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Emoções e ativismo familiar em defesa dos autistas no Brasil na década de 1980

Emotions and activism of parents to defend of autistic people in Brazil in the 1980s

Emociones y activismo familiar en la defensa de los autistas en Brasil en la década de 1980

Resumo:

No presente artigo, temos como proposta apresentar o papel das emoções no ativismo de mães e pais de autistas no Brasil durante a década de 1980. A partir da triangulação de fontes documentais distintas (autobiografias, livros acadêmicos do período e matérias publicadas em periódicos), mapeamos as emoções mais comuns expressas pelos familiares em suas narrativas sobre a experiência com seus filhos, com destaque para a infelicidade e o amor. Observamos que as emoções possibilitaram uma análise crítica da realidade, o estabelecimento de vínculos de solidariedade e a construção das primeiras medidas que possibilitaram o reconhecimento dos direitos dos autistas no Brasil.

Palavras-chave:
emoções; ativismo; autismo; década de 1980

Abstract:

The present article aims to analyse the role of the emotions in the autistic´s mother and father´s activism of autistic in Brazil in the 1980s. From the triangulations of different documentary sources (autobiographies, academic books of the period and articles published in journals) we mapped out the more common emoticons expressed with their children, with emphasis on unhappiness and love. We observed that emoticons enabled a critical analysis of reality, the establishment of bonds of solidarity and the constructions of first measures that enabled the acknowledgment the rights of autistics in Brazil.

Keywords:
Emotions; Activism; Autism; 1980s

Resumen:

El presente artículo se propone presentar el papel de las emociones en el activismo de madres y padres de personas autistas en Brasil a lo largo de la década de 1980. A partir de la triangulación de diferentes fuentes documentales (autobiografías, libros académicos de la época y artículos publicados en periódicos) mapeamos las emociones más comunes expresadas por los familiares en sus relatos sobre la experiencia con sus hijos, con énfasis en la infelicidad y en el amor. Observamos que las emociones posibilitaron un análisis crítico de la realidad, el establecimiento de lazos de solidaridad y la construcción de las primeras medidas que propiciaron el reconocimiento de los derechos de las personas autistas en Brasil.

Palabras clave:
emociones; activismo; autismo; 1980

A tradição positivista que se firmou na sociedade ocidental a partir do final do século XIX e início do XX percebeu a emoção como um elemento prejudicial para adequada análise dos fenômenos científicos. Nesse sentido, o rigor metodológico tornou-se importante instrumento na tentativa de manter os sentimentos apartados do fazer ciência (Alison JAGGAR, 1997JAGGAR, Alison M. “Amor e conhecimento: a emoção na epistemologia feminista”. In: JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. (Orgs.). Gênero, corpo, conhecimento. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1997. p. 157-185.).

Esse distanciamento, embasado na dicotomia razão e emoção, colaborou para a criação do “mito da investigação parcial” (JAGGAR, 1997JAGGAR, Alison M. “Amor e conhecimento: a emoção na epistemologia feminista”. In: JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. (Orgs.). Gênero, corpo, conhecimento. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1997. p. 157-185.) criticado pelas teorias feministas, pois a suposta neutralidade tornava as experiências e as vozes masculinas hegemônicas (JAGGAR, 1997; Carol GILLIGAN, 1982GILLIGAN, Carol. Uma voz diferente: psicologia da diferença entre homens e mulheres da infância à idade adulta. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1982.). Outro resultado desse processo foi a pouca importância atribuída pelas Ciências Humanas e Sociais ao impacto das emoções para o entendimento da ação social, em especial àquelas consideradas de cunho político (Jack BARBALET, 1998BARBALET, Jack.Emoção, teoria social e estrutura social. Uma abordagem macrossocial. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.; JAGGAR,1997; James JASPER, 1998JASPER, James M. “The emotions of protest: affective and reactive emotions in and around social movements”. Sociological Forum, v. 13, n. 3, p. 397-424, set. 1998.).

Cabe lembrarmos que “[...] a emotividade é uma característica dos corpos, sejam eles individuais ou coletivos” (Sara AHMED, 2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015., p. 24). De acordo com Ahmed (2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015.) e Jaggar (1997JAGGAR, Alison M. “Amor e conhecimento: a emoção na epistemologia feminista”. In: JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. (Orgs.). Gênero, corpo, conhecimento. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1997. p. 157-185.), não podemos ignorar o uso da emoção na construção das ideologias ocidentais de gênero. As mulheres são definidas como “gênero emotivo” num contexto em que “ser emotiva constitui que o próprio juízo se vê afetado: significa ser reativa, e não ativa, dependente ao invés de autônoma” (AHMED, 2015, p. 22). Além disso, as autoras destacam que não apenas mulheres são consideradas como ‘emotivas’, mas todos aqueles inseridos nas chamadas minorias, o que demonstra a relevância da categoria em termos políticos e epistemológicos.

Tendo em vista tais questões, e considerando a historicidade das emoções, nosso objetivo, neste artigo, é analisar o ativismo familiar no campo do autismo no Brasil ao longo dos anos 1980, tendo a categoria emoção como ponto central.

A pesquisa de caráter histórico e documental foi realizada a partir da triangulação de fontes escritas distintas, a saber: o livro Autismo: década de 1980, escrito pelo médico Ernst Christian Gauderer e publicado em 1987GAUDERER, Ernst Christian. Autismo - década de 80: uma atualização para os que atuam na área - do especialista aos pais. São Paulo: Almed, 1987.; três autobiografias - Autismo: depoimentos e informações, publicada em 1988 por Cleusa Szabo; A saga do autismo, escrita por Pedro Rocha, em 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991.; e Um autista muito especial, de autoria de Deusina da Cruz e lançada em 2008CRUZ, Deusina Lopes. Um autista muito especial. Porto Alegre: Mediação, 2008. - escritas por duas mães e um pai de autistas que participaram do ativismo em autismo nos anos 1980; e matérias publicadas em periódicos de circulação nacional, em especial a Folha de São Paulo e o Jornal do Brasil. A pesquisa nos periódicos foi realizada a partir dos sites acervofolha.com.br e bndigital.bn.gov.br, respectivamente. Neste trabalho, citamos 7 peças jornalísticas. No que diz respeito a essa documentação, embora houvesse outros textos da imprensa que abordassem o tema do autismo, privilegiamos aqueles em que as vozes familiares estivessem presentes, possibilitando o alcance do objetivo deste artigo: mapear o posicionamento de mães e pais de autistas sobre o autismo, destacando suas emoções expressas nas narrativas.

Embasadas em Jasper (1998JASPER, James M. “The emotions of protest: affective and reactive emotions in and around social movements”. Sociological Forum, v. 13, n. 3, p. 397-424, set. 1998.) - para quem as emoções possibilitam a elaboração de ações coletivas, ao mesmo tempo que estas também proporcionam o surgimento de determinados sentimentos -, buscamos identificar quais emoções estavam presentes em suas narrativas e qual o posicionamento dos sujeitos em relação a elas.

Nesse processo, a partir da leitura do material selecionado, elencamos duas emoções como centrais nos relatos familiares: 1) infelicidade, enquanto um sentimento que possibilita o reconhecimento de que uma determinada situação necessita ser corrigida (Darrin McMAHON, 2006McMAHON, Darrin. Felicidade. São Paulo: Globo, 2006.) e 2) amor, que está na base de “qualquer movimento por justiça social” (bell hooks, 2021hooks, bell. Tudo sobre amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2021., p. 33). Estas emoções emergiram a partir do trato das fontes anteriormente mencionadas. Desta feita, elas não foram preestabelecidas, mas elaboradas após a leitura do material selecionado. Assim, embora numa primeira leitura a ênfase em duas emoções, aparentemente contraditórias, possa soar como criadora de um olhar binarista, trata-se do modo como as fontes selecionadas se expressaram no momento de explicar a realidade: sejam nos jornais, sejam nos livros e autobiografias. Ao lado dessas emoções, podemos encontrar uma infinidade de outras, tal quais: dor, culpa, esperança, solidariedade, entre outras.

A documentação histórica foi analisada a partir da ideia de narrativa, tal qual elaborada por Verena Alberti (2012ALBERTI, Verena. “De ‘versão’ a ‘narrativa’ no Manual de História Oral”. Revista de História Oral, v. 15, n. 2, p. 159-166, 2012.), que a compreende como uma organização temporal realizada pelo sujeito e que visa a um determinado interlocutor. Elaborada no diálogo com o outro, sua organização passa pelo manejo das emoções, projetando a elaboração de vínculos (AHMED, 2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015.), ainda que de maneira inconsciente. Emoções, gênero e deficiência permeiam vários aspectos da vida social, tendo impacto significativo não apenas na construção das identidades culturais, mas também na elaboração das conexões sociais e na possibilidade, ou não, de identificação com um grupo (AHMED, 2015; Rosemarie GARLAND-THOMSON, 2002GARLAND-THOMSON, Rosemarie. “Integrating disability, transforming feminist theory”. NWSA Journal, Feminist Disability Studies, v. 14, n. 3, p. 1-32, 2002.).

Desta feita, consideramos os apontamentos de Gilligan (1982GILLIGAN, Carol. Uma voz diferente: psicologia da diferença entre homens e mulheres da infância à idade adulta. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1982., p. 12), para quem: “[...] o modo como as pessoas falam de suas vidas é significativo; a linguagem que utilizam e as conexões que fazem revelam o mundo que elas veem e atuam”.

1980: uma década emotiva

A partir da segunda metade da década de 1970, inúmeros grupos iniciaram um processo de organização visando expressar demandas sociais e políticas que alcançaram seu ápice em 1980. Apesar de conhecidos como “a década perdida” (devido à crise no âmbito econômico), os anos 1980 representaram um ponto de virada na História recente do Brasil, uma vez que se caracterizam pela confiança na possibilidade de uma outra forma de Estado, após 21 anos de Ditadura Civil-Militar.

Na perspectiva de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling (2015SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Maria Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.), os movimentos sociais relacionados às chamadas ‘minorias políticas’ ampliaram o debate sobre a democratização do país, pois inseriram na cena pública questões até então ignoradas ou consideradas secundárias (mesmo entre os progressistas). É o caso dos debates acerca do machismo, do racismo, da homofobia e sobre o capacitismo. No que diz respeito a este último ponto, vale lembrar que o termo capacitismo não existia em 1980, embora o combate à opressão vivenciada pelas pessoas com deficiência estivesse presente nesse momento. De acordo com Anahi Mello (2016MELLO, Anahi Guedes. “Deficiência, incapacidade e vulnerabilidade: do capacitismo ou a preeminência capacitista e biomédica do Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 3265-3276, 2016.), o uso da palavra capacitismo enquanto ferramenta política e social que possibilita a visibilização das violências praticadas contra as pessoas com deficiência foi adotado tardiamente no Brasil, datado em língua portuguesa a partir de 2012.

Num cenário em que se demandava uma sociedade que respeitasse a igualdade e a universalidade de direitos, esses novos sujeitos sociais enfatizavam que tais reivindicações não poderiam ser desvinculadas do reconhecimento das diferenças. É nessa perspectiva que podemos ler o surgimento de grupos como o Centro da Mulher Brasileira (CMB), o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR) e o Somos: Grupo de Afirmação Homossexual (SCHWARCZ; STARLING, 2015SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Maria Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.). Destacamos o ativismo político das pessoas com deficiência surgido no final da década de 1970 e que, ao longo da década de 1980, elaborou inúmeros encontros nacionais visando à discussão de pautas ligadas ao movimento e as estratégias políticas mais adequadas para o grupo, como, por exemplo, a organização via federações nacionais divididas por categorias de deficiência (Mário Cléber LANNA JÚNIOR, 2010LANNA JÚNIOR, Mário Cléber Martins. História do movimento político das pessoas com deficiência no Brasil. Brasília: Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.).

Nessa conjuntura, surgem as primeiras associações de mães e pais de autistas no Brasil. Ressaltamos a criação da Associação de Amigos dos Autistas (AMA), em 1983, em São Paulo; a fundação da Associação de Pais de Autistas do Rio de Janeiro (APARJ), em 1985, no Rio, e da Associação Terapêutica Educacional para Crianças Autistas (ASTECA), em 1986, no Distrito Federal. Numa tentativa de articulação das associações existentes pelo país até aquele momento, surgiu, em 1988, a Associação Brasileira de Autismo (ABRA), que visava a uma representação de mães e pais de autistas em âmbito nacional (Bruna Alves LOPES, 2019LOPES, Bruna Alves. Não existe mãe-geladeira: uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). 2019. Tese (Doutorado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Disponível em Disponível em https://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2922 . Acesso em 11/04/2020.
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).

Desde a década de 1970 há registros, em periódicos de circulação nacional, de anúncios de congressos, palestras e outros eventos voltados especificamente para a comunidade médica (LOPES, 2019LOPES, Bruna Alves. Não existe mãe-geladeira: uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). 2019. Tese (Doutorado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Disponível em Disponível em https://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2922 . Acesso em 11/04/2020.
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). Entretanto, até a década de 1980, o tema era desconhecido dos especialistas infantis, em especial médicos e professores (LOPES, 2019; Luciana AMARAL, 2021AMARAL, Luciana Pereira Braga. A escolarização de autistas em Minas Gerais (1980- 1990): Uma análise a partir da circulação do conceito. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2021.).

Amaral (2021AMARAL, Luciana Pereira Braga. A escolarização de autistas em Minas Gerais (1980- 1990): Uma análise a partir da circulação do conceito. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2021.), ao analisar prontuários (produzidos entre 1980 e 1990) de duas escolas de Minas Gerais, constatou a invisibilidade dos autistas nesses documentos, o que demonstra tanto a dificuldade no acesso ao diagnóstico quanto na ausência de propostas pedagógicas que atendessem às especificidades desse grupo. A pesquisadora observou que quando o termo surgia nas fontes, o trabalho educacional enfatizava apenas atividades de vida prática e diária. Assim, apesar da “tradição pedagógica” de instituições tais quais a Sociedade Pestalozzi (1930) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (1950), que prestavam um trabalho assistencial para pessoas com deficiência e sua família, havia uma lacuna no campo do autismo (Fátima CAVALCANTE, 2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.).

Cientes dessa situação, as primeiras associações surgiram com a proposta de produzir e compartilhar conhecimentos e experiências terapêuticas e educacionais no campo do autismo (CAVALCANTE, 2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.; José Augusto LEANDRO; LOPES, 2018LEANDRO, José Augusto; LOPES, Bruna Alves. “Cartas de mães e pais de autistas ao Jornal do Brasil na década de 1980”. Interface, v. 22, n. 64, p. 153-163, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0140.
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; LOPES, 2019). Apesar da inexperiência em relação à atuação social e política e das diferenças em termos financeiros, sociais e culturais, essas famílias se reuniram a partir daquilo que percebiam enquanto uma ‘angústia’ em comum: ser mãe e pai de uma criança diagnosticada com autismo num país marcado pelo desconhecimento do assunto e, portanto, sem oferta adequada de instituições que pudessem auxiliá-los nos cuidados de seus filhos.

A consciência de que “[...] isolados estaríamos dispersando patéticos esforços, sem conseguirmos nada, apesar da disposição de cada um de atingir o impossível” (Pedro Paulo ROCHA, 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991., p. 74) possibilitou aos familiares a entrada no ativismo. O caminho até a politização da maternidade/paternidade passou pela reflexão acerca de si, seus filhos e o que fazer diante do diagnóstico de autismo. Essa análise individual teve como norteadoras duas emoções centrais: infelicidade e amor.

Infelicidade

Desde a sua primeira descrição, em 1943, por Leo Kanner, o autismo significou um desafio para todos os envolvidos (autistas, familiares, médicos etc.). Questões envolvendo as causas, possíveis formas de intervenções terapêuticas e educacionais, assim como os preconceitos em relação àqueles assim diagnosticados (e seus pais, em especial mães), marcaram a história do autismo (John DONVAN; Caren ZUCKER, 2017DONVAN, John; ZUCKER, Caren. Outra sintonia: a história do autismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.; LOPES, 2019LOPES, Bruna Alves. Não existe mãe-geladeira: uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). 2019. Tese (Doutorado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Disponível em Disponível em https://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2922 . Acesso em 11/04/2020.
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). Esta situação era compreendida por alguns profissionais no Brasil durante a década de 1980 como demonstra a fala a seguir.

Mas dos males do ser humano, nenhum se defronta com tanto preconceito e estigma, tanta desinformação, fantasia e absurdos como as doenças psiquiátricas. [...] E delas, a meu ver, a mais trágica, a que causa maior perplexidade e gera maior tumulto emocional é o autismo (Ernst Christian GAUDERER, 1987GAUDERER, Ernst Christian. Autismo - década de 80: uma atualização para os que atuam na área - do especialista aos pais. São Paulo: Almed, 1987., p. 2).

Enquanto Gauderer (1987GAUDERER, Ernst Christian. Autismo - década de 80: uma atualização para os que atuam na área - do especialista aos pais. São Paulo: Almed, 1987.), no desempenho do seu papel de médico, denomina de “tumulto emocional” as reações geradas a partir das experiências decorrentes do preconceito coletivo, Rocha, em uma carta publicada em 31 de outubro de 1983ROCHA, Sônia. Jornal do Brasil, 31 de outubro de 1983, p. 10. no Jornal do Brasil, é categórica: chama de infelicidade.

Eu tenho a infelicidade de ter uma filha autista, cujo mal só foi diagnosticado ao ver o filme acima mencionado [Meu filho, meu mundo], o que me levou a contactar o Dr. Rimland do Institute Child Behavior Research, maior autoridade no assunto, que me forneceu literatura e orientação para o tratamento, que exige inclusive controle do metabolismo. [...] O meu propósito ao escrever esta carta é conclamar todos os pais que sofrem com este mesmo angustiante problema em suas famílias, a me contactarem, para reunirmos esforços e conseguirmos criarmos uma instituição voltada para a pesquisa e tratamento do autismo, para o bem de nossos filhos (Sônia ROCHA, 1983ROCHA, Sônia. Jornal do Brasil, 31 de outubro de 1983, p. 10., p. 10).

De acordo com McMahon (2006), a partir do Iluminismo, a felicidade passou a ser compreendida enquanto um direito pelo qual se lutaria, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo. A infelicidade seria indicativa de que algo deveria ser corrigido para que o homem e as sociedades pudessem manifestar seu destino: ser feliz.

Sendo a felicidade um “ideal motivador”, é importante destacar que o seu significado muda conforme o grupo social. No caso das mulheres ocidentais, desde meados do século XVIII, o discurso hegemônico associou a felicidade feminina com o casamento e o exercício de uma maternidade regrada pelo saber médico (Elisabeth BADINTER, 1985BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.), sendo as crianças saudáveis (física e emocionalmente) o resultado de uma maternidade considerada apropriada e, portanto, feliz. Doenças crônicas, síndromes, deficiências e, principalmente, transtornos mentais minavam a imagem de mãe/filho perfeitos, criando suspeitas em relação à mulher (Charles GARDOU, 2015GARDOU, Charles. “Vivre malgré et avec le handicap de son enfant”. In: GARDOU, Charles (Org.). Parents d’enfant handicapé: le handicap en visages. Toulouse: Érès, 2015. p. 11-32.).

Embora a deficiência seja uma das categorias de diferença, a família tende a recebê-la, ao menos num primeiro momento, como uma “agressão”, “um evento incomum” (GARDOU, 2015GARDOU, Charles. “Vivre malgré et avec le handicap de son enfant”. In: GARDOU, Charles (Org.). Parents d’enfant handicapé: le handicap en visages. Toulouse: Érès, 2015. p. 11-32., p. 19). Tal percepção ocorre devido ao sistema cultural que tende a privilegiar determinadas variações de corpos, a saber, aqueles sem deficiência. Deficiência e feminilidade, nos esclarece Garland-Thomson (2002), são narrativas socialmente elaboradas sobre os corpos que, por sua vez, colaboram para a hierarquização dos sujeitos nas relações sociais. Assim, os corpos destoantes dos padrões de normalidade são desvalorizados; o mesmo acontece com mães e pais cujos filhos não possuem características que possam lhes conferir capital cultural: “belo, saudável, normal, apto, competente, inteligente” (GARLAND-THOMSON, 2002GARLAND-THOMSON, Rosemarie. “Integrating disability, transforming feminist theory”. NWSA Journal, Feminist Disability Studies, v. 14, n. 3, p. 1-32, 2002., p. 6-7). Neste ponto, podemos entender um dos usos de infelicidade por Sônia, uma vez que ser mãe de autista coloca-a nas margens da maternidade idealizada pelo discurso médico.

Destacamos algumas expressões utilizadas na carta: “suas vítimas” para descrever as crianças autistas; “infelicidade” e “infelizmente” para fazer menção às dificuldades no cuidado destas e à ausência de instituições especializadas, além do verbo sofrer (“sofrem”) para caracterizar a situação familiar (da autora da carta e de outras pessoas na mesma situação).

Infelicidade e os outros termos utilizados são mobilizadores utilizados para manter a atenção dos leitores e fazê-los simpatizantes das dificuldades em ser mãe de autista num contexto em que se considerava que a prevalência fosse “de cinco a cada dez mil nascidos” (GAUDERER, 1987GAUDERER, Ernst Christian. Autismo - década de 80: uma atualização para os que atuam na área - do especialista aos pais. São Paulo: Almed, 1987.), marcado por um total desconhecimento dos profissionais especializados em saúde e educação infantil e de ausência de assistência nessas áreas (LEANDRO; LOPES, 2018LEANDRO, José Augusto; LOPES, Bruna Alves. “Cartas de mães e pais de autistas ao Jornal do Brasil na década de 1980”. Interface, v. 22, n. 64, p. 153-163, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0140.
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).

Mesmo entre os especialistas, o autismo era um desafio. Gauderer confessou que, entre as doenças e transtornos com os quais teve contato ao longo de sua carreira, “nenhuma me desconcertou mais do que o autismo. Perante ele qualquer pessoa fica perplexa e se sente impotente” (GAUDERER, 1987GAUDERER, Ernst Christian. Autismo - década de 80: uma atualização para os que atuam na área - do especialista aos pais. São Paulo: Almed, 1987., p. 2).

Se na perspectiva médica o ‘desconcertar’ provocado significou um estímulo para aprofundar-se no tema, inclusive publicando uma das primeiras obras acerca do assunto no Brasil - Autismo, década de 80: uma atualização para os que atuam na área -, do ponto de vista da família configurava a ‘infelicidade familiar’, devido à longa busca para diagnosticar e, posteriormente, tratar algo que era desafiante até mesmo para os profissionais.

Gardou (2015GARDOU, Charles. “Vivre malgré et avec le handicap de son enfant”. In: GARDOU, Charles (Org.). Parents d’enfant handicapé: le handicap en visages. Toulouse: Érès, 2015. p. 11-32.) argumenta que a leitura familiar acerca da deficiência possui relação tanto com a classificação da deficiência quanto com os fatores sociais que a envolvem, tais como: estrutura familiar, situação econômica, modo de vida do casal, valores, crenças etc. Devemos acrescentar a essa análise as expectativas em relação à maternidade e à paternidade. No caso da carta de Sônia, infelicidade é mais que um estado emocional individual, sendo uma emoção socialmente compartilhada, principalmente nos anos 1980. Gardou (2015) menciona um estado de luto vivenciado pelos familiares, em especial as mães, ao reconhecerem a diferença entre o filho idealizado durante a gestação e a criança real, diagnosticada com alguma deficiência. Se fatores como o afastamento do restante do grupo (tios, avós, primos, amigos etc.) e a negação de matrículas em escolas regulares colaboravam para que a deficiência fosse vista como algo negativo, a ausência de informações sobre o autismo nos anos 80 acentuava ainda mais o quadro.

Se a infelicidade expressa um ideal de maternidade e paternidade (presente nos anos 1980) cuja presença do diagnóstico de autismo representava uma ruptura, a carta de Sônia nos ajuda também a observarmos o uso político de tal emoção; uma tentativa de criar uma distinção entre um sujeito (uma mãe amorosa) e uma situação problemática: ausência do básico para que ela e sua filha fossem felizes. Observamos, então, a infelicidade, que manifesta a experiência de uma maternidade vivida nas margens (GARDOU, 2015GARDOU, Charles. “Vivre malgré et avec le handicap de son enfant”. In: GARDOU, Charles (Org.). Parents d’enfant handicapé: le handicap en visages. Toulouse: Érès, 2015. p. 11-32.), ser ressignificada para enquadrá-la novamente no “mito do amor materno” (BADINTER, 1985BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.), possibilitando termos políticos no reconhecimento da mãe enquanto sujeito que pode e deve ser ouvido pelos demais.

Sua carta termina com um convite à mobilização via organização de uma associação. Ahmed (2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015.) argumenta que uma das possibilidades das emoções é a criação de vínculos que, por sua vez, podem possibilitar uma ação coletiva. Tendo em vista a fonte citada, esta mobilização só seria viável evocando as emoções do leitor que poderia juntar-se ao projeto. Um argumento abstrato, ainda que provido de veracidade, não bastaria; aqui, a personificação era um elemento político fundamental e a emoção uma ferramenta importante para o convencimento. Barbalet (1998BARBALET, Jack.Emoção, teoria social e estrutura social. Uma abordagem macrossocial. Lisboa: Instituto Piaget, 1998., p. 185) argumenta que “a simpatia é uma emoção muito frequentemente associada com a obtenção de direitos básicos”. Nesse sentido, a exposição das dificuldades vivenciadas por crianças diagnosticadas com autismo e seus familiares foi importante para o ativismo nascente nesse contexto, ainda que isso não fosse realizado conscientemente.

A infelicidade é uma emoção que acompanha/mobiliza outras, entre elas a dor, que, de acordo com Ahmed (2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015.), geralmente é compreendida enquanto uma experiência privada e solitária, embora possa ser transformada em um tema político, uma vez que “as histórias de dor envolvem relações complexas de poder” (AHMED, 2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015., p. 49). Nas narrativas de familiares, este sentimento pode ser dividido em dois momentos: pré-diagnóstico e pós-diagnóstico.

No primeiro momento, os relatos são marcados pela desconfiança de que a criança não está se desenvolvendo adequadamente, descrições acerca das dificuldades em relação ao comportamento do filho (ausência de fala, apego à rotina, isolamento etc.), associadas com aquilo que chamaram de “peregrinação” (ROCHA, 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991.), “Calvário” (Marina Teixeira de MELLO, 19 de fevereiro de 1984MELLO, Marina Teixeira. “Famílias de autistas formam associação para tratar os filhos”. Folha de São Paulo, 19 de fevereiro de 1984, p. 21.) e “via crucis” (CAVALCANTE, 2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.) aos consultórios médicos (Cleusa SZABO, 1988SZABO, Cleusa B. Autismo: depoimentos e informações. São Paulo: Edicon, 1988.; ROCHA, 1991; Deusina Lopes da CRUZ, 2008CRUZ, Deusina Lopes. Um autista muito especial. Porto Alegre: Mediação, 2008.). Esse vocabulário, articulado com o imaginário cristão, expressa a visão da família sobre o caminho até o diagnóstico de autismo ser marcado pela solidão, sofrimento, e terminar na ‘morte’ da criança idealizada (GARDOU, 2015GARDOU, Charles. “Vivre malgré et avec le handicap de son enfant”. In: GARDOU, Charles (Org.). Parents d’enfant handicapé: le handicap en visages. Toulouse: Érès, 2015. p. 11-32.).

As autobiografias de Szabo, Rocha e Cruz apresentam outros pontos em comum: suas observações eram invalidadas pelos profissionais. Primeiro diziam que a criança era saudável e os pais preocupavam-se sem razões. Quando os comportamentos destas passavam a ser vistos como inadequados as famílias ouviam que a criança era “mimada”. Mesmo diante de um diagnóstico, este ainda era realizado sem a escuta adequada daquilo que era relatado aos profissionais; assim, muitos receberam diagnósticos como surdez, língua presa, retardo mental ou que a criança estava em sofrimento psíquico (SZABO, 1988SZABO, Cleusa B. Autismo: depoimentos e informações. São Paulo: Edicon, 1988.; ROCHA, 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991.; CRUZ, 2008CRUZ, Deusina Lopes. Um autista muito especial. Porto Alegre: Mediação, 2008.).

A ausência de uma resposta fazia com que, muitas vezes, a família recorresse a tudo que lhes fosse ofertado, conforme relatou Pedro Paulo Rocha (1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991., p. 45):

Sônia, no seu desespero e na sua frustração, diante da inutilidade das consultas e dos tratamentos, recorria a tudo. Às escondidas foi a macumba, terreiros de pais de santo, centros espíritas, candomblés, rezadoras, adivinhos, e mais o que desse ou lhe fosse sugerido [...] implorava aos poderes terrestres ou divinos, uma cura para Angela.

A percepção de que a emotividade e a ausência de racionalidade são características femininas (AHMED, 2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015.) pode ser acentuada diante do diagnóstico de uma deficiência na família, o que colabora para acentuar os estereótipos de gênero. Na fonte acima, observamos que, na leitura do marido, Sônia era a figura emotiva, portanto, vulnerável a experiências por ele consideradas pouco confiáveis.

Garland-Thomson (2002) argumenta que, não raro, mulheres e pessoas com deficiência são retratadas como corpos indefesos, fracos e vulneráveis, o que deixa explícita a necessidade de uma figura que represente essencialmente o oposto: alguém capaz de proteger a si e aos seus dependentes, além da força (física e emocional).

As hierarquias sociais que fazem do homem branco, hétero e com poder aquisitivo símbolo da racionalidade retiram dele a possibilidade de expressar suas emoções. De acordo com Jaggar (1997JAGGAR, Alison M. “Amor e conhecimento: a emoção na epistemologia feminista”. In: JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. (Orgs.). Gênero, corpo, conhecimento. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1997. p. 157-185., p. 172), “uma mulher pode chorar em face da desgraça e um homem de cor pode gesticular, mas o homem branco deve simplesmente calar a boca”. Nas fontes analisadas, observamos que o trabalho fora de casa e o silêncio no espaço doméstico eram os mecanismos que alguns pais encontravam para não confrontar as emoções que sentiam e, assim, tentar manter-se adequados aos padrões emotivos estabelecidos pela masculinidade hegemônica:

[...] eu carregava em silêncio um horrível sentimento de culpa porque, bem lá no íntimo, sentia que na minha decisão, na má escolha do obstetra, repousava a causa daquele problema, e curtia, em segredo, a minha mágoa (ROCHA, 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991., p. 30).

O marido, distante a maior parte do dia, devido ao trabalho, quando retornava à casa trancava-se no silêncio da incerteza e da insegurança (Paulo Sérgio SCARPA, 9 de setembro de 1984SCARPA, Paulo Sérgio. “O árduo aprendizado de pais de crianças excepcionais”. Folha de São Paulo, 9 de setembro de 1984, p. 19.).

Neste ponto, não podemos ignorar que a sobrecarga do cuidado ficava sob a responsabilidade das mães. Se, de acordo com as fontes, eram elas que expressavam suas dores por meio de choros, gritos e outras manifestações que podem ser compreendidas como ‘desesperadas’, isso está relacionado tanto com a forma como culturalmente é permitida a manifestação feminina dos sentimentos (AHMED, 2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015.; JAGGAR, 1997JAGGAR, Alison M. “Amor e conhecimento: a emoção na epistemologia feminista”. In: JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. (Orgs.). Gênero, corpo, conhecimento. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1997. p. 157-185.) como também em relação à divisão sexual do trabalho, que atribui responsabilização desigual entre homens e mulheres em relação ao cuidado com crianças, idosos e aqueles que precisam de maior atenção.

Embora homens e mulheres sofressem com o fato de não saberem como ajudar seus filhos, eram as mães que tinham seu tempo e energias dedicadas exclusivamente ao cuidado de uma criança cujos comportamentos elas não entendiam. Cabe também destacarmos que, de acordo com Gilligan (1982GILLIGAN, Carol. Uma voz diferente: psicologia da diferença entre homens e mulheres da infância à idade adulta. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1982.), homens e mulheres estruturam suas narrativas de formas distintas, sendo para elas a chamada “ética do cuidado” um elemento central. Uma vez que a moralidade feminina hegemônica é pautada na responsabilidade e no cuidado com relação aos outros, em termos de análise, não podemos ignorar o impacto de achar-se incapaz de exercer adequadamente sua ‘função’: cuidar do seu filho.

Até este ponto enfatizamos a infelicidade a partir do ponto de vista das mães de autistas. Se, para elas, o vivenciar uma maternidade nas margens está na base do sentimento descrito, para os pais, as necessidades dos filhos os afastam dos discursos hegemônicos acerca da masculinidade, ou seja, longe dos atributos femininos: emotividade, fragilidade e a vulnerabilidade (AHMED, 2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015.; JAGGAR, 1997JAGGAR, Alison M. “Amor e conhecimento: a emoção na epistemologia feminista”. In: JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. (Orgs.). Gênero, corpo, conhecimento. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1997. p. 157-185.).

De fato encontramos de tudo, desde charlatões desavergonhados, até a integridade total de um Ackerman, famoso neurologista que, após examiná-la cuidadosamente e prolongadamente, nos afirmou, com sinceridade e pureza, não saber do que se tratava. Insistiu mesmo em devolver-nos a consulta (ROCHA, 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991., p. 66).

Segundo Garland-Thomson (2002), há em nossa cultura a tendência em rejeitar todas as situações que possam nos lembrar, de modo individual e/ou coletivo, de nossa vulnerabilidade e interdependência em relação aos demais. Tal questão é ainda mais latente nas representações hegemônicas de masculinidade. Apesar da vulnerabilidade e a necessidade de cuidado serem características presentes nas relações sociais e que (de acordo com nossa leitura da autora) precisam ser incluídas tanto nas nossas análises teóricas, quanto nos debates públicos acerca da construção das subjetividades e na reivindicação de direitos na esfera pública, há um apagamento dessas questões. O uso da deficiência enquanto categoria analítica nos ajuda a revelarmos tais questões.

No relato acima, observamos que a deficiência impele homens com poder aquisitivo a reconhecerem que vulnerabilidade faz parte das relações interpessoais. Diante de uma situação considerada por eles como desafiadora, precisavam confiar nos conhecimentos e na ética dos profissionais a quem buscavam apoio, sujeitando-se a, no caminho, investirem tempo e recursos em pessoas sem preparo ou com más intenções.

Questões financeiras e vulnerabilidade marcam a história do autismo. Aparecida Silveira e o marido (clínico geral)1 1 O nome do marido não aparece na matéria. Acreditamos que o fato de ser médico e, portanto, desejar sigilo, possa ser um dos motivos para a ausência de menção. tiveram que deixar a cidade em que moravam, no interior de Rondônia, e irem até São Paulo para consultar com o Dr. Rosemberg (MELLO, 15 de maio de 1984MELLO, Marina Teixeira. “Os pequenos autistas vão para a escola e dão um passo para a recuperação”. Folha de São Paulo, 15 de maio de 1984, p. 23.). Já o casal Sônia e Pedro Paulo Rocha foi atendido, em 1980, nos Estados Unidos, por Bernard Rimland (ROCHA, 1983ROCHA, Sônia. Jornal do Brasil, 31 de outubro de 1983, p. 10.; ROCHA, 1991).

Lisa Joseph, Latha Soorya e Audrey Thurm (2016JOSEPH, Lisa; SOORYA, Latha; THURM, Audrey. Transtorno do Espectro Autista. São Paulo: Hogrefe, 2016.) argumentam que questões culturais associadas com marcadores socioeconômicos e étnicos/raciais podem interferir negativamente no acesso ao diagnóstico e terapias necessárias, pois tendem a significar limitações de acesso aos serviços. Estas questões marcam a história do autismo desde a primeira descrição feita por Kanner, em 1993, e - principalmente ao longo das décadas de 1960 a 1980 nos Estados Unidos - colaboraram para estabelecer uma caricatura dos familiares, uma vez que se defendia que os autistas nasciam em famílias brancas, de classe média e com elevado capital cultural, ignorando-se o fato de que esses elementos não eram a causa do autismo, mas o perfil daqueles que poderiam recorrer a um atendimento especializado (DONVAN; ZUCKER, 2017DONVAN, John; ZUCKER, Caren. Outra sintonia: a história do autismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.).

No caso brasileiro, as fontes demonstram que o acesso ao diagnóstico estava articulado com a região em que as famílias moravam (o que significava maior chance de encontrar especialistas no assunto), assim como ao capital econômico e cultural. Assim, uma vez obtido o diagnóstico, a dor de não saber o que estava acontecendo cedia espaço para outra: como obter ajuda para que a criança se desenvolva?

Amor

O amor, em especial entre os membros da família, é um constructo histórico e que colabora (ao mesmo tempo que é resultante) para regular os relacionamentos e os papéis sociais no âmbito da esfera privada (BADINTER, 1985BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.). Não por acaso, os discursos com perspectivas patriarcais tentaram normatizá-lo e idealizá-lo - uma vez que sociedades igualitárias e justas só são possíveis tendo práticas amorosas como pilar (hooks, 2021hooks, bell. Tudo sobre amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2021.).

De acordo com Adrián Scribano (2019SCRIBANO, Adrián. “El amor filial como acción colectiva y confianza”. Sociologias, Porto Alegre, ano 21, n. 52, p. 104-131, set.-dez 2019.), o amor (em especial o que denomina de amor filial) é uma emoção que pode ser convertida em ação coletiva, principalmente a partir de um “ponto de giro”, entendido aqui como uma experiência capaz de alterar de forma significativa a trajetória dos sujeitos envolvidos no processo, por exemplo: a morte de uma pessoa amada, situações de injustiças e violências etc. Embora a deficiência faça parte da diversidade humana, pode ser entendida como um “ponto de giro” (SCRIBANO, 2019SCRIBANO, Adrián. “El amor filial como acción colectiva y confianza”. Sociologias, Porto Alegre, ano 21, n. 52, p. 104-131, set.-dez 2019.), uma vez que, para os envolvidos, representa uma ruptura com a identidade social e psicológica anteriormente construída em relação à maternidade e à paternidade (GARDOU, 2015GARDOU, Charles. “Vivre malgré et avec le handicap de son enfant”. In: GARDOU, Charles (Org.). Parents d’enfant handicapé: le handicap en visages. Toulouse: Érès, 2015. p. 11-32.).

No que diz respeito ao autismo, no processo de ressignificação da imagem de si, observamos uma ampliação do significado de amar. Se para hooks (2021hooks, bell. Tudo sobre amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2021.) o amor é uma ação que visa ao crescimento de si e daqueles a quem amamos, engajar-se na luta por justiça social pode ser uma manifestação amorosa; em nossa leitura, isso foi realizado pelas famílias de autistas nos anos 1980. Neste ponto, o amor mobiliza outros sentimentos: a confiança e a solidariedade.

Barbalet (1998BARBALET, Jack.Emoção, teoria social e estrutura social. Uma abordagem macrossocial. Lisboa: Instituto Piaget, 1998., p. 17), ao defender as emoções como elementos significativos para os processos de permanências e rupturas sociais, argumentou que enquanto a confiança, “[...] ao ultrapassar a incerteza de se comprometer num futuro desconhecido, constitui uma base necessária para a ação social”, a vergonha está associada com o conformismo.

Desta forma, para que houvesse uma ação política das famílias, a deficiência teve que ser ressignificada: não mais uma tragédia familiar a ser mantida na esfera privada. Assim, se alguém deveria se envergonhar, não eram os pais, mas aqueles que tinham preconceitos contra as pessoas com deficiência.

[...] Não é admissível que ao final do século XX a sociedade ainda discrimine os excepcionais, mais surpreendida fico quando deparo com o total descaso das autoridades com relação à pessoa deficiente, e em especial o autista (Margareth Rosi da CUNHA, 25 de agosto de 1989CUNHA, Margareth Rosi Ramos Mendes. “Autismo”. Jornal do Brasil, 25 de agosto de 1989, p. 10., p. 10).

Além da vergonha, as mães de crianças autistas tiveram que superar a culpa; sentimento presente na maternidade de um modo geral (Aminatta FORNA, 1999FORNA, Aminatta. Mãe de Todos os Mitos: como a sociedade modela e reprime as mães. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.), mas acentuado no caso de deficiências e distúrbios mentais (GARDOU, 2015GARDOU, Charles. “Vivre malgré et avec le handicap de son enfant”. In: GARDOU, Charles (Org.). Parents d’enfant handicapé: le handicap en visages. Toulouse: Érès, 2015. p. 11-32.), sendo um elemento que marcou de forma significativa a história do autismo (DONVAN; ZUCKER, 2017DONVAN, John; ZUCKER, Caren. Outra sintonia: a história do autismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.; LOPES, 2019LOPES, Bruna Alves. Não existe mãe-geladeira: uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). 2019. Tese (Doutorado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Disponível em Disponível em https://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2922 . Acesso em 11/04/2020.
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).

O resultado da tão esperada avaliação dizia que o “Felipe não reconhecia e não interagia com a mãe, sofria de privação materna (privado da convivência com a mãe) e tinha psicose do tipo simbiose (muito ligado à mãe)”. Era a primeira vez que eu ouvia falar destas coisas. Além de não saber o que ele tinha e como lidar com a situação, eu ainda seria culpada pela doença do meu filho tão querido. Para meu desespero e de muitas mães de autistas, teorias como esta foram amplamente defendidas pelos psicanalistas e encontradas em quase toda literatura sobre autismo durante muito tempo (CRUZ, 2008CRUZ, Deusina Lopes. Um autista muito especial. Porto Alegre: Mediação, 2008., p. 31).

A experiência de Deusina não foi isolada. O casal Sônia e Pedro Paulo Rocha também ouviu afirmações semelhantes (ROCHA, 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991.), tal qual Marli e Ana Maria (que ajudaram a fundar a AMA, de São Paulo) (CAVALCANTE, 2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.) e Claudia Morais (autista, mãe de autista e uma das fundadoras da Onda-Autismo) (LOPES, 2019LOPES, Bruna Alves. Não existe mãe-geladeira: uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). 2019. Tese (Doutorado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Disponível em Disponível em https://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2922 . Acesso em 11/04/2020.
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). Os nomes mencionados são apenas alguns exemplos entre inúmeros que, ao longo das décadas de 1980 e 1990, tiveram contato com profissionais que acreditavam ser o autismo um resultado de uma relação afetiva e emocional inadequada (principalmente entre mãe e filho), que gerava uma atitude de defesa caracterizada pelo isolamento e falta de vínculo emocional do autista com os demais (JOSEPH; SOORYA; THURM, 2016JOSEPH, Lisa; SOORYA, Latha; THURM, Audrey. Transtorno do Espectro Autista. São Paulo: Hogrefe, 2016.; DONVAN; ZUCKER, 2017DONVAN, John; ZUCKER, Caren. Outra sintonia: a história do autismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.; LOPES, 2019).

Foi fundamental, sobretudo para as mães, reconfigurar sua imagem afastando todo e qualquer resquício de que eram ‘más’, ‘frias’ ou ‘pouco amorosas’ - popularmente chamadas de mãe-geladeira (ZUCKER, 2017; LOPES, 2019LOPES, Bruna Alves. Não existe mãe-geladeira: uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). 2019. Tese (Doutorado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Disponível em Disponível em https://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2922 . Acesso em 11/04/2020.
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) - para reforçar seu afeto pelo filho e, posteriormente, transformarem-se em ativistas (CAVALCANTE, 2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.; LOPES, 2019). Portanto, livrar-se da vergonha e da culpa foram passos fundamentais para esse processo. Nesse sentido, as explicações neurobiológicas, surgidas nos anos 1970 e 1980, tiveram papel significativo, uma vez que ofereceram as bases científicas para o rompimento com os sentimentos acima descritos (DONVAN; ZUCKER, 2017DONVAN, John; ZUCKER, Caren. Outra sintonia: a história do autismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.; LOPES, 2019). É possível afirmar que o amor foi uma chave importante que possibilitou questionar e se aproximar de teorias acerca do autismo.

Sobre as associações, em comum possuem o fato de contarem com o apoio de profissionais - geralmente aqueles com quem os pais estabeleceram um vínculo anterior em decorrência do diagnóstico de autismo de seus filhos (LOPES, 2019LOPES, Bruna Alves. Não existe mãe-geladeira: uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). 2019. Tese (Doutorado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Disponível em Disponível em https://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2922 . Acesso em 11/04/2020.
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; CAVALCANTE, 2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.) -, além da certeza de que deviam se envolver nas decisões acerca dos seus filhos, ainda que não fossem especialistas em saúde ou educação. Sobre essa questão, Sônia Rocha (1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991., p. 8) escreveu: “Reivindicamos o nosso direito de participar, de não mais sermos mantidos alheios às decisões que, direta ou indiretamente, nos envolvam”.

Scribano (2019SCRIBANO, Adrián. “El amor filial como acción colectiva y confianza”. Sociologias, Porto Alegre, ano 21, n. 52, p. 104-131, set.-dez 2019.), ao estudar diferentes ações coletivas na América Latina, faz a seguinte observação: o amor (em especial o amor filial) é o grande motivador da ação, a confiança seria o veículo que possibilitaria os sujeitos a moverem-se visando à transformação daquilo que é compreendido como violência e/ou injustiça e a justiça social o resultado da ação.

No caso do autismo no Brasil, observamos que a educação foi uma das principais pautas: seja com vistas a conscientizar a população e os especialistas infantis por meio de palestras, cartas aos jornais, entrevistas aos diversos meios de comunicação e mesmo pela escrita autobiográfica (SZABO, 1988SZABO, Cleusa B. Autismo: depoimentos e informações. São Paulo: Edicon, 1988.; ROCHA, 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991.; CUNHA, 1989CUNHA, Margareth Rosi Ramos Mendes. “Autismo”. Jornal do Brasil, 25 de agosto de 1989, p. 10.; MELLO, 1984MELLO, Marina Teixeira. “Espanha apoia educação de autistas”. Folha de São Paulo, 17 de novembro de 1984.), quanto aquela destinada ao atendimento dos autistas, merecendo destaque o Naama (Núcleo de aprendizagem da Associação dos Amigos dos Autistas) (MELLO, 1984) e o trabalho realizado pela ASTECA e a Fundação Educacional do Distrito Federal, que visavam à criação de classes especiais (das então chamadas 1ª a 4ª série) dentro da rede regular de ensino (CRUZ, 2008CRUZ, Deusina Lopes. Um autista muito especial. Porto Alegre: Mediação, 2008.). Essa proposta de atendimento educacional integrado representou uma inovação em termos nacionais.

Assim, a militância era um espaço de conquistas tanto individuais quanto coletivas. A participação de Felipe, filho de Deusina, no projeto educacional desenvolvido pela ASTECA (CRUZ, 2008CRUZ, Deusina Lopes. Um autista muito especial. Porto Alegre: Mediação, 2008.), e o Naama, desenvolvido pela AMA de São Paulo, são exemplos desse processo, principalmente num contexto em que as ameaças de fechamento das poucas instituições voltadas para o atendimento dos autistas eram constantes.

A crise do Integração [instituição que atendia autistas] é para Margarete de Mello Ferreira Alves mais um abalo na difícil trajetória para encontrar espaço para seu filho de 7 anos, com diagnóstico de autismo. ‘Achava que era utopia um lugar como esse, onde existe [sic] especialistas de várias áreas para atender a criança’ explica Margarete ‘agora estou vendo meu filho alegre de novo’ (FOLHA DE SÃO PAULO, 21 de setembro de 1984FOLHA DE SÃO PAULO. “Sem recursos, clínica para autistas pode dispensar crianças”. Folha de São Paulo, 21 de setembro de 1984., p. 21).

Durante os anos 1980 houve uma discordância sobre como deveria ser a assistência educacional às pessoas com deficiência no Brasil, destacando-se, nesse cenário, duas percepções: uma, partindo de vários movimentos sociais de pessoas com deficiência, defendia uma oferta de ensino na rede regular como meio de acabar com o histórico de filantropia, assistencialismo e a marginalização que caracterizava o atendimento educacional das pessoas com deficiência no país; e outra proposta, vinda de entidades como APAES e PESTALOZZIS, argumentava que o melhor era o atendimento em instituições especializadas mantidas com recursos públicos (Joyce de AMORIM; Heulália RAFANTE; Kátia CAIADO, 2019AMORIM, Joyce Fernanda Guilanda; RAFANTE, Heulália Charalo; CAIADO, Kátia Regina Moreno. “A organização política das pessoas com deficiência no Brasil e suas reivindicações no campo educacional”. Revista Educação Especial, Santa Maria (RS), v. 32, p. 1-26, 2019.).

Observamos que, na década de 1980, os familiares de autistas partiam da percepção de que seus filhos demandavam o auxílio de diversos especialistas, sendo a organização de espaços especializados um importante motor para o engajamento dos familiares. A inspiração vinda de associações de outros países, tal qual Estados Unidos e partes da Europa (LOPES, 2019LOPES, Bruna Alves. Não existe mãe-geladeira: uma análise feminista da construção do ativismo de mães de autistas no Brasil (1940-2019). 2019. Tese (Doutorado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Disponível em Disponível em https://tede2.uepg.br/jspui/handle/prefix/2922 . Acesso em 11/04/2020.
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), articulada com a experiência brasileira e com a influência das APAES e PESTALOZZIS, pode ter colaborado para tal leitura vinda dos familiares de autistas no contexto aqui analisado.

Nesse sentido, se a felicidade tem uma dimensão histórica e social, o que significa dizer que o grupo define o que pode, ou não, ser entendido como elemento de felicidade,2 2 Mesmo que para outros grupos, tal qual os movimentos sociais de pessoas com deficiência, as instituições especializadas fossem interpretadas como espaços de exclusão e segregação. podemos dizer que, na perspectiva dos familiares na década de 1980, as instituições especializadas no atendimento aos autistas representavam um espaço de felicidade, constantemente ameaçada, uma vez que os altos custos de um atendimento multiprofissional faziam com que tanto familiares quanto instituições se vissem em dúvida sobre a possibilidade de continuar com os serviços.

Enquanto a psicóloga e proprietária da instituição afirmava que cada criança atendida representava um custo de Cr$ 800 mil para a instituição, mas que cobrava da família Cr$ 460 mil, Margarete dizia: “[...] eu não sei quanto tempo vai dar para pagar” (FOLHA DE SÃO PAULO, 1984, p. 21).

Importante retornar ao fato de que o Brasil dos anos 1980 vivia uma intensa crise econômica. Schwarcz e Starling (2015SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Maria Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.) nos informam que a inflação atingiu 211% em 1983 e 223% em 1984, resultando em descontrole dos preços, perda do poder aquisitivo (principalmente entre a classe trabalhadora e a classe média), além do crescimento do número de desempregados no país. A inflação também impactava o custo para manter as instituições funcionando: “‘enquanto gastávamos Cr$ 200 mil mensais com alimentação, no começo do ano, agora gastamos Cr$ 1 milhão’, revela desanimada Heloisa Gurgel” (FOLHA DE SÃO PAULO, 1984, p. 21).

Devido a essa situação, grande parte dos familiares de autistas não poderia arcar com os custos referentes à assistência que julgavam adequada, o que tornava as associações um espaço fundamental para o cuidado e proteção das crianças conforme a perspectiva de suas famílias. Ao falar da AMA de São Paulo, Cavalcante (2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.) argumenta que esta preenchia o vazio assistencial deixado pelo Estado. Acreditamos que o mesmo pode ser dito das outras organizações surgidas no mesmo contexto.

Nesse sentido, as associações e as ações por elas desenvolvidas representavam mais que uma manifestação do amor da família em relação aos seus filhos, expressavam também solidariedade, uma vez que reuniam pessoas diversas, incluindo do ponto de vista econômico, mas que se uniam tendo o autismo como elemento unificador (CAVALCANTE, 2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.).

Maria Verardi, numa matéria escrita por Paulo Scarpa e publicada pela Folha de São Paulo no dia 09 de setembro de 1984SCARPA, Paulo Sérgio. “O árduo aprendizado de pais de crianças excepcionais”. Folha de São Paulo, 9 de setembro de 1984, p. 19., argumentou que, a partir das questões vivenciadas com o filho autista, passou a “enxergar os outros” (SCARPA, 1984SCARPA, Paulo Sérgio. “O árduo aprendizado de pais de crianças excepcionais”. Folha de São Paulo, 9 de setembro de 1984, p. 19., p. 19), significando um processo gradual de abandono da dor individual para a solidariedade com aqueles em situações semelhantes à sua.

A escrita autobiográfica pode ser compreendida como uma expressão dessa solidariedade. Não por acaso, Cleusa Szabo inicia o prólogo do seu livro com as seguintes palavras:

O que me levou a escrever este livro foi o desejo de registrar os sentimentos e experiências nascidas do convívio com meu filho Alexandre, uma criança autista. E de alguma forma transmitir palavras de esperança aos pais que passam por situações semelhantes (SZABO, 1988SZABO, Cleusa B. Autismo: depoimentos e informações. São Paulo: Edicon, 1988., p. 6).

Essas “palavras de esperança” mencionadas por Cleusa significavam não apenas ajudar as famílias a visualizarem “vida e felicidade onde só parece haver sofrimento” (CAVALCANTE, 2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003., p. 12), mas, inclusive, orientar os leitores sobre onde estes poderiam encontrar o suporte necessário. Desta forma, Cleusa, em sua autobiografia, abriu espaço para que Ana Serrajordia e Maria Furia Silva escrevessem um capítulo descrevendo o autismo e os objetivos da AMA. Além disso, disponibilizou uma lista de livros sobre o tema, instituições em que seu filho foi atendido, além dos contatos da AMA de São Paulo de da APAE da Vila Clementino, em São Paulo.

Pedro Rocha, em sua autobiografia, também adotou uma postura semelhante, citando, no final do seu livro, o endereço e o contato de 28 associações de pais de autistas espalhadas no país naquele momento, o que abrangia os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Minas Gerais, Ceará, Recife e Sergipe (ROCHA, 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991.).

Com o avançar das décadas, essa solidariedade permaneceu, mas para aqueles que começaram o ativismo nos anos 1980, discorrer sobre o autismo significava também rever a própria trajetória e agradecer àqueles que foram fonte de apoio.

Achei que organizar estes conteúdos sob forma de livro, mesmo sem experiência de escritora, seria importante para que eu e minha família pudéssemos compreender um pouco melhor o que de fato aconteceu com as nossas vidas, pela oportunidade de fazermos reflexões, reclamarmos das situações de injustiças, agradecermos a Deus por tudo de bom que conseguimos, prestarmos homenagens aos nossos parceiros e, juntos, desenharmos novos caminhos [...] (CRUZ, 2008CRUZ, Deusina Lopes. Um autista muito especial. Porto Alegre: Mediação, 2008., p. 28).

A militância (seja ela por meio da escrita, ou das ações desenvolvidas coletivamente via associações) transformou-se numa forma de expressão do amor da família para com seus filhos autistas e, por extensão, aos que vivenciavam situações semelhantes.

Uma das manifestações do amor é o cuidado e este, por sua vez, necessita de uma materialidade para que possa se concretizar: recursos financeiros, profissionais de apoio, instituições especializadas. As questões envolvendo o autismo fizeram com que muitas famílias percebessem que há uma dimensão do cuidado que não deve ficar restrita à esfera privada, cabendo, portanto, à sociedade e ao Estado assumirem também suas responsabilidades junto aos autistas e a outras pessoas com deficiência. As associações eram, portanto, uma maneira de demonstrar ao coletivo a importância de uma sociedade pautada na “ética do cuidado” (GILLIGAN, 1982GILLIGAN, Carol. Uma voz diferente: psicologia da diferença entre homens e mulheres da infância à idade adulta. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1982.).

Considerações finais

Ahmed (2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015.) nos indaga: O que fazem as emoções? A bibliografia utilizada ao longo do trabalho nos possibilitou entendê-las como elementos significativos da ação social tendo um grande impacto em questões políticas e ideológicas, em especial aquelas que perpassam o debate de gênero e deficiência. Além disso, elas expressam os contextos sociais e políticos nos quais afloraram e que ajudam a construir/alterar.

No estudo em questão, vimos que a crise econômica da década de 1980, associada com a ascensão de novos sujeitos sociais, possibilitou que familiares ocupassem a esfera pública e apresentassem o autismo como um assunto de interesse coletivo, e não mais restrito e escondido no espaço privado.

Leandro e Lopes (2018LEANDRO, José Augusto; LOPES, Bruna Alves. “Cartas de mães e pais de autistas ao Jornal do Brasil na década de 1980”. Interface, v. 22, n. 64, p. 153-163, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0140.
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016....
) argumentam que conquistas recentes no campo do autismo, como é o caso da lei nº 12.764/2012, popularmente conhecida como Lei Berenice Piana, possuem origem no engajamento e ativismo político iniciado nos anos 1980 por pais e mães de autistas, muitos dos quais jamais haviam se envolvido em questões de cunho político até o diagnóstico de seus filhos. Assim, se atualmente há pautas importantes como o acesso ao mercado de trabalho ou, no campo educacional, o direito a um acompanhante especializado para os estudantes autistas da rede regular de ensino que necessitam de suporte, não podemos ignorar que, no passado, os familiares reivindicavam que a sociedade brasileira reconhecesse a existência e os direitos daqueles diagnosticados com autismo. Assim, da mesma forma que as pautas políticas podem sofrer alterações ao longo do tempo, os sentimentos envolvendo o ativismo também estão sujeitos a alterações, sendo necessário historicizá-los.

Entendendo que as emoções são elementos fundamentais na construção e legitimação das hierarquias de poder, em especial aquelas de gênero (AHMED, 2015AHMED, Sara. La política cultural de las emociones. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2015.; JAGGAR, 1997JAGGAR, Alison M. “Amor e conhecimento: a emoção na epistemologia feminista”. In: JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. (Orgs.). Gênero, corpo, conhecimento. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1997. p. 157-185.), utilizamo-las como categoria central para analisar a história do ativismo em autismo no Brasil, com ênfase na década de 1980, momento de surgimento das primeiras associações familiares.

A análise das fontes nos possibilitou destacar duas emoções, conforme o olhar da família expresso na documentação: infelicidade e amor. Assim, ao responder o que as emoções podem, uma resposta possível (a partir desse estudo) é: elas podem auxiliar na análise crítica da realidade e na elaboração de uma resposta, dentro das possibilidades dispostas no momento.

Destacamos que a infelicidade passa pelo olhar/ação do outro, que, no caso em questão, está associado com o processo de marginalização vivenciado por mães e pais de autistas devido ao capacitismo imperante no Brasil dos anos 1980. Além disso, a ausência de especialistas e instituições no campo do autismo, associada com a pauperização familiar e coletiva, fazia desse sentimento uma constante nas narrativas familiares, ainda que com formas de expressão distintas entre os relatos maternos e paternos. Conscientes de que a situação merecia uma resposta para mães e pais cujos filhos foram diagnosticados nos anos 1980, o ativismo foi um caminho.

Tendo em vista que “sem amor, o social se destrói” (CAVALCANTE, 2003CAVALCANTE, Fátima Gonçalves. Pessoas muito especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003., p. 18), é importante destacar que o sentimento em questão não é aquele do “mito do amor materno” (BADINTER, 1985BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.) que idealiza os sujeitos, mas o que reconhece as limitações e que possibilita uma análise realista da situação e, portanto, permite a ação.

Este amor observado nas fontes transformou a vida dos sujeitos que nos anos 1980 foram marcados pelo diagnóstico de autismo. Se, devido aos preconceitos sociais, autistas e seus familiares foram afastados do convívio com os demais, o amor pelos filhos possibilitou a mães e pais a confiança necessária para acreditarem que, apesar das dificuldades individuais e coletivas, o autismo poderia ser vivenciado de outra forma, marcada pela união e pela solidariedade entre aqueles que vivenciavam situações semelhantes.

Sendo o amor uma ação (hooks, 2021hooks, bell. Tudo sobre amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2021.), podemos dizer que, na perspectiva dos familiares, as associações criadas em 1980 podem ser compreendidas como uma prática amorosa: não apenas para com os filhos, mas também para com o próximo, intensificando e ampliando para os sujeitos envolvidos o significado da própria ideia de amor. Um amor que “as muitas águas não poderiam levar” (SZABO, 1988SZABO, Cleusa B. Autismo: depoimentos e informações. São Paulo: Edicon, 1988., p. 89), que demonstra que a vulnerabilidade é uma condição humana, embora se manifeste de forma distinta para cada pessoa. Amor que, ao ser trabalhado, ajudou a transformar mães em escritoras, pais em poetas que sabem que “[...] muito pouco posso proporcionar-te/ além de um ombro amigo e muito amor!” (ROCHA, 1991ROCHA, Pedro Paulo. A saga do autismo. Rio de Janeiro: Lelu Editora, 1991., p. 152). Mas, esse “muito pouco” foi suficiente para unir pessoas, divulgar e produzir conhecimento sobre o assunto e transformar o autismo de “[...] um transtorno que mal chegava a ser reconhecido, no diagnóstico mais falado e controverso de nosso tempo” (DONVAN; ZUCKER, 2017DONVAN, John; ZUCKER, Caren. Outra sintonia: a história do autismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.).

Referências

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  • SZABO, Cleusa B. Autismo: depoimentos e informações São Paulo: Edicon, 1988.
  • 1
    O nome do marido não aparece na matéria. Acreditamos que o fato de ser médico e, portanto, desejar sigilo, possa ser um dos motivos para a ausência de menção.
  • 2
    Mesmo que para outros grupos, tal qual os movimentos sociais de pessoas com deficiência, as instituições especializadas fossem interpretadas como espaços de exclusão e segregação.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    LOPES, Bruna Alves. “Emoções e ativismo familiar em defesa dos autistas no Brasil na década de 1980”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 32, n. 1, e89618, 2024
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2022
  • Revisado
    21 Ago 2023
  • Aceito
    22 Set 2023
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