Acessibilidade / Reportar erro

Enfrentando uma experiência difícil mesmo com apoio: a adolescente menor vivenciando a maternagemEnfrentando una experiencia difícil aunque con apoyo: el adolescente menor vivenciando la maternidad

RESUMO

Objetivos

Compreender o significado do cuidar do filho para a mãe adolescente menor, desvelar as demandas para o cuidado e construir um Modelo Teórico sobre essa vivência.

Método

Pesquisa qualitativa: adotou-se o Interacionismo Simbólico como referencial teórico e a Teoria Fundamentada nos Dados, como metodológico. Participaram do estudo nove mães adolescentes. Técnica de coleta de dados: entrevistas semiestruturadas, realizadas de setembro de 2008 a setembro de 2011, na consulta de enfermagem em puericultura do Centro Assistencial Cruz de Malta, instituição filantrópica da Cidade de São Paulo/ Brasil.

Resultados

A análise dos dados levou à construção do Modelo Teórico, Enfrentando uma experiência difícil mesmo com apoio.

Conclusão

A experiência revelou que as dificuldades para cuidar, mesmo com ajuda, não são supridas, apenas amenizadas e que as mães adolescentes não apresentam maturidade para superar essa vivência.

Gravidez na adolescência; Relações mãe-filho; Cuidado da criança; Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

RESUMEN

Objetivos

Comprender el significado del cuidado de su hijo para la madre adolescente menor, desvelar las demandas para el cuidado y construir un Modelo Teórico sobre esa vivencia.

Método

Investigación cualitativa, se adoptó el Interaccionismo Simbólico como referencial teórico y la Grounded Theory como metodológico; participaron del estudio nueve madres adolescentes. Como técnica de recolección de datos: entrevistas semiestructuradas realizadas entre septiembre de 2008 a septiembre de 2011, en la consulta de enfermería al niño en el Centro Asistencial Cruz de Malta, institución filantrópica de la ciudad de São Paulo/ Brasil.

Resultados

El análisis de los datos llevó a la construcción del Modelo Teórico, Enfrentando una experiencia difícil aunque con apoyo.

Conclusión

La experiencia reveló que las dificultades para cuidar, aunque con ayuda, no son suprimidas, solo amenizadas, ni presentan madurez para superar esa vivencia.

Embarazo en la adolescencia; Relaciones madre-hijo; Cuidado del niño; Objetivos de Desarrollo del Milenio

ABSTRACT

Objectives

To understand the meaning of childcare for the underage adolescent mother, to reveal the demands of care and to build a theoretical model based on this experience.

Method

Qualitative research with symbolic interactionism as the theoretical framework and the grounded theory as the methodological framework; nine adolescents participated in the study. The semi-structured interview was used to collect data from September 2008 to September 2011, during paediatric nursing consultation at the Centro Assistencial Cruz de Malta, a philanthropic institution in the city of São Paulo/Brazil.

Results

Data analysis led to the construction of the theoretical model, Facing a difficult experience even with support.

Conclusion

The experience shows that the difficulties to care for a child, even with help, are not met, only mitigated, and that underage adolescents do not have the maturity to cope with this experience.

Pregnancy in adolescence; Mother-child relations; Child care; Millennium Development Goals

INTRODUÇÃO

Em 2000, a Organização das Nações Unidas promoveu a Cúpula do Milênio, na qual, líderes de 191 países firmaram um pacto por um mundo pacífico, justo e sustentável. No encontro, a Declaração do Milênio foi aprovada e seus Objetivos (ODM) foram definidos(11. Freedman LP, Waldman RJ, Pinho H, Wirth ME, Chowdhury AMR, Rosenfield A. Who’s got the power? transforming health systems for women and children.London: Earthscan Publications; 2005. p. 185.). Nosso País assumiu alcançar até 2015, a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres e reduzir a mortalidade infantil, dentre outras ações.

Os ODM estão diretamente relacionados à temática deste estudo, que é a maternidade na adolescência menor, isto é, entre os 10 e 14 anos de idade, no que tange à eliminação da disparidade entre os sexos, igualdade de condições e negociação, proteção de qualquer forma de exploração sexual, redução da mortalidade materno infantil, baixo peso ao nascer, desmame precoce; promoção de condições mais dignas ao nascimento do bebê e atenção à mãe recebida pela maternidade e serviços de saúde e garantia de uma infraestrutura compatível com as necessidades básicas(11. Freedman LP, Waldman RJ, Pinho H, Wirth ME, Chowdhury AMR, Rosenfield A. Who’s got the power? transforming health systems for women and children.London: Earthscan Publications; 2005. p. 185.), sobretudo, quando se trata de meninas que abrigam no cotidiano falta de oportunidades e baixa qualidade de saúde e educação.

Considerando o pouco conhecimento sobre a maternidade na adolescência menor, a exata dimensão do problema e a compreensão das repercussões negativas dessa vivência à mãe e seu bebê, este estudo permitiu traçar uma discussão perante uma temática, que é um verdadeiro desafio a ser enfrentado.

No relatório da Situação Populacional Mundial do Fundo de População das Nações Unidas, de 2013, destacou-se o tema sobre a maternidade na adolescência menor, denunciando que, no mundo, 2 milhões de meninas engravidam anualmente e este número alcançará 3 milhões, em 2030, caso políticas governamentais de proteção não sejam postas em prática(22. United Nations Population Fund. Motherhood in childhood: facing the challenge of adolescent pregnancy [Internet]. New York: UNFPA; 2013 [citado 2015 dez 03]. Disponível em: http://www.unfpa.org/publications/state-world-population-2013.
http://www.unfpa.org/publications/state-...
).

No Brasil, em 2011, houve 27.785 nascimentos de bebês de adolescentes entre 10 e 14 anos de idade(33. Ministério da Saúde (BR). Sistema de informações sobre nascidos vivos [Internet]. Brasília; 2010 [citado 2015 mar 15]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def.
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftoht...
) alertando sobre a necessidade de empenho urgente das autoridades e sociedade para reversão dessa problemática.

Diante de tal realidade, existem poucos estudos recentes que evidenciam a gravidez e a maternidade na adolescência menor e suas relevantes distinções quanto às demais faixas etárias(44. Farias R, More COO. Repercussões da gravidez em adolescentes de 10 a 14 anos de idade em contexto de vulnerabilidade social. Psicol Reflex Crit. 2012; 5(3):596-604.) e os existentes enfocam os riscos biológicos que a gravidez nesta faixa etária acarreta, revelando uma vivência negativa na interação mãe-filho(55. Goldenberg P, Figueiredo MCT, Silva RS.Gravidez na adolescência, pré-natal e resultados perinatais em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Pública.2005;21(4):1077-86.).

Quanto aos riscos biológicos, a Organização Mundial de Saúde alerta para complicações fisiológicas da mãe e bebê, como: anemia, hipertensão, aborto espontâneo, trabalho de parto prolongado, parto prematuro e morte materna, por sua imaturidade física, funcional e emocional(66. Organizacion Mundial de la Salud (CH). Embarazo en adolescentes: um problema culturalmente complejo [Internet]. Boletin Organ Mundial Salud; 2009 jun [citado 2011 nov 24] 87(6):410-1. Disponível em: http://www.who.int/bulletin/volumes/87/6/09-020609/es/index.html.
http://www.who.int/bulletin/volumes/87/6...
). Enfatiza que os riscos destas complicações estão relacionados à baixa escolaridade, uso de drogas, não seguimento ou seguimento inadequado do pré-natal, baixa condição socioeconômica, intervalos interpartais curtos e estado nutricional comprometido(66. Organizacion Mundial de la Salud (CH). Embarazo en adolescentes: um problema culturalmente complejo [Internet]. Boletin Organ Mundial Salud; 2009 jun [citado 2011 nov 24] 87(6):410-1. Disponível em: http://www.who.int/bulletin/volumes/87/6/09-020609/es/index.html.
http://www.who.int/bulletin/volumes/87/6...
).

Além dos riscos mencionados, estes bebês são mais vulneráveis a ter um Apgar mais baixo, trauma obstétrico, doenças do trato respiratório, transtorno de desenvolvimento, baixo quociente intelectual, cegueira, surdez, morte perinatal, ou mesmo, durante a infância(66. Organizacion Mundial de la Salud (CH). Embarazo en adolescentes: um problema culturalmente complejo [Internet]. Boletin Organ Mundial Salud; 2009 jun [citado 2011 nov 24] 87(6):410-1. Disponível em: http://www.who.int/bulletin/volumes/87/6/09-020609/es/index.html.
http://www.who.int/bulletin/volumes/87/6...
).

Com outra abordagem destaca que a maternidade nessa faixa etária, relaciona-se à violência sexual, levando a repercussões psicológicas negativas na constituição da sexualidade e desenvolvimento de gravidez, parto e puerpério(44. Farias R, More COO. Repercussões da gravidez em adolescentes de 10 a 14 anos de idade em contexto de vulnerabilidade social. Psicol Reflex Crit. 2012; 5(3):596-604.).

Quanto à maternagem, isto é, os cuidados realizados ao filho, estudos partem do pressuposto que estas mães apresentam baixo nível de desenvolvimento cognitivo, expondo-os a riscos evitáveis(22. United Nations Population Fund. Motherhood in childhood: facing the challenge of adolescent pregnancy [Internet]. New York: UNFPA; 2013 [citado 2015 dez 03]. Disponível em: http://www.unfpa.org/publications/state-world-population-2013.
http://www.unfpa.org/publications/state-...
,77. Levandowski DC, Piccini CA, Lopes RCS. Maternidade adolescente. Estud Psicol (Campinas). 2008;25(2):251-63.). Também enfatiza sua falta de competência para cuidar sozinha e que os filhos estão sujeitos a maus-tratos, agravos psicológicos e de desenvolvimento, por serem menos tolerantes e mais punitivas(77. Levandowski DC, Piccini CA, Lopes RCS. Maternidade adolescente. Estud Psicol (Campinas). 2008;25(2):251-63.).

Somam-se às condições supracitadas, uma maior propensão dessa mãe desenvolver depressão, que determina menor disponibilidade emocional e uma relação menos afetuosa para com o filho(77. Levandowski DC, Piccini CA, Lopes RCS. Maternidade adolescente. Estud Psicol (Campinas). 2008;25(2):251-63.-88. Crugnola CR, Ierardi E, Gazzotti S, Albizatti A. Motherhood in adolescent mothers: maternal attachment, mother-infant styles of interaction and emotion regulation at three months. Infant Behav Dev. 2014;37(1):44-56.).

Nessa lógica, a gravidez e a maternagem na adolescencia menor são caracterizadas sob o enfoque de risco, uma vez que, somente após os 15 anos de idade, adolescentes conseguem desenvolver o raciocínio dedutivo e a habilidade de propor hipóteses e argumentos para a solução de problemas(77. Levandowski DC, Piccini CA, Lopes RCS. Maternidade adolescente. Estud Psicol (Campinas). 2008;25(2):251-63.,99. Folle E, Geib LTC. Representações sociais das primíparas sobre o cuidado materno ao recém-nascido. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004;12(2):183-90.), concluindo que mães tão jovens apresentam deficiências em suas habilidades cognitivas e empáticas para a assunção do papel materno.

Tendo em vista as dificuldades vivenciadas na maternidade/maternagem pela mãe adolescente menor, questionamos como é para ela vivenciar a situação de cuidar do filho? Buscando responder à essa pergunta, delineamos um estudo com os seguintes objetivos: compreender o significado do cuidar do filho para a mãe adolescente menor; desvelar as demandas para o cuidado e construir um Modelo Teórico (MT) sobre essa vivência.

METODOLOGIA

Estudo qualitativo que utilizou como referencial teórico o Interacionismo Simbólico (IS), perspectiva de análise das experiências humanas, cujo foco de estudo é a natureza das interações(1010. Charon JM. Simbolic Interactionism: an introduction, an interpretation, an integration.10. ed. Boston: Prentice Hall; 2010.). A Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), o referencial metodológico,propõe-se ao desenvolvimento de teorias geradas apoiadas nos dados obtidos de forma sistemática, comparativamente, em um processo não linear, no decorrer da própria pesquisa(1111. Charmaz K. A contrução da teoria fundamentada: guia prático para a análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

O cenário foi o ambulatório de consulta de enfermagem em puericultura do Centro Assistencial Cruz de Malta, instituição filantrópica da Cidade de São Paulo, que mantém um Programa de Integração Docente Assistencial com o Departamento de Enfermagem Pediátrica da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo.

Participaram nove mães que tiveram seus filhos entre 12 e 14 anos de idade. Este número foi determinado pela amostragem teórica, processo que visa a gerar a teoria, para o que o pesquisador coleta,codifica e analisa os dados e decide quais vai coletar em seguida e onde encontrá-los(1111. Charmaz K. A contrução da teoria fundamentada: guia prático para a análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

Assim, constituíram-se três grupos amostrais; o primeiro, com três mães que sofreram maus-tratos na infância, relacionamento conflituoso com problemas na relação e dinâmica familiar; o segundo, quatro mães que vivenciaram o apoio da família na infância, durante a gravidez e nascimento de seus filhos; o terceiro, duas mães já adultas, mas, que haviam vivenciado a maternidade na adolescência menor, uma teve apoio da família e da rede social, a outra, não, que significaram suas experiências passadas relacionadas à maternagem, de forma similar àquelas vivenciadas pelas adolescentes dos outros dois grupos, atingindo-se a saturação teórica(1111. Charmaz K. A contrução da teoria fundamentada: guia prático para a análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

As estratégias foram a observação participante e a entrevista semiestruturada iniciada com a questão norteadora: Conte-me (nome da mãe) como está sendo para você a experiência de cuidar de seu filho (nome da criança)? Estas foram realizadas no ambulatório ou casa das adolescentes, conforme sua escolha, gravadas e transcritas na íntegra.

A coleta dos dados foi realizada entre setembro de 2008 e setembro de 2011, derivada de uma tese de doutorado em enfermagem(1212. Andrade PR. Enfrentando uma experiência difícil mesmo com apoio: a adolescente menor vivenciando a maternagem [tese].São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2012.) e ocorreu de de modo desafiador, em função das dificuldades na captação e aceitação destas mães em participarem do estudo e, àquelas que aceitavam, conotavam dificuldades para expressarem de maneira lógica e sequencial uma vivência tão complexa. Além do que as adolescentes eram selecionadas intencionalmente e a análise dos dados deu-se concomitantemente à coleta levando a um período de tempo prolongado para alcançar a saturação teórica(1111. Charmaz K. A contrução da teoria fundamentada: guia prático para a análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

Ademais, conforme os pressupostos da TFD, coleta dos dados não antecede a análise dos mesmos, mas elas ocorre concomitantemente, e esta foi realizada seguindo as etapas de codificação aberta, axial e seletiva, identificação da categoria central, e formulação do MT representativo do fenômeno estudado(1111. Charmaz K. A contrução da teoria fundamentada: guia prático para a análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.).

Com relação aos aspectos éticos, a pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética da UNIFESP sob Parecer de n° 2.025/07, em acordo com os preceitos éticos exigidos na Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. As participantes foram esclarecidas das finalidades do estudo e garantia do anonimato, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assim como o adulto responsável, no caso das adolescentes. Para preservar o sigilo, estas receberam nome fictícios de anjos, como serão denominadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos dados possibilitou a compreensão do significado que a mãe adolescente menor atribui à vivência de cuidar do filho, revelando dois fenômenos interativos, ou seja, são interdependentes, seguem uma trajetória mútua e apresentam interação de efeitos. O primeiro, Convivendo com uma experiência solitária e difícil ao cuidar do filho, expressa as dificuldades, sofrimentos, medos e sentimento de solidão que ela vivencia e comprometem sua adaptação à maternagem. O segundo, Tendo ajuda da rede de apoio para cuidar do filho, retrata as interações que estabelece com sua rede de apoio, para desempenhar o papel de mãe, cuidar do filho e, ainda, prosseguir com sua vida.

A articulação desses dois fenômenos levou à identificação da categoria central e a construção do MT Enfrentando uma experiência difícil mesmo com apoio (Diagrama 1). A seguir, o mesmo será descrito, destacando as categorias que o compõe, ilustradas com trechos dos dados empíricos dos discursos e observações realizadas com as mães.

Diagrama 1
– Modelo Teórico: Enfrentando uma experiência difícil mesmo com apoio

Essa vivência inicia-se no alojamento conjunto, após o parto, quando a adolescente depara-se interagindo com os cuidados iniciais do filho que precisa realizar, sem poder contar com o apoio, carinho e compreensão dos profissionais de saúde ou de familiares, assim, percebe-se Vivenciando os cuidados iniciais ao filho de maneira solitária e difícil.

Ficar sem mãe, marido, sozinha e ninguém para te dar carinho e ajudar com o bebê! Isso foi demais, não sabia nem como ia começar a cuidar[...].eu e o bebê, ali sozinhos (Tsaphkiel).

Tive que aprender a cuidar do meu filho sozinha lá na maternidade. Minha mãe só podia entrar na hora da visita, e a enfermeira veio lá, deu um banho rapidinho no bebê e não ensinou nada! (Camael).

Tal achado é preocupante, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que “os estabelecimentos de atendimento à saúde devem proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável,no caso de internação da criança ou do adolescente”(1313. Presidência da República (BR). Estatuto da Criança e do Adolescente: lei nº 8.069 de 13/07/1990: constituição e legislação relacionada. São Paulo: Cortez; 1991.). O fato torna-se mais inquietante, pois o quinto ODM, relacionado à saúde materna, apresenta dentre as suas metas, a necessidade da promoção de uma atenção especializa e humanizada pelos profissionais de saúde durante a gestação e puerpério(11. Freedman LP, Waldman RJ, Pinho H, Wirth ME, Chowdhury AMR, Rosenfield A. Who’s got the power? transforming health systems for women and children.London: Earthscan Publications; 2005. p. 185.-22. United Nations Population Fund. Motherhood in childhood: facing the challenge of adolescent pregnancy [Internet]. New York: UNFPA; 2013 [citado 2015 dez 03]. Disponível em: http://www.unfpa.org/publications/state-world-population-2013.
http://www.unfpa.org/publications/state-...
), levando-nos a refletir sobre a obrigatoriedade da presença de um acompanhante junto à mãe adolescente menor durante todo o período de trabalho de parto, pós parto imediato e alojamento conjunto, ainda mais considerando a pouca idade dessa população.

Concordamos, que a falta desse suporte precoce à mãe adolescente para cuidar pode acarretar prejuízos irreparáveis na relação e segurança emocional da díade mãe-filho, pois essa ajuda inicial favorece a autonomia e autoconfiança para apoiar as demandas da maternagem(1414. Bergamaschi SFF, Praça NS, Vivência da puérpera-adolescente no cuidado do recém-nascido, no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(3):454-60.).

Por outro lado, quando se percebe apoiada precocemente no alojamento conjunto, com a ajuda dos profissionais de saúde e da rede de apoio, vivencia esta situação, Tendo ajuda da rede de apoio para cuidar do filho, conseguindo desempenhar seu papel de mãe no cuidado do filho, favorecendo-lhe a sensação de valorização e confiança, essencial para sua adaptação e assunção à maternidade.

Eles [equipe de enfermagem] foram bacanas! Eu recebi muita ajuda lá no quarto para cuidar do meu filho. Eles ensinaram banho, troca, tudinho, aprendi a fazer tudo certinho (Gabriel).

O apoio da minha mãe foi tudo! Ela me ajudou a cuidar do meu filho. Desde o começo,orientou tudo e ficou do meu lado pra ver se eu tava cuidando direito (Camael) .

Nesse contexto, o apoio familiar é o instrumento-chave para ajudá-las no enfrentamento do cuidar. Estudos reforçam que mães tão jovens precisam contar com a ajuda, supervisão e ensinamentos da família, sobretudo, nos primeiros dias de vida do bebê, quando se sentem fragilizadas e vulneráveis, diante da nova situação(1414. Bergamaschi SFF, Praça NS, Vivência da puérpera-adolescente no cuidado do recém-nascido, no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(3):454-60.-1515. Andrade PR, Ribeiro CA, Silva CV. Mãe adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Rev Bras Enferm. 2006;59(1):30-5.). Enfatizam que essa ajuda favorece uma maternagem mais responsiva, em especial sob condições estressantes, promovendo o desenvolvimento do apego seguro entre mãe e filho, e o fortalecimento da relação com a família(1414. Bergamaschi SFF, Praça NS, Vivência da puérpera-adolescente no cuidado do recém-nascido, no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(3):454-60.-1515. Andrade PR, Ribeiro CA, Silva CV. Mãe adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Rev Bras Enferm. 2006;59(1):30-5.).

Os profissionais de saúde também são reconhecidos como importante fonte de apoio, reforço emocional e informação, propiciando sentimentos de pertencimento, valorização e exercendo influência direta em seu bem-estar biopsicossocial e na competência para exercer a maternagem(1414. Bergamaschi SFF, Praça NS, Vivência da puérpera-adolescente no cuidado do recém-nascido, no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(3):454-60.-1515. Andrade PR, Ribeiro CA, Silva CV. Mãe adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Rev Bras Enferm. 2006;59(1):30-5.).

Ao retornar para casa, a adolescente continua interagindo com as dúvidas e inseguranças que não foram supridas na maternidade, Continuando a vivenciar dificuldades para cuidar do filho, sem saber se os cuidados que realiza estão corretos, ela vai tendo de descobrir sozinha como cuidar, por meio de tentativas, acertos e erros.

No começo,“apanhei” pra cuidar do meu filho. Foi difícil, dar o banho, limpar o umbigo e trocar a fralda (Camael).

Ficava sozinha. Aí fui descobrindo, ia vendo o que dava errado e logo eu dava um jeito de melhorar. Fui descobrindo como cuidar dele sozinha (Tsadkiel).

Dificuldades e medos para cuidar estão relacionados à fase de adaptação à nova condição de ser mãe e às demandas que a maternagem acarreta, para as quais não está preparada para exercer plenamente(1414. Bergamaschi SFF, Praça NS, Vivência da puérpera-adolescente no cuidado do recém-nascido, no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(3):454-60.-1515. Andrade PR, Ribeiro CA, Silva CV. Mãe adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Rev Bras Enferm. 2006;59(1):30-5.).Este achado pode ser explicado pelas características inerentes da adolescência menor: ser imediatista; querer descobrir soluções fáceis; criar um sistema de valores próprio em busca de soluções e ir à procura de uma identidade adulta. Assim, enquanto cuida do filho, vai testando seus limites, refaz conceitos e vivencia uma possível independência, tentando eximir-se dos medos e dificuldades que a dominam(99. Folle E, Geib LTC. Representações sociais das primíparas sobre o cuidado materno ao recém-nascido. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004;12(2):183-90.).

Diante desta vivência inicial tão difícil, a mãe interage consigo mesma e começa a mobilizar recursos internos para conseguir cuidar e amenizar o sofrimento que essa situação causa. Passa a relembrar experiências de sua infância, quando teve oportunidade de ajudar sua mãe a cuidar de outras crianças pequenas, estratégia que não tem o efeito esperado, Surpreendendo-se ao deparar-se com uma experiência diferente e única, reconhecendo que a vivência anterior não lhe garante segurança para cuidar do filho.

Nem parece que ajudei a cuidar da minha irmãzinha, cuidava dela sem problemas! Quando vi aquele bebezinho pequenininho, não imaginava que ia ser tão diferente, que eu ia ter dificuldade para dar o banho e limpar o umbigo, coisas que já ajudava a fazer (Raziel).

Tal achado leva à reflexão sobre a capacidade do cuidar, relacionada às lembranças de como o ser humano foi cuidado e como cuidou do outro, pois lembranças podem ser acessadas no transcorrer da vida, ajudando na tomada de decisões relacionadas ao cuidar de si e do outro(1616. Puginna ACG, Silva MPJ. Ética no cuidado e nas relações: premissas para um cuidar mais humano. Rev Min Enferm,2009;13(4):599-605.). Talvez, isso seja mais difícil de ocorrer na adolescência menor, pela dificuldade de compreensão e abstração de fatos relacionados ao cuidar adquiridos na infância, pois, o processo de adaptação à maternidade/maternagem requer amadurecimento psicológico e emocional para discernir as vivências que precisa assumir(77. Levandowski DC, Piccini CA, Lopes RCS. Maternidade adolescente. Estud Psicol (Campinas). 2008;25(2):251-63.,99. Folle E, Geib LTC. Representações sociais das primíparas sobre o cuidado materno ao recém-nascido. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004;12(2):183-90.).

Além disso, as dificuldades não se restringem apenas aos cuidados diretos ao filho, mas, decorrem também de estar Sentindo-se exigida e sobrecarregada por precisar cumprir os afazeres domésticos e escolares, que já realizava antes de seu nascimento, causando cansaço e irritação.

Antigamente era só casa. Agora é a nenê, o marido e deixar tudo arrumadinho e limpo (Mikael).

Eu tô cansada e quando chego da escola, preciso cuidar da minha filha e da casa, tô muito cansada e irritada! (Tsaphkiel).

Conforme o IS, o desenvolvimento do Self na adolescência menor implica uma intensa estruturação e ajustamentos, levando à redefinição da identidade que está se estruturando, podendo sentir o peso da responsabilidade e renúncia(77. Levandowski DC, Piccini CA, Lopes RCS. Maternidade adolescente. Estud Psicol (Campinas). 2008;25(2):251-63.,99. Folle E, Geib LTC. Representações sociais das primíparas sobre o cuidado materno ao recém-nascido. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004;12(2):183-90.) face à situação.

Nesse contexto, embora contribuindo com a sobrecarga da adolescente revelada neste estudo, ressalta-se a importância de seu retorno precoce à escola, como garantia de proporcionar-lhe um universo de conhecimentos e desenvolvimento de um “projeto de ser alguém na vida”, favorecendo condições de crescer, amadurecer e autoafirmar-se, como adolescente e mãe(1717. Pantoja ALN. Ser alguém na vida: uma análise sócio-antropológica da gravidez/maternidade na adolescência em Belém do Pará, Brasil. Cad Saúde Pública. 2003;19(Supl. 2):S335-43.).

O segundo ODM refere-se à garantia do ensino básico universal com alcance da educação de qualidade para jovens entre 7 e 14 anos de idade(11. Freedman LP, Waldman RJ, Pinho H, Wirth ME, Chowdhury AMR, Rosenfield A. Who’s got the power? transforming health systems for women and children.London: Earthscan Publications; 2005. p. 185.-22. United Nations Population Fund. Motherhood in childhood: facing the challenge of adolescent pregnancy [Internet]. New York: UNFPA; 2013 [citado 2015 dez 03]. Disponível em: http://www.unfpa.org/publications/state-world-population-2013.
http://www.unfpa.org/publications/state-...
), no entanto, essa não é a realidade contemplada, pois a evasão escolar para a maioria dessas mães é precoce e definitiva, pelas dificuldades de conciliarem os estudos com as exigências e responsabilidades que o cuidar determina(1717. Pantoja ALN. Ser alguém na vida: uma análise sócio-antropológica da gravidez/maternidade na adolescência em Belém do Pará, Brasil. Cad Saúde Pública. 2003;19(Supl. 2):S335-43.).

Além disso, conforme vai cuidando, novas dificuldades surgem, como as relacionadas à sua incapacidade de interagir com alguma doença ou mal-estar do bebê, assim, percebe, Sofrendo ao deparar-se com a dor e o sofrimento do filho, o que a leva a sentir dó, medo de uma possível internação ou mesmo de conter o filho para tomar vacina.

Tinha medo dela [filha] ficar doente, sei lá, dela ficar internada. Eu tinha medo de um resfriado virar bronquite.(Haniel).

Fiquei com medo, assim, medo de vacinar e segurar ela (Tsaphkiel).

Achado semelhante foi evidenciado em estudo e reforça que tal situação acomete a adolescente pela sua imaturidade emocional associada ao estresse de precisar deparar-se com situações inusitadas e desconhecidas que não está preparada para enfrentar(77. Levandowski DC, Piccini CA, Lopes RCS. Maternidade adolescente. Estud Psicol (Campinas). 2008;25(2):251-63.,99. Folle E, Geib LTC. Representações sociais das primíparas sobre o cuidado materno ao recém-nascido. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004;12(2):183-90.). Mas, essa não é uma prerrogativa da adolescente menor; mães de 15 a 19 anos, também referiram medo dos filhos ficarem doentes e serem internados, não só pelo próprio sofrimento, mas também por serem julgadas e até perderem a guarda do filho(1515. Andrade PR, Ribeiro CA, Silva CV. Mãe adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Rev Bras Enferm. 2006;59(1):30-5.).

Em face das exigências que vai vivenciando, esta mãe busca seus familiares para ajudá-la, assim, ameniza as dificuldades e medos decorrentes da sobrecarga de demandas que precisa enfrentar,como ser atendida em sua solicitação de acompanhá-la ao Posto de Saúde para se eximir de segurar o filho ao ser vacinado.

Tive dó de levar meu filho para tomar vacina. Na primeira vez, minha mãe veio comigo, na segunda, minha tia e meu marido. Foram eles que seguraram (Mikael).

A adolescente também se depara, Tendo suporte financeiro e apoio para retornar às atividades, quando estabelece uma negociação com sua rede familiar para favorecer-lhe apoio financeiro a seu sustento e do filho e garantir-lhe o retorno precoce à escola.

Para cuidar, você precisa ter dinheiro. Por isso, dependo da minha família, não tenho como sustentá-la agora. (Metraton).

Eu tive apoio de todos da minha família para voltar a estudar. Até a patroa da minha mãe, deixou a minha mãe levar ele para o serviço dela, enquanto estou na escola (Mikael).

Todo este apoio faz com que fortaleça a relação com a família e determina que se sinta menos vulnerável e em melhores condições físicas e emocionais para enfrentar as vicissitudes da situação do cuidar(1414. Bergamaschi SFF, Praça NS, Vivência da puérpera-adolescente no cuidado do recém-nascido, no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(3):454-60.-1515. Andrade PR, Ribeiro CA, Silva CV. Mãe adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Rev Bras Enferm. 2006;59(1):30-5.).

Este achado nos remete ao terceiro ODM(11. Freedman LP, Waldman RJ, Pinho H, Wirth ME, Chowdhury AMR, Rosenfield A. Who’s got the power? transforming health systems for women and children.London: Earthscan Publications; 2005. p. 185.,22. United Nations Population Fund. Motherhood in childhood: facing the challenge of adolescent pregnancy [Internet]. New York: UNFPA; 2013 [citado 2015 dez 03]. Disponível em: http://www.unfpa.org/publications/state-world-population-2013.
http://www.unfpa.org/publications/state-...
) que ressalta a importância da igualdade entre sexos e valorização da mulher, o que nos leva a refletir que estas mães em tão tenra idade, possam ter oportunidades de desenvolvimento socioeconômico por meio da educação e melhoraria da qualidade de vida que reverter-se-á diretamente em melhores cuidados ao filho e de si, e o quanto é importante o apoio da família para que isso ocorra.

Esta jovem também percebe-se acolhida quando interage com as enfermeiras que atuam na consulta de enfermagem, que estão sempre prontas a ouvi-la, orientá-la e apoiá-la quanto às suas dúvidas e dificuldades relacionadas ao cuidado do bebê e de si.

Fui muito ajudada por vocês [enfermeiras]. Vocês explicam tudinho. Aprendi muito a cuidar da minha filha com vocês. Só consegui dar de mamar pra minha filha por causa de vocês, que me apoiou muito (Raphael).

Embora reconheça a importância do apoio que recebe da família para ajudá-la a cuidar, a forma como ele é exercido pode levar essa jovem a ir, Percebendo-se perder o domínio sobre seu papel de mãe, o que ocorre quando sua mãe ou avó começa a demonstrar preocupação quanto à qualidade dos cuidados prestados ao bebê. Percebe-se vigiada e intimidada por não conseguir executar os cuidados, conforme ensinado por elas e depara-se com sua mãe realizando e tomando decisões, sem consultá-la. Assim, vai deixando de cuidar ou decidir sobre os cuidados, sobretudo, quando de seu retorno à escola.

A minha mãe ficava de olho e com medo de eu cuidar dele sozinha. Ela tinha medo dele passar fome, não fazer a mamadeira e eu não trocar a fralda (Metraton).

Tava amamentado e voltei pra escola, minha mãe foi lá e decidiu que leite ia dar, e assumiu todos os cuidados (Tsaphkiel).

Pela dificuldade em opor-se à mãe, de quem depende e por sentir-se muito triste, não reage e fica sofrendo, chegando a decidir sair da escola, como estratégia para tentar reassumir o papel de mãe e reconquistar o amor do filho.

Estou muito triste, acho que meu filho gosta mais da minha mãe do que de mim! Quando a gente chega em casa, e as duas [mãe e filha] estendem os braços para pegar ele no colo, ele vai no colo da minha mãe! (Mikael).

Mas, quando pode contar com a ajuda da mãe, no sentido de tê-la a seu lado, orientando e esclarecendo suas dúvidas, passa a sentir-se motivada, adquirindo segurança e confiança, sem perceber-se destituída do papel de protagonista do cuidado do filho. Assim, vai desenvolvendo autonomia para cuidar, o que não significa que esteja superando seus medos e consiga dar conta sozinha das exigências que a maternagem exige. Neste sentido, vai Desenvolvendo confiança para cuidar, na qualidade do cuidado, passando a definir-se como sendo boa mãe e a ser valorizada pela família, o que favorece o desenvolvimento de sua autoestima.

Fui adquirindo confiança pra cuidar no dia a dia. A minha família foi importante para que isso acontecesse (Tsadkiel).

É só elogio, todo mundo sabe que sou boa mãe e cuido bem da minha filha! (Raphael).

Corroborando com estes achados, estudos investigaram a relação da adolescente com sua mãe, referente aos cuidados ao bebê e impactos que essa relação pode exercer. Um deles alerta que, algumas vezes, estes problemas antecedem o nascimento, gerando conflitos, sobretudo quando sua mãe julga que ela é muito jovem e não tem condições emocionais e habilidades técnicas para cuidar(1818. Toomey RB, Umaña-Taylor AJ, Jahromi LB, Updegraff KA. Measuring social support from mother figures in the transition from pregnancy to parenthood among Mexican-origin adolescent mothers. Hisp J Behav Sci. 2013;35(2):194-212).

A literatura enfatiza que a segurança e a capacidade para cuidar são obtidas pela autoconfiança na interação estabelecida entre mãe e filho, desencadendo sentimentos favoráveis que a tornam fortalecida, criativa e autônoma para cuidar(1414. Bergamaschi SFF, Praça NS, Vivência da puérpera-adolescente no cuidado do recém-nascido, no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(3):454-60.-1515. Andrade PR, Ribeiro CA, Silva CV. Mãe adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Rev Bras Enferm. 2006;59(1):30-5.). Quando não consegue desenvolver essa confiança, a adolescente é levada a um estado de autodepreciação, a um alto nível de estresse emocional e à descrença completa de seu papel de mãe(99. Folle E, Geib LTC. Representações sociais das primíparas sobre o cuidado materno ao recém-nascido. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004;12(2):183-90.,1818. Toomey RB, Umaña-Taylor AJ, Jahromi LB, Updegraff KA. Measuring social support from mother figures in the transition from pregnancy to parenthood among Mexican-origin adolescent mothers. Hisp J Behav Sci. 2013;35(2):194-212).

Tornar-se mãe é um ritual de passagem e transição, que envolve a organização dos vários papéis que integram o autoconceito do que vem a ser mulher(1919. Silva LA, Nakano AMS, Gomes FA, Stefanello J. Significados atribuídos por puérperas adolescentes à maternidade: autocuidado e cuidado com o bebê. Texto Contexto Enferm. 2009;18(1):48-56.). Com a ajuda da rede de apoio, as adolescentes esforçam-se e tentam ajustar-se ao papel de ser boa mãe, pois, culturalmente, o significado dado às características maternas, independente de sua idade, está relacionado a sentimentos de doação, sacrifícios, obrigação, paciência e delicadeza para com o filho(1919. Silva LA, Nakano AMS, Gomes FA, Stefanello J. Significados atribuídos por puérperas adolescentes à maternidade: autocuidado e cuidado com o bebê. Texto Contexto Enferm. 2009;18(1):48-56.).

Esse conceito deve ser repensado, em especial, às mães que estão vivenciando a maternidade na adolescência menor, pois tais características podem não se ajustar às mesmas, por não apresentarem condições psicológicas e emocionais para construção da identidade de ser mãe.

No contexto de superações e valorização de seu Self, a adolescente passa a ressignificar e vai Ampliando o conceito de cuidar, que passa a ter dimensões maiores e relacionadas às medidas de proteção e segurança de seu filho e à promoção do desenvolvimento, chegando a emocionar-se com suas novas habilidades.

Ele começou a falar o nome de cada um de nós. Que menino inteligente, fiquei emocionada! (Raziel).

É perigoso deixar ele sozinho, tenho medo que ele se machuque. Mesmo quando tô acabada, preciso ficar atrás dele (Gabriel).

Ela também passa a reconhecer o brincar como um recurso importante do cuidado. A esse respeito, interagindo consigo mesma, recorda vivências significativas de sua infância, resgatando momentos relacionados às brincadeiras que tanto lhe proporcionavam alegria e prazer, valorizando o brincar como instrumento para fortalecer sua relação com o filho, promover seu desenvolvimento e trazer-lhe o alento necessário para enfrentar toda a carga que o cuidar impõe.

[...] brinquei muito! Na escola, até os 7 anos de idade, brincava de cobra-cega e mamãe e filhinha. Como era maravilhoso brincar, brincar é uma delicia! (Camael).

Quando a gente tá brincando, ele quer o brinquedo, ele já sai engatinhando pela casa. Nossa! Eu não imaginava que brincar assim era importante (Gabriel).

A gente adora brincar juntos. Coloco os brinquedos no endredom, e a gente fica horas brincando juntos (Raphael).

Além de ser uma atividade promotora de prazer, diversão e distração, brincar é também uma atividade integradora do ser humano. Epistemologicamente, deriva de brinco que vem do latim vinculo, cujo significado é fazer laços, ligar-se, o que mostra quanto a atividade lúdica é essencial ao desenvolvimento da criança, pois, brincando, ela vai integrando-se a si mesma, às outras pessoas e ao meio ambiente; além de ser uma atividade que leva à compreensão e até a ressignificação de uma situação(2020. Ribeiro CA, Borba RIH, Rezende MA. O brinquedo na assistência da criança In: Borges ALV, Fujimori EV, Ohara CVS, organizadores. Enfermagem e a saúde do adolescente na atenção básica. Barueri: Manole; 2009. p. 287-327.).

O brincar pode representar uma estratégia de atividades a serem desenvolvidas com adolescentes, uma possibilidade de expressar-se, transformar-se, autoconhecer-se, pois, durante o brincar poderá interagir, vivenciar e compreender a dimensão subjetiva e singular das várias experiências que está vivendo, com a possibilidade de interpretar o que está acontecendo(2020. Ribeiro CA, Borba RIH, Rezende MA. O brinquedo na assistência da criança In: Borges ALV, Fujimori EV, Ohara CVS, organizadores. Enfermagem e a saúde do adolescente na atenção básica. Barueri: Manole; 2009. p. 287-327.).

Como consequência, de vivenciar todo esse processo, a adolescente percebe-se Transformando-se com a maternagem, pois reconhece que a interação que estabelece com o filho faz florescer sentimentos positivos, como o amor ao filho, que determinam transformações em seu jeito de ser. Ela acaba por definir o filho, como sendo a alegria e a razão de seu viver.

Depois que meu filho nasceu, resolvi mudar de vida Amadureci e decidi que eu ia ter que cuidar dele (Tsadkiel).

O meu filho é minha vida, minha paixão! Eu me apaixono mais e mais a cada dia, vou cuidando dele e sentindo mais amor (Raziel).

Tal fato também foi evidenciado em estudo realizado com mães adolescentes de 15 a 19 anos de idade, que revelou a vivência de sentimentos de prazer, amor e felicidade das mesmas ao cuidar e o desenvolvimento de estratégias para que pudessem superar as dificuldades e alcançar o objetivo de cuidar do filho(1515. Andrade PR, Ribeiro CA, Silva CV. Mãe adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Rev Bras Enferm. 2006;59(1):30-5.).

Refletindo sobre a experiência vivida pela adolescente menor relativa ao cuidar do filho, identificamos como se ela estivesse em uma gangorra, que ora se inclina para cima, ora para baixo. Quando essa vivência apresenta-se difícil, torna-se um fardo pesado, maior do que ela pode suportar, a gangorra é impulsionada para baixo. Por outro lado, quando a adolescente recebe apoio apropriado, sem que lhe seja usurpado o direito de manter-se como a protagonista do cuidado, o peso dessa experiência vai sendo aliviado, tornando-se mais leve, assim a gangorra volta a subir.

Mas, essa vivência, mesmo com algum alívio, continua sendo difícil. Assim, Enfrentado uma experiência difícil mesmo com apoio, representa a essência do que significa para adolescente menor vivenciar o cuidado do filho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que este MT poderá contribuir para a prática dos profissionais da saúde e da educação, na compreensão do que vem a ser mãe tão jovem e as demandas de apoio de que necessita para cuidar do filho, mas também de si, facilitando a continuidade de sua trajetória de vida e construção de sua identidade.

Ressaltamos que nele foram desvelados aspectos diferentes e importantes e que estão diretamente relacionados aos segundo, terceiro e quinto ODM , que ainda não foram totalmente alcançados e que levaram a uma reflexão no que tange a gravidez/maternidade na adolescência menor, suas implicações e a importância da atuação do enfermeiro neste contexto

No que condizem às esferas governamentais, programas específicos à adolescente menor, focados no suporte para o desenvolvimento e construção de suas habilidades e competências devem ser repensados, além dos voltados à melhoria dos serviços de assistência à maternidade dentro dos programas de assistência pública e, assim, validar ações com vistas a redução da gravidez, reincidência e retorno precoce à escola.

Fica também evidente o compromisso e responsabilidade social e moral dos enfermeiros na promoção e redução das desigualdades e sofrimentos que esta vivência pode acarretar, além de garantir uma assistência de excelência conforme os eixos transversais da universalidade, integralidade e equidade.

Tendo em vista, que a experiência do cuidar para a mãe adolescente menor pode ser diferente para outras adolescentes, que para a TFD, os resultados obtidos não devem ser vistos como imutáveis, e os conceitos emergidos podem ser submetidos a análises mais abrangentes e profundas, é preciso desenvolver um novo estudo que envolva mães com um nível socioeconômico melhor, que poderá ampliar a compreensão de tal vivência, já que este estudo limitou-se a investigar aquelas que vivem em condições desfavorecidas.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Freedman LP, Waldman RJ, Pinho H, Wirth ME, Chowdhury AMR, Rosenfield A. Who’s got the power? transforming health systems for women and children.London: Earthscan Publications; 2005. p. 185.
  • 2
    United Nations Population Fund. Motherhood in childhood: facing the challenge of adolescent pregnancy [Internet]. New York: UNFPA; 2013 [citado 2015 dez 03]. Disponível em: http://www.unfpa.org/publications/state-world-population-2013
    » http://www.unfpa.org/publications/state-world-population-2013
  • 3
    Ministério da Saúde (BR). Sistema de informações sobre nascidos vivos [Internet]. Brasília; 2010 [citado 2015 mar 15]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def
  • 4
    Farias R, More COO. Repercussões da gravidez em adolescentes de 10 a 14 anos de idade em contexto de vulnerabilidade social. Psicol Reflex Crit. 2012; 5(3):596-604.
  • 5
    Goldenberg P, Figueiredo MCT, Silva RS.Gravidez na adolescência, pré-natal e resultados perinatais em Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Pública.2005;21(4):1077-86.
  • 6
    Organizacion Mundial de la Salud (CH). Embarazo en adolescentes: um problema culturalmente complejo [Internet]. Boletin Organ Mundial Salud; 2009 jun [citado 2011 nov 24] 87(6):410-1. Disponível em: http://www.who.int/bulletin/volumes/87/6/09-020609/es/index.html
    » http://www.who.int/bulletin/volumes/87/6/09-020609/es/index.html
  • 7
    Levandowski DC, Piccini CA, Lopes RCS. Maternidade adolescente. Estud Psicol (Campinas). 2008;25(2):251-63.
  • 8
    Crugnola CR, Ierardi E, Gazzotti S, Albizatti A. Motherhood in adolescent mothers: maternal attachment, mother-infant styles of interaction and emotion regulation at three months. Infant Behav Dev. 2014;37(1):44-56.
  • 9
    Folle E, Geib LTC. Representações sociais das primíparas sobre o cuidado materno ao recém-nascido. Rev Latino-Am Enfermagem. 2004;12(2):183-90.
  • 10
    Charon JM. Simbolic Interactionism: an introduction, an interpretation, an integration.10. ed. Boston: Prentice Hall; 2010.
  • 11
    Charmaz K. A contrução da teoria fundamentada: guia prático para a análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.
  • 12
    Andrade PR. Enfrentando uma experiência difícil mesmo com apoio: a adolescente menor vivenciando a maternagem [tese].São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2012.
  • 13
    Presidência da República (BR). Estatuto da Criança e do Adolescente: lei nº 8.069 de 13/07/1990: constituição e legislação relacionada. São Paulo: Cortez; 1991.
  • 14
    Bergamaschi SFF, Praça NS, Vivência da puérpera-adolescente no cuidado do recém-nascido, no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2008;42(3):454-60.
  • 15
    Andrade PR, Ribeiro CA, Silva CV. Mãe adolescente vivenciando o cuidado do filho: um modelo teórico. Rev Bras Enferm. 2006;59(1):30-5.
  • 16
    Puginna ACG, Silva MPJ. Ética no cuidado e nas relações: premissas para um cuidar mais humano. Rev Min Enferm,2009;13(4):599-605.
  • 17
    Pantoja ALN. Ser alguém na vida: uma análise sócio-antropológica da gravidez/maternidade na adolescência em Belém do Pará, Brasil. Cad Saúde Pública. 2003;19(Supl. 2):S335-43.
  • 18
    Toomey RB, Umaña-Taylor AJ, Jahromi LB, Updegraff KA. Measuring social support from mother figures in the transition from pregnancy to parenthood among Mexican-origin adolescent mothers. Hisp J Behav Sci. 2013;35(2):194-212
  • 19
    Silva LA, Nakano AMS, Gomes FA, Stefanello J. Significados atribuídos por puérperas adolescentes à maternidade: autocuidado e cuidado com o bebê. Texto Contexto Enferm. 2009;18(1):48-56.
  • 20
    Ribeiro CA, Borba RIH, Rezende MA. O brinquedo na assistência da criança In: Borges ALV, Fujimori EV, Ohara CVS, organizadores. Enfermagem e a saúde do adolescente na atenção básica. Barueri: Manole; 2009. p. 287-327.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2015
  • Aceito
    02 Dez 2015
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br