. Organização Nacional de Acreditação (BR). Manual de organizações prestadoras de serviços hospitalares. Brasília; 2010. p. 160. ). Aprender mais sobre a AH, aumenta a responsabilidade do profissional em relação ao paciente, à instituição e a si mesmo.

Ela [a acreditação] exige muito conhecimento, não só do gestor, mas dos enfermeiros também. Eu evolui também como gerente nas minhas competências pra isso. [...] As análises críticas que a gente tem, cada enfermeira é responsável pela sua, tanto do ponto de vista assistencial quanto gerencial, algo que a gente adquiriu ao longo do tempo, o enfermeiro não vem com isso da sua formação; aprende tudo aqui dentro (GRE2).

Decorre do processo[...] É evidente que muda. Muda muito na área da saúde e enfermagem. Nos últimos anos então, isso mudou o trabalho do gerente de enfermagem. Mas não só o trabalho do gestor, mas do enfermeiro, do próprio técnico de enfermagem, mudou a instituição. Não digo que isso é separado do processo de acreditação, mas acredito que é da própria evolução, da complexidade que se tornou o hospital, da instituição de saúde (GRE1).

Compreender a atuação do enfermeiro gerente na AH vai além do enfoque nas melhorias da assistência, inclui melhorias gerenciais. Apesar dos desafios encontrados diante do novo, ele se destaca nessas funções desenvolvendo competências gerenciais que se inicia na graduação, mas segundo os entrevistados, após a inserção no mercado de trabalho, há uma corresponsabilidade, organizacional e profissional, em seu desenvolvimento gerencial.

Aspectos dificultadores foram evidenciados: falta de preparo profissional; formação que não abrange programas de acreditação; deficiência no processo ensino-aprendizado caracterizada pela dicotomia já conhecida; "teoria e prática".

Salienta-se que a enfermagem está se adaptando à proposta de reorganização da instituição e não só do sistema suplementar, como do próprio sistema de saúde. O envolvimento do enfermeiro com a instituição, e as mudanças na forma de organizar os processos de trabalho, pode mudar o sistema de saúde pautado na qualidade, reforçando a necessidade da construção de um processo ensino-aprendizagem que leve o futuro profissional a desenvolver competências específicas( 1919. Silva KL. Sena RR. A educação de enfermagem: buscando a formação crítico reflexiva e as competências profissionais. Rev Lat-am Enfermagem. 2006;14(5):755-61. ). Emerge a necessidade de reforçar a interação ensino e serviço concretizando um processo de formação que reconhece as modificações ocorridas com a implantação dos novos modelos assistenciais e gerenciais, o que, portanto, muda o processo de trabalho em saúde e exige mudança no perfil profissional. Uma formação que agregue aptidões para tomada de decisões, comunicação, liderança, gerenciamento e educação.

Entrevistados destacaram atuações gerenciais que ao mesmo tempo geram sentimentos de insegurança, são assumidos como possibilidade de crescimento:

O enfermeiro pra trabalhar num hospital acreditado, ele tem que ter competência fundamentada na área de gestão, que é uma dificuldade, porque na formação do enfermeiro ainda existe um gap. Então, foi um processo muito difícil de muitas mudanças, mudanças de cultura, da própria enfermagem que trabalha aqui. Então, é uma construção, foi uma construção (GRE1).

Um ponto dificultador é o do conhecimento. Se um gestor não tiver o devido conhecimento do processo de gestão, da parte administrativa, fica difícil entender. Você vai analisar um indicador, o que é um desvio padrão, o que é a meta. Então, assim, as pessoas têm que ter um conhecimento em administração, é um fator que às vezes dificulta para o enfermeiro (GRE2).

Outro aspecto observado foi o desenvolvimento profissional do enfermeiro com seu envolvimento na AH, permitindo maior visibilidade dentro da instituição, com mais autonomia, poder de participação nas decisões nos níveis estratégicos. Conclui-se, que a acreditação potencializa o trabalho gerencial. Cabe relembrar a característica mais importante da proposta de acreditação: preservar o binômio "avaliação - educação"( 11. Organização Nacional de Acreditação (BR). Manual de organizações prestadoras de serviços hospitalares. Brasília; 2010. p. 160. ). Ressalta-se que AH é, principalmente, uma proposta de educação permanente, visando garantir a qualidade assistencial, gerando uma necessidade de investimento para viabilizar as mudanças nos processos da organização respondendo às demandas advindas da certificação. Assim, a AH representa uma importante estratégia de capacitação.

Começamos a participar de determinadas ações. Nós começamos a participar da saúde financeira da empresa propriamente dita, nós e os enfermeiro [...] Eu acho que houve uma mudança radical de postura, de ação, de preocupação dos enfermeiros com relação à administração da empresa. Daí pra frente, a gente veio melhorando sobre o ponto de vista administrativo, de planejamento, de relacionamento entre profissionais e de relacionamento entre equipes (GRE 1).

Melhorias na comunicação, no trabalho em equipe, na auto-avaliação, na revisão e decisões internas foram identificadas antes e após a avaliação, na qual os enfermeiros se mostraram dotados de habilidades e competências gerenciais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante desafios da qualidade, os enfermeiros inseridos na AH tem papel relevante tanto para a instituição conseguir ser acreditada como se manter com a certificação alcançada.

O enfermeiro se destacou como profissional articulador, com ativa participação nas decisões organizacional, indispensável para a instituição alcançar seus objetivos internos. Entretanto, a interdisciplinaridade é fundamental para alcançar uma assistência de qualidade favorecendo a realização do trabalho em equipe com vistas à integralidade do cuidado.

Foi evidenciado que os enfermeiros buscaram qualificação profissional para o exercício das funções gerenciais no nível de pós-graduação, além do aprendizado advindo da sua inserção na organização. Ou seja, a organização é co-responsável pelo aprendizado do enfermeiro para desenvolver sua função gerencial.

A metodologia se mostrou adequada e os objetivos foram respondidos. Neste sentido, as singularidades da atuação do enfermeiro gerente no serviço hospitalar estão relacionadas com a posição estratégica que ele ocupa e sua habilidade de articulação com os outros profissionais, capacidade de tomar de decisões organizacionais por compreender o processo de trabalho na sua totalidade, percebendo a impossibilidade da realização do trabalho de forma isolada e desarticulada. Desenvolvendo estratégias de articulação com os diversos saberes e atores, para concretizar os objetivos propostos articulando gerência, assistência e educação. Na perspectiva dos gerentes, o enfermeiro é peça fundamental, ocupando lugar de destaque na instituição. Foi identificado que a acreditação confere segurança e contribui para o crescimento profissional e da instituição. Além de contribuir com melhorias na qualidade da assistência na segurança do paciente. Mudanças que não devem ficar somente no âmbito das instituições privadas, mas, deve ser difundido em todo sistema de saúde.

Os enfermeiros se mostraram dotados de habilidades e competências gerenciais que abrangem planejamento de ações, liderança, comunicação e trabalho em equipe, se apropriando da proposta de reorganização da instituição e do sistema de saúde, o que favorece a AH. Considerando a acreditação uma metodologia inovadora no Brasil, o que se tem é uma limitação de pesquisas voltadas para a gerência de enfermagem na AH. Foi possível perceber que há a necessidade de se aprofundar mais sobre a temática e conhecer a realidade de outras instituições.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2014
  • Aceito
    07 Maio 2014
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