Acessibilidade / Reportar erro

Fatores associados à qualidade de vida de cuidadores de crianças e adolescentes com condições crônicas

RESUMO

Objetivo

Avaliar a qualidade de vida e fatores associados de cuidadores de crianças e adolescentes com condições crônicas.

Método

Estudo transversal, desenvolvido com dados do Sistema de Informação de Crianças de Adolescentes com Doenças Crônicas. A amostra foi composta por 143 cuidadores. A coleta de dados ocorreu entre agosto e outubro de 2018. Para análise dos dados utilizou-se a estatística qui-quadrado e a Regressão Logística Binária.

Resultados

Com o estudo foi possível identificar que as variáveis que possuíam impacto sobre a baixa qualidade de vida do cuidador foram: maior número de filhos com condições crônicas, uso rotineiro de medicamentos e limitação financeira, as quais foram consideradas fatores de risco. Por sua vez, possuir casa própria e ter apoio emocional consistiram em fatores de proteção.

Conclusão

Observou-se que os cuidadores possuíam qualidade de vida baixa e o conhecimento dos fatores que contribuem para isso poderá possibilitar um cuidado diferenciado ao cuidador.

Palavras-chave
Cuidadores; Qualidade de vida; Doença crônica; Criança; Adolescente

ABSTRACT

Objective

To evaluate the quality of life and associated factors in caregivers of children and adolescents with chronic conditions.

Method

Cross-sectional study, developed with data from the Children Information System of Adolescents with Chronic Diseases. The sample consisted of 143 caregivers. Data collection took place between August and October 2018. For data analysis, chi-square statistics and Binary Logistic Regression were used.

Results

Through the study it was possible to identify that the variables that had impact on the low quality of life of the caregiver were: greater number of children with chronic conditions, routine use of medication, and financial limitations, which were considered risk factors. In turn, owning a home and having emotional support were protective factors.

Conclusion

It was observed that the caregivers had low quality of life, and knowledge of the factors that contribute to this may enable an outstanding care to the caregiver.

Keywords
Caregivers; Quality of life; Chronic disease; Child; Adolescent

RESUMEN

Objetivo

Evaluar la calidad de vida y los factores asociados de los cuidadores de niños y adolescentes con afecciones crónicas.

Método

Estudio transversal, desarrollado con datos del Sistema de Información Infantil de Adolescentes con Enfermedades Crónicas. La muestra consistió en 143 cuidadores. La recolección de datos tuvo lugar entre agosto y octubre de 2018. Para el análisis de datos, se utilizó estadísticas de chi-cuadrado y regresión logística binaria.

Resultados

El estudio posibilitó identificar que las variables que tuvieron un impacto en la baja calidad de vida del cuidador fueron: mayor número de niños con afecciones crónicas, uso rutinario de medicamentos y limitaciones financieras, que se consideró como factores de riesgo. A su vez, ser propietario de una casa y tener apoyo emocional eran factores protectores.

Conclusión

Se observó que los cuidadores tenían baja calidad de vida y el conocimiento de los factores que contribuyen a esto puede permitir una atención especial para el cuidador.

Palabras clave
Cuidadores; Calidad de vida; Enfermedad crónica; Niño; Adolescente

INTRODUÇÃO

As condições crônicas são problemas de saúde que necessitam de acompanhamento contínuo por um longo período de tempo. Tais condições são amplas e abarcam tanto as doenças crônicas não transmissíveis quanto as transmissíveis persistentes. Além dessas, também constituem condições crônicas os distúrbios mentais de longo prazo, as deficiências físicas e incapacidades estruturais11. Mendes EV. Interview: the chronic conditions approach by the Unified Health System. Cienc Saúde Coletiva. 2018;23(2):431-5. doi: https://doi.org/10.1590/141381232018232.16152017
https://doi.org/10.1590/141381232018232....
.

Na infância e adolescência as condições crônicas causam inevitáveis mudanças no cotidiano não somente do doente, mas de toda sua família. As internações, os cuidados especiais e a necessidade de sempre estar em acompanhamento multiprofissional, fazem com que as famílias disponham muito mais que tempo, pois além disso é preciso a reorientação das finanças e a reorganização das atividades do dia a dia22. Ichikawa CRF, Santos SSC, Bousso RS, Sampaio PSS. The family management of children with chronic conditions according to Edgar Morin's complexity theory. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2018;8:e1276. doi: https://doi.org/10.19175/recom.v8i0.1276
https://doi.org/10.19175/recom.v8i0.1276...
-33. Lyra FMP, Souza ACOA, Alexandre ACS, Santos MRFASB, Silva FKB, Amorim LM. Family coping: living with the child affected by chronic disease. Rev Enferm UFPE online. 2016 [cited 2019 Aug 20];10(8):2790-800. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11345/1305
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
.

Nesse sentido, para dar conta da nova rotina de vida, algum membro familiar precisará readequar sua vida para atender as exigências vinculadas à condição crônica. Assim, surge o cuidador principal44. Alves SP, Bueno D. O perfil dos cuidadores de pacientes pediátricos com fibrose cística. Cienc Saúde Coletiva. 2018;23(5):1451-7. doi: https://doi.org/10.1590/141381232018235.18222016
https://doi.org/10.1590/141381232018235....
. Ele é quem assume a maior parte do cuidado e, portanto, acaba sendo o mais afetado, uma vez que precisa abdicar das atividades cotidianas, como emprego, estudos e lazer para dedicar-se às exigências do cuidado55. Lise F, Schwartz E, Milbrath VM, Santos BP, Feijó AM. Children with chronic renal failure on conservative treatment: adaptation process of the caregiver-mother. Ciênc Cuid Saúde. 2017;16(2). doi: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v16i2.33711
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
-77. Palma E, Deatrick JA, Hobbie WL, Ogle SK, Kobayashi K, Maldonado L. Maternal caregiving demands for adolescent and young adult survivors of pediatric brain tumors. Oncol Nurs Forum. 2015;42(3):222-9. doi: https://doi.org/10.1188/15.ONF.222-229
https://doi.org/10.1188/15.ONF.222-229...
.

Em geral, o cuidador principal tende a ser a mãe da criança e adolescente com condição crônica. Ela é quem assume os cuidados do filho (a), já que, culturalmente, o cuidado é uma função destinada às mulheres88. Barbosa TA, Reis KMN, Lomba GO, Alves GV, Braga PP. Support network and social support for children with special health care need. Rev Rene. 2016;17(1):60-6. doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000100009
https://doi.org/10.15253/2175-6783.20160...
. Contudo, além de dedicar-se ao cuidado, a mãe também acaba sendo responsável por cuidar da casa e dos demais filhos e membros da família, o que gera sobrecarga e, portanto, um contexto exaustivo que acarreta em prejuízos à sua qualidade de vida99. Reis KMN, Alves GV, Barbosa TA, Lomba GO, Braga PP. A vivência da família no cuidado domiciliar à criança com necessidades especiais de saúde. Cienc Enferm. 2017;23(1):45-55. doi: https://doi.org/10.4067/S0717-95532017000100045
https://doi.org/10.4067/S0717-9553201700...
.

Desse modo, o cuidador acaba sofrendo impacto em diferentes níveis de sua vida: financeiro, ocupacional, pessoal e nas relações intra e/ou extrafamiliares1010. Salvador MS, Gomes GC, Oliveira PK, Gomes VLO, Busanello J, Xavier DM. Strategies of families in the care of children with chronic diseases. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):662-9. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072015000300014
https://doi.org/10.1590/0104-07072015000...
. Tal realidade pode fazer com que o ato de cuidar seja vivenciado com certo grau de sofrimento e dificuldade, afetando-o em vários aspectos, tais como: psicológico, físico, relações sociais e familiares1111. Borsoi S, Scheidt IV, Cordeiro GR, Mascarenhas LPG. Análise da qualidade de vida em cuidadores de crianças e adolescentes com diabetes tipo 1. Multitemas. 2018;23(55):25-39. doi: https://doi.org/10.20435/multi.v23i55.1743
https://doi.org/10.20435/multi.v23i55.17...
.

Por isso, estudos1212. Vanz AP, Félix TM, Rocha NS, Schwartz IV. Quality of life in caregivers of children and adolescents with Osteogenesis Imperfecta. Health Qual Life Outcomes. 2015;13:41. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-015-0226-4
https://doi.org/10.1186/s12955-015-0226-...
-1313. Roncada C, Dias CP, Goecks S, Cidade SEF, Pitrez PMC. Usefulness of the WHOQOLBREF questionnaire in assessing the quality of life of parents of children with asthma. Rev Paul Pediatr. 2015;33(3):267-73. doi: https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.01.007
https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.01....
) apontam que a condição crônica desencadeia alto nível de estresse para os cuidadores e, portanto, o ônus do cuidado, por vezes, está ligado ao comprometimento da saúde do cuidador. Nesse sentido, apoios de diversas naturezas são indispensáveis para um efetivo enfretamento da condição crônica, a saber: o apoio material, emocional, de informação, financeiros, espiritual, dentre outros1010. Salvador MS, Gomes GC, Oliveira PK, Gomes VLO, Busanello J, Xavier DM. Strategies of families in the care of children with chronic diseases. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):662-9. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072015000300014
https://doi.org/10.1590/0104-07072015000...
,1414. Okido ACC, Cunha ST, Neves ET, Dupas G, Lima RAG. Technology-dependent children and the demand for pharmaceutical care. Rev Bras Enferm. 2016;69(4):671-7. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690415i
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201669...
.

Diante do contexto vivenciado pelo cuidador, é válido identificar o quanto tais mudanças e cenários de vida causam impacto sobre sua qualidade de vida. Uma vez que a compreensão desta realidade poderá favorecer a elaboração de estratégias que possibilitem um maior cuidado àquele que cuida, fortalecendo-o e contribuindo para que ele disponha de recursos capazes de proporcionar um suporte adequado no cuidado à criança/adolescente com condição crônica.

Assim, elaborou-se a seguinte indagação que norteou a presente investigação: Quais são os fatores que estão associados à qualidade de vida dos cuidadores de crianças e adolescentes com condições crônicas? Para tanto, o estudo objetivou avaliar a qualidade de vida e fatores associados de cuidadores de crianças e adolescentes com condições crônicas.

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa do tipo analítica, descritiva-explicativa, de natureza quantitativa, com delineamento transversal. Os dados para desenvolvimento do presente estudo foram obtidos por meio do banco de dados do Sistema de Informação de Crianças de Adolescentes com Doenças Crônicas (SICADC), software pertencente a um grupo de pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o qual foi elaborado com base em um instrumento validado1515. Araújo YB. Sistema de Informação de Crianças e Adolescentes com Doença Crônica (SICADC): uma ferramenta de apoio à decisão [tese]. João Pessoa (PB): Universidade Federal da Paraíba; 2017 [cited 2019 Jun 12]. Available from: https://sig-arq.ufpb.br/arquivos/20171880885bd5473637d5d086e8753c/TESE_YANA_BAUDUIN O_DE_ARAUJO.pdf
https://sig-arq.ufpb.br/arquivos/2017188...
) e utilizado em hospitais de referência do município de João Pessoa. Este sistema é alimentado por meio do cadastro de crianças e adolescentes com condições crônicas que estejam em atendimento ambulatorial ou em internação hospitalar. O acesso aos dados foi concedido por meio de um Termo de Consentimento para Uso de Dados.

No SICADC, o cadastro de uma criança e adolescente com condição crônica possui oito etapas: dados da coleta, identificação da criança e adolescente, identificação do cuidador principal, dados sócios sanitários, dados da doença e tratamento, dados da internação atual, rede de serviços e dinâmica familiar. Nesse sentido, tendo em vista que o SICADC cadastra não apenas informações das crianças e adolescentes com condições crônicas, mas também de seus cuidadores principais, a população alvo do presente estudo foi constituída de todos os cuidadores das crianças e adolescentes cadastrados no sistema.

O sistema possui um quantitativo de 300 crianças e adolescentes registrados, todos cadastrados no período de agosto de 2015 a agosto de 2018. Deste total, 20 adolescentes estavam com mais de 18 anos, ou seja, em transição para fase adulta e 18 crianças/adolescentes tinham registro de óbito no sistema, sendo, portanto, esse quantitativo excluído do cálculo amostral. Desse modo, restou uma população acessível de 262 cuidadores. Assim, com um nível de confiança de 95% e erro de 5%, obteve-se uma amostra de 143 cuidadores.

Os critérios de inclusão elencados para este estudo foram os cuidadores que pudessem ser encontrados através do endereço presente no cadastro ou que possuíssem número de telefone existente para que as entrevistas pudessem ser marcadas em locais sugeridos pelos mesmos. Os critérios de exclusão foram os cuidadores de crianças e adolescentes que foram à óbito durante o período de realização do estudo, cujo dado sobre o óbito ainda não havia sido atualizado no sistema.

A coleta de dados foi realizada entre agosto e outubro de 2018 e deu-se da seguinte maneira: após selecionar um cuidador registrado no SICADC, o pesquisador entrou em contato para aplicação de um instrumento genérico de qualidade de vida, o World Health Organization Quality of Life, versão abreviada (WHOQOL-Bref). Este instrumento, validado em língua portuguesa1616. Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida “WHOQOL-bref”. Rev Saude Publica. 2000;34(2):178-83. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89102000000200012
https://doi.org/10.1590/S0034-8910200000...
, possui quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. O mesmo consta de 26 questões, sendo duas questões gerais de qualidade de vida e as demais representam cada uma das 24 facetas que o compõe.

As respostas do instrumento são pontuadas em uma escala Likert de 5 pontos variando de 1 a 5. Os escores dos domínios são calculados através da soma dos escores da média das “n” questões que compõem cada domínio. Em seguida, os escores dos domínios são convertidos para uma escala de 0 a 100, os quais são escalonados em uma direção positiva. Desse modo, quanto maior o escore, maior a qualidade de vida.

Posteriormente, os resultados dessa mensuração da qualidade de vida foram avaliados juntamente com as informações disponibilizadas no SICADC. Após a coleta, os dados foram tabulados em planilha eletrônica e, em seguida, analisados por meio do programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0.

Para análise dos dados, utilizou-se a estatística descritiva e métodos de inferência, tais como: teste qui-quadrado (𝜒2), alfa de Cronbach e modelo de regressão logística binária. No presente estudo, o evento de interesse consistiu na qualidade de vida dos cuidadores de crianças e adolescentes com condição crônica, variável obtida através da média dos escores dos domínios do WHOQOL-Bref, e, através das análises estatísticas, buscou-se identificar, com os dados disponibilizados no SICADC, os fatores sociodemográficos, da doença, tratamento e da dinâmica familiar que pudessem predizer tal desfecho.

A regressão logística binária foi desenvolvida utilizando um nível de significância (α) de 0,10. Tendo em vista que a qualidade de vida é mensurada através de escores (variável contínua) e que a regressão logística binária exige que o desfecho seja binário, tal variável foi dicotomizada para análise. Na literatura não existe um parâmetro que aponte uma qualidade de vida alta ou baixa. Assim, para dicotomizar a variável principal, utilizou-se a mediana dos escores obtidos no estudo como parâmetro.

Portanto, todos os cuidadores que possuíssem escores acima da mediana, foram classificados como tendo uma qualidade de vida alta. Por sua vez, os que possuíssem escores abaixo da mediana, foram classificados com qualidade de vida baixa. Vale salientar que as variáveis independentes foram obtidas por meio do SICADC e as variáveis que foram incluídas no modelo de regressão foram selecionadas a partir do teste de associação qui-quadrado utilizando um nível de significância (α) de 0,10, a fim de obter um número maior de fatores que pudessem estar associados ao desfecho estudado.

O presente estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa/Plataforma Brasil do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, e atendeu às Diretrizes e Normas de Pesquisa envolvendo seres humanos, previstas na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sob o parecer 2.778.334 e CAAE 92321518.8.0000.5188.

RESULTADOS

O perfil das crianças e adolescentes do estudo consistiu em maioria do sexo feminino (53,8%), de cor parda (51,7%), na faixa etária entre 0 e 5 (35,7%) e entre 13 e 18 (35,7%), a maior parte frequentava escola (69,9%) e dos que frequentavam, 40% estavam no ensino fundamental (6° ao 9° ano). Do total, 49 (34,3%) crianças/adolescentes apresentavam algum tipo de deficiência, com destaque para a deficiência física (13,3%), deficiência motora (14%) e deficiência cognitiva (15,4%).

Quanto ao perfil dos cuidadores, constatou-se que houve predominância de cuidadores do sexo feminino (98,6%), destes, 90,9% eram as mães. Em sua maioria, os cuidadores foram de cor parda (60,1%), numa faixa etária entre 31 e 49 anos (64,3%), casados (35,7%), com mais de 2 filhos (50,3%). Um número significativo de 20 cuidadores (14%) apresentou mais de 1 filho com algum diagnóstico crônico, o que aumenta a sobrecarga de cuidado e preocupação.

Dos 143 cuidadores, 93 (65%) encontravam-se desempregados e muitos justificavam este fato pela necessidade de dispor de tempo para o cuidado da criança/adolescente cronicamente adoecido. Além disso, 33,6% possuíam apenas o ensino fundamental (6° ao 9o ano) como maior grau de escolaridade. Quanto ao acometimento por algum tipo de doença, 45 (31,5%) cuidadores afirmaram possuir alguma doença, com destaque para hipertensão e diabetes. E 39 (27,3%) cuidadores relataram fazer uso de algum medicamento de modo rotineiro para fins de tratamento médico.

A análise da qualidade de vida dos cuidadores deu-se por meio do WHOQOL-Bref. Porém, antes de verificar os escores determinados pelo instrumento, buscou-se avaliar a consistência interna do mesmo para o público-alvo deste estudo. Para tanto, foi realizado o cálculo do coeficiente Alfa de Cronbach, o qual obteve valor de 0,86. De acordo com a classificação da confiabilidade do Alfa de Cronbach, tal resultado apresenta alta confiabilidade e, portanto, o instrumento foi adequado para mensuração ao qual foi destinado.

Os escores de cada domínio do WHOQOL-Bref foram calculados somando os escores dos itens de cada domínio específico e transformando-os linearmente em escala de 0 a 100. Sendo assim, 0 indica a menor qualidade de vida e 100 a mais alta. A tabela 1 aponta as medidas de tendência central dos domínios do WHOQOL-Bref, assim como, o escore qualidade de vida total.

Tabela 1 -
Medidas descritivas dos domínios do WHOQOL-Bref - Brasil - 2019

Observa-se que os maiores escores foram obtidos nos domínios físico e psicológico. Por sua vez, os menores escores foram encontrados nos domínios do meio ambiente, seguido do domínio das relações sociais, ou seja, os domínios mais comprometidos do estudo.

O escore qualidade de vida total, que compôs a variável principal do estudo, foi calculado a partir da média dos quatro domínios presentes no instrumento. Em seguida, foram calculadas as medidas descritivas. A média do escore qualidade de vida total foi de 58,88, com desvio padrão de 13,70 e coeficiente de variação de 23%. Esse coeficiente indica que a variabilidade se encontra um pouco alta em torno da média, por isso, neste caso, a mediana de 61 é a medida de tendência central mais representativa.

Portanto, a partir da mediana do escore qualidade de vida total, a amostra foi dividida em dois grupos. Todos os cuidadores que possuíam escores qualidade de vida total acima da mediana foram classificados como tendo qualidade de vida alta e todos os que possuíam escore qualidade de vida total abaixo da mediana foram classificados como tendo qualidade de vida baixa. Desse modo, dos 143 cuidadores de crianças e adolescentes com condição crônica, 69 (48,3%) apresentaram qualidade de vida alta e 74 (51,7%) qualidade de vida baixa.

Após avaliar os escores da qualidade de vida e, a partir da mediana do escore qualidade de vida total, dividir a amostra em dois grupos, buscou-se verificar quais variáveis presentes no SICADC possuíam associação com a variável escore qualidade de vida total. Para tanto, todas as variáveis foram dicotomizadas e testadas através do teste qui-quadrado. O resultado das variáveis que foram significativas pode ser observado na tabela 2.

Tabela 2 -
Relação das variáveis que obtiveram associação com a variável escore qualidade de vida total de acordo com o teste qui-quadrado - Brasil - 2019

As variáveis independentes utilizadas no modelo de regressão logística foram aquelas que o teste qui-quadrado indicou estarem associadas à variável principal escore de qualidade de vida total. Na regressão logística binária, sabe-se que a variável dependente assume apenas dois valores: 0 e 1, sendo o valor 1 a característica de interesse da regressão.

Tendo em vista que 74 (51,7%) cuidadores foram classificados como tendo qualidade de vida baixa, optou-se por determinar essa característica como sendo a de interesse da regressão. Desse modo, buscou-se verificar as variáveis independentes que pudessem predizer quando o cuidador apresentaria uma qualidade de vida baixa. Após tal definição, foi realizada a regressão logística binária.

O primeiro teste para validar o modelo de regressão consiste no Omnibus Test, o qual testa a hipótese nula de que todos os coeficientes são iguais a zero. No presente estudo, tal hipótese foi rejeitada (valor p = 0,000) e, portanto, garante-se que ao menos um dos coeficientes da regressão é diferente de zero. Assim, entende-se que as variáveis explicativas utilizadas no modelo podem calcular a probabilidade de ocorrência de uma qualidade de vida baixa.

Foi realizado também o teste de Hosmer and Lemeshow, a fim de verificar a bondade do ajuste, ou seja, comprovar se o modelo proposto pode explicar bem o que se observa. Nesse sentido, no presente estudo, aceitou-se a hipótese nula de que não existem diferenças significativas entre os valores preditos e observados (valor p =0,463). Por fim, o cálculo do percentual de acerto do modelo de regressão logística binária obteve valor de 63,6%.

Após verificar a significância dos testes de ajuste do modelo, pode-se avaliar a regressão propriamente dita. As variáveis que possuíam associação com a variável “escore qualidade de vida total” foram incluídas no modelo e o ajuste deu-se utilizando como parâmetro, além do p-valor, o teste de Wald. Após este processo, obteve-se o seguinte ajuste final da regressão logística, conforme observado na tabela 3.

Tabela 3 -
Resultados do ajuste final da regressão logística binária - Brasil - 2019

Através da regressão é possível obter a razão de chances (Odds Ratio) de cada variável, representado na tabela 3 por Exp. (β), uma vez que, na regressão, a mesma é calculada pela exponenciação do coeficiente da variável em estudo. Valores da razão de chances acima de 1 indica fator de risco, menores que 1 fator de proteção. No entanto, valores iguais a 1 são indicativos de ausência de associação.

De acordo com o modelo de regressão logística, foram significativas e, portanto, tiveram impacto sobre a qualidade de vida do cuidador, as seguintes variáveis:

Número de filhos com condição crônica (p-valor=0,059): tal variável apresentou razão de chances de 3,232 (IC=1,163;8,983). Isso significa que cuidadores com 2 ou mais filhos acometidos por condição crônica aumentam em 3 vezes a chance de ter uma qualidade de vida baixa.

Cuidador usa algum medicamento rotineiramente? (p-valor=0,003): esta variável se refere aos cuidadores que fazem uso de medicamentos de forma rotineira com vista ao tratamento de alguma doença. Observou-se que esses cuidadores tiveram uma razão de chances de 3,868 (IC=1,840;8,133), o que significa dizer que cuidadores com alguma patologia aumentam em 3 vezes a chance de ter uma baixa qualidade de vida.

Limitação Financeira após a Condição Crônica da Criança/Adolescente (p-valor=0,056): tal variável apresentou razão de chances de 2,349 (IC=1,126;4,900). Ou seja, cuidadores que passam por limitações financeiras após adoecimento crônico da criança/adolescente aumentam em 2 vezes a chance de possuir uma qualidade de vida baixa.

Situação de Moradia (p-valor=0,074): esta variável apresentou razão de chance de 0,504 (IC=0,268;0,947). Assim, pode-se inferir que cuidadores que possuem casa própria como situação de moradia, diminuem a chance de possuir uma qualidade de vida baixa, uma vez que esta situação de moradia consiste em um fator de proteção para os mesmos.

Apoio Emocional (p-valor=0,047): o apoio emocional apresentou razão de chances de 0,466 (IC=0,248;0,876). Observa-se então que cuidadores que possuem apoio emocional diminuem a chance de possuir uma qualidade de vida baixa. Portanto, o apoio emocional comporta-se como um fator de proteção para esses indivíduos.

DISCUSSÃO

Dos 143 cuidadores de crianças e adolescentes com condição crônica, 69 (48,3%) apresentaram qualidade de vida alta e 74 (51,7%) qualidade de vida baixa. Ou seja, a maior parcela do grupo em estudo estava abaixo da mediana e, portanto, com a qualidade de vida comprometida diante da condição crônica. Estudos que fizeram comparação de grupos para avaliar a qualidade de vida, apontaram que os escores dos domínios de cuidadores de crianças/adolescentes cronicamente adoecidos foram inferiores aos de cuidadores de crianças/adolescentes saudáveis1111. Borsoi S, Scheidt IV, Cordeiro GR, Mascarenhas LPG. Análise da qualidade de vida em cuidadores de crianças e adolescentes com diabetes tipo 1. Multitemas. 2018;23(55):25-39. doi: https://doi.org/10.20435/multi.v23i55.1743
https://doi.org/10.20435/multi.v23i55.17...
,1313. Roncada C, Dias CP, Goecks S, Cidade SEF, Pitrez PMC. Usefulness of the WHOQOLBREF questionnaire in assessing the quality of life of parents of children with asthma. Rev Paul Pediatr. 2015;33(3):267-73. doi: https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.01.007
https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.01....
, corroborando, de certa forma, com o presente estudo que mostrou que dentro do próprio grupo de cuidadores de crianças/adolescentes com condições crônicas, observou-se uma classificação baixa de qualidade de vida.

Como identificado nos resultados, dentre os domínios do WHOQOL-Bref, o que obteve o menor escore foi o domínio do meio ambiente. Esse domínio avalia a segurança física e proteção, o ambiente do lar, os recursos financeiros, cuidados de saúde e sociais, oportunidade de adquirir novas informações e habilidades, participação e oportunidade de lazer, ambiente físico (poluição, clima, ruído) e, por fim, o meio de transporte. Alguns estudos1212. Vanz AP, Félix TM, Rocha NS, Schwartz IV. Quality of life in caregivers of children and adolescents with Osteogenesis Imperfecta. Health Qual Life Outcomes. 2015;13:41. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-015-0226-4
https://doi.org/10.1186/s12955-015-0226-...
,1717. Reis MS, Silva RDS, Amorim MLC, Lopes KAT, Corrêa LS, Leão DP. Avaliação da qualidade de vida de cuidadores de pessoas com deficiência física e intelectual: um estudo com WHOQOL-Bref. Rev Bras Prescr Fisiol Exerc. 2017 [cited 2019 Jun 13];11(67):399-404. Available from: http://www.rbpfex.com.br/index.php/rbpfex/article/view/1160/931
http://www.rbpfex.com.br/index.php/rbpfe...
-1818. Rocha RS, Pinheiro LP, Oriá MOB, Ximenes LB, Pinheiro AKB, Aquino PS. Social determinants of health and quality of life of caregivers of children with cancer. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(3):e57954. doi: https://doi.org/10.1590/19831447.2016.03.57954
https://doi.org/10.1590/19831447.2016.03...
) que utilizaram o WHOQOL-Bref para avaliar qualidade de vida de cuidadores de crianças/adolescentes com condição crônica, também tiveram o domínio meio ambiente como o mais afetado, corroborando com os dados desta pesquisa.

Avaliando os achados da regressão logística, de acordo com a sua Odds Ratio, o número de filhos com condição crônica foi uma variável significativa e apresentou-se como fator de risco. Observou-se que ao apresentar 2 filhos ou mais com condição crônica, o cuidador aumenta em 3 vezes a chance de ter uma qualidade de vida baixa.

Em estudo1818. Rocha RS, Pinheiro LP, Oriá MOB, Ximenes LB, Pinheiro AKB, Aquino PS. Social determinants of health and quality of life of caregivers of children with cancer. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(3):e57954. doi: https://doi.org/10.1590/19831447.2016.03.57954
https://doi.org/10.1590/19831447.2016.03...
, autores identificaram que quanto mais filhos possuir o cuidador, menores os escores qualidade de vida dos mesmos. Isso levando em consideração quantidade de filhos independente de condição crônica de saúde. No presente estudo, o impacto é negativo em termos de qualidade de vida do cuidador quando este possui 2 ou mais filhos, sendo que acometidos por condição crônica, o que torna o contexto ainda mais grave. Dos 20 cuidadores identificados com esta realidade, 16 (80%) apresentaram qualidade de vida baixa.

Outro aspecto que foi significativo na regressão logística diz respeito ao apoio emocional. De acordo com a Odds Ratio da regressão, ter apoio emocional diminui a chance do cuidador ter uma qualidade de vida baixa, sendo, portanto, tal variável um fator de proteção. O apoio emocional, o qual deve ser constante, é fundamental para que o cuidador se perceba capaz e motivado a continuar cuidando da criança1010. Salvador MS, Gomes GC, Oliveira PK, Gomes VLO, Busanello J, Xavier DM. Strategies of families in the care of children with chronic diseases. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):662-9. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072015000300014
https://doi.org/10.1590/0104-07072015000...
.

Tal apoio, que envolve expressões de amor, é considerado benéfico, pois alivia o sofrimento. É difícil enfrentar a condição crônica sem esse suporte, por isso é necessária a ajuda de pessoas que são consideradas de confiança e que têm um relacionamento afetivo tanto com a criança/adolescente como com o cuidador1919. Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child’s perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):e6980015. doi: https://doi.org/10.1590/010407072017006980015
https://doi.org/10.1590/0104070720170069...
, pois isso ajuda no enfrentamento da condição crônica na infância e adolescência33. Lyra FMP, Souza ACOA, Alexandre ACS, Santos MRFASB, Silva FKB, Amorim LM. Family coping: living with the child affected by chronic disease. Rev Enferm UFPE online. 2016 [cited 2019 Aug 20];10(8):2790-800. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11345/1305
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
.

A situação de moradia também foi significativa para a regressão logística. De acordo com a Odds Ratio, ter casa própria como situação de moradia diminui a chance do cuidador ter uma qualidade de vida baixa, sendo, portanto, tal variável também um fator de proteção. Neste estudo, observou-se que dos indivíduos que não possuíam casa própria, 33 (61,1%) apresentaram qualidade de vida baixa.

Sabe-se que ter casa própria é sinônimo de menos gastos, pois famílias que possuem casa própria não precisam se preocupar com pagamento de aluguel. Em estudo realizado com mães de crianças dependentes de tecnologia em relação ao cuidado medicamentoso, observou-se relato de cuidadora que, por vezes, precisava escolher entre a compra de remédios para a criança e o pagamento do aluguel1414. Okido ACC, Cunha ST, Neves ET, Dupas G, Lima RAG. Technology-dependent children and the demand for pharmaceutical care. Rev Bras Enferm. 2016;69(4):671-7. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690415i
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201669...
, isso mostra que o gasto com aluguel se apresenta como um fardo a mais para esses cuidadores.

Não somente a situação de moradia, porém muitos outros aspectos que envolvem o cuidador da criança/adolescente cronicamente adoecido estão ligados aos aspectos financeiros. No presente estudo, observou-se que as limitações financeiras após diagnóstico crônico da criança/adolescente, de acordo com a Odds Ratio, aumentam em 2 vezes a chance do cuidador possuir uma qualidade de vida baixa, sendo, portanto, como esperado, um fator de risco.

A ati vidade de cuidar de pessoas com condições crôni cas está relacionada com jornadas diárias intensas, levando o cuidador a abrir mão de suas ativida des profissionais, dedicando-se exclusivamente ao tratamento da pessoa cuidada e às atividades domésticas2020. Barros ALO, Barros AO, Barros GLM, Santos MTBR. Burden of caregivers of children and adolescents with Down Syndrome. Cienc Saúde Coletiva. 2017;22(11):3625-34. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320172211.31102016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221...
. Esse abandono do vínculo empregatício desencadeia uma série de frustações e preocupações aos membros da família99. Reis KMN, Alves GV, Barbosa TA, Lomba GO, Braga PP. A vivência da família no cuidado domiciliar à criança com necessidades especiais de saúde. Cienc Enferm. 2017;23(1):45-55. doi: https://doi.org/10.4067/S0717-95532017000100045
https://doi.org/10.4067/S0717-9553201700...
, uma vez que o superinves timento de tempo e dinheiro no cuidado do fi lho(a), somado à pouca contribuição nas finanças da casa, faz com que os recursos financeiros da família fiquem reduzidos, culminando em limitações que prejudicam a participação social, a realização de atividades de lazer, dentre outros2020. Barros ALO, Barros AO, Barros GLM, Santos MTBR. Burden of caregivers of children and adolescents with Down Syndrome. Cienc Saúde Coletiva. 2017;22(11):3625-34. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320172211.31102016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221...
, acarretando, com isso, desgaste psicológico e emocional2121. Freitas GL, Faleiros F, Silva KL. Experience of families and the cost in the care of children and adolescents with myelomeningocele. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2019;9:e3282. doi: https://doi.org/10.19175/recom.v9i0.3282
https://doi.org/10.19175/recom.v9i0.3282...
.

Por isso, é relevante que exista sempre uma fonte de apoio social para minimizar as despesas da família mediante os desafios do cuidado1919. Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child’s perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):e6980015. doi: https://doi.org/10.1590/010407072017006980015
https://doi.org/10.1590/0104070720170069...
, pois o amparo às necessidades urgentes é uma medida importante que interfere diretamente na qualidade de vida de todos os membros da família. Também os recursos financeiros oferecidos pelo Estado são de extrema importância, pois, em muitas famílias, eles são a única fonte de renda33. Lyra FMP, Souza ACOA, Alexandre ACS, Santos MRFASB, Silva FKB, Amorim LM. Family coping: living with the child affected by chronic disease. Rev Enferm UFPE online. 2016 [cited 2019 Aug 20];10(8):2790-800. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11345/1305
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
.

Por fim, de acordo com a Odds Ratio da regressão, o uso de medicamento pelo cuidador também foi significativo e apresentou-se como fator de risco, uma vez que aumenta em 3 vezes a chance do cuidador apresentar uma baixa qualidade de vida. Vale salientar que, neste ponto, só foram incluídos os cuidadores que faziam uso de medicamentos de forma contínua para fins de tratamento médico.

O uso de medicamento pelo cuidador é uma variável que pode ser discutida juntamente com a variável referente à doença do cuidador, tendo em vista que estão intimamente relacionadas. Ambas, de acordo com o teste qui-quadrado, possuem associação com o desfecho escore qualidade de vida total. Entende-se, portanto, que quando o cuidador possui uma doença e faz tratamento da mesma, de certo modo, ele fica vulnerável. Porém, quando esta realidade vem associada ao cuidado de uma criança/adolescente com condição crônica, ela se agrava e compromete a qualidade de vida deste indivíduo.

Nesse sentido, sabe-se que a sobrecarga relacionada ao cuidado favorece diretamente o adoecimento do cuidador, o qual chega a negligenciar a própria saúde em prol da priorização da pessoa cuidada44. Alves SP, Bueno D. O perfil dos cuidadores de pacientes pediátricos com fibrose cística. Cienc Saúde Coletiva. 2018;23(5):1451-7. doi: https://doi.org/10.1590/141381232018235.18222016
https://doi.org/10.1590/141381232018235....
. Isso ocorre por diversos motivos, a saber: a falta de tempo, a impossibilidade de deixar a pessoa cuidada sozi nha e o cansaço2020. Barros ALO, Barros AO, Barros GLM, Santos MTBR. Burden of caregivers of children and adolescents with Down Syndrome. Cienc Saúde Coletiva. 2017;22(11):3625-34. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320172211.31102016
https://doi.org/10.1590/1413-81232017221...
. Essa realidade gera sofrimento ao cuidador, uma vez que ele procura esconder a sua dor em detrimento do cuidado e isso pode propiciar um armazenamento de tensão1515. Araújo YB. Sistema de Informação de Crianças e Adolescentes com Doença Crônica (SICADC): uma ferramenta de apoio à decisão [tese]. João Pessoa (PB): Universidade Federal da Paraíba; 2017 [cited 2019 Jun 12]. Available from: https://sig-arq.ufpb.br/arquivos/20171880885bd5473637d5d086e8753c/TESE_YANA_BAUDUIN O_DE_ARAUJO.pdf
https://sig-arq.ufpb.br/arquivos/2017188...
que poderá levar ao agravamento de sua condição de saúde.

Assim, observa-se que, pela dedicação ao cuidado, o cuidador acaba esquecendo de cuidar de si mesmo, comprometendo, de certa forma, seu autocuidado. E esta é uma realidade bem pontuada na literatura33. Lyra FMP, Souza ACOA, Alexandre ACS, Santos MRFASB, Silva FKB, Amorim LM. Family coping: living with the child affected by chronic disease. Rev Enferm UFPE online. 2016 [cited 2019 Aug 20];10(8):2790-800. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11345/1305
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
,77. Palma E, Deatrick JA, Hobbie WL, Ogle SK, Kobayashi K, Maldonado L. Maternal caregiving demands for adolescent and young adult survivors of pediatric brain tumors. Oncol Nurs Forum. 2015;42(3):222-9. doi: https://doi.org/10.1188/15.ONF.222-229
https://doi.org/10.1188/15.ONF.222-229...
. Em estudo77. Palma E, Deatrick JA, Hobbie WL, Ogle SK, Kobayashi K, Maldonado L. Maternal caregiving demands for adolescent and young adult survivors of pediatric brain tumors. Oncol Nurs Forum. 2015;42(3):222-9. doi: https://doi.org/10.1188/15.ONF.222-229
https://doi.org/10.1188/15.ONF.222-229...
, os cuidadores revelaram que, por causa das muitas demandas de cuidado, tinham menos tempo e energia para se dedicar à manutenção de si e da família. Isso, mais cedo ou mais tarde, resulta em adoecimento.

Diante de todos estes aspectos discutidos, entende-se que o cuidador precisa de uma atenção especial, sobretudo, dos profissionais de saúde, uma vez que o cuidado e a assistência prestada não podem estar restritos às crianças/adolescentes, uma vez que existem pessoas, das quais eles são dependentes, que levam sobre si, silenciosamente, a carga do cuidado e suas diversas consequências. Os cuidadores assim o fazem por amor e pela certeza de dias melhores, contudo são seres humanos, muitas vezes sufocados, com uma necessidade simples: desabafar, ter alguém que os escutem, que os acolham sem julgamentos. Faz-se necessário, portanto, cuidar daqueles que cuidam, a fim de que também possam cuidar com maior eficácia e eficiência.

CONCLUSÃO

Com este estudo foi possível avaliar a qualidade de vida dos cuidadores de crianças e adolescentes com condições crônicas cadastradas no Sistema de Informação de Crianças e Adolescentes com Doenças Crônicas, bem como identificar os fatores que estão associados à sua qualidade de vida. Observou-se que a maior parte dos cuidadores possuíam qualidade de vida baixa e que tal realidade sofre impacto de fatores, tais como: maior número de filhos com condições crônicas, uso rotineiro de medicamentos pelo cuidador e a limitação financeira após condição crônica, os quais foram considerados fatores de risco. Por sua vez, possuir casa própria e ter apoio emocional consistiram em fatores de proteção.

Desse modo, o estudo trouxe informações peculiares e pontuais que comprovam que não somente a criança/adolescente cronicamente adoecido merece atenção, mas também seu cuidador que muitas vezes é colocado a margem dos cuidados dos profissionais de saúde. É necessário, portanto, estar atendo ao binômio e ir além dos aspectos biológicos, levando em consideração o contexto biopsicossocial em que o indivíduo possa estar inserido. Desse modo, saber os fatores que podem afetar a qualidade de vida dos cuidadores, sob o olhar da análise de dados, vai colaborar com a tomada de decisão dos profissionais de saúde, fazendo-os prestar uma assistência mais consistente e direcionada às reais necessidades deste público.

Neste contexto, os serviços de saúde devem implementar medidas práticas de educação em saúde que sejam compatíveis com a realidade de vida desses indivíduos. Neste estudo, observou-se que o apoio emocional se comporta como um fator de proteção sobre a qualidade de vida do cuidador, sendo assim, pode-se dizer que esse tipo de apoio ameniza os aspectos negativos do cuidado. Ou seja, algo simples, que está ao alcance dos profissionais da saúde e que pode ser desenvolvido, a partir de uma escuta qualificada ou pela formação de grupos de cuidadores que vivenciam as mesmas realidades, colaborando com o enfretamento da condição crônica e suas diversas implicações.

De maneira mais direcionada, a enfermagem, enquanto categoria profissional que tem o cuidado como centralidade de seu ofício, precisa assistir o indivíduo em sua integralidade, levando em consideração que os aspectos biológicos, psicológicos e sociais estão todos interligados e interferem na saúde dos indivíduos. Portanto, ao conhecer os fatores que afetam a qualidade de vida de cuidadores de crianças e adolescentes com condições crônicos, o enfermeiro possui informações necessárias para a elaboração de planos de cuidados cada vez mais direcionados e efetivos, que contribuirão diretamente com as necessidades dos cuidadores e, indiretamente, com a melhoria dos cuidados prestados por eles às crianças e adolescentes com condições crônicas.

LIMITAÇÕES DO ESTUDO

Devido ao tamanho amostral e pelo fato de ser um estudo local, tais resultados podem apresentar limitações quando aplicados à realidade de cuidadores de crianças e adolescentes com condições crônicas em outras localidades.

Agradecimento:

À CAPES pelo apoio financeiro.

REFERENCES

  • 1. Mendes EV. Interview: the chronic conditions approach by the Unified Health System. Cienc Saúde Coletiva. 2018;23(2):431-5. doi: https://doi.org/10.1590/141381232018232.16152017
    » https://doi.org/10.1590/141381232018232.16152017
  • 2. Ichikawa CRF, Santos SSC, Bousso RS, Sampaio PSS. The family management of children with chronic conditions according to Edgar Morin's complexity theory. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2018;8:e1276. doi: https://doi.org/10.19175/recom.v8i0.1276
    » https://doi.org/10.19175/recom.v8i0.1276
  • 3. Lyra FMP, Souza ACOA, Alexandre ACS, Santos MRFASB, Silva FKB, Amorim LM. Family coping: living with the child affected by chronic disease. Rev Enferm UFPE online. 2016 [cited 2019 Aug 20];10(8):2790-800. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11345/1305
    » https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11345/1305
  • 4. Alves SP, Bueno D. O perfil dos cuidadores de pacientes pediátricos com fibrose cística. Cienc Saúde Coletiva. 2018;23(5):1451-7. doi: https://doi.org/10.1590/141381232018235.18222016
    » https://doi.org/10.1590/141381232018235.18222016
  • 5. Lise F, Schwartz E, Milbrath VM, Santos BP, Feijó AM. Children with chronic renal failure on conservative treatment: adaptation process of the caregiver-mother. Ciênc Cuid Saúde. 2017;16(2). doi: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v16i2.33711
    » https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v16i2.33711
  • 6. Freitas GL, Sena RR, Silva JCF, Castro FFS. Rehabilitation of children and adolescents with myelomeningocele: the daily life of mothers-caregivers. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(4):e60310. doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.04.60310
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.04.60310
  • 7. Palma E, Deatrick JA, Hobbie WL, Ogle SK, Kobayashi K, Maldonado L. Maternal caregiving demands for adolescent and young adult survivors of pediatric brain tumors. Oncol Nurs Forum. 2015;42(3):222-9. doi: https://doi.org/10.1188/15.ONF.222-229
    » https://doi.org/10.1188/15.ONF.222-229
  • 8. Barbosa TA, Reis KMN, Lomba GO, Alves GV, Braga PP. Support network and social support for children with special health care need. Rev Rene. 2016;17(1):60-6. doi: https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000100009
    » https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000100009
  • 9. Reis KMN, Alves GV, Barbosa TA, Lomba GO, Braga PP. A vivência da família no cuidado domiciliar à criança com necessidades especiais de saúde. Cienc Enferm. 2017;23(1):45-55. doi: https://doi.org/10.4067/S0717-95532017000100045
    » https://doi.org/10.4067/S0717-95532017000100045
  • 10. Salvador MS, Gomes GC, Oliveira PK, Gomes VLO, Busanello J, Xavier DM. Strategies of families in the care of children with chronic diseases. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):662-9. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072015000300014
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072015000300014
  • 11. Borsoi S, Scheidt IV, Cordeiro GR, Mascarenhas LPG. Análise da qualidade de vida em cuidadores de crianças e adolescentes com diabetes tipo 1. Multitemas. 2018;23(55):25-39. doi: https://doi.org/10.20435/multi.v23i55.1743
    » https://doi.org/10.20435/multi.v23i55.1743
  • 12. Vanz AP, Félix TM, Rocha NS, Schwartz IV. Quality of life in caregivers of children and adolescents with Osteogenesis Imperfecta. Health Qual Life Outcomes. 2015;13:41. doi: https://doi.org/10.1186/s12955-015-0226-4
    » https://doi.org/10.1186/s12955-015-0226-4
  • 13. Roncada C, Dias CP, Goecks S, Cidade SEF, Pitrez PMC. Usefulness of the WHOQOLBREF questionnaire in assessing the quality of life of parents of children with asthma. Rev Paul Pediatr. 2015;33(3):267-73. doi: https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.01.007
    » https://doi.org/10.1016/j.rpped.2015.01.007
  • 14. Okido ACC, Cunha ST, Neves ET, Dupas G, Lima RAG. Technology-dependent children and the demand for pharmaceutical care. Rev Bras Enferm. 2016;69(4):671-7. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690415i
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690415i
  • 15. Araújo YB. Sistema de Informação de Crianças e Adolescentes com Doença Crônica (SICADC): uma ferramenta de apoio à decisão [tese]. João Pessoa (PB): Universidade Federal da Paraíba; 2017 [cited 2019 Jun 12]. Available from: https://sig-arq.ufpb.br/arquivos/20171880885bd5473637d5d086e8753c/TESE_YANA_BAUDUIN O_DE_ARAUJO.pdf
    » https://sig-arq.ufpb.br/arquivos/20171880885bd5473637d5d086e8753c/TESE_YANA_BAUDUIN O_DE_ARAUJO.pdf
  • 16. Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida “WHOQOL-bref”. Rev Saude Publica. 2000;34(2):178-83. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89102000000200012
    » https://doi.org/10.1590/S0034-89102000000200012
  • 17. Reis MS, Silva RDS, Amorim MLC, Lopes KAT, Corrêa LS, Leão DP. Avaliação da qualidade de vida de cuidadores de pessoas com deficiência física e intelectual: um estudo com WHOQOL-Bref. Rev Bras Prescr Fisiol Exerc. 2017 [cited 2019 Jun 13];11(67):399-404. Available from: http://www.rbpfex.com.br/index.php/rbpfex/article/view/1160/931
    » http://www.rbpfex.com.br/index.php/rbpfex/article/view/1160/931
  • 18. Rocha RS, Pinheiro LP, Oriá MOB, Ximenes LB, Pinheiro AKB, Aquino PS. Social determinants of health and quality of life of caregivers of children with cancer. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(3):e57954. doi: https://doi.org/10.1590/19831447.2016.03.57954
    » https://doi.org/10.1590/19831447.2016.03.57954
  • 19. Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child’s perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):e6980015. doi: https://doi.org/10.1590/010407072017006980015
    » https://doi.org/10.1590/010407072017006980015
  • 20. Barros ALO, Barros AO, Barros GLM, Santos MTBR. Burden of caregivers of children and adolescents with Down Syndrome. Cienc Saúde Coletiva. 2017;22(11):3625-34. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320172211.31102016
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320172211.31102016
  • 21. Freitas GL, Faleiros F, Silva KL. Experience of families and the cost in the care of children and adolescents with myelomeningocele. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2019;9:e3282. doi: https://doi.org/10.19175/recom.v9i0.3282
    » https://doi.org/10.19175/recom.v9i0.3282

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2019
  • Aceito
    17 Nov 2020
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br