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Taxa de câmbio real e produtividade da indústria brasileira no longo prazo: teoria, modelo e evidências para o período recente* * Os autores agradecem os comentários do parecerista da Revista.

Real exchange rate and Brazilian industry productivity in the long run: theory, model and evidence for the recent period

RESUMO

O objetivo deste trabalho é analisar a relação da taxa de câmbio real com a produtividade da indústria nos curto e longo prazos. Para testar a hipótese novo-desenvolvimentista de que um nível maior da taxa de câmbio real está relacionado com um maior dinamismo da produtividade da indústria, desenvolve-se um modelo matemático desta relação teórica e estima-se econometricamente um Modelo Não Linear Autorregressivo de Defasagem Distribuída (NARDL). Os resultados encontrados são inéditos, já que demonstram a existência de uma relação positiva entre uma desvalorização real da taxa de câmbio efetiva e o crescimento da produtividade do trabalho da indústria brasileira no longo prazo. Ademais, o trabalho conseguiu captar pioneiramente uma assimetria existente do efeito da (des)valorização sobre a produtividade, ou seja, as estimações mostraram que a desvalorização afeta positivamente mais a produtividade da indústria brasileira quando comparado aos efeitos negativos de uma valorização sobre a produtividade.

PALAVRAS-CHAVE:
Taxa de câmbio real; produtividade; novo desenvolvimentismo

ABSTRACT

The objective of this work is to analyze the relationship between the real exchange rate and the productivity of the industry in the short and long terms. In order to test the new-developmental hypothesis that a higher level of the real exchange rate is related to a greater dynamism in the productivity of the industry, a mathematical model of this theoretical relationship is developed and an econometrically estimated Non-Linear Autoregressive Distributed Lag Model (NARDL). The results found are unprecedented, since they demonstrate the existence of a positive relationship between a real devaluation of the effective exchange rate and the growth in labor productivity of Brazilian industry in the long run. In addition, the work was able to demonstrate an existing asymmetry of the effect of (de) valuation on productivity, that is, the estimates showed that devaluation positively affects the productivity of Brazilian industry when compared to the negative effects of an appreciation on productivity.

KEYWORDS:
Real exchange rate; productivity; new developmentalism

1. INTRODUÇÃO

O crescimento do produto no longo prazo é determinado pelo comportamento da produtividade, sendo esta proveniente das atividades caracterizadas por rendimentos crescentes de escala, bem como de inovações que são convertidas em novas técnicas de produção e equipamentos cada vez mais sofisticados introduzidas dentro do sistema econômico.

Na tradição kaldoriana, o investimento é induzido pela expectativa de demanda e pela rentabilidade que os empresários esperam obter de suas vendas. Neste sentido, o novo desenvolvimentismo coloca a taxa de câmbio como um preço macroeconômico capaz de estimular os investimentos, ao proporcionar uma rentabilidade maior, o que permite ao empresariado nacional ampliar a demanda por seus produtos, no mercado interno e no mercado externo.

Neste sentido, o novo desenvolvimentismo destaca a importância da taxa de câmbio para a taxa de retorno das empresas exportadoras manufatureiras que operam com a melhor tecnologia disponível. A taxa de câmbio de equilíbrio industrial está associada às empresas eficientes que exportam e que operam com a melhor tecnologia disponível, enquanto a taxa de câmbio de equilíbrio corrente está associada às empresas exportadoras que são detentoras de rendas ricardianas e que operam com retornos decrescentes de escala.

A perda de dinamismo da produtividade dos países que sofrem com a doença holandesa acaba sendo uma consequência de a taxa de câmbio permanecer por longos períodos em seu equilíbrio corrente, o que reduz os lucros auferidos pelas empresas eficientes, exigindo a sua neutralização para a recuperação da competitividade econômica (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2016BRESSER-PEREIRA, L. C.; OREIRO, J.L.; MARCONI, N.; Macroeconomia desenvolvimentista: teoria e política econômica do novo desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.).

Assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar, teórica e empiricamente, a relação da taxa de câmbio real com o crescimento da produtividade, tomando como referência a abordagem novo-desenvolvimentista. Neste sentido, o trabalho pretende avançar no debate em três pontos fundamentais:

  1. Desenvolver um modelo matemático, ainda ausente nesta literatura, demonstrando a relação teórica entre a taxa de câmbio real e a produtividade da economia;

  2. Avaliar empiricamente, para o caso da indústria do Brasil, a hipótese de que pode haver uma relação entre as variáveis nos curto e/ou longo prazos;

  3. Por fim, pretende-se preencher uma lacuna neste debate, que é analisar empiricamente os possíveis efeitos assimétricos da taxa de câmbio sobre a produtividade.

Para tanto, na parte empírica, o modelo econométrico NARDL será utilizado, por ser a metodologia mais adequada para avaliar as relações supracitadas. As variáveis utilizadas para a estimação econométrica são as mesmas da função produtividade apresentada no modelo teórico desenvolvido, sendo os dados extraídos do IPEA-Data e da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o período analisado de 2002 até o segundo trimestre de 2019.

Além desta introdução, o trabalho está dividido em cinco seções. Na primeira seção, apresenta-se uma breve revisão teórica da doença holandesa na perspectiva novo-desenvolvimentista, destacando suas consequências para o lado real da economia. Na segunda seção, desenvolve-se uma abordagem complementar à referida teoria, no qual se discute em quais circunstâncias uma desvalorização real da taxa de câmbio será efetiva para o crescimento da produtividade da indústria, mas também de toda a economia. Na terceira seção, a atenção volta-se para a metodologia econométrica e o processo de estimação do modelo. Na quarta seção, os resultados são analisados. Por fim, na última seção, encontram-se as considerações finais.

2. A NEUTRALIZAÇÃO DA DOENÇA HOLANDESA E A SUA RELAÇÃO COM A MUDANÇA ESTRUTURAL

A variável macroeconômica que dinamiza a economia tanto em termos de estímulos à demanda agregada como em termos de mudança estrutural é o investimento. Keynes destaca a importância que a taxa de juros tem sobre os investimentos, já que a primeira pode estimular a aquisição de máquinas e equipamentos por parte dos empresários, ao proporcionar um ambiente de maior lucratividade para o setor produtivo em detrimento do setor financeiro.

Caso a rentabilidade do setor produtivo seja atraente e mantenha-se no longo prazo, seus efeitos sobre a produtividade podem ser compreendidos a partir do modelo de “safras” de Kaldor e Mirrless (1962KALDOR, N.; MIRRLEES, J. New Model of Economic Growth. Review of Economic Studies, v.29, n.3, p. 174-192, jun.1962.), ao estabelecer que o progresso técnico gerado seja impulsionado pela inserção de tecnologias mais modernas incorporadas às máquinas e equipamentos que são adquiridas (e introduzidas) no sistema produtivo. Portanto, o investimento é a variável macroeconômica que estabelece um elo entre o curto e o longo prazos.

Bresser-Pereira (2009BRESSER-PEREIRA, L. C. Globalização e Competição. Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2009. e 2012BRESSER-PEREIRA, L. C. A taxa de câmbio no centro da teoria do desenvolvimento. Estudos Avançados, v. 26, n. 75, p. 7-28, maio, 2012.) afirma que os países que não alcançaram a maturidade produtiva e que ainda sofrem com a doença holandesa devem olhar para a taxa de câmbio como um preço macroeconômico importante para o estímulo ao investimento. O acesso à demanda externa, mas também à demanda doméstica para os bens produzidos por parte do empresariado nacional, acaba por ser negado quando o câmbio é mantido em níveis sobreapreciados durante longos períodos. Neste caso, a teoria de Keynes diz que o investimento seria uma função não só da expectativa de mercado sobre a demanda e da interação entre a eficiência marginal do capital com a taxa de juros, mas também seria uma função da taxa de câmbio real (Bresser-Pereira, 2009BRESSER-PEREIRA, L. C. Globalização e Competição. Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2009.).

Na ausência de uma política de neutralização da doença holandesa, o comportamento natural da taxa de câmbio será o de convergir ciclicamente para um patamar sobreapreciado, no qual os setores eficientes da economia que utilizam a melhor tecnologia disponível acabam perdendo competitividade econômica (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2016BRESSER-PEREIRA, L. C.; OREIRO, J.L.; MARCONI, N.; Macroeconomia desenvolvimentista: teoria e política econômica do novo desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.).

Para Bresser-Pereira (2009BRESSER-PEREIRA, L. C. Globalização e Competição. Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2009.), a doença holandesa, em sua versão estritamente econômica, é definida como a sobreapreciação crônica da taxa de câmbio causada pela abundância de recursos naturais ou de mão de obra barata, que faz com que os custos de produção do setor de commodities sejam substancialmente baixos, de modo que o preço de mercado da taxa de câmbio convergirá para um patamar abaixo do preço necessário que torna viável economicamente os setores eficientes, não mais propiciando-lhes uma taxa de retorno satisfatória. Mesmo diante de uma taxa de câmbio apreciada, os setores menos eficientes acabam por ter uma alta rentabilidade devido ao seu baixo custo médio de produção.

Como há um setor que é beneficiado com a doença holandesa e um outro que não é, distinguem-se dois “valores de equilíbrio” para a taxa de câmbio:

  1. valor que garante um lucro satisfatório para as empresas exportadoras que utilizam a melhor tecnologia disponível como sendo o valor da taxa de câmbio de equilíbrio industrial; e

  2. valor que garante um lucro satisfatório para as empresas que possuem rendas ricardianas e que garantem o equilíbrio da conta-corrente da economia como sendo o valor de equilíbrio corrente da taxa de câmbio.

A vantagem comparativa na produção de commodities garante uma margem de lucro satisfatória ao permitir que o volume das exportações e as receitas resultantes sejam suficientes para elevar as exportações líquidas e cobrir o déficit comercial do setor manufatureiro, garantindo o equilíbrio das transações correntes. Neste caso, o equilíbrio da conta-corrente é garantido, apesar da queda da rentabilidade da produção manufatureira.

Entretanto, uma taxa de câmbio sobreapreciada torna-se insustentável a ponto de gerar crises de balanço de pagamentos, de modo que o seu preço coincidirá com o valor de equilíbrio industrial por curtos períodos, não sendo possível reverter os efeitos deletérios ocasionados, como a perda de participação da indústria na economia e a mudança de composição da pauta da balança comercial., com as exportações sendo direcionadas à produção de produtos primários e as importações direcionadas à produção de produtos manufaturados de alta tecnologia.

O tipo de investimento que é mais beneficiado com o processo de neutralização da doença holandesa são os setores mais sofisticados da economia, que se encontram especialmente na manufatura. O novo desenvolvimentismo entente o progresso técnico como aquele incorporado ao processo de acumulação de capital., que aumenta a taxa de crescimento do capital pro trabalhador, por introduzir no sistema produtivo tecnologias mais modernas que estão nas máquinas e equipamentos1 1 Este raciocínio segue de perto Kaldor (1957). .

O progresso técnico também é compreendido por meio da abordagem kaldoriana, que leva em consideração os retornos crescentes e dinâmicos de escala presentes na indústria, que faz aumentar a taxa de crescimento da produtividade do trabalho de toda a economia a partir da relação causal advinda do crescimento da produção, conhecida como Lei de Kaldor-Verdoorn (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2016BRESSER-PEREIRA, L. C.; OREIRO, J.L.; MARCONI, N.; Macroeconomia desenvolvimentista: teoria e política econômica do novo desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.).

Considerando que a doença holandesa é um obstáculo ao processo de industrialização, a neutralização associada a uma taxa de câmbio mais depreciada e situada em seu equilíbrio industrial, justifica-se em virtude da importância da indústria para o crescimento de longo prazo, tal como descrito pelo pensamento kaldoriano e as suas leis de crescimento2 2 Ver Kaldor (1966 e 1968). .

De acordo com Thirwall (2002THIRLWALL, A.P. The nature of economic growth: an alternative framework for understanding the performance of nations. Cheltenham: Edward Elgar, 2002.), as atividades relacionadas á agricultura e alguns setores de serviços no caso dos países que estão nos seus estágios iniciais de desenvolvimento econômico, quando a produção de produtos agrícolas é o motor do crescimento3 3 Os países que sofrem com a doença holandesa também podem ser incluídos nesta situação. , operam em um nível de produção no qual o produto marginal do trabalho encontra-se abaixo do seu produto médio, de modo que o aumento da absorção pelo fator trabalho reduz a sua produtividade do trabalho. Quando o fator é transferido para a indústria, a produtividade de todos os setores acaba por aumentar, gerando um efeito de transbordamento da indústria para os demais setores da economia, elevando a produtividade de toda a economia.

A sobreapreciação resultante da doença holandesa acaba por estimular a absorção do fator trabalho pelos setores caracterizados por retornos decrescentes de escala em detrimento dos setores dinâmicos caracterizados por retornos crescentes. Por outro lado, quando a taxa de câmbio é direcionada para o seu nível de equilíbrio industrial., no qual a taxa de câmbio de mercado é compatível com uma rentabilidade satisfatória para a indústria (e, mais importante ainda, esta taxa é mantida por longos períodos neste patamar), haverá um processo de transferência do fator trabalho para o setor industrial e, consequentemente, uma ampliação da produtividade fora deste setor, aumentado a produtividade de toda a economia.

3. TAXA DE CÂMBIO, MARKUP INDUSTRIAL E CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO

Para compreender como a taxa de câmbio atua sobre as variáveis reais numa economia, em particular, sobre o crescimento da produtividade do trabalho, deve-se apresentar os canais de transmissão existentes. O novo desenvolvimentismo aborda a questão a partir da existência de duas taxas de câmbio de equilíbrio, sendo a primeira associada a maior rentabilidade do setor eficiente e a outra a menor rentabilidade deste mesmo setor.

Neste tópico, apresenta-se uma nova formulação dessa análise, levando em consideração os impactos de uma desvalorização real da taxa de câmbio para os componentes importados do setor eficiente da economia. O setor eficiente a ser considerado é aquele que possui maior capacidade de elevar a produtividade média da economia. Conforme a literatura kaldoriana, esse setor é a indústria de transformação.

A variável que irá captar a margem de lucro da indústria de transformação será o markup, sendo ela uma variável proxy para a taxa de sua rentabilidade. Conforme analisam Gala e Libânio (2011GALA, P.; LIBÂNIO, G. Taxa de câmbio, poupança e produtividade impactos de curto e longo prazo. Economia e Sociedade, v.20, n. 2, p. 229-242, 2011.), diferentes setores da economia sofrem impactos distintos em suas margens de lucros perante uma mudança na taxa de câmbio nominal., haja vista os efeitos sobre o preço dos insumos que são importados por cada setor.

O estudo inicia-se a partir de uma análise da relação da taxa de câmbio com a produtividade agregada. Recorrendo-se à 3ª Lei de Kaldor4 4 Para mais detalhes sobre as “Leis de Kaldor”, ver Apêndice. , no qual afirma que a produtividade total da economia está relacionada com o crescimento da indústria, os efeitos da taxa de câmbio real no crescimento da produtividade agregada passam pelo entendimento dos seus efeitos sobre as margens de lucros da indústria.

No caso da produtividade agregada, o trabalho demonstrará o efeito de uma desvalorização real da taxa de câmbio sobre a produtividade, através do aumento da rentabilidade dos investimentos que, ao elevar o markup da firma, faz aumentar a taxa de acumulação do capital e, portanto, o crescimento da produtividade devido à inserção de novas máquinas e equipamentos, bem como aos ganhos de escala gerados pelo aumento da produção das firmas que operam com retornos crescentes.

Para demostrar os efeitos supracitados, parte-se de uma função produtividade agregada derivada de um modelo neokaleckiano de distribuição de renda, no qual as variáveis do modelo acabam por estabelecer uma relação com a produtividade do trabalho, cabendo analisar se esta mesma relação é positiva ou negativa.

Nos modelos neokaleckianos de crescimento, a dinâmica da acumulação de capital depende não só do crescimento da demanda, mas também da participação dos lucros na renda agregada da economia (profit share). A distribuição de renda é exógena nesses modelos, sendo determinada pelo poder de mercado das firmas ao estabelecer um markup sobre os seus custos diretos. Para uma economia aberta, no qual as firmas demandam insumos importados, os preços são definidos como uma regra de fixação de markup sobre o salário (w) e os insumos importados (m), conforme abaixo:

p t = 1 + z w a 0 + e t p t * m (1)

Seja z o markup definido pelas firmas, a participação dos lucros na receita total será descrita conforme a expressão (2) 5 5 A receita total é definida como C+I+G+X=Y+M. Em termos da equação 2, a receita total será igual a a = 1 + zwta0 + etpt*m. O Lucro será igual a zwta0 + etpt*m. Assim, π = zwta0 + etpt*m1 + zwta0 + etpt*m = z1 + z. :

π = z / 1 + z (2)

Seguindo Badhuri e Marglin (1990BHADURI, A.; MARGLIN, S. Unemployment and the real wage: the economic basis for contesting political ideologies. Cambridge Journal of Economics, v. 14, n. 4 p. 375-393, dez, 1990), a função de acumulação de capital será definida, no caso de uma economia aberta, como uma função linear do grau de utilização da capacidade instalada (u) e da participação dos lucros na receita total (π), como apresentado a seguir:

g k = γ o + β u + λ π β > 0 e λ > 0 (3)

A produtividade do trabalho da economia será uma função linear da taxa de crescimento da demanda agregada (y) e da acumulação de capital., tal como a Lei de Kaldor-Verdoorn, que levam em consideração:

  1. os retornos crescentes e dinâmicos6 6 Os retornos dinâmicos de escala estão relacionados ao learning by doing, como no modelo de Arrow (1962). de escala, que influenciam no aumento da produtividade do trabalho; e

  2. o efeito da tecnologia incorporada às máquinas e equipamentos7 7 Desse modo, a expressão que define a função produtividade leva em consideração as críticas de Wolfe (1968) da omissão do estoque de capital aos trabalhos seminais de Kaldor sobre a Lei de Verdoorn. .

Assim, tem-se:

p r o d = Y L = φ o + δ y + Φ g k δ > 0 e Φ > 0 (4)

Sendo prod a produtividade do trabalho, calculada a partir da razão do produto total Y pela quantidade de trabalhadores empregados L; φ 0 é uma constante que concentra todos os fatores que não o crescimento da demanda e a acumulação de capital que afetam a produtividade (educação, infraestrutura e fatores institucionais); δ é o coeficiente de Kaldor-Verdoorn; e Φ uma constante que capta os fatores da acumulação sobre a produtividade do trabalho.

Substituindo a expressão (3) em (4), a função produtividade será redefinida em termos do crescimento da produção, do grau de utilização da capacidade instalada e da participação dos lucros na receita total:

p r o d = α 0 + δ y + α 1 u + α 2 π (5)

Cabe destacar que as duas primeiras variáveis da equação (5) captam os efeitos da demanda, que possuem especificidades. A primeira variável está relacionada ao efeito Verdoorn e ao learn by doing, enquanto a segunda capta o efeito do aumento da capacidade produtiva, que irá se converter no longo prazo em uma ampliação das instalações. O segundo efeito estará ausente em situações de maior crescimento com baixo grau de utilização da capacidade instalada.

Substituindo a expressão (2) em (5), nota-se que a taxa de crescimento da produtividade passa a ser também uma função do markup. Sabendo, de acordo com a expressão (2), que um markup mais elevado está associado a uma maior participação dos lucros na receita de toda economia e que, pela expressão (3), uma maior participação dos lucros aumenta a acumulação de capital., o que aumenta a produtividade do trabalho por meio da tecnologia incorporada às máquinas e equipamentos introduzidos no sistema produtivo, tem-se:

p r o d = α 0 + δ y + α 1 u + α 2 z 1 + z (6)

Supondo uma economia cujo bem final produzido pelas empresas domésticas seja um substituto perfeito dos bens produzidos no exterior, de tal modo que a paridade do poder de compra não se aplica, o poder de monopólio das empresas domésticas será afetado pelos preços internacionais.

Como a taxa de câmbio real é definida pela razão entre o preço dos bens importados definidos em moeda doméstica e o preço dos bens domésticos, quando esta se desvaloriza, as empresas nacionais passam a ter um maior poder de elevar os preços acima dos seus custos diretos unitários (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2016BRESSER-PEREIRA, L. C.; OREIRO, J.L.; MARCONI, N.; Macroeconomia desenvolvimentista: teoria e política econômica do novo desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.).

Neste caso, segundo Blecker (2011BLECKER, R. A. Open economy models of growth and distribution, In: E. HEIN e E. STOCKHAMMER (Orgs). A Modern Guide to Keynesian Macroeconomics and Economic Polices. Cheltenham, UK e Northampton, MA: Edward Elgar, 2011. p. 215-239.), as firmas irão reajustar os seus preços de acordo com a diferença entre o seu markup esperado e o markup corrente, o que implicitamente é equivalente a uma meta para o share salarial. Dado que o markup tem uma relação positiva com uma depreciação real da taxa de câmbio, nota-se uma queda no share salarial e o aumento do profit share da economia. Neste caso, será possível definir o markup como uma função linear da taxa de câmbio real., tal como descrita abaixo:

z = a + b θ (7)

Sendo a uma constante que concentra todos os fatores que afetam o markup8 8 Exceto a taxa de câmbio. ; b um parâmetro que mede a sensibilidade do markup a variações na taxa de câmbio real; e θ = ep*p a taxa de câmbio real.

Substituindo (7) em (2), tem-se a participação dos lucros sobre a receita como função da taxa de câmbio real:

π = a + b θ 1 + a + b θ (8)

Substituindo a expressão (8) dentro da expressão (5), chega-se à produtividade como função das variáveis que captam o crescimento da demanda agregada e da taxa de câmbio real:

p r o d = α 0 + δ y + α 1 u + α 2 a + b θ 1 + a + b θ (9)

Para o novo desenvolvimentismo, a doença holandesa conduz à reprimarização da pauta de exportação, ocasionando um processo de desindustrialização e especialização produtiva em setores caracterizados por rendimentos decrescentes de escala. Por outro lado, a sua neutralização, associada a uma taxa de câmbio real mais desvalorizada, tende a estimular a reindustrialização, aumentando a participação dos setores caracterizados por rendimentos crescentes de escala, tornando-os mais competitivos, aumentando a participação das exportações com alto conteúdo tecnológico e reduzindo as suas importações (Marconi, 2012MARCONI, N. The industrial equilibrium exchange rate in Brazil: an estimation. Revista de Economia Política, v. 32, p. 656-669, 2012.).

O sinal da derivada parcial da expressão (9) irá definir qual o sentido do efeito da desvalorização real da taxa de câmbio sobre o crescimento da produtividade. Ele dependerá exclusivamente do sinal do parâmetro b, que mede a sensibilidade do markup a variações na taxa de câmbio real., já que o parâmetro a 2 é igual ao produto dos parâmetros Φλ, que são positivos (Φλ > 0), como pode ser observado pela expressão (10):

p r o d θ = α 2 b 1 + a + b θ 2 (10)

No caso de economias que sofrem com a doença holandesa, a relação entre a taxa de câmbio real e a produtividade do trabalho - dada pelo sinal da derivada parcial da expressão (9) em relação à variável θ - será positivo. Neste sentido, o parâmetro b também será positivo.

A expressão (10) está tratando do estudo da produtividade do trabalho de toda a economia. Segundo as Leis de Kaldor, dado que os setores são afetados de forma distinta, torna-se necessário dividir b em três, um para cada setor existente, a saber: indústria, agricultura e serviços, levando em conta a participação de cada um (j, k, h). Assim, um efeito positivo de uma desvalorização real da taxa de câmbio no markup dos dois últimos setores, caracterizados por rendimentos decrescentes de escala, acabam por reduzir a taxa de crescimento da produtividade da economia:

b = j b i n d + h b a g r + k b s e v (11)

Entretanto, como afirma a terceira Lei de Kaldor, o crescimento da produtividade dos setores caracterizados por rendimentos decrescentes é explicado pelo crescimento da indústria, havendo uma interconexão dos parâmetros na expressão acima. Com efeito, é possível que mudanças no markup do setor industrial possam mudar o sinal da relação dos coeficientes b agr e b sevr , para o caso de economias que ainda possuam uma participação importante da indústria. Neste caso, será necessário apenas analisar os efeitos da taxa de câmbio real sobre a indústria, para o entendimento de sua relação com a produtividade agregada.

Do exposto, a análise passa a estar concentrada no parâmetro jb ind , que capta os possíveis efeitos de uma desvalorização real da taxa de câmbio sobre o crescimento da produtividade da indústria. Das equações que definem a segunda e a terceira lei de Kaldor, tem-se que a produtividade do trabalho fora da indústria será definida como função da produtividade do trabalho do setor industrial., como apresentado na expressão (12). Dela pode-se afirmar que os fatores que impactam a produtividade da indústria, como a taxa de câmbio, acabam por impactar a produtividade dos demais setores e, consequentemente, a produtividade de toda a economia. Por conseguinte, o comportamento da produtividade da indústria torna-se uma boa proxy do comportamento agregado da produtividade:

p r o d s a = ψ 0 + ψ 1 p r o d i n d θ , X (12)

Considerando os insumos importados pela indústria, divide-se o mesmo setor entre aqueles com baixa demanda por componentes importados e aqueles com alta demanda, sendo b ind igual à soma dos dois ponderados por seus respectivos tamanhos, como expresso em (13). Para o primeiro, uma desvalorização real da taxa de câmbio tende a elevar suas margens de lucro, enquanto a segunda tende a reduzir. Da expressão 10, a análise da relação da taxa de câmbio real com o crescimento da produtividade da indústria será determinada pelo sinal da relação prodindθ.

b i n d = j 1 b i n d D A + j 2 b i n d D B (13)

A relação prodindθ será positiva, caso a participação da indústria que possui alta demanda por componentes importados bindDA seja menor do que a indústria com baixa demanda por componentes importados bindDB, ou seja, J1bindDA < J2bindDB. Caso contrário, a relação prodindθ será negativa. Portanto, a neutralização da doença holandesa só terá êxito quando J1bindDA < J2bindDB.

Neste sentido, a taxa de câmbio, ao aumentar o markup da indústria, eleva a participação dos lucros, o que estimula a taxa de acumulação de capital deste setor. Pelo mecanismo da tecnologia incorporada ao maquinário e considerando a 2ª Lei de Kaldor, a produtividade da indústria aumentará e o seu crescimento tenderá a absorver a mão de obra dos demais setores da economia. Como os demais setores da economia estão atuando em um nível de produção não ótimo (L sa1 ), a transferência de parte de mão de obra para a indústria (L sa2 ) elevará a sua produtividade média, aumentando o seu nível de produção para um nível ótimo, processo análogo ao modelo clássico de oferta ilimitada de mão de obra de Lewis (1954LEWIS, A. W. Economic Development with Unlimited Supplies of Labour. The Manchester School, v. 22, n. 2, p. 139-191, maio, 1954.). Segue abaixo a Figura 1 com o fluxograma da dinâmica do modelo:

Figura 1
Fluxograma da Dinâmica do Modelo Câmbio-Produtividade

4. METODOLOGIA ECONOMÉTRICA, ESPECIFICAÇÃO DO MODELO E BASE DE DADOS

Neste tópico, pretende-se testar a hipótese de que uma desvalorização real da taxa de câmbio afeta positivamente a produtividade da indústria prodindθ+ > 0, o que implica dizer, por outro lado, que há uma relação negativa prodindθ- < 0, no caso de uma valorização real. Ademais, avalia-se a assimetria dos impactos das desvalorizações reais, que podem ser maiores (ou menores) do que uma valorização real da taxa de câmbio. O modelo econométrico NARDL de cointegração é a metodologia mais adequada, por ser a única capaz de analisar simultaneamente as hipóteses supracitadas.

4.1 A Metodologia ARDL

Dos trabalhos de Pesaran e Shin (1998PESARAN, M.H..; SHIN, Y., An Autoregressive Distributed Lag Modeling Approach to Cointegration Analysis, In: STROM, S.; HOLLY, A.; Diamond, P. (Orgs.), Centennial Volume of Rangar Frisch, Cambridge University Press, Cambridge, (1999), 371-413.) e Pesaran et al. (2001PESARAN, M. H.; SHIN, Y.; Smith, R. J. Bounds testing approaches to the analysis of level relationships. Journal of Applied Econometrics, v.16, n.3, p. 289-326, jun, 2001.) surgiram os modelos de cointegração com base nos regressores ARDL. A vantagem desse modelo é que a relação de longo prazo pode ser detectada independentemente das variáveis serem I(0), I(1) ou uma combinação de ambas, diferentemente dos modelos de cointegração de Engle e Granger (1987) e Johansen (1991JOHANSEN, S. Statistical Analysis of Cointegration Vectors, Journal of Economic Dynamics and Control, v. 12, n. 2-3, p. 231-254, 1988.), que requerem que as variáveis sejam todas integradas de ordem I(1). Ademais, a endogenia é um problema menor, pois as variáveis já são tratadas como endógenas, o que implica dizer que estão livres da correlação residual.

Os modelos ARDL são lineares, sendo as variáveis dependentes e as independentes especificadas contemporaneamente e acrescidas por seus respectivos valores defasados. Considerando um modelo ARDL de ordem (yp, x,..., xq), no qual p é o número de lags da variável dependente (y) e q é o número de lags das variáveis explanatórias (x), pode-se especificar o modelo conforme a expressão abaixo:

y t = i = 1 p β i y t - i + j = 1 k l j q j δ j , l j x j , t - l j + ε t (14)

sendo ( t o termo de erro de ruído branco, β t os coeficientes associados aos lags da variável dependente y t e δ j os coeficientes relativos aos lags da variável explicativas x t . Os parâmetros da expressão (14) são estimados via MQO por meio dos critérios de informação que irão definir a ordem do ARDL. Esta expressão será reparametrizada para um modelo de correção de erro da sigla em inglês ECM. A expressão para o ECM com duas variáveis será definida de acordo com a expressão abaixo:

Δ y t = α + θ 1 y t - 1 + θ 2 x t - 1 + i = 1 p - 1 γ Δ y t - i + i = 0 q φ Δ x t - i + t (15)

Sendo et um termo de erro de ruído branco.

As variáveis diferenciadas e defasadas captam o comportamento de curto prazo, sendo que as variáveis em nível defasadas captam o comportamento de longo prazo. Em seguida, realiza-se o teste de Fronteira de Pesaran et al (2001PESARAN, M. H.; SHIN, Y.; Smith, R. J. Bounds testing approaches to the analysis of level relationships. Journal of Applied Econometrics, v.16, n.3, p. 289-326, jun, 2001.), com base na estatística F, cuja hipótese nula será a de que θ 1 = θ 2 = θ 3 = 0; sendo a hipótese alternativa a de que θ 1θ 2θ 3 ≠ 0. Caso a hipótese nula seja rejeitada, haverá uma forte evidência estatística de que as variáveis do modelo sejam cointegradas ou de que há uma relação de longo prazo entre elas. O teste de fronteira proposto por Pesaran et al. (2001PESARAN, M. H.; SHIN, Y.; Smith, R. J. Bounds testing approaches to the analysis of level relationships. Journal of Applied Econometrics, v.16, n.3, p. 289-326, jun, 2001.) é feito com base em dois conjuntos de valores críticos:

  1. assume-se que o conjunto das variáveis são todas I(0), sendo este o limite crítico inferior para a não existência de cointegração; e

  2. assume-se que o conjunto de todas as variáveis são I(1), sendo este o limite crítico superior para a existência de cointegração.

Se a Estatística-F é maior do que o valor crítico superior, a hipótese nula será rejeitada, caso contrário, sendo a estatística-F menor que o valor crítico inferior, a hipótese nula não será rejeitada. O caso inconclusivo ocorre quando o F-estatístico estiver entre os dois limites críticos, sendo necessário verificar a ordem de integração das variáveis.

Confirmando-se a hipótese de que as variáveis do modelo são cointegradas, será possível fazer inferências sobre os parâmetros de curto e longo prazo por meio do modelo ARDL. Na análise de curto prazo, verifica-se a velocidade de convergência do curto prazo para o equilíbrio de longo prazo através do vetor do ECM, que tem de ser negativo e menor do que um em módulo.

4.2 A Metodologia NARDL

Shin et al (2011SHIN, Y.; YU, B.; GREENWOOD-N, M. Modelling asymmetric cointegration and dynamic multipliers in an ARDL framework. In: WILLIAM, C. H e ROBIN, C. S (Orgs.). Festschrift in Honor of Peter Schmidt. New York: Springer Science & Business Media, 2011.) desenvolveram uma abordagem para capturar possíveis relações não lineares dentro dos modelos de cointegração com base nos regressores ARDL. A variável não linear é decomposta em variações positivas e negativas, conforme as duas expressões abaixo:

c a m b i o t + = i - 1 t Δ c a m b i o i + = i = 1 t m a x Δ c a m b i o i , 0 (16)

c a m b i o t - = i - 1 t Δ c a m b i o i - = i = 1 t m i n Δ c a m b i o i , 0 (17)

Cada soma parcial define, respectivamente, a depreciação e a apreciação cambial. A partir das duas expressões acima, o efeito assimétrico de longo prazo da taxa de câmbio real sobre a produtividade do setor industrial será inserido no Modelo de Correção de Erro (ECM), conforme Shin et al (2011SHIN, Y.; YU, B.; GREENWOOD-N, M. Modelling asymmetric cointegration and dynamic multipliers in an ARDL framework. In: WILLIAM, C. H e ROBIN, C. S (Orgs.). Festschrift in Honor of Peter Schmidt. New York: Springer Science & Business Media, 2011.). A nova especificação para o ECM será:

Δ y t = α + θ 1 y t - 1 + θ 2 c a m b i o t - 1 + + θ 3 c a m b i o t - 1 - + θ 3 x t - 1 + i = 1 p - 1 γ Δ y t - i + i = 0 p φ Δ x t - i + i = 0 p δ i Δ c a m b i o t - 1 + + β i Δ c a m b i o t - i - + t (18)

A equação (18) apresenta o comportamento assimétrico de longo prazo para a variável “taxa de câmbio”, assim como o seu comportamento assimétrico de curto prazo. Para a nova equação, com base no teste de Fronteira de Pesaran et al. (2001PESARAN, M. H.; SHIN, Y.; Smith, R. J. Bounds testing approaches to the analysis of level relationships. Journal of Applied Econometrics, v.16, n.3, p. 289-326, jun, 2001.), a partir da estatística F, a nova hipótese (θ 1 = θ 2 = θ 3 = θ 4 = 0) será testada com o objetivo de se identificar a relação de longo prazo entre as variáveis.

Identificando a existência de cointegração entre as variáveis, os coeficientes relativos à apreciação e à depreciação de longo prazo da taxa de câmbio real serão calculados da seguinte forma: α2+ = -θ2θ1; e α2- = -θ3θ1. Estas expressões captam, respectivamente, as variações positivas e negativas da taxa de câmbio real dos coeficientes de longo prazo. Evidentemente, a assimetria será testada a partir de um teste Wald, sendo a hipótese nula a presença de simetria dada por α2+ = α2-.

4.3 Especificação do Modelo e Base de Dados

Partindo do modelo teórico apresentado, pretende-se estimar a expressão (9) para o caso do setor industrial., conforme abaixo:

p r o d = β 0 + β 1 + c a m b i o + + β 2 + c a m b i o - + β 3 i n d + β 4 u t i l i z + u t (19)

  • prod = log da produtividade do trabalho da indústria calculada a partir da razão do produto por horas trabalhadas fornecidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI);

  • ind = log da produção da indústria de transformação fornecidos pelo IPEA-Data;

  • cambio = log do câmbio real efetivo fornecido pelo IPEA-Data9 9 Esta variável foi decomposta em depreciação e apreciação conforme (3) e (4). ;

  • utiliz = log do grau de utilização da capacidade instalada da indústria fornecidos pelo CNI.

A periodicidade dos dados é trimestral., começando do primeiro trimestre de 2002 até o segundo trimestre de 2019. Os dados das variáveis prod, ind e cambio foram dessazonalizados a partir do método X13. Devido à alta correlação entre o crescimento da produtividade do trabalho da indústria com o seu crescimento, optou-se por utilizar a base de dados da produção da indústria de transformação como variável representativa do crescimento industrial10 10 Além disso, é dentro da indústria de transformação que os retornos crescentes de escala estão mais presentes. . Na Figura 2 será apresentada a evolução temporal das variáveis utilizadas para a estimação. As variáveis estão no seu formato original (número índice). Note que a taxa de câmbio real efetiva evidencia a apreciação de longo prazo, iniciada no final do mandato do governo FHC até o final do governo Dilma. Este período coincide com o boom das commodities que fez aumentar substancialmente os preços das principais commodities brasileira.

Figura 2
Evolução Temporal das Variáveis

A produtividade do trabalho da indústria ficou praticamente estagnada, coincidindo com a redução do ritmo de crescimento da indústria de transformação. Esta última apresentou um leve aumento durante o governo Lula e a partir do final do mandato da presidente Dilma vem caindo. Por último, a variável relativa ao grau de utilização da capacidade instalada da instalada manteve-se praticamente constante ao longo do tempo.

Dado que o grau de utilização da capacidade instalada da indústria manteve-se constante ao longo do tempo, quando se aplica o logaritmo natural., a variabilidade torna-se ainda menor11 11 O seu desvio-padrão foi de aproximadamente 0.028. . Devido à essa baixa variabilidade, o modelo foi estimado sem a variável utiliz12 12 Sabe-se que a não inclusão da variável utiliz pode causar um problema de viés de variável omitida, gerando má especificação do modelo. Pelo teste RESET realizado, que avalia erros de especificação oriundos de variáveis independentes omitidas, forma funcional incorreta, erros de medida em variáveis, erros de simultaneidade e inclusão de variáveis dependentes defasadas quando os resíduos têm correlação serial., rejeitou-se a hipótese nula de que o modelo estimado sem a variável utiliz está mal especificado. .

Em suma, o modelo de correção de erro (ECM) a partir das variáveis utilizadas na estimação será expressa da seguinte forma:

Δ p r o d t = α + θ 1 p r o d t - 1 + θ 2 + c a m b i o t - 1 + + θ 3 - c a m b i o t - 1 - + θ 3 i n d t - 1 + i = 1 p - 1 γ Δ p r o d t - i + i = 0 p φ Δ i n d t - i + i = 0 p δ i + Δ c a m b i o t - 1 + + δ i - Δ c a m b i o t - i - + t (20)

A especificação dos parâmetros de longo prazo será definida como segue:

p r o d = β 0 + β 1 + c a m b i o + + β 2 + c a m b i o - + β 3 i n d + t l (21)

A correlação da produtividade do trabalho da indústria com a apreciação e/ou a depreciação da taxa de câmbio real efetiva é mostrada abaixo. A produtividade está correlacionada positivamente com a depreciação real da taxa de câmbio e negativamente com a apreciação da taxa de câmbio real efetiva. Portanto, as correlações mostram que há indícios prévios de que uma desvalorização real da taxa de câmbio é benéfica para o crescimento da produtividade industrial.

Figura 3
Gráfico de Correlação

4.4 Resultados

4.4.1 Teste de Raiz Unitária

Os resultados dos testes de raiz unitária em nível e em primeira diferença a partir dos testes Augmented Dickey-Fuller (ADF), Philips-Perron (PP), Kwiatkowski-Phillips-Schmidt-Shin (KPSS) e o Teste de Dickey-Fuller modificado pela estimação por Mínimos Quadrados Generalizados (DF-GLS) estão descritos na Tabela 1. A variável será considerada estacionária quando pelo menos três desses testes indicarem o mesmo resultado. Os testes realizados e apresentados mostram a não existência de variáveis I(2). Como o modelo ARDL permite regredir apenas modelos com variáveis I(0), I(1) ou uma combinação de ambas, não permitindo regredir com variáveis I(2), os resultados encontrados respaldam a utilização do ARDL.

Tabela 1
Testes de Raiz Unitária em primeira diferença

4.4.2 Teste de Cointegração: O Bound Test

Para a estimação do modelo não linear NARDL, foi utilizado o critério de Schwarz (SIC) de seleção de defasagens. A ordem de defasagem do modelo foi (1,0,01) com valores entre parênteses, indicando a defasagem de cada variável de expressão (21). Para verificar se a variável prod é cointegrada com as demais variáveis, emprega-se o Bound Test, que teve uma estatística F (18.45006) acima da fronteira superior I(1), sendo rejeitada a hipótese nula a 1% de significância estatística de que não há cointegração entre as variáveis e, portanto, que existe uma relação de longo prazo entre elas. Essa estatística está apresentada na Tabela 2 abaixo.

Tabela 2
Teste de Cointegração NARDL - Teste dos Limites (Bounds)

4.4.3 Estimação de Curto Prazo

Pela dinâmica de curto prazo, observa-se que, das variáveis de interesse, apenas o crescimento da indústria de transformação (ind) apareceram como variáveis relevantes para a dinâmica de curto prazo da produtividade do trabalho do setor industrial. O ECM (coeficiente da equação de correção de erros) é significativo e negativo, o que evidencia o fato do modelo ser convergente e que, de forma indireta, há uma relação de longo prazo significativa. O seu valor de ECM(-1) = - 0.387447 indica que a velocidade de ajustamento do modelo para o seu equilíbrio, que é de 0.39% por trimestre, ou seja, desvios da trajetória de longo prazo da produtividade industrial são corrigidos pelos seus coeficientes de curto prazo um trimestre à frente. Os resultados são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Dinâmica de Curto Prazo do Modelo NARDL

4.4.4 Estimação de Longo Prazo

Pela dinâmica de longo prazo apresentada na Tabela 4, apenas a depreciação da taxa de câmbio real (cambio + ) foi estatisticamente significativa para a determinação do comportamento de longo prazo da produtividade do trabalho do setor industrial. As apreciações do nível da taxa de câmbio real não se mostraram estatisticamente significativas, no entanto, o seu sinal foi negativo.

Tabela 4
Dinâmica de Longo Prazo do Modelo NARDL

Note que os sinais apresentados das variáveis cambio + e cambio - reforçam a hipótese de que uma depreciação real da taxa de câmbio atuaria positivamente sobre a produtividade da indústria, enquanto uma apreciação afetaria negativamente a produtividade. Esse resultado reflete o fato de que a desvalorização real tem efeitos sobre as margens de lucro da indústria, apesar dos efeitos sobre os custos dos insumos (componentes) importados. Ademais, este é um indício de que os setores da indústria mais beneficiados são aqueles que dependem menos dos insumos (componentes) importados j1bindDA < j2bindDB.

Da Tabela 4, verifica-se a assimetria existente da produtividade do trabalho da indústria a variações na taxa de câmbio real. Considerando o teste Wald de simetria, pode-se rejeitar a hipótese de α2+ = α2-, demonstrando que há evidências estatísticas de que os parâmetros são assimétricos. Considerando o crescimento da produtividade do trabalho da indústria como uma proxy da sua competitividade, a apreciação real não foi relevante para explicar a sua queda, o que reforça o argumento de que a baixa competitividade da indústria esteja relacionada a outros fatores, tais como a ausência de uma política industrial ativa e ao baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) das firmas.

4.4.5 Teste de Diagnóstico

Os testes de diagnóstico são aqueles realizados nos resíduos (testes de heterocedasticidade, autocorrelação e normalidade) e o teste de especificação correta do modelo. O teste realizado para a autocorrelação foi o teste BGT (Breusch-Godfrey Serial Correlation LM Test), observado pelo valor de sua estatística F, no qual indicou a não rejeição da hipótese nula de ausência de autocorrelação.

Para o teste de heterocedasticidade foi utilizado o teste de White que, através do valor de sua estatística F, não rejeitou a hipótese nula de ausência de heterocedasticidade. Para analisar a normalidade dos resíduos foi utilizado o teste JB (Jarque-Bera) que não rejeitou a hipótese nula de normalidade dos resíduos.

Para testar a especificação correta do modelo, realiza-se o teste Ramsey-Reset que, pelo valor da sua estatística, não rejeitou a hipótese nula de especificação correta do modelo. A tabela 5 mostra os valores da estatística dos quatro testes de diagnósticos realizados.

Tabela 5
Testes de Diagnóstico

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi analisar a relação da taxa de câmbio com a produtividade industrial nos curto e longo prazos, constituindo-se uma contribuição inovadora para literatura novo-desenvolvimentista. O trabalho é uma tentativa de demonstrar teórica e empiricamente como um preço macroeconômico pode atuar sobre uma variável real da economia.

A hipótese avaliada é a de que uma desvalorização real taxa de câmbio tem impactos positivos sobre o crescimento da produtividade da indústria e, consequentemente, a produtividade de todos os demais setores da economia.

Para tanto, apresenta-se uma estimação econométrica aplicada ao caso da indústria brasileira através da metodologia NARDL. Os resultados encontrados são inéditos, já que demonstram a existência de uma relação positiva entre uma desvalorização real da taxa de câmbio efetiva e o crescimento da produtividade do trabalho da indústria brasileira no longo prazo.

O trabalho conseguiu captar pioneiramente uma assimetria existente do efeito de uma (des)valorização real da taxa de câmbio sobre a produtividade da indústria, sendo que a desvalorização apresentou impactos (coeficientes) maiores, ou seja, afetam proporcionalmente mais (no caso, positivamente) a produtividade da indústria quando comparados aos efeitos negativos de uma valorização sobre a produtividade.

Ademais, os resultados empíricos demostraram que uma desvalorização real da taxa de câmbio afeta positivamente os setores industriais que dependem menos dos insumos (componentes) importados. Por outro lado, uma apreciação real da taxa de câmbio apresentou uma relação negativa, mas não foi estatisticamente significativa sobre a produtividade industrial.

Em suma, conclui-se que para o caso da economia brasileira, uma taxa de câmbio mais desvalorizada em termos reais pode ser uma peça central na estratégia da política econômica de aumentar a produtividade da indústria brasileira e, portanto, recuperar a participação do setor no produto interno bruto.

6. REFERÊNCIAS

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  • BRESSER-PEREIRA, L. C. A taxa de câmbio no centro da teoria do desenvolvimento. Estudos Avançados, v. 26, n. 75, p. 7-28, maio, 2012.
  • BRESSER-PEREIRA, L. C.; OREIRO, J.L.; MARCONI, N.; Macroeconomia desenvolvimentista: teoria e política econômica do novo desenvolvimentismo Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
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  • KALDOR, N. A Model of Economic Growth. The Economic Journal, v. 67, n.268, p. 591-624, dez. 1957.
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  • THIRLWALL, A.P. The nature of economic growth: an alternative framework for understanding the performance of nations Cheltenham: Edward Elgar, 2002.
  • WOLFE, T. Productivity and growth in manufacturing industry: Some Reflections on Professor Kaldor’s Inaugural Lecture, Economica, v. 35, n. 138, p. 117-126, 1968.
  • *
    Os autores agradecem os comentários do parecerista da Revista.
  • 1
    Este raciocínio segue de perto Kaldor (1957KALDOR, N. A Model of Economic Growth. The Economic Journal., v. 67, n.268, p. 591-624, dez. 1957.).
  • 2
    Ver Kaldor (1966KALDOR, N. Causes of the slow rate of economic growth of the United Kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 1966. e 1968KALDOR, N. Productivity and growth in manufacturing industry: a reply,Economica, v. 35, n.140, p. 385-91, nov. 1968.).
  • 3
    Os países que sofrem com a doença holandesa também podem ser incluídos nesta situação.
  • 4
    Para mais detalhes sobre as “Leis de Kaldor”, ver Apêndice.
  • 5
    A receita total é definida como C+I+G+X=Y+M. Em termos da equação 2, a receita total será igual a a = 1 + zwta0 + etpt*m. O Lucro será igual a zwta0 + etpt*m. Assim, π = zwta0 + etpt*m1 + zwta0 + etpt*m = z1 + z.
  • 6
    Os retornos dinâmicos de escala estão relacionados ao learning by doing, como no modelo de Arrow (1962ARROW, K. J. The economic Implications of learning by doing. Review of Economics Studies, v.6, n.3, 29, p. 155-173, jun. 1962.).
  • 7
    Desse modo, a expressão que define a função produtividade leva em consideração as críticas de Wolfe (1968WOLFE, T. Productivity and growth in manufacturing industry: Some Reflections on Professor Kaldor’s Inaugural Lecture, Economica, v. 35, n. 138, p. 117-126, 1968.) da omissão do estoque de capital aos trabalhos seminais de Kaldor sobre a Lei de Verdoorn.
  • 8
    Exceto a taxa de câmbio.
  • 9
    Esta variável foi decomposta em depreciação e apreciação conforme (3) e (4).
  • 10
    Além disso, é dentro da indústria de transformação que os retornos crescentes de escala estão mais presentes.
  • 11
    O seu desvio-padrão foi de aproximadamente 0.028.
  • 12
    Sabe-se que a não inclusão da variável utiliz pode causar um problema de viés de variável omitida, gerando má especificação do modelo. Pelo teste RESET realizado, que avalia erros de especificação oriundos de variáveis independentes omitidas, forma funcional incorreta, erros de medida em variáveis, erros de simultaneidade e inclusão de variáveis dependentes defasadas quando os resíduos têm correlação serial., rejeitou-se a hipótese nula de que o modelo estimado sem a variável utiliz está mal especificado.
  • 14
    JEL Classification: C22; F43.

APÊNDICE

Substituições

(3) em (4):

p r o d = φ 0 + Φ y 0 + δ y + Φ β u + Φ λ π α 0 = φ 0 + Φ y 0 α 1 = Φ β α 2 = Φ λ

Substituições que resultam na expressão (12)

p r o d i n d = ω 0 + ω 1 i n d ω 1 > 0 (a)

i n d = p r o d i n d - ω 0 ω 1 (b)

p r o d s a = η 0 + η 1 i n d η 1 > 0 (c)

Ao substituir (b) em (c), a produtividade dos demais setores será uma função da produtividade do setor industrial.

p r o d s a = η 0 - η 1 ω 0 ω 1 + η 1 ω 1 p r o d i n d ψ 0 = η 0 - η 1 ω 0 ω 1 ψ 1 = η 1 ω 1 p r o d s a = ψ 0 + ψ 1 p r o d i n d (12)


Testes de estabilidade CUSUM e CUSUMSQ

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2020
  • Aceito
    26 Out 2020
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