Acessibilidade / Reportar erro

O desenvolvimentismo como legado histórico

Developmentalism as historical legacy

RESUMO

Nosso objetivo é, usando o conceito de conjuntura crítica, discutir o desenvolvimentismo como legado histórico. Para tanto, na primeira seção, fazemos uma descrição estilizada de quatro casos típicos (Brasil, México, Coreia do Sul e Taiwan) e, em seguida, valendo-nos da técnica do process tracing, propomos um mecanismo causal composto por fatores estruturais e volitivos para entender o surgimento do desenvolvimentismo. Concluímos que o desenvolvimentismo é ilustrativo das vantagens de uma ciência social histórica que permite ir além da análise do conteúdo ideacional dos diversos paradigmas desenvolvimentistas e avançar para a identificação das condições históricas de sua produção como projeto político.

PALAVRAS-CHAVE:
Desenvolvimentismo; conjuntura crítica; causação histórica; process tracing

ABSTRACT

Our goal is, using the concept of critical juncture, to discuss developmentalism as a historical legacy. To do so, in the first section, we provide a stylized description of four typical cases (Brazil, Mexico, South Korea, and Taiwan) and then, employing the technique of process tracing, propose a causal mechanism composed of structural and volitional factors to understand the emergence of developmentalism. It concludes that developmentalism illustrates the advantages of a historical social science that allows us to go beyond the analysis of the ideational content of various developmentalist paradigms and move towards identifying the historical conditions of their production as a political project.

KEYWORDS:
Developmentalism; critical juncture; historical causation; process tracing

INTRODUÇÃO

A ascensão ao poder de governos de esquerda no Brasil a partir de 2003 fomentou entre os economistas do campo heterodoxo uma discussão sobre o retorno do paradigma desenvolvimentista como princípio orientador da política econômica do país. O objetivo era, ao mesmo tempo, reiterar a dimensão política do desenvolvimentismo como projeto nacional, definir o papel do Estado e rever o problema da distribuição de renda no país. Tendo em vista tais questões, parece-nos interessantemente analisar e teorizar sobre as condições históricas, estruturais e volitivas, que viabilizam o nascimento e sucesso de uma orientação desenvolvimentista, independente das singularidades programáticas que a caracterizam em momentos distintos. Desse modo, este artigo pretende analisar o desenvolvimentismo como o legado histórico de um determinado tipo de conjuntura crítica.

Esses dois conceitos - desenvolvimentismo e conjuntura crítica -, portanto, precisam ser definidos de saída. O primeiro refere-se a um pensamento e a uma prática que entende que o atraso de uma nação só pode ser superado com a implementação de um projeto nacional em que a industrialização promovida pelo Estado é vista como caminho para o desenvolvimento e garantia das bases materiais da soberania política ante a outros Estados potencialmente hostis (Bresser-Pereira, 1968Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1968) Desenvolvimento e crise no Brasil: 1930-1967. Rio de Janeiro: Zahar Editores.; Bielschowsky, 2000Bielschowsky, Ricardo. (2000) O pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto.; Fonseca, 2014Fonseca, Pedro C. D. (2014) “Desenvolvimentismo: a construção do conceito”. In: Calixtre, Bojikian et al. (org.), Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, pp. 30-79.; Thurbon, 2016Thurbon, Elizabeth (2016) Developmental mindset. The revival of financial activism in South Korea. Ithaca: Cornell University Press.). Parafraseando Gao (1997Gao, Bai (1997) Economic ideology and Japanese industrial policy. Developmentalism from 1931 to 1965. Cambridge: Cambridge University Press.), na economia política do desenvolvimentismo a unidade de análise é a “nação” e não o consumidor ou a firma. Assim definido, o desenvolvimentismo preconiza uma transformação estrutural no sistema econômico a ser promovida intencionalmente em nome da soberania nacional. É importante observar que essa é uma definição baseada mais nas motivações que o caracterizam do que nas instituições e instrumentos de política econômica concretamente utilizados num dado momento, necessariamente cambiantes em função do contexto histórico e das mudanças na economia global. Assim, o elemento unificador dessas experiências não são instrumentos de política econômica e políticas específicas, mas a presença de uma mentalidade desenvolvimentista e a capacidade política de formular e executar estratégias que visam efetivá-la (Thurbon, 2016Thurbon, Elizabeth (2016) Developmental mindset. The revival of financial activism in South Korea. Ithaca: Cornell University Press.)1 1 É importante lembrar que não apenas novos instrumentos de política econômica podem surgir a serviço de uma nova proposta desenvolvimentista, como outros, antes voltadas para objetivos desenvolvimentistas, podem ter sua função redefinida por conta da mudança no contexto e na orientação subjetiva dos atores que as controlam. Esse processo de “conversão funcional” (Mahoney e Thelen, 2010, p. 16) pode ser visto no Economic Planning Board da Coreia do Sul, quanto à sua atuação perante a indústria automobilística após a morte do general Park Chung Hee, em 1979 (Lee, 2011), e na atuação do BNDES durante os governos FHC e Bolsonaro. .

Entendemos por conjuntura crítica uma situação histórica em que mudanças rápidas e disruptivas ocorrem no nível macro do sistema social (ou de seus subsistemas) introduzindo neste um fator qualitativamente novo. Este elemento novo, por sua vez, poderá constituir-se num legado histórico duradouro em função da presença de um mecanismo de estabilização capaz de reproduzi-lo ao longo do tempo. Assim, o conceito de conjuntura crítica é inseparável da especificação do legado histórico por ela gerado e do mecanismo causal que o sustenta2 2 A literatura sobre conjuntura crítica é imensa. Para uma síntese das questões teóricas e metodológicas vinculadas ao conceito, ver Collier e Collier (1991), Collier e Munck (2022) e Munck (2002). O conceito de conjuntura crítica utilizado neste artigo, assim como suas implicações, baseia-se em Munck (2022).

Por conseguinte, a pesquisa orientada com base neste conceito tem quatro obrigações fundamentais: (i) primeiro, especificar os elementos de ruptura sistêmica que permitem caracterizar uma dada conjuntura como crítica (e não como uma simples crise dentro dos parâmetros do antigo sistema); (ii) segundo, especificar o mecanismo causal que produz o legado imediato a partir da ruptura sistêmica introduzida pela conjuntura crítica; (iii) terceiro, identificar o mecanismo causal que repõe o legado permanentemente, transformando-o em legado histórico, mesmo quando a causa produzida pela conjuntura crítica inicial deixou de atuar; e (iv), ao especificar a conjuntura crítica e os mecanismos de produção e reprodução do legado histórico, identificar os fatores estruturais e volitivos (agency), endógenos e exógenos, que interagem causalmente em cada um deles, evitando explicações reducionistas (Collier e Collier, 1991Collier, Ruth Berins e Collier, David (1991) Shaping the political arena: critical junctures, the labour movement, and regime dynamics in Latin America. Princeton: Princeton University Press.; Collier, 2022Collier, David (2022) “Critical Junctures Framework and the Five-Step Template”. In: Collier, David; Munck, Gerardo (eds.), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova York: Rowman & Littlefield.; Lloyd, 1995Lloyd, Christopher (1995) As estruturas da história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.).

Para realizar esses objetivos, o artigo divide-se em duas seções. Na primeira seção, comparamos de forma muito estilizada quatro casos típicos de desenvolvimentismo, Brasil, México, Coreia do Sul e Taiwan, com o objetivo de mostrar o impacto das condições objetivas (endógenas e exógenas) e subjetivas na ascensão do fenômeno do desenvolvimentismo. Na segunda seção, seguindo os cinco passos analíticos sugeridos por Collier e Collier (1991Collier, Ruth Berins e Collier, David (1991) Shaping the political arena: critical junctures, the labour movement, and regime dynamics in Latin America. Princeton: Princeton University Press.) e Collier (2022Collier, David (2022) “Critical Junctures Framework and the Five-Step Template”. In: Collier, David; Munck, Gerardo (eds.), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova York: Rowman & Littlefield.) e tendo os casos descritos anteriormente como pano de fundo, pretendemos sistematizar o mecanismo causal do desenvolvimentismo ao (i) caracterizar as condições antecedentes a partir das quais se constitui a conjuntura crítica geradora do desenvolvimentismo, dando especial atenção às heranças que elas deixaram para os países que contam com o fenômeno; (ii) as clivagens e choques que desorganizam os pilares da situação antecedente, disparando mudanças que iniciam a conjuntura crítica; (iii) o tipo de conjuntura crítica que gera o desenvolvimentismo como fator qualitativamente novo; (iv) o momento imediatamente posterior à conjuntura crítica (o aftermath), identificando o mecanismo produtor do desenvolvimentismo, e (v) o mecanismo estabilizador que o transforma em legado histórico. Ao final desta seção apresentamos um grafo causal que sintetiza as nossas observações anteriores. Esse grafo se inspira na literatura sobre process tracing, que enfatiza a importância da especificação dos mecanismos causais em estudos baseados em poucos casos, identificando a condição de necessidade e/ou suficiência de suas partes constitutivas3 3 O Process Tracing (ou rastreamento de processos) é uma técnica que permite ao analista coletar evidências de mecanismos causais intermediários que conectam uma dada causa a seu efeito, possibilitando aumentar a robustez de enunciados causais. Entre as exigências para uma boa operacionalização dessa técnica estão a escolha adequada dos casos a serem analisados, o conhecimento relativamente aprofundado dos mesmos, a especificação clara das partes constitutivas do mecanismo causal em termos de necessidade e suficiência e, quando possível, a apresentação do processo causal por meio de narrativas densas. Ver Waldner (1999, 2015), Beach e Pedersen (2019), Cunha e Araújo (2018) e Perissinotto (2022). . Por fim, à guisa de conclusão, discutimos os ganhos analíticos propiciados pela nossa análise qualitativa (baseada no process tracing e na comparação histórica) e os passos futuros de nossa pesquisa sobre os mecanismos causais produtores do desenvolvimentismo.

QUATROS CASOS TÍPICOS: BRASIL, MÉXICO, COREIA DO SUL E TAIWAN4 4 A descrição estilizada a seguir foi inspirada em Perissinotto et al. (2014), Perissinotto (2021, 2023) e Perissinotto e Nunes (2023).

Por que analisar comparativamente Brasil, México, Coreia do Sul e Taiwan? Se nossa pergunta é sobre as condições que contribuem para a produção do desenvolvimentismo como modelo econômico, nada mais natural do que escolher o que a literatura chama de “casos típicos”, isto é, que contam com o fenômeno em análise. A nossa hipótese, a ser mais bem sistematizada na próxima seção, é que podemos encontrar nesses quatro casos evidências de um mecanismo causal comum que nos permite entender as condições históricas (estruturais e volitivas) de produção do desenvolvimentismo. Assim, a escolha dos quatro países em questão se justifica porque todos eles transitam para sociedades industrializadas tardiamente e com sucesso, podendo constituir-se em casos típicos do mecanismo que pretendemos descrever5 5 Em outro texto, mostramos que países desprovidos dessas condições não foram bem-sucedidos nas suas tentativas de transição para a condição de sociedades industrializadas. Ver Perissinotto e Nunes (2023). . Além disso, há, como se sabe, diferenças de desempenho entre esses países. Desse modo, os casos em questão permitem não só testar a presença de um mesmo mecanismo causal em todos eles, como também a intensidade com que suas partes constitutivas se fazem presentes. A seguir, apresentamos uma descrição estilizada do processo de industrialização nos países indicados.

Brasil e México

No caso do México, em termos de legado histórico, o período do “porfiriato” (domínio político exercido por Porfírio Díaz de 1884 a 1911) promoveu o avanço da industrialização e a centralização administrativa, ambas ancoradas numa elite orientada por princípios positivistas, conhecida como os científicos. No primeiro caso, o governo de Díaz produziu avanços significativos, sobretudo, na indústria leve (têxtil, papel, vidro, sapatos, cerveja, alimentos) instalada na região norte do país, promulgando inclusive a Nova Lei das Indústrias, em 1881, por meio da qual concedeu algumas generosas isenções de impostos e proteção tarifária a estabelecimentos locais. No que concerne à dimensão institucional, Díaz adotou medidas autoritárias contra a oposição e, desse modo, instaurou uma Pax Porfiriana, baseada em um Estado eficiente e poderoso. De posse de recursos institucionais importantes, Díaz promoveu a centralização política e administrativa, aumentando o controle sobre os caciques locais. Essa dupla vantagem, porém, que poderia atuar positivamente numa eventual resposta à crise que chegaria em 1929, foi reduzida com o advento, em 1910, da Revolução Mexicana, a grande clivagem que arruinou os pilares do porfiriato. Depois de dez anos de lutas intensas, com uma tentativa de constitucionalizar o país em 1917, a paz entre os diversos e múltiplos grupos em conflito foi selada por meio do Plano de Agua Prieta, em 23 de abril de 1920. Esse é um momento crucial da conjuntura crítica mexicana, pois marca a ascensão política da elite de Sonora (província ao norte do país), sob a liderança de Venustiano Carranza. Entre 1919 e 1934, sob a hegemonia dessa elite modernizante, ocorreu a institucionalização política do Partido Revolucionário Nacional (que viria a ser o PRI) e, por extensão, da própria revolução. A partir daí, o México rumaria em direção à transição definitiva para uma sociedade industrializada via substituição de importações. Os novos governantes eram modernos e pragmáticos. Defendiam um desenvolvimento capitalista e nacionalista, o produtor agrícola médio (o rancheiro), de onde tinham saído vários líderes revolucionários, e a erradicação do monopólio estrangeiro sobre os recursos naturais, como petróleo e mineração, combinada com a aceitação do investimento externo em outras áreas para modernizar o país. Defendiam ainda um Estado ativo, o que se manifestou por meio da criação de várias instituições de intervenção na economia do país, como o Banco do México (em 1925), a Comissão Nacional Bancária (um banco central para controlar o sistema bancário mexicano), o Banco de Crédito Agrícola (em 1926), o Banco Cooperativo Agrícola, a Comissão Nacional de Estradas (em 1925) e uma Comissão Nacional de Irrigação (em 1926). Já com Lázaro Cárdenas na Presidência (1934-1940) foi criada, em 1934, a Nacional Financeira (Nafinsa), banco de desenvolvimento usado para financiar o comércio exterior, a industrialização e a agricultura comunal (os ejidos). Tudo isso foi viabilizado pelo denso processo de construção institucional liderado pela elite sonorense durante as décadas de 1920 e 1930, período no qual se deu início no México à construção de algo próximo a um Estado Desenvolvimentista (ED). A decisão de industrializar o país pela via da substituição de importações se consolidou nos anos 1940, quando então o eixo dinâmico da economia mexicana começou a transitar para os centros urbanos. O desenho institucional que a promoveu foi um Estado intervencionista combinado com um sistema político excludente. A força da Presidência e do Partido Revolucionário Institucional eram a peça fundamental do processo de industrialização conduzido pelo Estado em aliança com a burguesia nacional. A formação de uma coalizão desenvolvimentista foi fortalecida graças à redução (mas não anulação, como nos casos asiáticos) do poder político dos grandes proprietários de terra após a revolução, diferentemente do Brasil, mas a força do capital estrangeiro e a pressão do vizinho ao norte foram sempre obstáculos significativos à industrialização mexicana. O presidente agia efetivamente como um grande coordenador de interesses e de agências burocráticas. Entre 1940 e 1968, o aparelho estatal e o partido dominante se tornaram as arenas de negociação com as organizações sociais, cooptando e reprimindo grupos que quisessem atuar fora do sistema político institucionalizado. A estratégia industrializante que havia sido iniciada antes da crise de 1929, e suspensa durante a Revolução, foi intensificada depois dela, sobretudo a partir do governo de Ávila Camacho (1940-1946), que pavimentaria o caminho para o milagre mexicano (1958-1970). O mais forte impulso industrializador, porém, veio na presidência de Miguel Alemán (1946-1952). A partir daí inicia-se o que a literatura chama de “desenvolvimento estabilizador”, visando conjugar expansão industrial com controle inflacionário, projeto este mantido sem grandes problemas até a crise de 1973 (Solís, 1969Solís, Leopoldo (1969) “La Política Económica y el Nacionalismo Mexicano”. Foro Internacional, 9(3): 235-248.; Camín e Meyer, 2000Camín, Hector; Meyer, Lorenzo (2000) À Sombra da Revolução Mexicana: História Mexicana Contemporânea (1910-1989). São Paulo: Edusp.; Fuentes e Flores, 2001Fuentes, Santi; Flores, Vicente (2001) “El Sector Público en México: de la Sustitución de Importaciones a la Sustitución de Exportaciones”. Momento Económico, 117: 35-49.; Osorio, 2008Osorio, Martín (2008) “Industrialización por Sustitución de Importaciones (1940-1982) y Modelo ‘Secundario-Exportador’ (1983-2006)”. Biblioteca Virtual de Derecho, Economía y Ciencias Sociales del Grupo de Investigación Eumed.net de la Universidad de Málaga. Málaga: Editora Eumed.net, pp. 159-161.; Ortega, 2012Ortega, Marco (2012) “Breve Historia de la Banca de Desarrollo Mexicana”. Análisis Económico, 27(65): 171-206.).

Exceto pela experiência revolucionária avassaladora, o roteiro é muito similar no Brasil. De meados do século XIX até os dias anteriores à crise de 1929, o país passa por um processo de expansão da economia agroexportadora que gera um desenvolvimento econômico nunca visto no país. A literatura mostra que o Brasil foi bastante bem-sucedido em promover o aprofundamento da industrialização nacional, avançando rapidamente na substituição de importação de bens de consumo, constituindo em pouco mais de dez anos após a crise a sua indústria siderúrgica e, nos anos subsequentes, consolidando as indústrias de base, de bens de consumo duráveis e dando início a formação de um setor de bens de capital. Por essa razão, o Brasil entra em quase todos os estudos comparativos sobre países de industrialização tardia. O Brasil é um país com um ponto de partida favorável no que diz respeito ao legado da economia agroexportadora, pois esta fomentou a expansão de um parque industrial significativo quando comparado aos demais países da América Latina, viabilizando os primeiros passos em direção a uma política desenvolvimentista. Porém, a situação do país era mais frágil que a do México do ponto de vista institucional, com um Estado com menor capacidade de intervenção na economia, a despeito das experiências prévias com os planos de valorização do café. A partir de 1929-1930, a crise econômica externa e a crise política interna, que produz o movimento revolucionário de 1930, combinam a derrocada dos pilares de sustentação da economia agroexportadora com a ascensão política de uma nova elite política com intenções modernizadora, isto é, uma elite subjetivamente predisposta a perseguir a sério o desenvolvimento industrial (os positivistas da burocracia civil e militar). Na sequência, essa elite dá início à construção da versão nacional do ED, gerando formas mais institucionalizadas de intervenção econômica, planejamento de longo prazo, de interação com sua burguesia industrial e de controle estatal do movimento operário. No entanto, o Brasil enfrenta uma elite agrária ainda forte social e politicamente, e tem no capital estrangeiro uma força fundamental na definição de sua dinâmica econômica. Este último aspecto, assim como no caso mexicano, reduz a capacidade de controle sobre as decisões que afetam a economia nacional (Evans, 1995Evans, Peter (1995) Embedded Autonomy: States and Industrial Transformation. Princeton: Princeton University Press.; Bulmer-Thomas, 1998Bulmer-Thomas, Victor (1998) “The Latin American Economies, 1929-1939”. In: Bethell, Leslie (ed.), Latin America: Economy and Society since 1930. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 65-114.; Ffrench-Davis et al., 1997; Kohli, 2007Kohli, Atul (2007) State-directed Development: Political Power and Industrialization in the Global Periphery. Cambridge: Cambridge University Press.; Paiva, 2009Paiva, Carlos (2009) “A burocracia no Brasil: as bases da administração pública nacional em perspectiva histórica (1920-1945)”. História, 28(2): 775-796.; Fonseca, 1987Fonseca, Pedro C. D. (1987) Vargas: o Capitalismo em Construção (1906-1954). São Paulo: Brasiliense., 2003Fonseca, Pedro C. D. (2003) “Sobre a intencionalidade da política industrializante na década de 1930”. Revista de Economia Política, 23(1): 133-148., 2011Fonseca, Pedro C. D. (2011) “Gênese e Precursores do Desenvolvimentismo no Brasil”. In: Bastos, Pedro Paulo; Fonseca, Pedro C. D. (eds.). A era Vargas: Desenvolvimentismo, Economia e Sociedade. São Paulo: Unesp, pp. 21-49.; Cano, 2012Cano, Wilson (2012) “Da década de 1920 à de 1930: Transição rumo à crise e à industrialização no Brasil”. Revista Economia, 13(3b): 897-916., 2015Cano, Wilson (2015) “Crise e industrialização no Brasil entre 1929 e 1954: a reconstrução do Estado nacional e a Política Nacional de Desenvolvimento”. Revista de Economia Política, 35(3): 444-460.; Fonseca e Salomão, 2020Fonseca, Pedro; Salomão, Ivan (2020) “Industrialização Brasileira: Notas sobre o debate historiográfico”. In: Rougier, Marcelo (ed.), Estudios Sobre la Industria en América Latina. Interpretaciones y Debates. Buenos Aires: Lenguaje Claro, pp. 125-160.).

Coreia do Sul e Taiwan

Os dois países asiáticos representam também trajetórias similares. No caso da Coreia do Sul, é amplamente conhecida sua meteórica industrialização depois do início dos anos 1960. Há duas heranças históricas fundamentais para explicar esse sucesso, ambos derivados do colonialismo japonês, como mostra amplamente a literatura. Economicamente, a partir dos anos 1930, o Japão promoveu uma agressiva industrialização do território coreano, criando várias empresas ferroviárias, de comunicação, ópio, sal e tabaco, contribuindo para a acumulação de capital local. Portanto, apesar de sua origem agrária, o colonialismo japonês promoveu a industrialização da Coreia num nível jamais visto em qualquer outra experiência colonialista. Quanto ao aspecto institucional, o legado prévio japonês se mostra também muito positivo quando avaliado em termos de state-building. A colonização coreana, iniciada em 1876 e consolidada em 1905 e 1910, põe abaixo os velhos fundamentos da secular Dinastia Yi e promove a modernização do Estado na península. A rendição do Japão e a independência do país, em 1945 e 1948, respectivamente, instauram, por sua vez, uma situação de crise econômica permanente e clivagens políticas internas profundas. Junto ao drama interno, soma-se o drama externo, com a ameaça comunista ao norte após o fim da guerra civil em 1953. Essa situação se transforma em uma conjuntura crítica com a ascensão de uma elite militar subjetivamente orientada por uma ideologia econômica claramente antiliberal, de forte inspiração Meiji, formada nas escolas militares japonesas no próprio Japão e na Manchúria, liderada pelo general Park Chung-Hee. Chegando ao poder em 16 de maio de 1961, por meio de um golpe militar perpetrado por Park, esse grupo promoverá uma radical renovação da elite política do país e conduzirá a profunda reestruturação da economia coreana. Como instrumento dessa reestruturação econômica, diferentemente dos casos de Brasil e México, presenciamos a construção de um ED típico, centralizado e capaz de produzir intervenção em setores estratégicos da economia, com forte controle sobre os empresários, o mundo do trabalho e o capital estrangeiro e sem ameaças oriundas de uma elite agrária reacionária. Ou seja, um bloco social dominante altamente favorável à promoção acelerada da industrialização (algo também diferente de Brasil e México). As instituições desenvolvimentistas do Estado coreano (como o Secretariado da Presidência, o Conselho de Planejamento Econômico e o Ministério das Finanças) serão importante fontes de socialização e coesão da burocracia econômica em torno da ideologia desenvolvimentista. O resultado foi um processo de industrialização fortemente ancorado no capital nacional, o que é, em grande parte, expressão da orientação ideológica daquela mesma elite modernizante (Fajnzylber, 1983Fajnzylber, Fernando (1983) La industrialización trunca de América Latina. México: Editorial Nueva Imagen.; Luedde-Neurath, 1988Luedde-Neurath, Richard (1988) “State Intervention and Export-Oriented Development in South Korea”. In: White, Gordon (ed.), Developmental States in East Asia. New York: St. Martin’s Press, pp. 68-112.; Amsden, 1989Amsden, Alice (1989) Asia’s Next Giant. South Korea and Late Industrialization. Oxford: Oxford University Press.; Cumings, 1989Cumings, Bruce (1989) “The Origins and Development of the Northeast Asian Political Economy: Industrial Sector, Product Cycles, and Political Consequences”. In: Deyo, Frederic (ed.), The Political Economy of the New Asian Industrialism. Ithaca: Cornell University Press, pp. 44-83.; Koo, 1989Koo, Hagen (1989) “The Interplay of State, Social Class, and World System in East Asian Development: The Cases of South Korea and Taiwan”. In: Deyo, Frederic (ed.), The Political Economy of the New Asian Industrialism. Ithaca: Cornell University Press, pp. 165-181.; Woo, 1991; Waldner, 1999Waldner, David (1999) State Building and Late Development. Ithaca: Cornell University Press.; Kohli, 2007Kohli, Atul (2007) State-directed Development: Political Power and Industrialization in the Global Periphery. Cambridge: Cambridge University Press.; Evans, 2010Evans, Peter (2010) “Constructing the 21th Century Developmental State: Potentials and Pitfall”. In: Edigheji, Omano (ed.), Constructing democratic developmental state on South Africa: potentials and challenges. Cape Town: HCRS Press, pp. 37-58.; Chang, 2010Chang, Ha-Joon (2010) “Political, Organizational and Human Resource Requirements for the Developmental State”. In: Edigheji, Omano (ed.). Constructing democratic developmental state on South Africa: potentials and challenges. Cape Town: HCRS Press, pp. 82-96.; Hutchcroft, 2011Hutchcroft, Paul D. (2011) “Reflections on a Reverse Image: South Korea under Park Chung Hee and the Philippines under Ferdinand Marcos”. In: Kim, Byung-Kook; Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.; Moreira Lima, 2013Moreira Lima, Uallace (2013) Desenvolvimento Capitalista e Inserção Externa na Coréia do Sul: A Economia Política da Diversificação Industrial e do Comércio Exterior de Bens de Capital (1974-1989). Tese (Doutorado em Economia), Universidade Estadual de Campinas, Campinas.; Moon e Jun, 2011Moon, Chung-in; Jun, Buyung joon (2011) “Modernization Strategy: Ideas and Influences”. In: Kim, Byung-Kook; Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.; Kim, 2011Kim, Taehyun; Baik, Chang Jae (2011) “Taming and Tamed by the United States”. In: Kim, Byung-Kook; Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.; Lai, 2018Lai, Christina (2018) “Economic Nationalism in South Korea and Taiwan: Examining Identity Discourse and Threat Perceptions Towards Japan after the Second World War (1960s-1970s)”. Journal of Asian Security and International Affairs, 5(2), pp. 1-23.).

O processo em Taiwan é muito similar. Taiwan sai da condição de uma província chinesa periférica para o mundo desenvolvido no espaço de uma geração, transformando-se num milagre econômico. Nesse caminho, sua estrutura industrial transitou dos setores leves e tradicionais para os mais pesados e complexos. Todas as vantagens econômicas e institucionais que encontramos no legado japonês coreano se fazem presentes ainda mais em Taiwan. Além disso, a situação iniciada com a independência da ilha após a derrota do Japão, em 1945, e com a sua invasão capitaneada por Chiang Kai-Shek, em 1949, é tão dramática quanto a coreana, embora menos destrutiva, pois o país não presenciou uma guerra civil como a que devastou a península. Ao mesmo tempo, porém, conviveu (e convive) com uma ameaça internacional permanente, com o seu pior inimigo situado a pouco mais de 100 quilômetros de sua costa. Essas condições também produziram uma conjuntura crítica com a consolidação política de uma elite modernizante fortemente organizada, formada não apenas pelo legado japonês, como no caso coreano, mas pela própria experiência administrativa do Kuomintang no governo da China entre 1911 e 1949, cuja orientação ideológica era, desde sempre, nacionalista e industrializante, pautada pelo seu ideólogo, Sun Yat-sen. Essa elite construirá um poderoso ED (mais próximo da experiência sul-coreana do que da dos países latino-americanos), também dotado de importantes agências de socialização de uma burocracia econômica coesa em torno de uma ideologia desenvolvimentista, como era o caso do Conselho para o Planejamento e Desenvolvimento Econômico e o Escritório de Desenvolvimento Industrial, ligados ao Ministério de Assuntos Econômicos. Era um Estado (e um partido) capaz de controlar o capital e o trabalho e de, logo no início da experiência do Kuomintang em Taiwan, impedir o surgimento de uma elite agrária latifundiária por meio de uma profunda reforma agrária ocorrida entre 1950 e 1953. Por fim, setores estratégicos da economia de Taiwan permanecerão sob controle nacional, embora o papel do capital estrangeiro ali tenha sido mais significativo do que foi na Coreia (Koo, 1989Koo, Hagen (1989) “The Interplay of State, Social Class, and World System in East Asian Development: The Cases of South Korea and Taiwan”. In: Deyo, Frederic (ed.), The Political Economy of the New Asian Industrialism. Ithaca: Cornell University Press, pp. 165-181.; Cumings, 1989Cumings, Bruce (1989) “The Origins and Development of the Northeast Asian Political Economy: Industrial Sector, Product Cycles, and Political Consequences”. In: Deyo, Frederic (ed.), The Political Economy of the New Asian Industrialism. Ithaca: Cornell University Press, pp. 44-83.; Wade, 1988Wade, Robert (1988) “State Intervention in ‘Outward-Looking’ Development: Neoclassical Theory and Taiwanese Practice”. In: White, Gordon (ed.), Developmental States in East Asia. New York: St. Martin’s Press.; 1990Wade, Robert (1990) Governing the Market: Economic Theory and the Role of Government in East Asian Industrialization. Princeton: Princeton University Press.; Amsden, 1979Amsden, Alice (1979) “Taiwan’s Economic History: a Case of Etatisme and a Challenge to Dependency Theory”. Modern China, 5(3): 341-380.; Isett, 2019Isett, Christopher (2019) “Uncertainty, Contingency, and Late Development in Taiwan”. In: Lafrance, Xavier; Post, Charles (eds.). Case Studies in the Origins of Capitalism. Switzerland: Palgrave Macmillan, pp. 291-315.)6 6 A ajuda econômica e financeira dos Estados Unidos aparece em alguns textos como a grande variável explicativa do sucesso das experiências asiáticas e, inegavelmente, foi importante para a estratégia desenvolvimentista desses países. No entanto, recentemente, a literatura tem mostrado que muito do que foi feito ali em termos de desenvolvimento acelerado tem mais a ver com razões internas do que externas. Ver, por exemplo, Kim e Baik (2011). .

DAS CONDIÇÕES ANTECEDENTES AO MECANISMO ESTABILIZADOR

Creio que os casos típicos descritos de forma muito estilizada no item anterior nos permitem identificar componentes recorrentes de um determinado tipo de conjuntura crítica e de seus efeitos, de modo que podemos falar num mecanismo causal presente em todos eles (ainda que com intensidade diferente em cada caso), que pode ser analiticamente separado em cinco momentos.

(i) As condições antecedentes e a herança histórica

As sociedades que têm o desenvolvimentismo como legado histórico tendem a possuir economias essencialmente agroextrativistas e exportadoras. Nesses casos, a exportação de matérias-primas é central e determina a dinâmica da economia interna e o financiamento do aparato material do Estado nacional (Allen, 1981Allen, George C. (1981) A Short Economic History of Modern Japan. New York: Saint Martin’s Press.; Kholi, 2007; Bastos, 2009Bastos, Pedro Paulo Zahluth (2009) “Qual era o projeto econômico varguista?”. Texto para Discussão, Campinas: Instituto de Economia, Unicamp, n. 161.). A primeira depende intimamente das importações adquiridas pelas divisas produzidas pelo setor exportador no mercado internacional (café, petróleo, arroz). A grande maioria dos produtos manufaturados intensivos em tecnologia são oriundos dos países centrais e a produção industrial nacional se concentra em indústrias leves (alimentos e têxteis), fortemente dependentes da importação de bens de capital. No caso do aparato estatal, o imposto sobre as importações é a espinha dorsal do financiamento das atividades do Estado nacional (cabendo aos estados o imposto sobre as exportações) e as divisas externas garantem o financiamento de empréstimos estrangeiros tidos como essencial para complementar a renda do Estado.

Essas sociedades podem produzir duas condições importantes para o florescimento do desenvolvimentismo como ideologia econômica, aumentando suas chances de sucesso. A primeira condição é um parque industrial com algum grau de desenvolvimento, que contribui para viabilizar os primeiros passos de uma estratégia de desenvolvimento industrial na medida em que fornece um ponto de partida robusto para esse processo (como no caso dos quatro países analisados). A segunda condição é a presença de um aparato institucional relativamente desenvolvido e dotado de alguma expertise intervencionista que será aprimorada no futuro a serviço do projeto de industrialização (sobretudo como ocorre em Taiwan e Coreia do Sul). Essas duas condições aumentam as chances de sucesso do desenvolvimentismo como legado histórico e o fazem ainda mais se conjugadas.

(ii) As clivagens e choques

Dois tipos de choques externos podem gerar clivagens internas que precipitam a conjuntura crítica geradora do desenvolvimentismo como legado histórico. A primeira delas diz respeito a uma crise econômica no mercado mundial que inviabiliza a continuidade das exportações em níveis adequados e, ao mesmo tempo, seque a fonte de recursos externos que antes asseguravam a continuidade das atividades econômicas (caso do Brasil e, talvez menos, do México). A severidade de tal crise pode refrear fortemente o desenvolvimento econômico ou paralisar a economia se não for redefinido o padrão de acumulação da sociedade. A segunda clivagem que coloca em risco o funcionamento dessas sociedades nos padrões anteriormente vigentes é a presença concreta de uma ameaça externa à soberania nacional (Taiwan e Coreia são exemplos paradigmáticos). Nesses dois casos, manter-se no antigo padrão de acumulação agrário e extrativista pode significar a inviabilidade da nação. Temos então dois fatores exógenos promovendo a instabilidade da sociedade e abrindo a possibilidade de superação das condições até então vigentes. Esses dois fatores aumentam as chances de sucesso do desenvolvimentismo como legado histórico e, em nossa avaliação, as ameaças à soberania nacional são mais poderosas causalmente do que as crises econômicas, já que colocam em risco a continuidade da comunidade política. Essa possibilidade de superação das condições antecedentes instaura clivagens políticas entre as elites estratégicas em torno do caminho a ser seguido a partir de então.

(iii) A conjuntura crítica

Esses dois fatores externos que desestabilizam a antiga sociedade não são eles mesmos a conjuntura crítica, mas seus gatilhos. A conjuntura crítica ocorre quando aqueles dois condicionantes exógenos e estruturais se combinam com um condicionante interno e volitivo. Refiro-me à presença de atores políticos estratégicos dotados de duas características interligadas: são portadores de uma ideologia da modernização que vê a industrialização como meio para modernizar o país e garantir a soberania nacional e são politicamente capazes de implementar esse projeto, isto é, de forjar coalizões político-sociais desenvolvimentistas. Ou seja, essa elite sai vitoriosa na luta pelo poder e se mostra capaz de constituir um novo bloco social dominante (Amable e Palombarine, 2009Amable, Bruno; Palombarini, Stefano (2009) “A Neorealist Approach to Institutional Change and the Diversity of Capitalism”. Socio-Economic Review, 7(1): 123-143.; Amable 2016Amable, Bruno (2016) “Institutional Complementarities in the Dynamic Comparative Analysis of Capitalism”. Journal of Institutional Economics, 12(1): 79-103.) que irá sustentar política e ideologicamente o novo padrão de acumulação. A disponibilidade dessa elite modernizadora nas nações em questão (mais intensamente nos países asiáticos) é condição necessária do desenvolvimentismo e, uma vez combinada com a crise da antiga sociedade e com as heranças positivas por ela legadas, torna-se condição suficiente (Hutchcroft, 2011Hutchcroft, Paul D. (2011) “Reflections on a Reverse Image: South Korea under Park Chung Hee and the Philippines under Ferdinand Marcos”. In: Kim, Byung-Kook; Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.; Perissinotto e Nunes, 2023Perissinotto, Renato (2023) Ideias, burocracia e industrialização no Brasil e na Argentina. Rio de Janeiro: Eduerj.). Para usar a terminologia do estruturismo (Lloyd, 1995Lloyd, Christopher (1995) As estruturas da história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.), os poderes condicionantes das estruturas herdadas são atualizados pelo poder agenciador da elite modernizante, estabelecendo uma relação de causalidade recíproca entre fatores estruturais e fatores volitivos.

(iv) O momento imediatamente posterior (o mecanismo produtor do novo legado)

Tal como aqui definido, portanto, o desenvolvimentismo não resulta naturalmente de qualquer dinâmica estritamente econômica (por exemplo, uma reação automática à restrição da pauta de importação), mas é sim um fato em grande parte político, que deve ser perseguido intencionalmente por agentes desejosos de modernizar a nação. Essa elite modernizadora, além de ideologicamente motivada, deve ser capaz de construir uma coalizão política e social que sustente seu projeto político e, assim, dar início às medidas desenvolvimentistas. Diríamos, então, que uma combinação (presente em todos os países analisados) de choques que inviabilizam a reprodução das antigas estruturas com os fatores estruturais econômicos e institucionais herdados do passado e com os fatores volitivos de uma elite ideologicamente orientada para a modernização e politicamente capaz de realizá-la compõe o mecanismo produtor, a condição suficiente capaz de gerar inicialmente o desenvolvimentismo como novo padrão de política econômica, sendo este o “elemento novo” introduzido pela conjuntura crítica e cuja potencialidade para ser um legado histórico dependerá de um mecanismo estabilizador.

(v) O desenvolvimentismo como legado histórico (o mecanismo estabilizador)

Mas resta entender como essa produção inicial se transforma em permanência, isto é, como o legado imediato se torna legado histórico. Reiterando, choques externos somados a um determinado tipo de herança histórica e à presença de uma elite modernizadora formam uma combinatória causal suficiente para o surgimento inicial de uma política econômica desenvolvimentista que visa a modernização do país por meio da industrialização. No entanto, se esses três fatores se constituem num somatório de causas INUS7 7 INUS é o acrônimo em inglês para an insuficient but necessary part of a cause which is unnecessary but suficient. Ou seja, quando cada uma das condições causais tomadas separadamente é insuficiente para produzir o desenvolvimentismo, mas, uma vez conjugadas, constituem-se, cada uma delas, em condições necessárias para a produção de uma combinatória causal suficiente. Sobre causas INUS ver Mahoney et al., 2009. , isso não explica como, mesmo quando passado o momento imediato de sua causação, o desenvolvimentismo se sustenta no tempo. Em alguns casos, vemos que o desenvolvimentismo como política econômica promotora da industrialização via Estado perdura por até cinquenta anos depois da conjuntura crítica que o produziu (Curado, 2022Curado, Marcelo (2022) Desenvolvimento econômico em debate no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR.). Como explicar essa extensa durabilidade temporal?

A nosso ver, o mecanismo causal responsável por estabilizar o desenvolvimentismo como legado histórico é o Estado8 8 A literatura sobre as características do Estado desenvolvimentista é vastíssima. Uma síntese pode ser encontrada em Perissinotto (2014). . Uma das primeiras tarefas da elite modernizadora, uma vez que assume o poder e consolida as coalizões que a sustentam, é construir instituições com capacidade técnica (uma burocracia competente e centralizada) e política (espaços de representação corporativa de grupos econômicos estratégicos e de produção do consenso) para promover a industrialização da nação9 9 Fonseca (2003) mostra que a construção das instituições deve ser vista como parte integrante das políticas econômicas desenvolvimentistas. . Essas instituições, como qualquer instituição, não são apenas ferramentas de formulação e implementação de políticas, mas são também: (i) espaços de recrutamento e socialização profissional e ideológica, que produzem agentes burocráticos imbuídos de uma ideologia econômica desenvolvimentista e (ii) recursos de poder a serviço de agentes comprometidos com certos valores e interesses. Essa burocracia, por sua vez, torna-se ela própria, com o passar do tempo, em agente construtor de instituições, que recrutam e formam novos burocratas que reproduzirão o comprometimento ideológico com o desenvolvimentismo, gerando um mecanismo de autorreforço que consolida e perpetua o legado histórico. Tem-se, assim, o que Stinchcombe (1968Stinchcombe, Arthur (1968) Constructing Social Theory. Chicago: The University of Chicago Press.) chamou de “loop causal autorreplicante” (self-replicating causal loop) ou mecanismo de autorreplicação institucional (mechanisms of institutional self-replication). A promoção bem-sucedida da industrialização e do crescimento econômico a ela vinculado tende a espalhar entre as elites políticas e os atores estratégicos na sociedade um consenso tenso em torno do desenvolvimentismo, o que também se constitui em parte do mecanismo estabilizador do legado histórico, ao menos até o momento em que a conjugação entre crises econômicas recorrentes e um cardápio alternativo de ideologias econômicas acaba por minar esse mesmo legado e por abrir espaço para uma nova conjuntura crítica. Enfim, mesmo quando o mecanismo produtor do desenvolvimentismo (somatório de herança histórica prévia, crise promovidas por clivagens e choques externos e presença de uma elite modernizadora) deixa de existir como “causa original”, o seu efeito, o desenvolvimentismo como forma de enquadrar o problema econômico, persiste no tempo per meio de um mecanismo estabilizador que se autorreproduz. Os países asiáticos exibem com plena força essa condição.

É importante observar que não se trata de ver esse processo como um “equilíbrio pontuado”, isto é, momentos de plena estabilidade perturbados por crises causadas por fatores exógenos. A reprodução do desenvolvimentismo não é desprovida de tensão, nem de conflitos, mesmo porque ele próprio está longe de ser um fenômeno homogêneo (Curado, 2022Curado, Marcelo (2022) Desenvolvimento econômico em debate no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR.; Thurbon, 2016Thurbon, Elizabeth (2016) Developmental mindset. The revival of financial activism in South Korea. Ithaca: Cornell University Press.; Bielschowsky, 2000Bielschowsky, Ricardo. (2000) O pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto.; Sola, 1998Sola, Lourdes (1998) Ideias econômicas, decisões políticas. São Paulo: Edusp/Fapesp.; Gao, 1997Gao, Bai (1997) Economic ideology and Japanese industrial policy. Developmentalism from 1931 to 1965. Cambridge: Cambridge University Press.; Mantega, 1984Mantega, Guido (1984) A economia política brasileira. São Paulo: Polis/Vozes.). Assim, pensar em mecanismos estabilizadores do legado histórico não implica, de forma alguma, excluir do processo lutas, conflitos e, por conseguinte, mudanças incrementais oriundas tanto dos conflitos de poder internos às instituições quanto das divergências entre os atores acerca da interpretação do que deve ser o desenvolvimentismo (Mahoney e Thelen, 2010Mahoney, James; Thelen, Kathleen (2010) Explaining Institutional Change. Ambiguity, Agency and Power. Cambridge: Cambridge University Press.). Implica apenas dizer que tais mudanças, enquanto perdurar o sucesso econômico do modelo e uma nova conjuntura crítica não vier, dar-se-ão dentro dos limites estabelecidos pelo legado histórico. Em todos os casos aqui analisados, o processo é tenso e conflituoso.

O Quadro 1, por fim, sistematiza a intensidade com que as condições que compõem o mecanismo produtor do desenvolvimentismo como fato novo (as suas três primeiras colunas) e o seu mecanismo autorreplicante (a quarta coluna) se fazem presentes nos países que, por meio de fatos estilizados, analisamos anteriormente. Os quatro países juntos, por fim, reforçam, por um lado, a ideia de que o desenvolvimentismo exige para constituir-se como legado histórico ao menos três componentes do quadro e, por outro, revelam que a intensidade com que esses componentes se fazem presentes explica a diferença de desempenho entre eles.

Quadro 1
Intensidade da presença das variáveis do modelo nos casos

CONCLUSÃO

Nesta conclusão, gostaríamos de enfatizar três pontos. O primeiro refere-se aos ganhos analíticos que o conceito de conjuntura crítica, associado ao método histórico comparativo e ao rastreamento de processos, propicia na medida em que recupera o lugar da história nas explicações científicas no campo das ciências sociais, permitindo formular modelos explicativos nos quais o contexto histórico e a sequência dos eventos são fundamentais. Desse modo, o conceito opera como antídoto contra uma ciência social baseada em raciocínios dedutivos formulados a partir de axiomas supostamente universais. Mas o “retorno à história” (McDonald, 1996McDonald, Terrence J. (org.) (1996) The Historic Turn in the Human Sciences. Michigan: University of Michigan Press.) não implica uma regressão infinita em busca de causas primeiras, pois o conceito prevê a introdução de um elemento qualitativamente novo na estrutura social, o que habilita o pesquisador a encontrar um ponto de partida seguro para a pesquisa que lhe permita diferenciar claramente o “antes” e o “depois” da conjuntura crítica. Adicione-se a isso o fato de que pensar a relação entre conjuntura crítica e legado histórico por meio de um mecanismo causal de estabilização permite ao analista lidar com a complexa questão de saber como um efeito produzido por uma causa temporalmente distante se mantém ao longo do tempo mesmo depois de a causa original ter deixado de ocorrer. A recuperação desse mecanismo (Figura 1), por meio do rastreamento de processos em casos típicos onde o fenômeno ocorre, permite operacionalizar adequadamente a ideia de “causação histórica” (Stinchcombe, 1968Stinchcombe, Arthur (1968) Constructing Social Theory. Chicago: The University of Chicago Press.). Por fim, na medida em que conecta rupturas estruturais à produção de legados históricos, o conceito exige do analista a inclusão de fatores volitivos como parte importante do mecanismo explicativo que conecta a antiga ordem ao nascimento do elemento novo gerado pela conjuntura crítica, evitando explicações reducionistas, estruturalistas ou voluntaristas. Por essas razões, o caso do desenvolvimentismo é um objeto de estudo particularmente útil para o exercício de uma ciência social histórica orientada pelo conceito de conjuntura crítica. Nele se evidenciam relações de causalidade recíproca entre dimensões estruturais e volitivas que ocorrem em casos históricos concretos. Como tais casos admitem a comparação, o estudo comparativo do desenvolvimentismo como legado histórico viabiliza a produção de “generalizações modestas” acerca do mecanismo que o produz e, por conseguinte, de ganhos teóricos para o nosso campo científico.

Figura 1
Mecanismo causal do desenvolvimentismo como legado histórico: das condições antecedentes à estabilização

O segundo ponto refere-se às lições sobre o presente que poderiam ser derivadas do nosso modelo explicativo. Como vimos no mecanismo causal descrito por nós e nos quatro casos analisados, o surgimento do desenvolvimentismo pressupõe a presença de fatores volitivos (presença de um ator subjetivamente orientado pelo desejo de modernizar e politicamente capaz de persegui-lo) e estruturais (natureza do legado histórico prévio encontrado por esse grupo, no nível material e institucional, e das clivagens disruptivas da antiga ordem, se econômicas ou marcadas por ameaças à soberania nacional). Assim, tendo em vista as discussões recentes no Brasil sobre os novos paradigmas desenvolvimentistas, torna-se necessário investigar não apenas os seus conteúdos programáticos, como faz a literatura sobre o tema, mas também se as condições estruturais e volitivas aqui identificadas, fundamentais para o sucesso político de um projeto desenvolvimentista, se fazem presentes no país atualmente.

Por fim, mostramos como a presença de uma elite modernizadora, tal como definida por nós, é condição necessária do surgimento do desenvolvimentismo como legado histórico de longa duração. Essa elite age intencionalmente para criar instituições que serão usadas para promover a industrialização da nação10 10 O fato de essa elite modernizadora conseguir realizar com sucesso suas intenções de modernização (ou, dito de outra forma, exercer poder) não elimina, é claro, uma série de consequências não antecipadas e não desejadas desse processo, como, por exemplo, poluição, destruição do meio ambiente, desigualdades sociais e regionais, inflação, acirramento dos conflitos sociais, dentre outros. Portanto, em nossa opinião, não é correta a antinomia radical estabelecida por Paul Pierson (2004) entre o momento da “seleção institucional” (quando então prevalecem as intenções dos atores) e o momento, temporalmente mais amplo, do “desenvolvimento institucional” (em que efeitos não antecipados anulariam as intenções originais dos fundadores das instituições). Vários autores reconhecem que é plenamente possível conjugar na análise das instituições a produção de efeitos pretendidos (o exercício do poder) com a produção de consequências não antecipadas (os constrangimentos das estruturas sociais). Cf. Boudon (1993), Lloyd (1995) e Wrong (2002). . Por essa razão, um importante passo futuro de nossa pesquisa consiste em perguntar quais são as condições sociais e políticas que produzem esses agentes nos casos analisados. Dito de outra forma, cabe perguntar quais processos e quais instituições geram agentes motivados e politicamente capazes de promover processos de modernização em países tardios. Pergunta fundamental, já que tais grupos não estão disponíveis facilmente, pois a sua produção é ela própria um processo social complexo, ligado ao contexto singular de cada caso analisado. Essa é uma questão que decorre logicamente da definição do desenvolvimentismo como uma motivação para modernizar. Cabe, portanto, perguntar: onde e como é produzida essa motivação?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Allen, George C. (1981) A Short Economic History of Modern Japan. New York: Saint Martin’s Press.
  • Amable, Bruno (2016) “Institutional Complementarities in the Dynamic Comparative Analysis of Capitalism”. Journal of Institutional Economics, 12(1): 79-103.
  • Amable, Bruno; Palombarini, Stefano (2009) “A Neorealist Approach to Institutional Change and the Diversity of Capitalism”. Socio-Economic Review, 7(1): 123-143.
  • Amsden, Alice (1979) “Taiwan’s Economic History: a Case of Etatisme and a Challenge to Dependency Theory”. Modern China, 5(3): 341-380.
  • Amsden, Alice (1989) Asia’s Next Giant. South Korea and Late Industrialization. Oxford: Oxford University Press.
  • Bastos, Pedro Paulo Zahluth (2009) “Qual era o projeto econômico varguista?”. Texto para Discussão, Campinas: Instituto de Economia, Unicamp, n. 161.
  • Beach, Derek; Pedersen, Ramus Brun (2019) Process-Tracing Methods. Foundations and Guidelines. Michigan: University of Michigan Press.
  • Bielschowsky, Ricardo. (2000) O pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto.
  • Boudon, Raymond (1993) Effets pervers et ordre social. Paris: Quadrige/Presse Universitaire de France.
  • Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2006) “O novo desenvolvimentismo e a ortodoxia convencional”. São Paulo em Perspectiva, 20(3): 5-24.
  • Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1968) Desenvolvimento e crise no Brasil: 1930-1967. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
  • Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2010) Globalization and Competition: Why Some Emergent Countries Succeed While Others Fall Behind. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
  • Bulmer-Thomas, Victor (1998) “The Latin American Economies, 1929-1939”. In: Bethell, Leslie (ed.), Latin America: Economy and Society since 1930. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 65-114.
  • Camín, Hector; Meyer, Lorenzo (2000) À Sombra da Revolução Mexicana: História Mexicana Contemporânea (1910-1989). São Paulo: Edusp.
  • Cano, Wilson (2012) “Da década de 1920 à de 1930: Transição rumo à crise e à industrialização no Brasil”. Revista Economia, 13(3b): 897-916.
  • Cano, Wilson (2015) “Crise e industrialização no Brasil entre 1929 e 1954: a reconstrução do Estado nacional e a Política Nacional de Desenvolvimento”. Revista de Economia Política, 35(3): 444-460.
  • Carneiro, Ricardo de M. (2012) “Velhos e novos desenvolvimentismos”. Economia e Sociedade, Campinas, 21: 749-78.
  • Chang, Ha-Joon (2010) “Political, Organizational and Human Resource Requirements for the Developmental State”. In: Edigheji, Omano (ed.). Constructing democratic developmental state on South Africa: potentials and challenges. Cape Town: HCRS Press, pp. 82-96.
  • Collier, David (2022) “Critical Junctures Framework and the Five-Step Template”. In: Collier, David; Munck, Gerardo (eds.), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova York: Rowman & Littlefield.
  • Collier, David; Munck, Gerardo (org.) (2022) Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science, Nova York: Rowman & Littlefield.
  • Collier, Ruth Berins e Collier, David (1991) Shaping the political arena: critical junctures, the labour movement, and regime dynamics in Latin America. Princeton: Princeton University Press.
  • Cumings, Bruce (1989) “The Origins and Development of the Northeast Asian Political Economy: Industrial Sector, Product Cycles, and Political Consequences”. In: Deyo, Frederic (ed.), The Political Economy of the New Asian Industrialism. Ithaca: Cornell University Press, pp. 44-83.
  • Cunha, Eleonora S. M.; Araújo, Carmem E. L. (2018) Process Tracing nas ciências sociais. Fundamentos e aplicabilidade. Brasília: ENAP.
  • Curado, Marcelo (2022) Desenvolvimento econômico em debate no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR.
  • Evans, Peter (1995) Embedded Autonomy: States and Industrial Transformation. Princeton: Princeton University Press.
  • Evans, Peter (2010) “Constructing the 21th Century Developmental State: Potentials and Pitfall”. In: Edigheji, Omano (ed.), Constructing democratic developmental state on South Africa: potentials and challenges. Cape Town: HCRS Press, pp. 37-58.
  • Fajnzylber, Fernando (1983) La industrialización trunca de América Latina. México: Editorial Nueva Imagen.
  • Ffrench-Davis, Ricardo et al. (1998) “The Latin American economies, 1950-1990”. In: Bethell, Leslie (ed.). Latin America: Economy and Society since 1930. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 149-237.
  • Fonseca, Pedro C. D. (2014) “Desenvolvimentismo: a construção do conceito”. In: Calixtre, Bojikian et al. (org.), Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: Ipea, pp. 30-79.
  • Fonseca, Pedro C. D. (2003) “Sobre a intencionalidade da política industrializante na década de 1930”. Revista de Economia Política, 23(1): 133-148.
  • Fonseca, Pedro C. D. (1987) Vargas: o Capitalismo em Construção (1906-1954). São Paulo: Brasiliense.
  • Fonseca, Pedro C. D. (2011) “Gênese e Precursores do Desenvolvimentismo no Brasil”. In: Bastos, Pedro Paulo; Fonseca, Pedro C. D. (eds.). A era Vargas: Desenvolvimentismo, Economia e Sociedade. São Paulo: Unesp, pp. 21-49.
  • Fonseca, Pedro; Salomão, Ivan (2020) “Industrialização Brasileira: Notas sobre o debate historiográfico”. In: Rougier, Marcelo (ed.), Estudios Sobre la Industria en América Latina. Interpretaciones y Debates. Buenos Aires: Lenguaje Claro, pp. 125-160.
  • Fuentes, Santi; Flores, Vicente (2001) “El Sector Público en México: de la Sustitución de Importaciones a la Sustitución de Exportaciones”. Momento Económico, 117: 35-49.
  • Gao, Bai (1997) Economic ideology and Japanese industrial policy. Developmentalism from 1931 to 1965. Cambridge: Cambridge University Press.
  • Gereffi, Gary (1990a) “Paths of Industrialization: An Overview”. In: Gereffi, Gary; Wyman, Donald (eds.), Manufacturing Miracles. Paths of Industrialization in Latin America and East Asia. Princeton: Princeton University Press, pp. 3-31.
  • Gereffi, Gary (1990b) “Big Business and the State”. In: Gereffi, Gary; Wyman, Donald. (eds.), Manufacturing Miracles. Paths of Industrialization in Latin America and East Asia. Princeton: Princeton University Press, 1990b, pp. 90-109.
  • Hutchcroft, Paul D. (2011) “Reflections on a Reverse Image: South Korea under Park Chung Hee and the Philippines under Ferdinand Marcos”. In: Kim, Byung-Kook; Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.
  • Isett, Christopher (2019) “Uncertainty, Contingency, and Late Development in Taiwan”. In: Lafrance, Xavier; Post, Charles (eds.). Case Studies in the Origins of Capitalism. Switzerland: Palgrave Macmillan, pp. 291-315.
  • Kiely, Ray (1998) Industrialization and Development. London: Arrowhead Books.
  • Kim, Byung-Kook (2011) “The Leviathan: Economic Bureaucracy under Park”. In: Kim, Byung-Kook; Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.
  • Kim, Taehyun; Baik, Chang Jae (2011) “Taming and Tamed by the United States”. In: Kim, Byung-Kook; Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.
  • Kohli, Atul (2007) State-directed Development: Political Power and Industrialization in the Global Periphery. Cambridge: Cambridge University Press.
  • Koo, Hagen (1989) “The Interplay of State, Social Class, and World System in East Asian Development: The Cases of South Korea and Taiwan”. In: Deyo, Frederic (ed.), The Political Economy of the New Asian Industrialism. Ithaca: Cornell University Press, pp. 165-181.
  • Lai, Christina (2018) “Economic Nationalism in South Korea and Taiwan: Examining Identity Discourse and Threat Perceptions Towards Japan after the Second World War (1960s-1970s)”. Journal of Asian Security and International Affairs, 5(2), pp. 1-23.
  • Lee, Nae-Young (2011), “The Automobile Industry”. In: Kim, Byung-Kook, Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.
  • Lloyd, Christopher (1995) As estruturas da história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
  • Luedde-Neurath, Richard (1988) “State Intervention and Export-Oriented Development in South Korea”. In: White, Gordon (ed.), Developmental States in East Asia. New York: St. Martin’s Press, pp. 68-112.
  • McDonald, Terrence J. (org.) (1996) The Historic Turn in the Human Sciences. Michigan: University of Michigan Press.
  • Mahoney, James; Kimball, Erin; Koivu, Kendra (2009) “The Logic of Historical Explanation in the Social Sciences”. Comparative Political Studies, 42(1): 114-146.
  • Mahoney, James; Thelen, Kathleen (2010) Explaining Institutional Change. Ambiguity, Agency and Power. Cambridge: Cambridge University Press.
  • Mantega, Guido (1984) A economia política brasileira. São Paulo: Polis/Vozes.
  • Moon, Chung-in; Jun, Buyung joon (2011) “Modernization Strategy: Ideas and Influences”. In: Kim, Byung-Kook; Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.
  • Moreira Lima, Uallace (2013) Desenvolvimento Capitalista e Inserção Externa na Coréia do Sul: A Economia Política da Diversificação Industrial e do Comércio Exterior de Bens de Capital (1974-1989). Tese (Doutorado em Economia), Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
  • Munck, Gerardo (2022) “The Theoretical Foundations of Critical Juncture Research”. In: Collier, David; Munck, Gerardo (eds.), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova York: Rowman & Littlefield.
  • Ortega, Marco (2012) “Breve Historia de la Banca de Desarrollo Mexicana”. Análisis Económico, 27(65): 171-206.
  • Osorio, Martín (2008) “Industrialización por Sustitución de Importaciones (1940-1982) y Modelo ‘Secundario-Exportador’ (1983-2006)”. Biblioteca Virtual de Derecho, Economía y Ciencias Sociales del Grupo de Investigación Eumed.net de la Universidad de Málaga. Málaga: Editora Eumed.net, pp. 159-161.
  • Paiva, Carlos (2009) “A burocracia no Brasil: as bases da administração pública nacional em perspectiva histórica (1920-1945)”. História, 28(2): 775-796.
  • Perissinotto, Renato (2014) “O conceito de estado desenvolvimentista e sua utilidade para os casos brasileiro e argentino”. Revista de Sociologia e Política, 22: 59-75.
  • Perissinotto, Renato (2021) Ideas, burocracia e industrialización. Buenos Aires: Lenguaje Claro.
  • Perissinotto, Renato; Costa, Paulo Roberto Neves; Nunes, Wellington; Ilha, Angela (2014) “Elites estatais e industrialização: ensaio de comparação entre Brasil, Argentina e México (1920-1970)”. Revista de Economia Política, 34: 503-519.
  • Perissinotto, Renato (2022) “Comparação Histórica e Process Tracing”. In: Perissinotto, Renato; Botelho, João Carlos Amoroso; Bolognesi, Bruno; Batista, Mariana; Santos, Manoel Leonardo (orgs.). Política Comparada: Teoria e Método. Rio de Janeiro: Eduerj.
  • Perissinotto, Renato (2023) Ideias, burocracia e industrialização no Brasil e na Argentina. Rio de Janeiro: Eduerj.
  • Sola, Lourdes (1998) Ideias econômicas, decisões políticas. São Paulo: Edusp/Fapesp.
  • Solís, Leopoldo (1969) “La Política Económica y el Nacionalismo Mexicano”. Foro Internacional, 9(3): 235-248.
  • Stinchcombe, Arthur (1968) Constructing Social Theory. Chicago: The University of Chicago Press.
  • Thurbon, Elizabeth (2016) Developmental mindset. The revival of financial activism in South Korea. Ithaca: Cornell University Press.
  • Wade, Robert (1988) “State Intervention in ‘Outward-Looking’ Development: Neoclassical Theory and Taiwanese Practice”. In: White, Gordon (ed.), Developmental States in East Asia. New York: St. Martin’s Press.
  • Wade, Robert (1990) Governing the Market: Economic Theory and the Role of Government in East Asian Industrialization. Princeton: Princeton University Press.
  • Waldner, David (1999) State Building and Late Development. Ithaca: Cornell University Press.
  • Waldner, David (2015) “Process Tracing and Qualitative Causal Inference”. Security Studies, 24(2), 2015: 239-250.
  • Wrong, Dennis (2002) Power: Its Forms, Bases, and Uses. New York: Transaction Publishers.
  • 1
    É importante lembrar que não apenas novos instrumentos de política econômica podem surgir a serviço de uma nova proposta desenvolvimentista, como outros, antes voltadas para objetivos desenvolvimentistas, podem ter sua função redefinida por conta da mudança no contexto e na orientação subjetiva dos atores que as controlam. Esse processo de “conversão funcional” (Mahoney e Thelen, 2010Mahoney, James; Thelen, Kathleen (2010) Explaining Institutional Change. Ambiguity, Agency and Power. Cambridge: Cambridge University Press., p. 16) pode ser visto no Economic Planning Board da Coreia do Sul, quanto à sua atuação perante a indústria automobilística após a morte do general Park Chung Hee, em 1979 (Lee, 2011Lee, Nae-Young (2011), “The Automobile Industry”. In: Kim, Byung-Kook, Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.), e na atuação do BNDES durante os governos FHC e Bolsonaro.
  • 2
    A literatura sobre conjuntura crítica é imensa. Para uma síntese das questões teóricas e metodológicas vinculadas ao conceito, ver Collier e Collier (1991Collier, Ruth Berins e Collier, David (1991) Shaping the political arena: critical junctures, the labour movement, and regime dynamics in Latin America. Princeton: Princeton University Press.), Collier e Munck (2022Collier, David; Munck, Gerardo (org.) (2022) Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science, Nova York: Rowman & Littlefield.) e Munck (2002Munck, Gerardo (2022) “The Theoretical Foundations of Critical Juncture Research”. In: Collier, David; Munck, Gerardo (eds.), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova York: Rowman & Littlefield.). O conceito de conjuntura crítica utilizado neste artigo, assim como suas implicações, baseia-se em Munck (2022Munck, Gerardo (2022) “The Theoretical Foundations of Critical Juncture Research”. In: Collier, David; Munck, Gerardo (eds.), Critical Junctures and Historical Legacies. Insights and Methods for Comparative Social Science. Nova York: Rowman & Littlefield.).
  • 3
    O Process Tracing (ou rastreamento de processos) é uma técnica que permite ao analista coletar evidências de mecanismos causais intermediários que conectam uma dada causa a seu efeito, possibilitando aumentar a robustez de enunciados causais. Entre as exigências para uma boa operacionalização dessa técnica estão a escolha adequada dos casos a serem analisados, o conhecimento relativamente aprofundado dos mesmos, a especificação clara das partes constitutivas do mecanismo causal em termos de necessidade e suficiência e, quando possível, a apresentação do processo causal por meio de narrativas densas. Ver Waldner (1999Waldner, David (1999) State Building and Late Development. Ithaca: Cornell University Press., 2015Waldner, David (2015) “Process Tracing and Qualitative Causal Inference”. Security Studies, 24(2), 2015: 239-250.), Beach e Pedersen (2019Beach, Derek; Pedersen, Ramus Brun (2019) Process-Tracing Methods. Foundations and Guidelines. Michigan: University of Michigan Press.), Cunha e Araújo (2018Cunha, Eleonora S. M.; Araújo, Carmem E. L. (2018) Process Tracing nas ciências sociais. Fundamentos e aplicabilidade. Brasília: ENAP.) e Perissinotto (2022Perissinotto, Renato (2022) “Comparação Histórica e Process Tracing”. In: Perissinotto, Renato; Botelho, João Carlos Amoroso; Bolognesi, Bruno; Batista, Mariana; Santos, Manoel Leonardo (orgs.). Política Comparada: Teoria e Método. Rio de Janeiro: Eduerj.).
  • 4
    A descrição estilizada a seguir foi inspirada em Perissinotto et al. (2014Perissinotto, Renato; Costa, Paulo Roberto Neves; Nunes, Wellington; Ilha, Angela (2014) “Elites estatais e industrialização: ensaio de comparação entre Brasil, Argentina e México (1920-1970)”. Revista de Economia Política, 34: 503-519.), Perissinotto (2021Perissinotto, Renato (2021) Ideas, burocracia e industrialización. Buenos Aires: Lenguaje Claro., 2023Perissinotto, Renato (2023) Ideias, burocracia e industrialização no Brasil e na Argentina. Rio de Janeiro: Eduerj.) e Perissinotto e Nunes (2023Perissinotto, Renato (2023) Ideias, burocracia e industrialização no Brasil e na Argentina. Rio de Janeiro: Eduerj.).
  • 5
    Em outro texto, mostramos que países desprovidos dessas condições não foram bem-sucedidos nas suas tentativas de transição para a condição de sociedades industrializadas. Ver Perissinotto e Nunes (2023Perissinotto, Renato (2023) Ideias, burocracia e industrialização no Brasil e na Argentina. Rio de Janeiro: Eduerj.).
  • 6
    A ajuda econômica e financeira dos Estados Unidos aparece em alguns textos como a grande variável explicativa do sucesso das experiências asiáticas e, inegavelmente, foi importante para a estratégia desenvolvimentista desses países. No entanto, recentemente, a literatura tem mostrado que muito do que foi feito ali em termos de desenvolvimento acelerado tem mais a ver com razões internas do que externas. Ver, por exemplo, Kim e Baik (2011Kim, Byung-Kook (2011) “The Leviathan: Economic Bureaucracy under Park”. In: Kim, Byung-Kook; Vogel, Ezra (eds.), The Park Chung Hee Era. The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press.).
  • 7
    INUS é o acrônimo em inglês para an insuficient but necessary part of a cause which is unnecessary but suficient. Ou seja, quando cada uma das condições causais tomadas separadamente é insuficiente para produzir o desenvolvimentismo, mas, uma vez conjugadas, constituem-se, cada uma delas, em condições necessárias para a produção de uma combinatória causal suficiente. Sobre causas INUS ver Mahoney et al., 2009Mahoney, James; Kimball, Erin; Koivu, Kendra (2009) “The Logic of Historical Explanation in the Social Sciences”. Comparative Political Studies, 42(1): 114-146..
  • 8
    A literatura sobre as características do Estado desenvolvimentista é vastíssima. Uma síntese pode ser encontrada em Perissinotto (2014Perissinotto, Renato (2014) “O conceito de estado desenvolvimentista e sua utilidade para os casos brasileiro e argentino”. Revista de Sociologia e Política, 22: 59-75.).
  • 9
    Fonseca (2003Fonseca, Pedro C. D. (2003) “Sobre a intencionalidade da política industrializante na década de 1930”. Revista de Economia Política, 23(1): 133-148.) mostra que a construção das instituições deve ser vista como parte integrante das políticas econômicas desenvolvimentistas.
  • 10
    O fato de essa elite modernizadora conseguir realizar com sucesso suas intenções de modernização (ou, dito de outra forma, exercer poder) não elimina, é claro, uma série de consequências não antecipadas e não desejadas desse processo, como, por exemplo, poluição, destruição do meio ambiente, desigualdades sociais e regionais, inflação, acirramento dos conflitos sociais, dentre outros. Portanto, em nossa opinião, não é correta a antinomia radical estabelecida por Paul Pierson (2004) entre o momento da “seleção institucional” (quando então prevalecem as intenções dos atores) e o momento, temporalmente mais amplo, do “desenvolvimento institucional” (em que efeitos não antecipados anulariam as intenções originais dos fundadores das instituições). Vários autores reconhecem que é plenamente possível conjugar na análise das instituições a produção de efeitos pretendidos (o exercício do poder) com a produção de consequências não antecipadas (os constrangimentos das estruturas sociais). Cf. Boudon (1993Boudon, Raymond (1993) Effets pervers et ordre social. Paris: Quadrige/Presse Universitaire de France.), Lloyd (1995Lloyd, Christopher (1995) As estruturas da história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.) e Wrong (2002Wrong, Dennis (2002) Power: Its Forms, Bases, and Uses. New York: Transaction Publishers.).
  • 11
    JEL Classification: B0.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2023
  • Aceito
    21 Ago 2023
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br