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Sem contar mulheres e crianças: procurando o subtexto de género na Laudato Si’

Not counting women and children: looking for the gender subtext in Laudato Si’

Sin contar mujeres y niños: buscando el subtexto de género en Laudato Si’

Resumo:

A Encíclica Laudato Si’ (louvado sejas), do Papa Francisco, tornou-se uma referência incontornável nos debates contemporâneos sobre a questão ecológica por ser um texto com um diagnóstico fundamentado da situação de crise global que o mundo atravessa, apontando propostas importantes para a enfrentar. Texto de diálogo e aberto ao diálogo, contudo, essa abertura não se refere às mulheres, dado que reproduz o olhar tradicional sobre elas, um olhar que as vê, mas não as toma em linha de conta, como aponta o título escolhido para este trabalho, onde se pretende mapear, na Encíclica, os traços que demonstram que ela não contou com as mulheres, antes, as ignorou ou retomou perspectivas doutrinais que as secundarizam e diminuem o seu valor social e ontológico, ignorando, assim, as décadas de debates que as mulheres, dentro e fora da Igreja, têm desenvolvido em torno do que significa ser mulher.

Palavras-chave:
Laudato Si’; linguagem; paradigma; discriminação; feminismo

Abstract:

Pope Francis' Encyclical Laudato Si' (praise be to You) has become an unavoidable reference in contemporary debates on the ecological issue because it is a text that makes a well-founded diagnosis of the global crisis situation that the world is going through and make important proposals for the face. Dialogue text and open to dialogue, however, this opening does not concern women, as it reproduces the traditional view of them, a view that sees them, but does not take them into account, as the title chosen for this work points out, where the intention is to map, in the Encyclical, the traits that demonstrate that it did not count on women, rather it ignored them or resumed doctrinal perspectives that secondaryize them and diminish their social and ontological value, ignoring, thus, the decades of debates that women, inside and outside the Church, have developed around what it means to be a woman.

Keywords:
Laudato Si’; Language. Paradigm; Discrimination; Feminism

Resumen:

La Encíclica Laudato Si' (alabado seas), del Papa Francisco, se ha convertido en una referencia ineludible en los debates contemporáneos sobre la cuestión ecológica porque es un texto que hace un diagnóstico fundamentado de la situación de crisis global que atraviesa el mundo y hace propuestas importantes para la afrontar. Texto dialogante y abierto al diálogo, sin embargo, esta apertura no concierne a las mujeres, ya que reproduce la visión tradicional sobre ellas, una visión que las ve, pero no las tiene en cuenta, como lo señala el título elegido para este trabajo, dónde se pretende mapear, en la Encíclica, los rasgos que demuestran que no contó con las mujeres, sino que las ignoró o retomó perspectivas doctrinales que las secundan y les restan valor social y ontológico, ignorando, así, las décadas de debates que las mujeres, dentro y fuera de la Iglesia, hemos desarrollado en torno a lo que significa ser mujer.

Palabras clave:
Laudato Si’; idioma; paradigma; discriminación; feminismo

Devo (tenho de) aceitar que

o Papa Francisco, a única autoridade

que hoje tem um olhar não conformista

sobre o mundo,

não tem palavras para mim, para nós.

Sarasini (2016SARASINI, Bia. “Papa Francesco sostiene l’ecologia e attacca l’idelogia del gender. Un contraddizione o uma scelta?”. Huffpost, 19/06/2016. Disponível em Disponível em https://www.huffingtonpost.it/bia-sarasini/papa-francesco-sostiene-lecologia-e-attacca-lideologia-del-gender_b_7619712.html . Acesso em 19/01/2022.
https://www.huffingtonpost.it/bia-sarasi...
)

O título deste trabalho refere-se ao Evangelho de Mateus (14, 21), onde se pode ler: “Ora, os que comeram eram uns 5000 homens, sem contar mulheres e crianças” (Frederico LOURENÇO, 2016LOURENÇO, Frederico (Trad.). Bíblia. Novo Testamento. Os quatro Evangelhos. Lisboa: Quetzal, 2016.); texto que, no meu entender, expressa, de maneira paradigmática, que as mulheres, quer nas igrejas quer mesmo na sociedade, estão lá, mas não contam. Há, na mundividência coletiva, a ideia de uma igualdade aparente entre as mulheres e os homens que é sustentada e reproduzida por uma desigualdade essencial que as antropologias filosóficas e teológicas têm defendido de maneira sistemática na nossa tradição. A designação “iguais mas diferentes”, para falar de mulheres e de homens, parecendo fazer apelo ao óbvio, esconde, todavia, uma longa tradição de pensamento que considerou o masculino como modelo da humanidade e o feminino como um desvio, com uma especificidade que, no fundo, faz das mulheres um segundo sexo ou um sexo de segunda, para deixar ressoar a posição de Simone de Beauvoir (1976BEAUVOIR, Simone De. Le Deuxième Sexe. Paris: Gallimard, 1976.), na sua obra fundacional O segundo Sexo.

A Encíclica Laudato Si’ (LS), do Papa Francisco (PAPA FRANCISCO, 2015PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si’. Vaticano, 2015. Disponível em Disponível em https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html . Acesso em 19/01/2022.
https://www.vatican.va/content/francesco...
), foi publicada em 24 de maio de 2015, no terceiro ano do seu pontificado. Como é tradicional nas Encíclicas, o título reproduz as suas primeiras palavras que, no caso, são uma citação do Cântico das Criaturas, de S. Francisco de Assis, mas o seu subtítulo, “Sobre o cuidado da casa comum”, põe em evidência o seu objetivo essencial que é, por um lado, analisar o estado atual do mundo, no contexto da emergência da crise climática, e, por outro lado, apontar caminhos para a enfrentar e permitir, tanto quanto ainda for possível, a sua superação. Como se diz, nos primeiros parágrafos da Encíclica, o tema ecológico já tinha sido referido em outros textos papais, nomeadamente, pelos Papas Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI; todavia, a novidade da Encíclica do Papa Francisco é ser totalmente dedicada à análise da questão ecológica.1 1 A Encíclica é constituída por 16 parágrafos iniciais, de contextualização e de introdução ao texto, por 6 capítulos independentes, terminando com duas orações. Os 6 capítulos estão organizados de maneira a tratar a crise ecológica de diferentes pontos de vista, propondo, também, linhas de intervenção. No parágrafo 15 da Encíclica, o Papa explicita muito bem a abrangência da totalidade do texto. Assim: o capítulo 1, “O que está a acontecer à nossa casa”, é uma análise plurifacetada da nossa situação atual; o capítulo 2, “O evangelho da criação”, baseia-se na Bíblia como fonte de descoberta da nossa forma de relação com o mundo; o capítulo 3, “A raiz humana da crise ecológica”, denuncia os motivos sociais e as ideologias responsáveis pelos problemas ambientais; o capítulo 4, “Uma ecologia integral”, consubstancia a proposta da Encíclica para olhar a questão ecológica no quadro da sua complexidade, analisando-a do ponto de vista ambiental, mas, também, social e político; o capítulo 5, “Algumas linhas de orientação e acção”, integra algumas propostas de superação, aplicando a perspetiva da ecologia integral à vida política; o capítulo 6, “Educação e espiritualidade ecológicas”, aponta linhas de ação para a vida pessoal.

Não sendo Laudato Si’ a primeira carta circular pontifícia que o Papa Francisco dirige à sua Igreja, todavia, resolvi escolhê-la para análise por um conjunto de razões que se consubstanciam na sua abertura efetiva ao mundo e que se manifesta, tanto por não ser, apenas, um olhar da Igreja sobre o problema ecológico, mas um diálogo da perspectiva da Igreja com outras perspectivas sobre essa problemática, como se afirma no parágrafo 3, ao dizer que “se pretende especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum”, como também por essa abertura ao mundo estar claramente sublinhada, no mesmo parágrafo, quando o Papa define o destinatário da Encíclica como sendo “cada pessoa que habita neste planeta”. Neste quadro, cabia a esperança de que tal abertura significasse também uma abertura às mulheres. Mas foi uma esperança lograda porque o texto da Encíclica é fechado em relação a elas, reproduzindo o olhar tradicional sobre as mulheres, o tal olhar que as vê, mas não as toma em linha de conta.2 2 Malogradamente, essa cegueira em relação às mulheres mantém-se na Encíclica Fratelli Tutti; sobre a fraternidade e a amizade social, de 3 de outubro de 2020, onde, a começar pelo título, as mulheres continuam ignoradas.

No presente artigo, pretendo mapear, na Encíclica, os traços que demonstram que ela não contou com as mulheres, estando dividido em 3 partes: uma primeira parte onde se expõe o que está em causa e se define o lugar de análise do texto; uma segunda parte onde se faz o mapeamento da Encíclica do ponto de vista da detecção do seu subtexto de género e uma última parte que, articulando com as ideias iniciais deste texto, funciona como uma linha conclusiva.

1 Configurando o tema e o quadro de inteligibilidade do texto

Nenhum lugar de enunciação é um lugar indiferente. Não há lugares de enunciação neutros ou absolutos, como parece ter querido dizer Hegel quando pensou o Saber Absoluto como uma mediação perfeita. Nesse sentido, é muito importante explicitar o lugar de onde se fala, seja qual for o tema em análise, porque esse lugar é uma parte determinante do sentido carreado pelo texto em que a análise se explicita.

O lugar da enunciação do presente texto corresponde à perspetiva de uma mulher feminista, jubilada há quase meia dezena de anos, com uma trajetória de vida ligada à compreensão das questões da discriminação, com uma experiência direta da diferença entre discriminação social e sexual que determinou a convicção de que esta última é sempre insidiosa e resiliente, seja qual for a plataforma em que as igualdades se corporifiquem.

Há, evidentemente, muitas razões explicativas dessa discriminação, chamemos-lhe residual, que afeta as mulheres mesmo em situações sociais em que a igualdade formal entre mulheres e homens foi há muito atingida e até, em alguns casos, essa igualdade formal já foi interiorizada pelas práticas coletivas e, portanto, povoa os imaginários individuais e sociais. Para o que aqui é o caso, importa-me destacar aquela que costuma contrapor a importância à urgência e que, ao longo do tempo, foi deixando num segundo plano as perspetivas que se ocupavam da condição e da situação das mulheres no tocante à sua dignidade e aos seus direitos, evocando, para isso, como razão, que, embora as questões das mulheres fossem muito importantes e justas, importava resolver primeiro os problemas mais urgentes. Penso que a Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, pode ser um caso paradigmático dessa contraposição entre a importância e a urgência de uma situação e, nesse confronto, possa levar a deixar cair o facto de as mulheres, enquanto indivíduos, serem o seu ponto cego, por estarem, por um lado, totalmente excluídas e, por outro, terem pontualmente uma inclusão absolutamente discriminadora e que ignora as décadas de debates que as mulheres, dentro e fora da Igreja, têm desenvolvido em torno do que significa ser mulher.

Num texto sobre a Laudato Si’, publicado em 22 de dezembro de 2015, Catherine Keller (2015KELLER, Catherine. “Encycling: One feminist Theological Response”. Syndicate, 22/12/2015. Disponível em Disponível em https://syndicate.network/encycling-one-feminist-theological-response/ . Acesso em 30/10/2021.
https://syndicate.network/encycling-one-...
) parece propor que se ultrapassem as divergências em relação a determinadas posições do texto papal, para chegarmos à possibilidade de uma consciência comum do que está em jogo na crise ecológica:

Não devemos esperar para concordar em todas as nossas denominações, nem mesmo em todas as nossas questões candentes. Não há tempo. Em jogo está o futuro de uma vida habitável para todos nós. Toda a família é disfuncional. E, enquanto isso, os mais vulneráveis ​​entre nós, muitas vezes mulheres, serão lançados por secas, derretimentos e incêndios, colapsos de litorais e ilhas, agricultores e culturas, em um perigo que se intensifica rapidamente (KELLER, 2015KELLER, Catherine. “Encycling: One feminist Theological Response”. Syndicate, 22/12/2015. Disponível em Disponível em https://syndicate.network/encycling-one-feminist-theological-response/ . Acesso em 30/10/2021.
https://syndicate.network/encycling-one-...
).

Na verdade, a urgência da crise ecológica de que a Encíclica se faz arauto tem tanta premência que parece tornar secundário o facto de ela não atender à situação das mulheres reais no mundo e no interior de tal crise. À luz da gravidade da situação ecológica, tudo o mais parece irrelevante. Tal, contudo, pode não ser o caso, se se tiver em conta que, no conjunto das razões que nos levaram à situação catastrófica em que vivemos - algumas e alguns de nós, no plano teórico, outras e outros num quotidiano efetivamente dramático -, há uma razão de fundo que sustenta muitas outras e que corresponde a um tipo de racionalidade totalitária, imperialista e excludente, cujo enunciador foi o homem (masculino) e que sustentou todas as explorações, quer as da natureza e do ambiente quer as sociais e humanas e que, de alguma maneira, é uma dimensão do legado da Modernidade.

O projeto da Modernidade, enquanto projeto de emancipação, assentava numa confiança absoluta no poder da razão humana, de tal modo que Kant (2018KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. 9 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2018.[1781]), numa nota à primeira edição da Crítica da Razão Pura, escreveu que o seu século era “o século da crítica”, querendo, com isso, significar o poder de uma razão que se autorrepresentava como capaz de se submeter, sem medo, a um tribunal que julgasse os seus poderes e os seus limites, bem como a sua competência para apreciar e decidir sobre a validade ou não validade dos processos racionais. É esta autorrepresentação que a razão moderna forja de si mesma que Boaventura de Sousa Santos (2007SOUSA SANTOS, Boaventura de. “Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes”.Novos estudos - CEBRAP, São Paulo, n. 79, p. 71-94, nov. 2007.) denuncia como tendo dado origem ao pensamento abissal, pensamento estruturalmente discriminador e excludente que dividiu o mundo e as pessoas numa linha divisória e determinadora do sentido e da verdade de uma perspetiva, excluindo do sentido e do valor de verdade toda a produção originária do outro lado da linha, conseguindo, assim, relegar para o plano do inexistente, todo o modo de ser e de viver do espaço não metropolitano, silenciando e condenando à irrelevância milhões de seres humanos (SOUSA SANTOS, 2007SOUSA SANTOS, Boaventura de. “Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes”.Novos estudos - CEBRAP, São Paulo, n. 79, p. 71-94, nov. 2007.).

Para além desta crítica radical de Sousa Santos, esta autorrepresentação da razão moderna sofre diferentes denúncias críticas vindas de vários quadrantes, desde as chamadas Hermenêuticas da suspeita - de Marx e Nietzsche (Paul RICOEUR, 1965RICOEUR, Paul. De l’interprétation. Essai sur Freud. Paris: Éditions du Seuil, 1965.) às feministas (Celia AMORÓS, 2000AMORÓS, Celia (Ed.). Feminismo y filosofía. Madrid: Síntesis, 2000.) - passando por Martin Heidegger (2002HEIDEGGER, Martin. “O tempo da imagem do Mundo”. In: HEIDEGGER, Martin. Caminhos de Floresta. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 95-120.) e pela Escola de Frankfurt (Theodor Wiesengrund ADORNO; Max HORKHEIMER, 1974ADORNO, Theodor Wiesengrund; HORKHEIMER, Max. La Dialectique de la raison. Paris: Gallimard, 1974(1947).(1947)), todas elas pondo de manifesto o grande logro da racionalidade moderna ao assentar na ideia da comensurabilidade direta entre racionalidade e realidade e na transparência total da linguagem racional, ou seja, na sua pretensa objetividade neutral. Especificamente os pensadores da Escola de Frankfurt submeteram a racionalidade ocidental moderna a uma feroz denúncia crítica, pondo a nu o seu fundo de totalitarismo que consideraram responsável pelo rumo do desenvolvimento da nossa cultura que se efetivou por meio da instrumentalização e da violência exploradora da realidade. Nesta perspetiva, o progresso das Luzes é responsável por um duplo efeito perverso: o de uma certa usura sobre o mundo natural e o de uma ação de exclusão em relação a tudo que não pudesse encaixar-se nos padrões tecnológicos e instrumentais, pelo que a razão forte que fundou a modernidade corresponde a uma razão opressora, capaz de dominação, exclusão e violência.

Retomando a questão de se a urgência da crise ecológica poderia deslegitimar uma crítica ao facto de a Laudato Si’ não ter tido em conta a situação específica das mulheres reais, a resposta é não. Na verdade, não deslegitima, porque a inclusão da perspetiva das mulheres não representa fazer uma mera adição de dados ou de informações a um determinado modelo explicativo. O que essa inclusão pretende é uma transformação paradigmática do olhar analítico e problematizador que ponha em questão a univocidade do paradigma de compreensão da vida e do viver assente numa racionalidade calculadora e excludente que diz o que as coisas são e exclui todas as que não são apanhadas no seu crivo calculista e dominador (María ZAMBRANO, 1994ZAMBRANO, María. O Homem e o Divino. Lisboa: Relógio d’Água, 1994.). A tal racionalidade que Sousa Santos apresenta como responsável pelo pensamento abissal, cuja linha divisória também funcionou e funciona no interior do pensamento metropolitano dominante, ignorando e depreciando aquilo que é produzido do outro lado da linha onde estão, entre outras, as produções feministas.

É a persistência dessa racionalidade que atravessa a Encíclica, apesar das suas imensas evocações poéticas, porque os seus enunciados são produzidos do lugar tradicional do enunciador masculino que, por sua vez, considera que quer os problemas da sociedade quer as linhas orientadoras da sua solução passam, igualmente, pelo masculino.

2 Mapeando o dito explícito de Laudato Si’

A procura do subtexto de género na Laudato Si’ vai ser feita tomando em consideração três aspetos do texto: (1) o uso da linguagem; (2) a não especificação do contributo próprio das mulheres na análise dos problemas apresentados; (3) a afirmação de um antropocentrismo androcêntrico patenteado no texto.

Algumas notas sobre a linguagem da Encíclica: primeiro nível de ausência das mulheres

Como diz George Gusdorf (1990GUSDORF, George. La parole. Paris: PUF, 1990(1952).), a linguagem é, simultaneamente, ordenadora e manipuladora do real porque “a palavra deve a sua eficácia ao facto de não ser apenas uma notação objetiva, mas um índice de valor. […] cada palavra é a palavra da situação, a palavra que resume o estado do mundo em função da minha decisão” (GUSDORF, 1990GUSDORF, George. La parole. Paris: PUF, 1990(1952)., p. 12, grifos meus). Nesse contexto, é sempre importante ter em atenção o modo como qualquer texto assume a linguagem para ver se quem o escreveu decidiu resumir o estado do mundo em termos de recapitulação ou de inovação, isto é, se deu ou não atenção à necessidade de cuidar o modo de utilizar a linguagem, de maneira a conseguir o maior índice de objetividade que a linguagem permite, tendo em conta que as palavras nunca são simples “notações objetivas”, mas sim “índices de valor”.

Por outras palavras, se posso resumir o estado do mundo em função da minha decisão, posso fazê-lo em termos de abertura ou de fechamento. Posso fazê-lo exaltando ou reificando o passado, repetindo-o ou, pelo contrário, desenvolvendo uma dinâmica de novas possibilidades, procurando palavras novas. Ora, no que concerne à linguagem da Encíclica na perspetiva da igual visibilidade de mulheres e de homens, podemos dizer que ela repete o passado, reificando os estereótipos clássicos sobre as mulheres e o feminino. Na verdade, embora a Terra seja a grande protagonista da Encíclica e apareça, desde o início, num conjunto de metáforas na órbita da maternidade, de facto as mulheres, enquanto seres reais, pessoas com circunstâncias muito próprias, são o ponto cego da Encíclica e as grandes ausentes a vários níveis, nomeadamente, o da linguagem.

Sem me propor a fazer uma análise sistemática da linguagem de Laudato Si’, faço, todavia, duas observações que legitimam o que acabo de dizer. A primeira observação diz respeito às ocorrências do vocábulo mulher e ao campo semântico evocado por tais ocorrências: para além de “mulher” aparecer apenas pontualmente no texto (3 ocorrências, contra 32 de homem), o mais significativo é que em nenhum caso o vocábulo se refere à situação específica das mulheres e das suas vidas, e, por outro lado, uma dessas três vezes se refere à Virgem - “é a Mulher ‘vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça’” (PAPA FRANCISCO, 2015PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si’. Vaticano, 2015. Disponível em Disponível em https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html . Acesso em 19/01/2022.
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, 241).

A segunda observação convoca o núcleo semântico da maternidade e, de modo mais alargado, o campo da família: em primeiro lugar, o termo mãe (com 7 ocorrências) é sempre usado em sentido analógico e nunca referido às situações existenciais concretas das mulheres. Em Laudato Si’, parágrafo 1, “mãe” ocorre duas vezes no quadro da evocação do Cântico das Criaturas de São Francisco. Diz-se que “a nossa casa comum se pode comparar […] a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços” e, a seguir, “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”. A mãe terra ocorre de novo no parágrafo 92. No parágrafo 241, aparece duas vezes, ambas referidas à Virgem: “Maria, a mãe que cuidou de Jesus” e “Elevada ao céu, é Mãe e Rainha de toda a criação”. Ao contrário, o termo pai refere-se a Deus Pai (com 17 ocorrências), mas também à família, nos quadros da representação social que temos dela. Pai, no plural pais, ocorre nos parágrafos 123 e 162, representando a família e engolindo a figura da mãe, através do uso do plural, chamado neutro. De facto, ao designar pai e mãe, o vocábulo pais assume o masculino como designador universal e, de alguma maneira, assume também o pai como representante da família.

No mesmo campo das relações familiares, é interessante ver ainda o que acontece com filha/filho. Filho ocorre 8 vezes referindo-se a Filho de Deus e 7 vezes, no plural, para designar filhos e filhas, repetindo o mesmo uso de tomar o universal masculino como neutro. O vocábulo filha não ocorre na Encíclica.

Esta ausência pesada das mulheres, na sua realidade existencial, por um lado, permite dizer que Laudato Si’ desenvolve uma utilização “fechada” da linguagem, isto é, reiterativa da visão tradicional sobre o papel das mulheres e sobre o feminino e, por outro, pode permitir explicar que a jornalista italiana Bia Sarasini (2016SARASINI, Bia. “Papa Francesco sostiene l’ecologia e attacca l’idelogia del gender. Un contraddizione o uma scelta?”. Huffpost, 19/06/2016. Disponível em Disponível em https://www.huffingtonpost.it/bia-sarasini/papa-francesco-sostiene-lecologia-e-attacca-lideologia-del-gender_b_7619712.html . Acesso em 19/01/2022.
https://www.huffingtonpost.it/bia-sarasi...
) tenha afirmado:

É mais fácil que um papa e a Igreja aceitem o progressismo social do que a mudança das relações entre os humanos. Ele pode aceitar, na misericórdia, os homossexuais, mas não a comunidade LGBT. Pode falar do valor das mulheres, criticar a violência contra elas, mas não reconhecer a sua autodeterminação.

E, na mesma linha, a jornalista tenha finalizado o mesmo artigo com a afirmação que serve de epígrafe ao presente texto, onde se deixa ver um tom de mágoa: “Devo (tenho de) aceitar que o Papa Francisco, a única autoridade que hoje tem um olhar não conformista sobre o mundo, não tem palavras para mim, para nós” (SARASINI, 2016SARASINI, Bia. “Papa Francesco sostiene l’ecologia e attacca l’idelogia del gender. Un contraddizione o uma scelta?”. Huffpost, 19/06/2016. Disponível em Disponível em https://www.huffingtonpost.it/bia-sarasini/papa-francesco-sostiene-lecologia-e-attacca-lideologia-del-gender_b_7619712.html . Acesso em 19/01/2022.
https://www.huffingtonpost.it/bia-sarasi...
).

Retomando a posição de Gusdorf sobre a linguagem, como ordenadora e manipuladora do real, que põe de manifesto que ela tem um enorme poder na constituição do si mesmo de cada qual, na sua estrutura identitária, bem como na configuração das visões do mundo, que organiza, teremos que afirmar que a Laudato Si’ não operou, ao nível linguístico, nenhuma transformação em relação ao uso tradicional e conservador da linguagem, no que diz respeito à problemática de género. Deste modo, cavou uma assimetria em relação à mensagem global da Encíclica que preconiza toda uma conversão no modo de viver no mundo e de o compreender, não tendo tomado em linha de conta que todas as transformações concetuais e ideológicas têm de ser acompanhadas por modificações linguísticas.

Segundo nível de ausência das mulheres: a desconsideração da sua situação e do seu contributo social

Esta parte visível da invisibilidade das mulheres é apenas a superfície de uma ausência maior porque é a expressão da sua desconsideração em outras dimensões daquilo que está em jogo na Encíclica, nomeadamente, naquilo que se pode chamar a apresentação e análise da própria problemática ecológica, da sua caracterização e dos caminhos de superação apontados.

No plano da organização social, este apagamento das mulheres, por um lado, empobrece o sentido geral da análise realizada pelo texto, e, por outro, representa uma injustiça imensa para com aquelas mulheres que sofreram e sofrem, de modo especial, os efeitos da destruição do planeta e que lutam quotidianamente para sobreviver, apesar dessa destruição.

É para esta situação que a teóloga portuguesa Teresa Toldy (2016TOLDY, Teresa. “Ler A Carta Encíclica ‘Laudato Si'’ com lentes de gênero”. Together for global justice. 2016. Disponível em Disponível em https://www.cidse.org/pt/2016/07/25/reading-the-encyclical-letter-laudato-si-with-gender-lens/ . Acesso em 30/10/2021.
https://www.cidse.org/pt/2016/07/25/read...
; 2017TOLDY, Teresa. “Someone is missing in the Common House: The Empty Place of Women in the Encyclical Letter Laudato Si’”. Journal of European Society of Women in Theological Research, n. 25, p. 167-189, 2017.) chama a atenção, numa análise crítica que faz de Laudato Si’. Apreciando, embora, a oportunidade, o valor e a novidade da Encíclica, que considera diferente das encíclicas sociais anteriores, Toldy põe de manifesto que, ao não especificar a situação própria das mulheres, o texto papal perde em realismo descritivo. A autora salienta, sobretudo, a situação específica das mulheres no contexto do tema da pobreza que, sendo uma tónica essencial da reflexão do Papa Francisco, no entanto, ela apenas se refere aos pobres e à pobreza, em geral, deixando ocultada e, portanto, sem relevância, a situação das mulheres que são, em todas as latitudes, as mais pobres de entre os pobres. Diz a autora, citando a ONU:

[...] enquanto homens e mulheres sofrem na pobreza, a discriminação de gênero significa que as mulheres têm muito menos recursos para lidar com ela. É provável que sejam as últimas a comer, as que têm menos probabilidade de acessar os serviços de saúde e, rotineiramente, presas em tarefas domésticas não remuneradas e demoradas. Elas têm opções mais limitadas para trabalhar ou criar negócios. A educação adequada pode estar fora de seu alcance. Algumas acabam forçadas à exploração sexual como parte de uma luta básica para sobreviver (TOLDY, 2016TOLDY, Teresa. “Ler A Carta Encíclica ‘Laudato Si'’ com lentes de gênero”. Together for global justice. 2016. Disponível em Disponível em https://www.cidse.org/pt/2016/07/25/reading-the-encyclical-letter-laudato-si-with-gender-lens/ . Acesso em 30/10/2021.
https://www.cidse.org/pt/2016/07/25/read...
).

Referindo-se ao parágrafo 93 de Laudato Si’, que reafirma, no quadro da tradição cristã, o caráter não absoluto da propriedade privada, Toldy lembra que não podemos esquecer, nesse contexto, que há muitos países onde as mulheres ainda não têm acesso à propriedade. Se essa situação tivesse sido referida, daria uma dimensão especial à afirmação do Papa de que a propriedade privada deve ser usada em favor de toda a gente.

A autora ressalta ainda o empobrecimento da Encíclica pelo facto de as mulheres não terem sido chamadas à colação na problemática da poluição e escassez da água (parágrafos 2, 8, 20, 24, 27-31, 35, 37, 40, 44, 48, 72, 140, 164, 185, 211, 234, 235), porque, não obstante as populações serem afetadas em conjunto por esse duplo flagelo, ele tem um peso muito maior sobre as mulheres porque são elas as responsáveis pelo abastecimento de água às suas famílias, pelo que não só têm de andar muitos quilómetros para o conseguirem fazer, como também, muitas vezes, vivem um dilema terrível, perante a contaminação da água: o de terem de escolher entre uma morte certa por falta de água ou uma morte possível por consumirem água contaminada.

Também a teóloga brasileira Ivone Gebara (2016GEBARA, Ivone. “Laudato Si’: algunos desafíos teológicos para una mejor convivencia en el planeta”. Iglesia Viva, n. 267, p. 49-66, julio-septiembre 2016.) põe de manifesto esta injustiça feita às mulheres pela Encíclica na avaliação da crise ecológica.3 3 Na Introdução do texto, Gebara (2016) explicita que o seu objetivo é fazer uma leitura crítica do texto. E acrescenta que, “não retirando valor ao texto, se vai abrir a uma sensibilidade diferente: quer ressaltar a diversidade de percepções e ajudar a atuar, talvez, de forma mais efetiva, pois abre a perspectiva de outro público sobre a mesma questão; será marcada por uma leitura teológica ecofeminista do texto, querendo articular a percepção feminista com a percepção ecológica em relação à Laudato Si', também será feita do ponto de vista de uma mulher educada na tradição católica, participante da teologia da libertação, do feminismo e do ecofeminismo na complexidade de todas essas pequenas, mas significativas, produções culturais de nosso tempo”. Para ela, a ausência de referência à situação e ao papel das mulheres de algumas regiões do globo neste contexto advém de uma atitude de base que considera que quer os problemas da sociedade quer as linhas orientadoras da sua solução passam, apenas, pelo masculino. Ora, diz ela, a realidade efetiva o que mostra é que “[…] muitas das informações sobre os diferentes desastres ecológicos são vividas e explicitadas de maneira diferente por homens e mulheres a partir de uma assimetria de género que não foi considerada na Carta do Papa” (GEBARA, 2016GEBARA, Ivone. “Laudato Si’: algunos desafíos teológicos para una mejor convivencia en el planeta”. Iglesia Viva, n. 267, p. 49-66, julio-septiembre 2016., p. 56).

Gebara concretiza a sua posição salientando que as mulheres, pela sua proximidade da vida quotidiana e da salvaguarda da vida das crianças de quem cuidam, assumiram um protagonismo na denúncia das centrais nucleares, na destruição da agricultura, na falta de alimentos confiáveis, no aparecimento de doenças desconhecidas. Acrescentando, ainda, que esse protagonismo das mulheres as levou a transgredir ordens de destruição de florestas, tendo sido muitas delas assassinadas e outras presas, em virtude da sua ação.

Na mesma linha crítica se situa outro brasileiro, José Eustáquio Diniz Alves (2015ALVES, José Eustáquio Diniz. “A encíclica Laudato Si’: ecologia integral, gênero e ecologia profunda”. Horizonte - Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, Belo Horizonte, v. 13, n. 39, p. 1315-1344, jul./set. 2015.), no seu artigo “A encíclica Laudato Si’: ecologia integral, gênero e ecologia profunda”, onde diz:

A palavra gênero só aparece na carta papal quando se trata da sub-espécie humana (gênero humano). Mas toda a problemática das relações sociais de gênero não foi tratada e sequer mencionada. Ficaram de fora as desigualdades de gênero e as questões do sexismo e da homofobia, ou seja, dos direitos das mulheres e dos direitos da comunidade LGBTI (ALVES, 2015ALVES, José Eustáquio Diniz. “A encíclica Laudato Si’: ecologia integral, gênero e ecologia profunda”. Horizonte - Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, Belo Horizonte, v. 13, n. 39, p. 1315-1344, jul./set. 2015., p. 1336).

O autor salienta ainda que vários artigos, nomeadamente o de Rosana Freitas (2010FREITAS, Rosana. “A construção de uma agenda para as questões de gênero, desastres socioambientais e desenvolvimento”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 3, p. 888-899, 2010.) e o de Wanda Deifelt (2013DEIFELT, Wanda. “Corporeidade como ponto de encontro entre a teologia feminista e o ecofeminismo”. Caminhos, Goiânia, v. 11, n. 2, p. 109-122, jul./dez. 2013.), já defendiam e demonstravam a articulação entre as desigualdades entre mulheres e homens e os desastres ambientais.

Dentro desta linha do esquecimento das mulheres que a Encíclica patenteia, queria referir uma temática que não encontrei tratada em nenhum dos artigos que manuseei: trata-se do tema do cuidado, tema, aliás, sustentador da mensagem da Laudato Si’, na medida em que define e propõe um novo paradigma da relação do ser humano com o planeta no seu conjunto. Penso que a esse nível seria exigível, por um lado, uma referência ao trabalho fundador de Carol Gilligan (1982GILLIGAN, Carol. In a Different Voice: Psychological Theory and Women's Development. Cambridge: Harvard University Press, 1982.), que, na década de 1980, denunciou a unilateralidade da tradicional perspetiva sobre o desenvolvimento moral da humanidade que tinha deixado de fora as experiências das mulheres, e, por outro, a evocação do vasto campo de teorias éticas que defenderam, exatamente, o valor e, por vezes até, a meu ver erradamente, a superioridade de uma ética do cuidado sobre as éticas da justiça.

Retomando a ideia da epígrafe deste trabalho, talvez se possa dizer que, sendo o Papa Francisco uma pessoa tão atenta às desigualdades do mundo e às discriminações respetivas, este esquecimento da discriminação mais abrangente que se vive em sociedade, uma vez que as mulheres são metade da humanidade, é absolutamente inexplicável.

No texto acima referido de Gebara, a teóloga faz um reparo que pode ajudar a compreender, em parte, este silêncio da Encíclica sobre a situação e o papel das mulheres. Gebara reconhece, na ação do Papa Francisco, alguma abertura em relação à situação das mulheres na Igreja, mas acentua, ao mesmo tempo, que essa abertura não assenta nem no conhecimento nem na aceitação do trabalho teórico das mulheres dentro da Igreja, no âmbito da reivindicação dos seus direitos como indivíduos, nem tão pouco numa reversão de perspetivas sobre a multiplicidade de questões que determinam uma conceção do que é ser mulher e da amplitude que podem adquirir os seus projetos de vida. Neste particular, o Papa Francisco, bem inserido na tradição da Igreja, rejeita o feminismo como corrente de pensamento e de ação, não sendo capaz de reconhecer nele muitas vezes a sua seriedade e o seu alcance social, político e religioso.

A afirmação de um antropocentrismo androcêntrico: um terceiro nível de esquecimento e de discriminação das mulheres

Na parte da Encíclica, a terceira, onde se analisa o antropocentrismo moderno, procurar o subtexto de género dá conta, não apenas, da total exclusão das mulheres do horizonte reflexivo do texto, mas, também, da sua inclusão nos termos mais tradicionais e discriminadores.

Este momento da Encíclica é particularmente analítico, debruçando sobre um conjunto imenso de aspetos, nomeadamente:

  • as consequências da técnica na vida pessoal e civilizacional,

  • as questões do trabalho,

  • o que designa como relativismo prático,

  • o modo de cuidar dos animais não humanos na investigação científica,

  • o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados.

No quadro deste cuidado analítico, é gritante que na análise dedicada a diversas perspetivas da questão do trabalho não haja uma palavra para a vergonhosa discriminação das mulheres que ocorre no mercado de trabalho, onde não só são segregadas e muitas vezes despedidas ou não aceites para um lugar, em função da maternidade, como são objetivamente desvalorizadas e inferiorizadas através do gap salarial que nele existe entre homens e mulheres.

Para além deste aspeto, penso que também não se compreende que, num texto em que a questão do cuidado é nuclear, como já se disse, os seis parágrafos da Encíclica (124-129) dedicados a analisar o trabalho não se refiram àquilo que se designa como trabalho do cuidar ou do cuidado.

Acontece que esse tipo de trabalho, nas suas duas vertentes, de trabalho não pago e de trabalho mal pago, é, em ambos os casos, maioritariamente desempenhado por mulheres, e, embora sendo o substrato sustentador do funcionamento da nossa vida social, como a pandemia da Covid-19 evidenciou à saciedade, continua invisível e desconsiderado.

Esse trabalho do cuidado é amplamente discriminador para as mulheres, nomeadamente, o designado trabalho doméstico que, não só não é remunerado e, de um modo geral, feito em acumulação com outra atividade profissional, como não é sequer concetualizado como trabalho. Para a consciência coletiva faz parte da natureza das coisas que as mulheres se ocupem da casa, das crianças, das pessoas doentes, e, portanto, tal atividade não é reconhecida como sendo um trabalho efetivo. Por isso, a sua pretensa naturalidade torna-o não apenas invisível, mas também inexistente. Ele não é visto como trabalho porque sendo “trabalho de mulheres” representa uma espécie de prolongamento delas e, de acordo com as conceções antropológicas que herdámos da nossa tradição e que a Encíclica reitera, a sua atividade de cuidadoras e sustentadoras da vida não pode ser vista como trabalho. No entanto, tal atividade sustenta uma percentagem significativa dos PIB, tanto das economias dos países em desenvolvimento, como dos outros, embora não faça parte do cômputo desse produto, como mostra o relatório Cuidar o Futuro. Um programa radical para viver melhor, coordenado por Maria de Lourdes Pintasilgo (2017PINTASILGO, Maria de Lourdes (Coord.). Cuidar o Futuro. Um programa radical para viver melhor. Lisboa: Fundação Cuidar o Futuro, 2017.).

As mesmas considerações feitas para o trabalho doméstico se podem aplicar aos trabalhos do cuidar que são exercidos profissionalmente. Também eles são realizados maioritariamente por mulheres que, na maioria das vezes, acumulam outras discriminações: são imigrantes, refugiadas ou pertencem a etnias subvalorizadas ou mesmo depreciadas. A invisibilidade deste tipo de trabalho é sublinhada pelas estruturas hierárquicas das nossas sociedades. O trabalho dessas mulheres realiza-se em horários defasados dos “outros” trabalhos: ou antes que as outras atividades comecem ou depois de elas terem terminado. Nunca durante. Não há, pois, cruzamentos. O seu trabalho é invisível e excluído do “verdadeiro” trabalho.

Um número de 2020, da revista espanhola Iglesia Viva, dava conta da relação entre os trabalhos do cuidar e as mulheres que tem de nos fazer refletir. Dizia-se, citando o relatório da Emakunde, intitulado “La igualdad en época de pandemia. El impacto de la COVID-19 desde la perspectiva de género”:

  • Oito em cada dez pessoas, no ámbito sanitário, que têm estado a salvar vidas durante a pandemia são mulheres.

  • Oito em cada dez pessoas que trabalham no setor das residencias para pessoas idosas são mulheres.

  • Nove em cada dez pessoas cuidadoras, não profissionais, de pessoas dependentes são mulheres (Yolanda SÁEZ, 2020SÁEZ, Yolanda. “Ecofeminismo. Tejiendo redes”. Iglesia Viva, n. 283, p. 79-82, julio-septiembre 2020., p. 80).

A autora, entre os seus comentários, chamava a atenção para a necessidade de desfeminizar o trabalho do cuidar e de desnaturalizar a ideia profundamente enraizada no nosso imaginário coletivo de que mulheres e cuidado são um binómio natural.

Por todas estas razões, no meu entender, a ausência de referência à situação das mulheres neste contexto do trabalho é a mais incompreensível de todas as outras ausências da Encíclica, e, por outro lado, parece pôr de manifesto que, efetivamente, as mulheres, enquanto indivíduos, não ocupam as preocupações do Papa Francisco, porque, a não ser assim, ele ter-se-ia, certamente, lembrado de trazer esta dimensão do trabalho à colação.

Entre os temas abordados nesta analítica da terceira parte da Encíclica está o tema do aborto, onde as mulheres, na sua individualidade real, continuam a não ser consideradas.

Vejamos o que se diz no parágrafo 120 da Encíclica:

Uma vez que tudo está relacionado, também não é compatível a defesa da natureza com a justificação do aborto. Não parece viável um percurso educativo para acolher os seres frágeis que nos rodeiam e que, às vezes, são molestos e inoportunos, quando não se dá protecção a um embrião humano ainda que a sua chegada seja causa de incómodos e dificuldades: “Se se perde a sensibilidade pessoal e social ao acolhimento duma nova vida, definham também outras formas de acolhimento úteis à vida social”.

A este nível não se manifesta apenas a irrelevância das mulheres como nos casos anteriores. Aqui está subjacente toda a conceção que a Igreja tem sobre a sexualidade em geral e sobre a sexualidade feminina, em particular. O aborto aparece aqui associado à fragilidade da vida, como se essa fosse a única dimensão do problema e como se ele não representasse, pelo menos desde os anos 1970, uma das temáticas mais fortes das reivindicações dos feminismos, articulada com a ideia de autodeterminação das mulheres, mas também com toda a temática do planeamento familiar, por sua vez, ligada a uma nova maneira de pensar o modo como os casais concebem a sua relação e planeiam a constituição da sua prole.

Reduzir a questão do aborto à fragilidade da vida representa ignorar que ela tem uma dimensão, simultaneamente, complexa e controversa. Aliás, só essa atitude redutora pode explicar a inserção do tema do aborto neste contexto da Encíclica, na medida em que essa inserção é absolutamente irrelevante, não acrescentando nada à análise do que estava em causa.

No artigo acima referido de Alves, há uma reflexão importante a este respeito, enquadrando-o no pensamento geral da Igreja que o sustenta. Diz o texto:

Ou seja, mesmo na prevalência de um Estado Laico, por questões doutrinárias é possível compreender a oposição da Santa Sé à legalização do aborto, mas é difícil compreender a oposição aos direitos reprodutivos em uma época que existem cerca de 215 milhões de mulheres no mundo sem acesso aos métodos de regulação da fecundidade, segundo a Organização Mundial da Saúde. Tanto os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), que terminam em 2015, quanto os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) - que vão moldar a agenda internacional pós-2015 - falam sobre a necessidade de alcançar o acesso universal à saúde reprodutiva (ALVES, 2015ALVES, José Eustáquio Diniz. “A encíclica Laudato Si’: ecologia integral, gênero e ecologia profunda”. Horizonte - Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, Belo Horizonte, v. 13, n. 39, p. 1315-1344, jul./set. 2015., p. 1324).

E o autor continua dizendo que é muito importante que o Vaticano repense a Encíclica Humanae Vitae, do papa Paulo VI (1968PAPA PAULO VI. Carta Encíclica Humanae Vitae. Vaticano, 1968. Disponível em Disponível em https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae.html . Acesso em 19/01/2022.
https://www.vatican.va/content/paul-vi/p...
), salientando haver muitos setores dentro da Igreja que sustentam a necessidade de revisão das posições sobre os direitos sexuais e reprodutivos.

Para concluir: o fundo ideológico da Encíclica em relação às mulheres

Em 8 de novembro de 2020, a teóloga Ilia DelioDELIO, Ilia. “¿Cómo le dice el Papa al mundo lo que debe hacer, cuando encabeza una institución basada en el patriarcado, la jerarquía y las diferencias ontológicas?”. Religión Digital, 08/11/2020. Disponível em Disponível em https://www.religiondigital.org/opinion/Fratelli-Tutti-papales-desviacion-vaticana-enciclica-Papa-Francisco_0_2284571542.html . Acesso em 30/10/2021.
https://www.religiondigital.org/opinion/...
publicou um texto com o impressionante título “¿Cómo le dice el Papa al mundo lo que debe hacer, cuando encabeza una institución basada en el patriarcado, la jerarquía y las diferencias ontológicas?”, querendo denunciar a contradição que se vive na estrutura eclesial, em função do desfasamento existente entre as palavras do Papa Francisco e o modo de funcionamento da instituição. Embora o artigo tenha como referência imediata a Encíclica Frattelli Tutti (PAPA FRANCISCO, 2020PAPA FRANCISCO. Carta Encíclica Fratelli Tutti. Vaticano, 2020. Disponível em Disponível em https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20201003_enciclica-fratelli-tutti.html . Acesso em 19/01/2022.
https://www.vatican.va/content/francesco...
), creio que o que nele está em jogo enquadra perfeitamente as reflexões com que quero terminar o presente artigo, reflexões que se vão desenvolver com base nos parágrafos 230, 241 e 242 da Laudato Si’, porque eles representam o fundo ideológico que legitima a exclusão das mulheres específicas do conjunto da Encíclica, bem como a sua irrelevância e desconsideração.

O parágrafo 230 é dedicado à Santa Teresa de Lisieux, o 241 é dedicado à Maria e o último é dedicado a José.

A evocação que a Laudato Si’ faz de mulheres específicas reduz-se ao campo das referências modelares. Teresa de Lisieux é evocada como exemplo de “uma palavra gentil, um sorriso ou um pequeno gesto que semeie paz e amizade”. Não estaria mal, se já tivessem sido evocadas outras figuras femininas ligadas a outras dimensões que não reproduzissem uma imagem totalmente estereotipada do que é ser mulher. Evocar uma mulher apenas para falar de gentileza, simpatia e doçura, para além de não permitir a muitas mulheres sentirem-se aludidas, recapitula, reiterando, uma parte daquilo que foi dito sobre a natureza das mulheres e do feminino ao longo da nossa tradição. E nem sequer se pode tomar essa dimensão do discurso dominante da nossa tradição sobre o que é ser mulher como um aspeto em si mesmo positivo porque essas características que eram atribuídas às mulheres decorriam da conceção de que nelas havia o predomínio da sensibilidade em detrimento da racionalidade assim como preconizavam através delas a necessidade que tinham de ter uma tutela, uma vez que apareciam sob a capa de uma fragilidade que lhes retirava a hipótese de poderem ser autónomas.

A figura de Maria é, igualmente, recapituladora e reiterativa de uma imagem estereotipada de mulher e de maternidade. A imagem de Maria que aqui é apresentada representa uma marialogia que decorre de uma perspetiva patriarcal que formula a sua imagem como mulher submissa que cuida do filho, se compadece com o sofrimento e chora de dor, escamoteando que o nascimento de Jesus decorre de uma decisão de uma jovem que, depois de questionar o mensageiro sobre o sentido da sua mensagem, acolhe o desafio que lhe foi lançado, que vai sozinha visitar Isabel e que canta o Magnificat.

As críticas feministas à imagem de Maria dada por esta visão patriarcal costumam acentuar que, como modelo, Maria é uma imagem perigosa para as mulheres, por um lado, por aparecer ligada à submissão, ao apagamento, à passividade e ao silêncio; por outro lado, porque a sua maternidade virginal representa para as mulheres o impossivel de realizar e, por isso, torna-se apenas uma referência frustrante e que, ao ser convertida em projeto de vida, abre um caminho muito limitado que se resume à alternativa ou mãe ou religiosa.

O número 242 da Laudato Si’ faz duas evocações: à da figura de José e à da sagrada família, que vão na mesma linha dos estereótipos assinalados antes, tornando-os mais graves, porque os integra numa perspetiva de cúpula através da noção de família sagrada. Neste jogo de relações, a Igreja move-se num terreno de contradições e de uma verosimilhança difícil porque, ao mesmo tempo, não consegue salvar o nascimento misterioso de Jesus e a ideia de uma família reduzida a um triângulo natural. A integração deste parágrafo no corpo da Encíclica, paralelo à integração do tema do aborto no parágrafo 120, representa, a meu ver, a afirmação de uma vontade de poder. Do poder de afirmar a todo o custo e no interior de um fechamento absoluto, uma doutrina tradicional e totalmente defasada da vida de mulheres e de homens, individualmente considerados e dos grupos familiares que se vão constituindo no nosso espaço social.

Referências

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  • ZAMBRANO, María. O Homem e o Divino Lisboa: Relógio d’Água, 1994.
  • 1
    A Encíclica é constituída por 16 parágrafos iniciais, de contextualização e de introdução ao texto, por 6 capítulos independentes, terminando com duas orações. Os 6 capítulos estão organizados de maneira a tratar a crise ecológica de diferentes pontos de vista, propondo, também, linhas de intervenção. No parágrafo 15 da Encíclica, o Papa explicita muito bem a abrangência da totalidade do texto. Assim: o capítulo 1, “O que está a acontecer à nossa casa”, é uma análise plurifacetada da nossa situação atual; o capítulo 2, “O evangelho da criação”, baseia-se na Bíblia como fonte de descoberta da nossa forma de relação com o mundo; o capítulo 3, “A raiz humana da crise ecológica”, denuncia os motivos sociais e as ideologias responsáveis pelos problemas ambientais; o capítulo 4, “Uma ecologia integral”, consubstancia a proposta da Encíclica para olhar a questão ecológica no quadro da sua complexidade, analisando-a do ponto de vista ambiental, mas, também, social e político; o capítulo 5, “Algumas linhas de orientação e acção”, integra algumas propostas de superação, aplicando a perspetiva da ecologia integral à vida política; o capítulo 6, “Educação e espiritualidade ecológicas”, aponta linhas de ação para a vida pessoal.
  • 2
    Malogradamente, essa cegueira em relação às mulheres mantém-se na Encíclica Fratelli Tutti; sobre a fraternidade e a amizade social, de 3 de outubro de 2020, onde, a começar pelo título, as mulheres continuam ignoradas.
  • 3
    Na Introdução do texto, Gebara (2016) explicita que o seu objetivo é fazer uma leitura crítica do texto. E acrescenta que, “não retirando valor ao texto, se vai abrir a uma sensibilidade diferente: quer ressaltar a diversidade de percepções e ajudar a atuar, talvez, de forma mais efetiva, pois abre a perspectiva de outro público sobre a mesma questão; será marcada por uma leitura teológica ecofeminista do texto, querendo articular a percepção feminista com a percepção ecológica em relação à Laudato Si', também será feita do ponto de vista de uma mulher educada na tradição católica, participante da teologia da libertação, do feminismo e do ecofeminismo na complexidade de todas essas pequenas, mas significativas, produções culturais de nosso tempo”.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    HENRIQUES, Fernanda da Silva. “Sem contar mulheres e crianças: procurando o subtexto de género na Laudato Si’”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 32, n. 1, e90603, 2024
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2022
  • Revisado
    15 Dez 2023
  • Aceito
    26 Dez 2023
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