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Protocolo para visita do animal de estimação do paciente em cuidados paliativos em um hospital

RESUMO

Objetivo

Relatar a experiência da equipe multiprofissional em saúde na construção e implantação do protocolo assistencial para visita dos animais de estimação dos pacientes internados em uma Unidade de Cuidados Paliativos.

Método

Trata-se de um relato de experiência de uma ação realizada em um hospital universitário do sul do Brasil por um grupo de trabalho originado da equipe multiprofissional do Programa de Cuidados Paliativos, composto por três enfermeiros, um médico, um psicólogo, um assistente social, um administrador e uma nutricionista. O período de construção e implementação do protocolo foi de setembro de 2017 a abril de 2019.

Resultados:

A construção do protocolo pela equipe multiprofissional seguiu três etapas, planejamento, execução e implementação, e resultou na liberação para visita dos animais de estimação dos pacientes em cuidados paliativos.

Conclusão

A construção do protocolo permitiu a institucionalização da visita dos animais de estimação dos pacientes em cuidados paliativos em um hospital universitário, trazendo benefícios para os pacientes e seus familiares.

Palavras-chave
Cuidados paliativos; Terapias complementares; Vínculo homem-animal de estimação; Equipe de assistência ao paciente; Protocolos; Metodologia

ABSTRACT

Objective

To report the experience of the multidisciplinary health team in the construction and implementation of the assistance protocol for pets visiting patients admitted to a palliative care unit.

Method

This is an experience report about the construction and implementation of a protocol in a university hospital in the South of Brazil by a working group from the multidisciplinary team of the Palliative Care Program and composed of three nurses, a physician, a psychologist, a social worker, a manager, and a nutritionist. The period of construction and implementation of the protocol was from September 2017 to April 2019.

Results

The construction of the protocol by the multidisciplinary team followed three stages: planning, execution, and implementation, which enabled the release of visits of patients' pets in palliative care.

Conclusion

The construction of the protocol allowed for the institutionalization of the visit of patients' pets in palliative care in a university hospital, bringing benefits to patients and their families.

Keywords
Palliative care; Complementary therapies; Bonding human-pet; Patient care team; Protocols; Methodology

RESUMEN

Objetivo

Informar la experiencia del equipo de salud multiprofesional en la construcción e implementación de un protocolo de atención para visita de mascotas, para los pacientes internados en una unidad de cuidados paliativos.

Método

Se trata de un informe de experiencia sobre la construcción e implementación de un protocolo en un hospital universitario en el sur de Brasil, realizado por un grupo de trabajo originado a partir del equipo multidisciplinario del Programa de Cuidados Paliativos y compuesto por tres enfermeras, un médico, un psicólogo, un trabajador social, un administrador y un nutricionista. El período de construcción e implementación del protocolo abarca desde septiembre de 2017 hasta abril de 2019.

Resultados

La construcción del protocolo por la experiencia del equipo multiprofesional siguió tres etapas: planificación, ejecución e implementación, que permitieron la habilitación de las visitas de mascotas de pacientes en cuidados paliativos.

Conclusión

La construcción del protocolo permitió institucionalizar la visita de mascotas de pacientes en cuidados paliativos en un hospital universitario, brindando beneficios tanto a los pacientes como a sus familias.

Palabras clave
Cuidados paliativos; Terapias complementarias; Vínculo ser humano-animal; Grupo de atención al paciente; Protocolos; Metodología

INTRODUÇÃO

Cuidados Paliativos consistem em uma assistência multiprofissional que visa a promover a melhoria da qualidade de vida de pacientes que estejam enfrentando uma doença clinicamente incurável e com evolução fatal, bem como a de seus familiares. Essa assistência é realizada por meio do gerenciamento da dor e da prevenção e do alívio de sofrimento físico, psíquico, social e espiritual11. Organización Mundial de la Salud (CH). Cuidados paliativos. Geneva: OMS; 2007 [cited 2020 Jun 12]. Control del cáncer: aplicación de los conocimientos; guía de la OMS para desarrollar programas eficaces, módulo 5. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44025/9789243547343_spa.pdf;jsessionid=20F1987ADD329CD25A11B2D813DB7DED?sequence=1
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-22. Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP: ampliado e atualizado. 2ª ed. Rio de Janeiro: ANCP; 2012 [cited 2020 Jun 12]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/Manual-de-cuidados-paliativos-ANCP.pdf
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O trabalho de uma equipe multiprofissional de cuidados paliativos deve ser orientado por princípios claros que devem estar presentes no momento da realização das atividades. Esses princípios dos cuidados paliativos foram publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1986 e reafirmados em 2002 e incluem: valorizar a vida, considerando a morte como um processo natural; estabelecer um cuidado que não abrevie nem prolongue a chegada da morte; e fornecer aos pacientes e seu familiares suporte para alívio de dor e outros sintomas que ocasionem sofrimento na estratégia do cuidado, dando suporte para que os pacientes possam viver com qualidade e o mais ativamente possível nos dias que lhes restam22. Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP: ampliado e atualizado. 2ª ed. Rio de Janeiro: ANCP; 2012 [cited 2020 Jun 12]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/Manual-de-cuidados-paliativos-ANCP.pdf
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Dessa maneira, as atividades multiprofissionais englobam o paciente e sua família, sendo esta entendida como um sistema aberto de seres humanos em interação mútua ao longo dos tempos cujas mudanças são condicionadas pelo meio externo. Ainda podemos incluir na família os animais de estimação, também denominados “pets”, conforme entendimento da legislação brasileira. Essa é uma nova modalidade familiar, chamada “multiespécie”, com integração humano-animal e relação de afeto33. Reigada C, Ribeiro JLP, Novellas A, Pereira JLP. O suporte à família em cuidados paliativos. Textos Contextos (Porto Alegre). 2014 [cited 2020 jun 12];13(1):159-69. Available from: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/16478/11761
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-44. Hodgson K, Barton L, Darling M, Antao V, Kim FA, Monavvari A. Pets' impact on your patients' health: leveraging benefits and mitigating risk. J Am Board Fam Med. 2015;28(4):526-53. doi: https://doi.org/10.3122/jabfm.2015.04.140254
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Os animais de estimação estão cada vez mais inseridos nas atividades assistenciais como uma forma de abordagem terapêutica para os pacientes em cuidados paliativos, proporcionando a estes benefícios para a saúde emocional e física55. Chan MM, Rico GT. The “pet effect” in cancer patients: risks and benefits of human-pet interaction. Crit Rev Oncol Hematol. 2019;143:56-61. doi: https://doi.org/10.1016/j.critrevonc.2019.08.004
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-66. MacDonald JM, Barrett D. Companion animals and well-being in palliative care nursing: a literature review. J Clin Nurs. 2015;25(3-4):300-10. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.13022
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. Evidencia-se ainda a redução da dor, do sofrimento e da fadiga, uma vez que são considerados membros da família e, portanto, a visita pode representar uma aproximação do ambiente doméstico com o do hospital77. Krause-Parello CA, Levy C, Holman E, Kolassa J. Effects of VA facility dog on hospitalized veterans seen by a palliative care psychologist: an innovative approach to impacting stress indicators. Am J Hosp Palliat Care. 2018;35(1):5-14. doi: https://doi.org/10.1177/1049909116675571
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-88. Folch A, Torrente M, Heredia L, Vicens P. Effectiveness of dog-assisted therapy in the elderly: a preliminary study. Rev Esp Geriatr Gerontol. 2016;51(4):210-6. doi: https://doi.org/10.1016/j.regg.2015.12.001
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. No entanto, parece haver uma carência de literatura de alta qualidade nessa área, bem como de relatos de benefícios da visita dos animais de estimação de pacientes em cuidados paliativos66. MacDonald JM, Barrett D. Companion animals and well-being in palliative care nursing: a literature review. J Clin Nurs. 2015;25(3-4):300-10. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.13022
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, ratificando a necessidade de novos estudos sobre essa temática.

Diante dessa necessidade de mais estudos e seguindo o desejo de alguns pacientes internados na Unidade de Internação de Cuidados Paliativos de receberem a visita dos seus animais de estimação, emergiu a necessidade da elaboração, do desenvolvimento e da implantação de um protocolo de liberação para proporcionar tal oportunidade.

Protocolo é a descrição de uma situação específica de assistência/cuidado, que contém detalhes operacionais e especificações sobre o que se faz, quem faz e como se faz, de forma a conduzir os profissionais nas decisões de assistência. Algumas instituições lançam mão dos protocolos para organizar o serviço, otimizar o trabalho e padronizar condutas, incorporando-as à prática assistencial99. Pimenta CAM, Pastana ICASS, Sichieri K, Solha RKT, Souza W. Guia para construção de protocolos assistenciais de enfermagem. São Paulo (SP): COREN; 2015 [cited 2020 Jun 12]. Available from: https://portal.coren-sp.gov.br/sites/default/files/Protocolo-web.pdf
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Diante do exposto, o objetivo deste trabalho é relatar a experiência da equipe multiprofissional em saúde na construção e implantação do protocolo de visita de animais de estimação a pacientes internados em uma Unidade de Cuidados Paliativos em um hospital universitário.

MÉTODO

Trata-se de um relato de experiência sobre a construção e implantação de um protocolo assistencial para a liberação da visita do animal de estimação do paciente em uma Unidade de Cuidados Paliativos de um hospital universitário do sul do Brasil. O hospital apresenta treze leitos para pacientes adultos e idosos em cuidados paliativos e conta com o atendimento de uma equipe multiprofissional para os cuidados aos pacientes. A equipe multiprofissional é composta por nove enfermeiros, três médicos, dois psicólogos, um fisioterapeuta, um nutricionista, um farmacêutico, um terapeuta ocupacional, um assistente social, um educador físico, um administrador, um professor da Medicina e um da Enfermagem, bem como profissionais de apoio: dois vigilantes e quatro recepcionistas.

Este estudo relata o trabalho que se iniciou em setembro de 2017 através de um grupo de trabalho composto por profissionais integrantes do Programa de Cuidados Paliativos da Instituição. O protocolo foi construído e operacionalizado seguindo três etapas:

  1. 1. Planejamento: definição da população-alvo, organização de uma equipe de trabalho e busca na literatura sobre os procedimentos que caracterizariam as melhores práticas terapêuticas relacionadas a animais.

  2. 2. Execução: discussão com a equipe multidisciplinar em cuidados paliativos para ajustes necessários à execução da proposta e, após as adequações necessárias junto ao serviço de cuidados paliativos, elaboração e definição da proposta final do protocolo assistencial para visita dos animais de estimação de pacientes em cuidados paliativos.

  3. 3. Implementação: realização da implementação do protocolo, com apresentação de um fluxograma do processo para melhor entendimento, treinamento da equipe executora e supervisão da utilização.

A implementação do processo ocorreu em abril de 2019 com a primeira visita de um animal de estimação na unidade de internação. Por se tratar de um relato de experiência da construção e implementação de um protocolo para a liberação da visita de animais de estimação, não foi aplicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, pois não envolveu um estudo com seres humanos.

RELATO DA EXPERIÊNCIA

A elaboração e a implementação do protocolo foram definidas com base na literatura99. Pimenta CAM, Pastana ICASS, Sichieri K, Solha RKT, Souza W. Guia para construção de protocolos assistenciais de enfermagem. São Paulo (SP): COREN; 2015 [cited 2020 Jun 12]. Available from: https://portal.coren-sp.gov.br/sites/default/files/Protocolo-web.pdf
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e adaptadas com base no padrão institucional.

Primeira etapa: Planejamento

A construção do protocolo iniciou-se com a formação de um grupo de trabalho constituído por profissionais de várias áreas, nomeadamente três enfermeiros, um médico, um psicólogo, um assistente social, um administrador e uma nutricionista, com reuniões semanais durante os meses de setembro a dezembro de 2017. Nesses encontros foram realizadas a seleção e a discussão de artigos científicos33. Reigada C, Ribeiro JLP, Novellas A, Pereira JLP. O suporte à família em cuidados paliativos. Textos Contextos (Porto Alegre). 2014 [cited 2020 jun 12];13(1):159-69. Available from: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/16478/11761
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-1111. Santaniello A, Dicé F, Claudia Carratú R, Amato A, Fioretti A, Menna LF. Methodological and terminological issues in animal-assisted interventions: an umbrella review of systematic reviews. Animals (Basel). 2020;10(5):759. doi: https://doi.org/10.3390/ani10050759
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relacionados ao tema principal do protocolo, pesquisados em bases de dados nacionais e internacionais, a fim de buscar subsídios para a elaboração do protocolo. As práticas terapêuticas relacionadas a animais no ambiente hospitalar são diversas, portanto, foi importante a realização de algumas definições.

Nessa etapa também estabeleceram-se alguns critérios de inclusão dos animais, seguindo a orientação do Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) do hospital e apoiando-se em pesquisas66. MacDonald JM, Barrett D. Companion animals and well-being in palliative care nursing: a literature review. J Clin Nurs. 2015;25(3-4):300-10. doi: https://doi.org/10.1111/jocn.13022
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-77. Krause-Parello CA, Levy C, Holman E, Kolassa J. Effects of VA facility dog on hospitalized veterans seen by a palliative care psychologist: an innovative approach to impacting stress indicators. Am J Hosp Palliat Care. 2018;35(1):5-14. doi: https://doi.org/10.1177/1049909116675571
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: animais saudáveis, com imunizações atualizadas; banho e tosa recebidos nos últimos sete dias; comportamento amigável, sem histórico de agressividade com outros animais ou com pessoas; e que respondam corretamente aos comandos do acompanhante/familiar. Posteriormente, foi elaborada e definida a Declaração de Ciência e Responsabilidade (Figura 1). Esta é assinada pelo paciente ou pelo responsável caso haja o desejo de receber a visita do animal de estimação e o consentimento dos familiares para viabilização do processo.

Figura 1 -
Declaração de Ciência e Responsabilidade

Segunda etapa: Execução

A segunda etapa foi caracterizada pela realização de ações da equipe multidisciplinar em saúde para construção da logística e estrutura da assistência envolvida no momento da visita do animal de estimação ao paciente em cuidados paliativos.

No que se refere à atuação da equipe multidisciplinar, as ações ocorreram por meio de reuniões realizadas no ambiente de trabalho sobre os pontos de atenção à saúde envolvidos no processo de trabalho e os aspectos direcionados ao protocolo proposto. Dessa forma, durante os encontros, foram discutidos os fatores relacionados à logística e ao momento de abordar os pacientes sobre seus animais de estimação. Buscou-se identificar os pacientes elegíveis para o protocolo e captar sugestões de melhorias para o processo. Essas ações permitiram a troca de saberes das diversas profissões envolvidas, definindo a criação de estratégias para resoluções de problemas oriundos do protocolo.

Áreas de apoio, como o Controle de Infecção Hospitalar, o Serviço Administrativo de Atenção ao Paciente e Logística e a Hotelaria, foram consultadas para análise da viabilidade das etapas do processo em seu domínio. Para a viabilização do processo, foram acionados ainda familiares, vigilantes, assistentes administrativos de recepção e a equipe assistencial multiprofissional do Programa Institucional de Cuidados Paliativos do hospital.

Assim, o protocolo foi se estruturando com as etapas de implementação: local de execução e período, equipe executora, materiais, atividades desenvolvidas pela equipe e resultados esperados. A Unidade de Internação Clínica da Unidade Álvaro Alvim adotou o fluxo como piloto institucional, que foi delimitado para acontecer às quartas-feiras das 14h às 20h. Para casos em que o paciente se encontrar em nível avançado de terminalidade, a situação pode ser avaliada e a execução pode ocorrer em período diferente e em outras condições, desde que não resultem em riscos aos pacientes e ao hospital de maneira geral. Também no momento na visita, a equipe multiprofissional verifica se há mais de um paciente internado no mesmo quarto e pede a autorização do outro paciente e de seu familiar.

Além de materiais aplicados a processos rotineiros, como sistemas corporativos de controle e acesso, também foram elaborados materiais específicos relacionados à logística do processo, como a Checklist “Visita Animal de Estimação UAA” (Figura 2) e o Crachá do Animal de Estimação (Figura 3).

Figura 2 -
Modelo de Checklist do hospital para visita do animal de estimação

Figura 3 -
Crachá do Animal de Estimação

A equipe executora foi composta pela equipe assistencial multiprofissional do Programa de Cuidados Paliativos do hospital, responsável por todas as etapas do protocolo, sendo, contudo, apoiada por um vigilante e uma recepcionista nesta etapa. As atividades foram estabelecidas para execução conforme as competências profissionais de cada classe de executores, as quais estão especificadas abaixo.

À equipe assistencial multiprofissional compete: identificar e avaliar as situações em que se aplica a visitação de animal de estimação ao paciente internado; orientar o cuidador/familiar e o paciente previamente sobre as informações da Checklist de acesso à Unidade; solicitar ao cuidador/familiar o preenchimento e a assinatura de duas vias da Declaração de Ciência e Responsabilidade PCP, entregando uma via para o cuidador/familiar; realizar liberação via e-mail, contendo o número de prontuário do paciente e a data prevista de visitação do animal de estimação; e assegurar que a higiene das mãos ocorra sempre que os profissionais, familiares e cuidadores tiverem contato direito com o animal.

Mesmo com protocolos regularizados, deve-se estar atento principalmente a pacientes com um sistema imunológico comprometido ou não desenvolvido completamente, como idosos, e submetidos a tratamentos imunossupressores, sendo que estes correm maior risco de doença associada ao animal de estimação. Dessa forma, as pesquisas sugerem que a higiene das mãos após o contato com o animal de estimação é uma atividade adequada, reduzindo o risco de infecções e desenvolvimento de doenças1212. Stull JW, Brophy J, Weese JS. Reducing the risk of pet-associated zoonotic infections. CMAJ. 2015; 187(10):736-43. doi:https://doi.org/10.1503/cmaj.141020
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Ao vigilante compete a verificação do e-mail de autorização do acesso do animal e a liberação do acesso do responsável e do animal na Recepção do Hospital. O recepcionista tem as atribuições de encaminhar a liberação via e-mail para o Serviço de Segurança, contendo o número de prontuário do paciente e a data prevista de visitação do animal de estimação; receber o cuidador/familiar e o animal de estimação na Recepção Central do Hospital; conferir, por meio do sistema corporativo, a autorização de acesso do animal de estimação, realizada previamente por e-mail pela equipe multiprofissional responsável; certificar-se de que o animal de estimação atende aos critérios para visitação aplicando a Checklist, que será arquivada na Unidade de Internação para consultas futuras; realizar a identificação do cuidador/familiar do paciente dono do animal de estimação, conforme o processo estabelecido; e fornecer o crachá de identificação do animal de estimação com o registro de seu nome e do leito do paciente a ser visitado.

Também é papel do recepcionista repassar algumas orientações ao cuidador/familiar sobre o transporte do animal no hospital e a sua permanência na visita. O animal de estimação deverá ser levado na mala de transporte até o local designado para a visita, sendo que o acesso à Unidade de Internação deverá ser realizado através do elevador central, dirigindo-se ao leito do paciente dono do animal de estimação. A permanência do animal de estimação com o paciente no leito terá o limite de três horas, e o animal permanecerá com a coleira durante todo o tempo da visita no leito do paciente. Ao término da visita, o animal de estimação será carregado na mala de transporte pelo cuidador/familiar até a Recepção do Hospital, e o crachá de identificação deverá ser devolvido.

Com a elaboração desse protocolo, espera-se aprimorar a qualidade de vida do paciente internado, reduzindo sua ansiedade e sua tristeza, bem como a saudade do seu animal de estimação, de modo a promover o enriquecimento do seu cotidiano e alegrar sua vida por meio da interação que ocorre entre o amigo animal e seu dono.

Terceira etapa: Implementação

A implementação do protocolo ocorreu primeiramente através de uma reunião multiprofissional com a equipe assistencial multiprofissional do Programa de Cuidados Paliativos do hospital, responsável por todas as etapas do protocolo, além do vigilante e da recepcionista, envolvidos no processo de visita do animal de estimação. Foram apresentados a versão final do protocolo e também os fluxos por onde ocorreriam as visitas.

A validação do protocolo ocorreu através da realização de um evento simulado, em que foi utilizada uma mala de transporte vazia. Buscou-se seguir as rotas a serem percorridas, desde a chegada na unidade, passando pela verificação da documentação, pelo preenchimento da Checklist e pela entrega do crachá de pet visitante, até o transporte ao leito do paciente, observando-se, ainda, o tempo necessário para todo o processo. Todos os passos descritos no protocolo foram seguidos, de maneira a vivenciar, mesmo que de forma simulada, como seria a visita. Um novo encontro foi realizado pela equipe multiprofissional para a adequação do fluxo e a definição do fluxograma final (Figura 4).

Figura 4 -
Protocolo para visita do animal de estimação do paciente em cuidados paliativos : Fluxograma final

Posteriormente, ocorreu a revisão do protocolo pela equipe do Serviço de Educação em Enfermagem do hospital, a capacitação da equipe executora através de um encontro presencial abordando o protocolo desenvolvido e a supervisão pelos enfermeiros e médicos durante as primeiras visitas. Assim, foi possível divulgar e disponibilizar esta abordagem terapêutica aos pacientes e familiares com qualidade e segurança.

Com esta experiência, não foram registradas ocorrências de acidentes ou problemas com os animais, como mordidas ou alterações de comportamento do animal e questionamento ou desaprovação de outros pacientes e familiares. Pelo contrário: foram observados momentos de alegria e afetividade vivenciados pelo paciente e seus familiares no encontro do amigo animal de estimação, sentimentos que também afetaram toda a equipe, a qual também interage afetivamente com o animal.

Os seres humanos são seres sociais inatos; eles precisam de relações sociais e vínculos emocionais. Essa necessidade não é obrigatoriamente restrita às relações entre seres humanos: pode cruzar o limite da espécie, permitindo, assim, o vínculo entre humanos e animais1111. Santaniello A, Dicé F, Claudia Carratú R, Amato A, Fioretti A, Menna LF. Methodological and terminological issues in animal-assisted interventions: an umbrella review of systematic reviews. Animals (Basel). 2020;10(5):759. doi: https://doi.org/10.3390/ani10050759
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. Logo, enfermeiros vêm implementando intervenções que reduzam o estresse da internação hospitalar e que facilitem o tratamento; por essa razão, o uso de terapias alternativas no cuidar, que sejam capazes de promover estratégias para tornar isso menos traumático, têm sido valorizadas1313. Moreira RL, Gubert FA, Sabino LMM, Benevides JL, Tomé MABG, Martins MC, et al. Assisted therapy with dogs in pediatric oncology: relatives’ and nurses’ perceptions. Rev Bras Enferm. 2016;69(6):1122-8. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0243
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A visita do animal de estimação estabeleceu-se como uma abordagem de lazer e distração em um ciclo de trocas afetivas, que desvia o foco da doença e alivia as saudades. Favorece benefícios em diversas dimensões, sejam elas emocional, social ou física, do paciente e seus familiares, estando sincronizado com os princípios dos cuidados paliativos, como cuidado humanizado, singularidade e promoção de qualidade de vida22. Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP: ampliado e atualizado. 2ª ed. Rio de Janeiro: ANCP; 2012 [cited 2020 Jun 12]. Available from: http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/05/Manual-de-cuidados-paliativos-ANCP.pdf
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Nesse sentido, evidências apontam para o potencial de interações com animais, especialmente o próprio cão de estimação, para aumentar os níveis de oxitocina em seres humanos. Os efeitos da oxitocina podem ser desencadeados em resposta a encontros únicos com animais, mas relacionamentos estáveis com animais, como a adoção e o cuidado contínuo de animais de estimação, estão ligados a efeitos mais potentes e duradouros. Entre esses efeitos pode-se citar o aumento da confiança, da autopercepção positiva e da generosidade, a diminuição da depressão e do estresse, o aumento de limiares de dor, entre outros1414. Beetz A, Uvnäs-Moberg K, Julius H, Kotrschal K. Psychosocial and psychophysiological effects of human-animal interactions: the possible role of oxytocin. Front Psychol. 2012;3:234. doi: https://doi.org/10.3389/fpsyg.2012.00234
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Assim, observa-se que a visita do animal de estimação traz benefícios para pacientes hospitalizados em cuidados paliativos, ainda que sejam necessários protocolos que regularizem a entrada de animais de estimação. A aplicação de protocolos permite a implantação de recomendações válidas preconizadas nas diretrizes clínicas dentro de programas de qualidade e efetividade assistencial1515. Afonso TC, Bezerra ALQ, Brandão LGVA, Amaral RT, Teixeira CC, Souza ACS, et al. Implantação da Comissão da Qualidade e Segurança do Paciente em instituição hospitalar: relato de experiência. Rev Eletrôn Acervo Saúde, 2019;11(7):e618. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e618.2019
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Ao considerar os resultados deste relato de interação entre os pacientes e os animais, busca-se socializar essa experiência para encorajar novos projetos que beneficiem as pessoas em situação de cuidados paliativos e ajudem no estudo aprofundado deste tipo de abordagem.

CONCLUSÃO

Considerando este cenário e visando a melhorar a qualidade do atendimento dos pacientes em cuidados paliativos, o presente trabalho objetivou descrever o processo de construção e implantação de protocolo assistencial para visita dos animais de estimação de pacientes em cuidados paliativos em um hospital universitário de Porto Alegre. Essa descrição tem a intenção de, por meio do relato da experiência da equipe multiprofissional com esse processo, auxiliar outras instituições a conduzir e viabilizar de forma segura a visita dos animais de estimação no ambiente hospitalar.

A implantação de um protocolo institucional para a visita do animal de estimação ao paciente em cuidados paliativos em um hospital universitário permitiu melhorar o conforto dos pacientes hospitalizados, que tiveram a oportunidade de reencontrar seus animais de estimação. Além disso, os resultados desse trabalho contribuem diretamente na assistência aos pacientes, bem como geram subsídios para o ensino na área da saúde e para novas pesquisas.

As limitações do estudo estão relacionadas tanto à falta de mensuração quanto ao real impacto da visita do animal de estimação na qualidade de vida do paciente em cuidados paliativos como também à carência de estudos relacionados ao tema específico para fins de comparação. Assim, sugere-se o desenvolvimento de estudos longitudinais e experimentais que visem a acompanhar os benefícios da visita do animal de estimação em pacientes em cuidados paliativos.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2020
  • Aceito
    16 Out 2020
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