Acessibilidade / Reportar erro

Nascer no Recôncavo das águas (Bahia, século XX)

Birth in the waters of the Recôncavo (20th century Bahia)

Nacido en Recôncavo das Águas (Bahía, siglo XX)

Resumo:

Apresentamos os resultados de uma pesquisa inédita sobre a história do parto e do partejar no litoral da Bahia, ao longo do século XX. Através da memória dos habitantes de Matarandiba (Bahia), refletiremos sobre as peculiaridades do nascimento, os atravessamentos de gênero e raça, e sinalizaremos para o apagamento dessas tradições. Sob uma perspectiva decolonial, esse estudo se somará a outros que discutem o nascimento na Bahia, na longa duração. Haverá uma perene interlocução com a tradição do parto, em Salvador, a partir das pesquisas historiográficas recentes, e de etnografias realizadas na primeira metade do século XX. Há cerca de três décadas observamos a negação das práticas de matrizes africana e indígena, interrompendo a transmissão transgeracional de saberes e contribuindo para o apagamento da memória e da história das comunidades da maré.

Palavras-chave:
História do parto; parteira; Matarandiba; memória

Abstract:

We present the results of previously unpublished research on the history of childbirth and midwifery along the coast of Bahia throughout the 20th century. Through the inhabitants of Matarandiba’s (Bahia) memories, we reflect on the specifics of birth, the intersections of gender and race, and signal the erasure of childbirth and midwifery traditions. From a decolonial perspective, this study complements others that discuss birth in Bahia in the long-term. There is a continuing dialogue on birth traditions in Salvador, based on recent historiographical research and ethnographies conducted in the first half of the 20th century. For approximately three decades, we observed the denial of African and indigenous practices, interrupting the transgenerational transmission of knowledge, and contributing to the erasure of memories and the history of tidal communities.

Keywords:
History of childbirth; Midwife; Matarandiba; Memory

Resumen:

Presentamos los resultados de una investigación inédita sobre la historia del parto y la partería en la costa de Bahía, a lo largo del siglo XX. A través de la memoria de los habitantes de Matarandiba (Bahía) reflexionaremos sobre las peculiaridades del nacimiento, los cruces de género y raza, y señalaremos la borradura de las tradiciones del parto y el parto. Desde una perspectiva descolonial, este estudio se sumará a otros que discuten el nacimiento en Bahía, en el largo plazo. Habrá un diálogo perenne con la tradición natalicia en Salvador, a partir de investigaciones historiográficas y etnográficas recientes realizadas en la primera mitad del siglo XX. Durante alrededor de tres décadas hemos observado la negación de las prácticas africanas e indígenas, interrumpiendo la transmisión transgeneracional de conocimientos y contribuyendo al borrado de la memoria y la historia de las comunidades.

Palabras clave:
Historia de nacimiento; Partera; Matarandíba; Memoria

Nascer no Recôncavo das águas (Bahia, século XX)

Na vila de pescadores e marisqueiras de Matarandiba-BA, localizada no território da Ilha de Itaparica, e ligada diretamente ao espaço simbólico, político e identitário do município de Vera Cruz, nascer sempre foi, integralmente, um parto. Pela difícil localização do povoado, situado numa ilha desgarrada, entre os baixios do Recôncavo e a afamada Ilha de Itaparica, com altíssimo índice de natalidade, os partos sempre se deram pelas mãos das chamadas parteiras da maré e, em inusitadas ocasiões, por um parteiro.

Das alvas areias da maré ao enegrecido Alto do Cruzeiro onde as almas dos inocentes tornados anjos precocemente repousavam, muitas marisqueiras e pescadores - bastante humildes - eram acolhidos em seus casebres de estuque, com telhados de palhas de coqueiro e sapê. Ali, num misto de alegrias, medos e esperanças, alguém em “estado interessante” aguardava as nove luas, os nove meses de mudanças no corpo, na alma, no humor, na vida, na lida. É tendo esse ambiente como pano de fundo que convidamos o(a) leitor(a) a adentrar nas tradições das parteiras do Recôncavo baiano, sob a luz morta dos fifós,1 1 Pequeno lampião de querosene feito com latas reaproveitadas de óleo, ervilha, leite condensado, extrato de tomate etc., tendo um pavio de algodão na parte superior, por onde sai a chama. A depender da região do Brasil, também é chamado de periquito e Bibiano. a trazer ao mundo vida nova, com suas bacias próprias, rezas tradicionais, panos alvíssimos, cânticos religiosos, bem como o frango caipira, especial da alimentação da recém-parida.

Será agradável conhecer o resguardo severo, as boas palavras à luz da lua e uma série de saberes construídos, reescritos e carimbados nas reminiscências daqueles(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) mais antigos(as), como joias concretas e simbólicas de um tempo em que Matarandiba era, de fato, uma ilha solta nas doces dores de um mar de luz.

Empregamos a metodologia da história oral - utilizada na bibliografia explorada e nos depoimentos coletados no âmbito dessa pesquisa, a partir das narrativas dos descendentes e familiares dessas personagens tradicionais, fazendo uso dessa oralidade como canoa condutora, baseados no remo referencial decolonial, ancorando-nos na audição de latentes e potentes falas na vila de pescadores e marisqueiras de Matarandiba.

A pesquisa formata as memórias do parto da ilha de Matarandiba, enquanto patrimônio cultural produzido por afrodescendentes, destacadamente por mulheres. Haverá uma perene interlocução com a tradição do parto, em Salvador, a partir das pesquisas historiográficas de Maria Renilda Barreto (2000BARRETO, Maria Renilda. Nascer na Bahia do século XIX. 2000. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em História Social) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.; 2008) e do trabalho de Hildegardes Vianna (1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988.) que, entre os anos 40 a 80 do século XX, coletou depoimentos de parteiras tradicionais, bem como de gestantes que frequentaram os ambulatórios pré-natal do Rio Vermelho, da Pro-Matre e as feirantes do mercado de São Miguel, localizado na Baixa dos Sapateiros.

Apresentando a Ilha de Matarandiba

Matarandiba é uma dentre as 56 ilhas da Baía de Todos os Santos. Atualmente, há algumas possibilidades de acessar essa ilha, por mar ou por terra, seja atravessando a Baía de Todos os Santos, aportando em Mar Grande ou Bom Despacho, seja rodando pelo Recôncavo e adentrando a ilha de Itaparica. Qual seja a escolha de acesso, Matarandiba será logo percebida como um local muito recôndito e reservado no âmago de manguezais e uma densa Mata Atlântica. A escolha no primeiro percurso custa 14 km de mar e 38 km de estrada, que separam o terminal marítimo de Bom Despacho, ou Mar Grande, de Matarandiba. A segunda alternativa, através da BR 324, BR 101 e da BA 01, custa mais tempo e espaço, sendo 262 km entre Salvador e Matarandiba.

Por toda Vera Cruz, assim como por Itaparica, é comum que as comunidades se autointitulem ilhas e vilas, ainda que aterramentos tenham sido feitos. Com atenção às características locais, percebe-se de imediato que a cultura é a chave definidora fundamental dos pertencimentos e identidades de cada território ali fundado nas tradições, saberes e fazeres ancestrais. O território de Matarandiba, durante milênios, foi uma ilha, aos moldes e padrões geomorfológicos, inserida na geografia da ilha de Itaparica. Uma ilha, banhada pelas águas límpidas do rio Jaguaripe, dentro da ilha de Itaparica. Um pedaço de terra entre a ilha de Itaparica e o continente do Recôncavo sul, historicamente nomeado de Baía de Todos os Santos, ao lado da lendária Ponte João das Botas, batizada pelo povo como Ponte do Funil.

A ilha de Matarandiba, onde se formou a vila de pescadores(as) e de marisqueiros(as), tem suas raízes históricas e territoriais ligadas às terras doadas pela coroa portuguesa ao II Conde de Castanheira, Antônio de Ataíde, na contracosta da ilha de Itaparica. E não é improvável que o nome do lugar tenha se derivado de uma corruptela de Itamarandiba ou Itamarangiva, na área conhecida como antiga Vila dos Burgos. Há ainda grande possibilidade da grafia Matarandiba advir dos Tupinambás, como local de mata densa, abundante de piaçavas. Seja qual for a origem etimológica de Matarandiba, com suas torres de pedras formando um monte na mata que um dia se chamou Pitombo, será nos relatos orais entre os mais antigos, o lugar onde “tudo acaba em samba”, conforme apontam as pesquisas sobre o lugar e as mulheres sambadeiras (Fernanda Castro de QUEIROZ, 2020QUEIROZ, Fernanda Castro de. Voa Voa Maria: Uma etnografia da prática do samba de roda das mulheres de Matarandiba. 2020. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Antropologia) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.; Walmir Pimentel BAPTISTA, 2023BAPTISTA, Walmir Pimentel. Samba de Matarandiba, Voa Voa Maria: Memória, História e Identidade na Baía de Todos os Santos (2008/2022). 2023. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais) - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.).

Matarandiba pode ser acessada por uma estradinha de chão com cerca de 6 km onde se observam imensos bambuzais, coqueiros, açaizeiros, dendezeiros, além dos densos manguezais vermelhos à beira de alguns pontos. Ao passo que, concomitantemente, observa-se outras paisagens bastante desmatadas pelas atividades extrativistas de uma empresa multinacional de mineração, possuidora de concessão federal para exploração de sal gema na Fazenda Caboto-Guará, desde a década de 70 do século passado.

Como observou Wellington Castellucci Júnior (2010CASTELLUCCI JÚNIOR, Wellington. “Nas franjas da plantation: trabalho e condições de vida de escravos e libertos em pequenas propriedades de Itaparica: 1840-1888”. Tempo - Revista do Departamento de História da UFF, v. 14, p. 193-221, 2010.), no passado, os povoados desta região da Bahia dependiam do transporte de Saveiros, das embarcações de madeira saídas de Mar Grande ou das embarcações da Companhia Baiana de Navegação, como Velho João das Botas, o Visconde de Cairu, o Anunciação, entre outras. A população que habita a ilha é majoritariamente afrodescendente, assim como as parteiras que irão aparecer nesse estudo. Essa inferência está calcada na exposição sobre a temática do parto, realizada pela Associação Cultural de Matarandiba (ASCOMAT) e pelo Ponto de Cultura Voa Voa Maria, no ano de 2022: todas as parteiras tradicionais do lugar faziam parte do recorte racial negro. Cabe ressaltar que, até o fechamento deste artigo, o IBGE ainda não havia divulgado o resultado do Censo 2019, daí a lacuna parcial do perfil racial dos habitantes da Ilha.

Os estudos sobre a cor dessa categoria profissional, no Recôncavo Baiano, são quase inexistentes, nos restando fazer uma comparação com Salvador no século XIX, por meio dos trabalhos de Barreto (2008BARRETO, Maria Renilda. “Assistência ao nascimento na Bahia oitocentista”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. 15, p. 901-925, 2008.). A autora, ao estudar as parteiras em Salvador do século XIX, demonstrou que havia uma hierarquia de cor consonante com a formação: as parteiras diplomadas pela Faculdade de Medicina da Bahia eram brancas, assim como as estrangeiras que validaram o diploma; já as parteiras tradicionais eram, majoritariamente, negras. Outro importante trabalho que trata das memórias e práticas das parteiras residentes em Salvador, na primeira metade do século XX, foi realizado pela folclorista Hildegardes Vianna (1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988.). Infelizmente, Vianna não tratou da categoria cor quando fez a etnografia nos anos 50 do século XX. Contudo, está posto pelos estudos demográficos, antropológicos e historiográficos que Salvador e demais cidades do Recôncavo Baiano se configuraram como um território negro (Ana Paula Comin de CARVALHO; Mariana Balen FERNANDES, 2019CARVALHO, Ana Paula Comin de; FERNANDES, Mariana Balen. “O negro no Recôncavo da Bahia: reflexões sobre construções identitárias, retóricas de etnicidade, raça e cultura”. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 21, n. 2, p. 7-34, 2019.; CASTELLUCCI JÚNIOR, 2010CASTELLUCCI JÚNIOR, Wellington. “Nas franjas da plantation: trabalho e condições de vida de escravos e libertos em pequenas propriedades de Itaparica: 1840-1888”. Tempo - Revista do Departamento de História da UFF, v. 14, p. 193-221, 2010.; João José REIS, 2016REIS, João José. “Entre parentes: nações africanas na cidade da Bahia, século XIX”. In: SOUZA, Evergton Sales; MARQUES, Guida; SILVA, Hugo R. (Orgs.). Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica. Salvador e Lisboa: Editora da Universidade Federal da Bahia; CHAM, 2016, v. 1. p. 285-324.). Assim sendo, as parteiras fazem parte desse recorte racial e trazem em suas memórias ancestrais saberes e fazeres de matriz africana, ressignificados a partir do intercâmbio com os saberes indígenas.

As parteiras da maré: identidades, práticas e saberes

O estudo das temáticas relacionadas ao corpo, à medicina, à saúde, à doença e a circulação de saberes produziu centenas de trabalhos acadêmicos no Brasil, nas Américas, na Europa e demais continentes. Não é nosso objetivo fazer um apanhado dessa extensa produção historiográfica, contudo, no campo da história do nascimento no Brasil, não é demais citar a bibliografia comentada sobre a assistência ao parto, organizada por Maria Lúcia Mott (2002MOTT, Maria Lúcia. “Bibliografia comentada sobre a assistência ao parto”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 2, n. 10, p. 493-507, 2002.). Com objetivo de divulgar a produção acadêmica sobre a assistência ao parto no Brasil, produzida em diferentes áreas de conhecimento, tais como história, antropologia, enfermagem, medicina, assistência social, psicologia e sociologia, Mott arrolou 77 trabalhos (artigos, dissertações, teses, relatórios, cartilhas) publicados ou realizados por cerca de 50 autores entre 1972 e 2002.

Registra-se que existem inúmeros trabalhos, muitos no campo da antropologia, sobre as parteiras tradicionais em vários quadrantes do Brasil (Luiza JUCÁ; Nilson MOULIN, 2002JUCÁ, Luiza; MOULIN, Nilson. Parindo um novo mundo: Janete Capiberibe e as parteiras do Amapá. São Paulo: Cortez, 2002.; Soraya FLEISCHER, 2011FLEISCHER, Soraya. Parteiras, buchadas e aperreios: uma etnografia do atendimento obstétrico não oficial em Melgaço, Pará. Belém: Paka-Tatu; Santa Cruz do Sul: Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul, 2011.; Lucineide Frota BESSA; Silvia Lúcio FERREIRA, 1999BESSA, Lucineide Frota; FERREIRA, Sílvia Lúcia. Mulheres e parteiras: contribuição ao estudo do trabalho feminino em contexto domiciliar rural. Salvador: GRAFUFBA, 1999.; Leonildo Severiano SILVA; Enilda Rosendo NASCIMENTO, 2019SILVA, Leonildo Severino; NASCIMENTO, Enilda Rosendo. “Resguardo de mulheres da etnia Kambiwá. Cuidados culturais”. Cadernos de Gênero e Diversidade, Universidade Federal da Bahia, Salvador, v. 05, n. 04, out./dez. 2019.; Patrícia de Souza REZENDE, 2015REZENDE, Patrícia de Souza. A reprodução enquanto um processo biossocial. Estudo etnográfico em uma vila do baixo-sul baiano. 2015. Doutorado (Instituto de Saúde Coletiva) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.), mas não está no escopo deste artigo dialogar com essas referências, cruzando saberes e práticas. Nosso recorte geográfico abrange o saber-fazer das parteiras tradicionais do Recôncavo Baiano, especificamente em Salvador e Matarandiba, territórios que têm em comum a presença do mar - daí as chamarmos de parteiras da maré - e a existência de população afrodescendente.

De modo geral, pode-se afirmar que, na longa duração, a parteira tradicional era uma mulher que aprendia seu ofício com outra comadre2 2 As parteiras também podem ser nominadas de comadre, mãe, sendeirona e aparadeira. ou com a experiência de parir seus próprios filhos. Seu conhecimento era de natureza empírico-sensorial, assim como os demais praticantes das artes de curar, ainda que nos séculos XVIII e XIX alguns portassem cartas de autorização.3 3 Sobre as artes e ofícios de curar no Brasil, ver: CHALHOUB, Sidney; MARQUES, Vera Regina Beltrão; SAMPAIO, Gabriela dos Reis; GALVÃO SOBRINHO, Carlos Roberto. Artes e ofícios de curar no Brasil: capítulos de história social. Campinas: Unicamp, 2003. Para aprofundar a discussão sobre as diferenças profissionais entre as parteiras, ver BARRETO (2008) e MOTT, Maria Lúcia. Parto, parteiras e parturientes: Mme. Durocher e sua época. 1998. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Filhas, noras, sobrinhas, netas, irmãs e cunhadas de parteiras eram as aprendizes mais comuns da arte de partejar, o que também ocorria com outras profissões reservadas às mulheres, onde o conhecimento era transmitido pela rede das relações femininas. A reputação da parteira-mestra era fundamental e durava vários anos o aprendizado com base na cooperação ativa e no trabalho compartilhado. Apesar de não ser usual, alguns homens aprendiam o ofício e o praticavam. A parteira Melânia Margarida dos Santos aprendeu com o pai, que partejava as mulheres da família. Em Matarandiba, temos o caso do pastor Hermógenes Barbuda, filho de seu Hermógenes Caçador que chegou a partejar, numa situação emergencial.

Em Matarandiba, a parteira tradicional, durante muitos anos, foi a única opção de assistência obstétrica para as mulheres da maré. As sagradas mãos da mariscagem eram as mesmas que “pegavam” - termo popular do local - o novo rebento, num processo de renovação entre o povo das águas. Mulheres em sua quase totalidade e algumas ainda vivas, como Dona Sicília, dona Daluz, dona Nadir (a doce Naná), dona Angelina Guedes (dona Gela do prato do samba) e, um caso inusitado de um parteiro, o Sr. Hermógenes Barbuda. Com mãos de muitos conhecimentos afrodiaspóricos, nas agonias na grande travessia da calunga grande4 4 É como a memória bantu registrou o mar, associando-o à morte, ao inferno. Os cemitérios são chamados de Calunga Pequeno. ou nas trocas com as tradições indígenas que viviam naquele braço de mar de Todos os Santos, as parteiras da ilha de Matarandiba herdaram o saber do sagrado feminino5 5 Exploramos o termo “sagrado feminino” como valorização dos saberes ancestrais das mulheres nas práticas de apoio mútuo, em particular nos cuidados do corpo e da alma. Assim, reiteramos o papel das mulheres como guardiãs de tradições ancestrais, seja no campo da cultura ou da saúde. com cuidados integrais, como produto do acúmulo de múltiplos outros saberes. Era a parteira quem cuidava do corpo da grávida, utilizando-se das medicinas naturais oferecidas pelo mar, pela mata e pela memória construída. Nada de comer certos mariscos e peixes de couro.

O parto, em Matarandiba, seguia os ciclos lunares e o comportamento da maré, forçando as parteiras a incorporarem certos cuidados espirituais, em fase de tamanha sensibilidade emocional. Afinal, as emoções à flor da pele precisavam ser bem acomodadas, assim como a questão delicada da sexualidade e das heranças ancestrais. A parteira da maré, como em outras comunidades tradicionais, cuidava e acolhia não somente a gestante, acabava cuidando das angústias e ansiedades de toda família, comumente virando madrinha. As parteiras da maré eram elos de reconexão da história da gestante, das suas origens, da sua herança, primando por uma boa hora, em que o físico, o mental e o espiritual da mãe estivessem em sintonia com o bebê e os tempos das emoções de toda família.

As parteiras usaram o dom de avaliar o tempo do parto, das condições gerais da gravidez, de ouvir a gestante olhando os fluxos do mar, do céu, das luas, considerando suas histórias de vida, e trouxeram, anos a fio, muitas crianças àquele povoado, dando aos muitos corpos femininos de Matarandiba a oportunidade de acesso às práticas de cura e o cuidado dos povos originários e descendentes de negros(as) escravizados(as).

O tempo da maré consolidou muitos partos pelo viés da empatia, conectado a uma fundamental resiliência na mariscagem cotidiana. A oferta do parto medicalizado em Salvador e, posteriormente, em Nazaré, provocou uma ressignificação do papel dessas mulheres, assim como a depreciação dos seus saberes e práticas ancestrais. Os aconselhamentos e sugestões pelo banho de folhas de algodão no auxílio à dilatação e na prevenção das fortes dores traziam calma e uma boa hora. Por vezes, a traquinagem emocional da grávida produzia feitos emblemáticos, como nascimentos em canoas, nas coroas de areia, ou no interior dos saveiros e outras embarcações peculiares à época.

Em Salvador, coexistiram duas culturas obstétricas: a dos médicos parteiros, que faziam uso dos recursos técnicos e cognitivos disponibilizados pela obstetrícia como especialidade médica; e a das tradicionais parteiras, cujo saber era de natureza empírico-sensorial. Essas últimas foram hegemônicas na arte de ‘aparar’ crianças e de tratar das doenças de mulheres, até meados do século XX. Ainda que a capital da Bahia tivesse sido um poderoso centro comercial e palco do início do ensino médico, em 1808, com uma pujante comunidade médica, com inúmeros jornais especializados em medicina, com a existência de hospital - fundado em 1549, mesmo ano da fundação da cidade -, com a criação de enfermarias de parto em fins do século XIX e de uma maternidade na primeira década do século XX, foram as mãos das parteiras da maré que trouxeram as crianças ao mundo.

Barreto (2008BARRETO, Maria Renilda. “Assistência ao nascimento na Bahia oitocentista”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. 15, p. 901-925, 2008.) afirma que, na longa duração, o nascimento na capital baiana ficou restrito ao ambiente doméstico e sob o protagonismo das parteiras tradicionais, movimento diferente do Rio de Janeiro e São Paulo, onde as casas de parto, as parteiras diplomadas e as práticas obstétricas acadêmicas deram o tom do nascimento na segunda metade do século XIX e início do XX. Tal fenômeno é atribuído à preservação da cultura do nascimento, enraizada numa rede de solidariedade feminina, protagonizada por vizinhas, mães, madrinhas, tias e pela parteira de confiança.

As mulheres representaram um número expressivo de profissionais da cura atuando como parteiras, rezadeiras, enfermeiras ou curandeiras. Elas eram responsáveis pela assistência primária à saúde, exercendo um papel fundamental no grupo social, fazendo inúmeros atendimentos, manipulando ervas, rezando aos pés dos santos da Igreja Católica e dos orixás africanos, transitando nos mais diversos segmentos sociais.

Até os anos 60/70 do século XX, a gravidez e o parto eram assunto de mulheres. As relações travadas entre elas durante a prenhez e a parturição propiciavam a constituição de laços sociais que se estendiam ao longo do tempo e amalgamavam redes de compadrio, amizade, respeito e solidariedade.

Durante décadas, os homens, cirurgiões e médicos foram tecendo imagens negativas das parteiras, construídas no Brasil a partir de fins do século XIX: de uma mulher velha, ignorante, alcoólatra, supersticiosa, anti-higiênica, infanticida e alcoviteira. Fazendo uma breve incursão pela literatura que trata da medicina no Brasil e, mais especificamente, na Bahia, percebe-se que a imagem da parteira suja, ignorante e perversa é uma constante nas obras de Fernando Magalhães (1922MAGALHÃES, Fernando. A obstetrícia no Brasil. Rio de Janeiro: Ribeiro Leite, 1922., p. 42), que lamentou o atraso em que viveram as parteiras brasileiras; Lycurgo Santos Filho (1991SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro. História Geral da Medicina Brasileira. Hucitec; Editora da Universidade de São Paulo, 1991., p. 14), por sua vez, afirmou ter estado a obstetrícia, durante o século XIX, nas mãos das comadres e aparadeiras; Gonçalo Muniz (1923MUNIZ, Gonçalo. A medicina e sua evolução na Bahia. Bahia: Imprensa Oficial, 1923., p. 13) afirmou que as parturientes eram assistidas por parteiras ou comadres sem nenhuma instrução, orientadas por experiência e prática rotineiras, não raro absurdas e prejudiciais. Tais observações também estão presentes na obra de Gilberto Freyre (2004FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. São Paulo: Global, 2004., p. 363), que responsabilizou a comadre pela prática de infanticídio, alcovitice e feitiços diversos.

É provável que estes autores tivessem filtrado apenas o discurso médico do século XIX presente nas teses, jornais, periódicos, pronunciamentos nas Assembleias Legislativas, manuais para educação de jovens e mulheres. Vianna (1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 6) teve entre seus depoentes um “velho médico, com anos e anos de rotina em cidades pequenas” que defendia as parteiras com a expressão “elas ouvem o galo cantar e sabem onde foi”.

Em 1950, a parteira Melânia Margarida dos Santos, residente em Coutos, subúrbio de Salvador, falando sobre a hora do parto, aconselhava a mulher acometida pelas dores a sentar-se sob cozimento de mentastro branco ou Vassourinha de Nossa Senhora, já que ambas amolecem a junta do “eixo”.6 6 Seccionamento da sínfise púbica. A água desse banho deveria ser mais para morna do que para quente. Caso não houvesse as folhas, deveria bater um bocado de sabão virgem dentro da água quente até aparecer espuma e fazer uso, pois tinha o mesmo efeito que o mentastro. Se as dores começassem longe de casa, a grávida deveria botar uma pedra na cabeça e seguir viagem, pois a pedra evitava o nascimento da criança. Sendo a parturiente devota de Nossa Senhora do Parto ou de São Raimundo, poderia ficar descansada que de parto não morreria e as dores seriam mais suaves (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 20-21).

Melânia tinha horror aos médicos e aos remédios de farmácia que estragavam o estômago. Criticava as “melúrias” dos doutores que inventavam coisas nunca vistas, tais como menino andar sem barrete, não enfaixar o umbigo do recém-nascido e nem apertar a barriga da mulher parida (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 10). A fala da parteira Melânia, certamente, fez eco no universo sensorial-empírico das tradicionais parteiras de Matarandiba, e torna-se um convite para se adentrar no universo de investigação sobre os construtos culturais e históricos que envolveram a gravidez, o parto e seus desdobramentos. É uma possibilidade analítica que revela um conjunto de símbolos representativos de uma sociedade que demarcou formas de compreensão em torno da mulher, do seu corpo e dos mecanismos de manipulação deste.

A dificuldade de acesso a Matarandiba e o uso constante de canoas e canoeiros para socorrer mulheres em partos mais difíceis, levavam a madrinha pré-escolhida, a parteira e a parturiente até os navios da companhia baiana de navegação (João das Botas e o Visconde de Cairu, os mais constantes), já que o assoreamento do leito não permitia que embarcações de grande porte se aproximassem da maré. Daí a necessidade de canoeiros e saveiristas darem seu auxílio, conduzindo o grupo até os locais mais profundos da Baía de Todos os Santos, para que o socorro hospitalar, em Salvador ou em Nazaré, pudesse ocorrer a tempo de aliviar mãe e bebê da agonia.

Em casos normais, como dito anteriormente, tudo indicava as necessidades naturais e essenciais de atenção redobrada, como uma boa iluminação com fifós, os candeeiros, as bacias próprias, as rezas aprendidas e partilhadas. Os cânticos certos, na hora exata, com o posterior resguardo, eram recomendados para preservar a “dona do corpo”7 7 Ulla Macedo Romeu (2007), ao estudar o universo reprodutivo dos índios Tupinambá da Serra do Padeiro, na Bahia, afirma que a “dona do corpo” não é exatamente o útero, apesar de se localizar no interior da barriga feminina e controlar a saída e a entrada de sangue, bem como os eventos reprodutivos (ROMEU, Ulla Macedo. A Dona do Corpo: um olhar sobre a reprodução entre os Tupinambá da Serra-BA. 2007. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil). e essa não sair entre as pernas.

Para curar a criança de ventre caído, a parteira Das Dores colocava o bebê de cabeça para baixo e, batendo com uma chave na sola dos pés, dizia:

Jesus nasceu, Jesus cresceu. Quem cura ventre caído? É Deus (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 33).

Ou, a parte final da reza poderia ser modificada, reforçando o poder de cura da parteira:

Jesus nasceu, Jesus cresceu. Quem cura ventre caído? É eu (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 33).

As boas palavras à lua e uma série de saberes elaborados eram reescritos e carimbados nas reminiscências dos pescadores e das marisqueiras mais antigos(as), como preciosidades da maré, em um tempo em que Matarandiba era, de fato, uma ilha solta nas doces dores de um mar de luz.

Na outra extremidade do Recôncavo Baiano, na capital da Bahia, as crianças aparadas pelas parteiras tradicionais também foram entregues à lua, para trazer boa sorte:

Lua, lua, Lua, luá! Olha o teu filho E ajuda a cria [sic] (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 35).

As mulheres desenvolveram uma sincronia entre as fases lunares, a maré e o parto. A lua cheia e a lua crescente eram as melhores para parir. A maré de enchente aumentava as forças na expulsão da criança e a maré vazante provocava efeito contrário.

O resguardo envolvia os cuidados com a mulher recém-parida na alimentação, repouso e proteção contra sentimentos negativos, como raiva, medo, choques etc. As parteiras do Recôncavo interditavam alimentos como leite, fígado, mocotó, fato, peixe-frade, xaréu, arraia, caranguejo, carne de porco, toucinho, limão, mangalô, tapioca, abacaxi, jaca mole e sapoti. Durante três dias deveriam ficar na cama, e até o 15o dia do parto usar algodão nos ouvidos, impedindo a entrada de vento na cabeça e meia branca nos pés. A higiene do cabelo seguia esse mesmo interregno para garantir a preservação da saúde mental. O banho deveria ser tomado em local protegido de correntes de ar, com água morna temperada com cachaça. Proteger a cabeça da mulher parida era uma grande preocupação pois, após o parto, a mulher ficava com o “juízo fino”, e, se o resguardo fosse quebrado, ela corria o risco de cruzar os limites da sanidade mental (parteiras Sinhá Coló, Belinha, Das Dores, Melânia, em VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988.; parteiras de Matarandiba em entrevistas concedida a Walmir Pimentel em 2022 e 2023).

Os cheiros foram objeto de preocupação constante e a mulher parida deveria ficar um ano sem fazer uso de perfumes ou ficar perto de “gente cheirosa”. A propósito, a preocupação com os odores está inscrita na longa duração como preocupação da medicina galênica e neo-hipocrática.8 8 Para maiores aprofundamentos sobre essa pauta, ver: BARRETO, Maria Renilda. A medicina luso-brasileira: instituições, médicos e populações enfermas em Salvador e Lisboa (1808-1851). 2005. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde) - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; CORBIN, Alain. Saberes e Odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987; PORTER, Roy (Ed.). The Cambridge Illustrated History of Medicine. New York, Cambridge University Press, 1996.

Desejar a uma mulher grávida que Nossa Senhora do Parto lhe conceda uma boa hora ainda é uma frase que escutamos no Recôncavo, carregada de simbolismo cristão. A identificação com Nossa Senhora está no campo da experiência maternal, seja pela gravidez, parto, puerpério e criação do filho. A experiência do “padecimento” seria esquecida porque essa santa cobriria a cabeça da mulher com o manto que envolveu Deus Menino, na fuga para o Egito (parteira Ernestina em VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988.).

Os remédios prescritos pelas parteiras do Recôncavo eram extraídos, majoritariamente, da natureza: das raízes, das cascas das árvores, das folhas e frutos. Eventualmente, recorriam aos fármacos, como, por exemplo, o óleo de rícino ou água inglesa, usados no pós-parto. Os mais usados eram: aroeira, noz moscada, assa peixe branco, mastruço, folha de abacateiro branco, sabugueiro, bananeira do mato, mentrasto branco, flor de Jericó, vassourinha mofina (também chamada de Vassourinha de Nossa Senhora), losna, arruda, beladona, jalapa, folha de mangabeira, dentre outras.

Vejamos a prescrição de Sinhá Coló para a rotura do períneo: “Se a mulher ‘se rasgar’, senta em água de pedra hume ou então em cozimento forte de cascas de romãs, todas as noites, a partir da hora que tiver nascido o menino”. Ernestina acrescentava a folha de mangabeira ao cozimento de romã e ia além: a água deveria ser jogada na maré vazante, durante 3 dias, em cada 3 luas minguantes (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 24).

As febres do parto (febre puerperal) eram combatidas com folha de sabugueiro, velame-branco (também chamado de jalapa-branca), folha de algodão e lavagem de jiló maduro. As hemorragias pós-parto eram tratadas com chá de bananeira do mato e chá de casca de romã. Concomitante aos remédios caseiros estavam os procedimentos do universo mágico-religioso, a exemplo da recomendação de Belinha9 9 Intriga-nos o nome de Belinha: Maria Isabel de Hungria. Poucas informações nossa fonte revela! Sabemos que era oriunda de Irará (interior da Bahia), que partejava desde os 11 anos, nunca teve filhos nem se casou, aprendeu o ofício ajudando sua mãe a parir seus irmãos. Muitas perguntas sem resposta: de onde vem o sobrenome Hungria? Era uma mulher negra ou indígena? Como era partejar no sertão? para tratar o sangramento pós-parto:

Para ‘frouxo’ de sangue deve dar um nó na camisa e dizer: ‘fica aí preso até eu soltar’. Depois a parteira dá um talho no talo da bananeira e apara meio copo daquela água que escorre. Esta água deve ser bebida pela parida que deve ficar com as pernas mais altas que o corpo (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 23).

Outra recomendação de Belinha era rasgar um pano vermelho em tiras e dar vários nós, dependurando-o em seguida no fumeiro, repetindo a frase: “fica aí prá tu secá” [sic]. Para as mulheres da Feira de São Miguel (em Salvador), era necessário colocar duas facas em cruz, numa bacia de água quente, onde a mulher deveria sentar e rezar o Padre Nosso (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 23-24).

No momento do parto a criança deve estar em posição cefálica (de cabeça para baixo e de costas para a gestante). Quando o “minino”10 10 Toda e qualquer criança quando estava em período de gestação costumava ser chamada de “minino”. Tal terminologia nos leva a refletir sobre os atravessamentos de gênero com o apagamento das meninas, iniciado desde a vida uterina. estava virado Belinha costumava passar uma fita verde em volta da barriga da grávida, sem dar nó, e rezar:

Verde foi a esperança que levou São José, Maria Santíssima e o Senhor Menino ao Egito. Verde foi o campo onde Jesus homem caminhou. Verde foi o manto de Maria quando chorou a morte de seu amado filho. Verde foi o cordão que puxou o badalo do sino de São Pedro. Assim também esse cordão verde há de puxar esse menino para o lugar que deve, com os poderes de Jesus, Maria e José, com os poderes de São Pedro que nunca jogou rede para não trazer peixe (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 21).

O racismo, um dos pilares estruturantes da sociedade brasileira, atravessou as práticas das comadres. Aquelas que desejavam “limpar a raça” deveriam, durante três sextas-feiras, passar um pano virgem pela barriga, lavando-o em seguida, “como se fosse uma roupa que se quisesse alvejar” (Belinha em VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 16-17). A parteira Das Dores dizia que “quando os pais têm ‘casta’ e a mãe quer apurar a qualidade do menino, toma purgante de óleo de rícino com mel de abelha, toda lua nova. Não deve tomar na lua cheia para não abortar” (VIANNA, 1988, p. 17).

A parteira Das Dores chamava-se Maria das Dores Sacramento de Jesus e era uma mulher negra, nascida em Mata de São João (litoral norte da Bahia, hoje faz parte da Grande Salvador), provavelmente no início do século XX. Ela foi uma das principais depoentes de Vianna e possuía um caderninho onde anotava os assentamentos. O nome dessa parteira carregou uma simbologia que marcou sua existência. Era filha de roceiros. Aos 5 anos foi levada para Monte Gordo11 11 Distrito do município de Camaçari, também da Grande Salvador, região costeira. com objetivo de aprender com a mestra Calu a arte de rezar, curar, partejar e bordar. Calu era analfabeta, mas mantinha uma “casa de mestra”. Não descartamos a possiblidade de ela ter sido mãe de terreiro. Aos 12 anos, Das Dores engravidou de um homem, herdeiro das terras onde seu pai era rendeiro. Aqui um parêntese para registrar que nos parece pouco provável que essa relação fosse consentida. Arriscamos interpretar que se tratou de mais um caso de violação do corpo de meninas negras, herança escravista e patriarcal que, infelizmente, continua presente na sociedade brasileira. Aos 15 anos, Das Dores foi morar em Salvador, no bairro de Brotas (sub-região de Baixão do Matatu), com seu companheiro Antônio Zacarias dos Santos, com quem teve 32 filhos. Sua atividade profissional como parteira durou 40 anos e foi exercida em Salvador e no Recôncavo. Ela era devota de Senhor do Bonfim, a quem atribuía o fato de nunca ter complicado uma parturiente. Das Dores tinha seus segredos profissionais e dizia que não ensinava algumas propriedades de certas plantas a qualquer um (VIANNA, 1988VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore. Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988., p. 9.)

Em Matarandiba, até meados da década de 1970, as mais emblemáticas parteiras da ilha trouxeram ao mundo das águas salgadas boa parte da pequena população do povoado, mesmo após a normatização do parto em ambiente hospitalar.

Ajudar a nascer fazia parte da existência desse povo das águas abrangendo não somente as mulheres como, também, os peixes. Renata Freitas Machado (2013MACHADO, Renata Freitas. Um olhar etnográfico sobre a reconstituição da memória social de Matarandiba. 2013. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Departamento de Antropologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil., p. 165) relata, em sua tese de doutorado, que um pescador de Matarandiba disse que “muitas vezes precisou fazer alguns partos no barco para salvar alguns filhotes de arraia. [...] O parto era feito com o auxílio da faca, um pequeno corte é realizado na barriga e os filhotes eram retirados”. O pescador tinha orgulho de sua atividade como “parteira da maré”.

Entre as iniciais contrações que indicavam a “dor de mininu”, todo um arcabouço estrutural berrava por se elaborar, numa comoção apenas vista em Matarandiba nos dias de pescarias fartas. A propósito, os partos na ilha produziam um evento comunitário proporcional ao retorno dos homens dos ranchos de pescaria, pelos lados dos povoados de Jiribatuba, de Jaguaripe ou de Cacha Pregos, se arriscando nos perigos da barra falsa, a bordo das canoas centenárias. Pelo relato de dona Angelina Guedes, os partos mexiam com as emoções de toda a comunidade, assim como os tristes e dramáticos episódios trágicos como: afogamentos de canoeiros, de saveiristas e de marisqueiras. A diferença era na forma de celebrar cada fato e, pelas mãos das parteiras, vinha a alegria, o direito devido às festas, com samba, cachaça boa de Santo Amaro, moqueca fresca e o frango tratado da parida.

A penetração neopentecostal em Matarandiba - com intensa desqualificação dos conhecimentos e saberes construídos e reescritos nas práticas cotidianas, principalmente os de matrizes ameríndia e africana -, o acesso aos meios de comunicação e a banalização acrítica da cesariana estão, paulatinamente, apagando o saber-fazer e a memória das parteiras da maré. A natureza foi substituída pela tecnologia e suas ervas e tradições não cabem nos tempos de hegemonia da indústria farmacêutica.

O parto no mar

No entrelace entre memória e história traremos à baila a experiência de uma marisqueira sambadeira que, inusitadamente, nasceu no meio do mar de Itaparica, em busca de socorro médico em Salvador, na década de 1960.

Ia longe em Matarandiba a hora da ave Maria do dia 07/05/1959. Dia de maré grande, de lua nova, numa brisa fresca adentrando em quarto muito limpo. À luz bruxuleante de uma velha candeia, uma mãe urra com as contrações uterinas. Tudo já havia sido feito desde o dia anterior. Todos os conhecimentos de ervas, os procedimentos de rezas, uso de simpatias, das raízes... Tudo em vão!

A dor de Antonieta Raimunda Santiago dos Santos, dona Senhorazinha, só aumentava e, atônitas, as envolvidas naquela difícil hora já começavam a se preocupar com o destino da mãe e do bebê, na fímbria tênue entre a dádiva da vida e o drama do infortúnio.

Chega o dia seguinte, 08/05/1959, e nada do parto acontecer. Mais um dia difícil, num processo entre preces, compressas e pressas. Salvador ou Nazaré se apresentavam como destinos possíveis, para acessar os serviços médico-hospitalares e acudir tamanho sofrimento.

De repente, alguém diz: “É melhor levar logo! Ela não vai aguentar mais. Essa criatura tá [sic] sofrendo muito. Até para tentar salvar ela e a criança”.

Uma voz no quarto pergunta:

A maré tá com força de lua? Se tiver morta, precisa de alguma canoa que não tá [sic] no seco. Mande um minino [sic] lá ver e corra com ela. Chame algum canoeiro que leve até o navio que vem de Jaguaripe, porque o navio não vai entrar aqui. É muito baixo. A essa hora, 11 horas de relógio,12 12 Ainda hoje os baianos utilizam essa expressão quando se referem às horas. São expressões regionais, as quais preservamos nesse artigo. ou é o João das Botas ou o Visconde de Cairu que vai passar.

E lá vai o menino chamar algum canoeiro disponível no cais ou em sua modesta casa de pescador, porque a parteira dona Daluz e a madrinha, Angelina Santiago, já estão postas.

Permitam-nos uma breve digressão para comentar que identificamos vários nomes e apelidos que fazem alusão aos nascimentos no meio do mar, nos longos e preocupantes percursos em busca de assistência médico-hospitalar, historicamente oferecidos pelas Santas Casas da Misericórdia espalhadas pelo estado da Bahia.13 13 Sobre as histórias das Santas Casa na Bahia, ver: SÁ, Isabel dos Guimarães. “As Misericórdias nas sociedades portuguesas do período moderno”. Cadernos do Noroeste, v. 15, n. 1-2, p. 337-358, 2001; BARRETO (2005); BARRETO, Maria Renilda; CERQUEIRA, João Batista. “Assistência à saúde no interior da Bahia oitocentista: A Irmandade da Santa Misericórdia de Nazaré”. In: BARRETO, Maria Renilda; SANGLARD, Gisele; FERREIRA, Luiz Otávio. A interiorização da Assistência: um estudo sobre a expansão e a diversificação da assistência à saúde no Brasil (1850-1945). Belo Horizonte: Fino Traço, 2019. São inúmeras pessoas com nomes em homenagens aos navios em que partos ocorriam, aos seus condutores e ao próprio mar. São eles Mariano, Condinha, Maria de São Pedro, Edmares e vários outros ligados aos condutores que, quase sempre, apadrinhavam os rebentos.

De volta à agonia daquele parto sem fim de dona Senhorazinha, o canoeiro tirou o remo de vinhático do paeiro do velho Santinho e, governando a velha canoa até o ponto exato, levou consigo toda fé da aldeia de Matarandiba, a esperança da mulher grávida, a empatia da madrinha Angelina e o acolhimento da parteira Mãe da Luz.

Conforme previsto, lá vinha o navio Visconde de Cairu, surgindo pomposo no horizonte da ponte do funil. Um alívio momentâneo tomou conta daquela canoa. Entretanto, Salvador ficava a duas horas e meia de relógio de Matarandiba. Porém, com o vento soprando de nordeste, logo se chegaria à capital da Bahia. Mas... não deu tempo! As dores se avolumaram, assim como as contrações. Na altura da ponte de cimento de Itaparica, um urro final rasgou a barra do Paraguaçu até a boca da Baía de Todos os Santos, anunciando que, pelas experientes mãos de Mãe da Luz, nascia das águas de Iemanjá a menina Guiomar Arcanja Santiago, conhecida como Condinha.

Em homenagem ao navio Visconde de Cairu, Condinha de Matarandiba, filha de dona Senhorazinha e de seu Nilo Alho, se tornou sambadeira e marisqueira. Filha do mar de Todos os Santos, vinda ao mundo pelas sagradas mãos de uma parteira!

Condinha é membro do Voa Voa Maria, grupo de samba de roda da ilha de Matarandiba, protagonizado por mulheres marisqueiras em sua vasta sabedoria de maré, de memórias e de vivências, recheado de intenções empoderadoras, de sentidos identitários, de força política, de múltiplos e robustos saberes que fustigam comportamentos distraídos e alienados a se situarem, frente aos inflamados furúnculos do sistema colonial (BAPTISTA, 2023BAPTISTA, Walmir Pimentel. Samba de Matarandiba, Voa Voa Maria: Memória, História e Identidade na Baía de Todos os Santos (2008/2022). 2023. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais) - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.).

Composto atualmente por, aproximadamente, 65 pessoas, onde os homens são minoritários, ressurgiu em 2009, na euforia da patrimonialização do samba, para dar conta de uma série de lacunas, demandas e saudades.

Voa Voa tá chegando, tá na hora de sambar, se prepare [sic] sambadeiras pras cadeiras balançar, grupo de Matarandiba, que Deus já abençoou, todos já estão sambando, samba Iaiá, samba Ioiô, arrasta a sandália Ioiô, mexe as cadeiras Iaiá, Voa Voa Maria Agora chegou pra ficar (Canção Voa Voa tá chegando).

Em Matarandiba, como em outras comunidades de base cultural e econômica advinda das oscilações das marés e dos ciclos lunares nas águas, embatendo com o forte patriarcado colonial, observa-se claramente a presença do feminino no samba como lastro importante de processos educativos, de resgates, de resistência e de preservação.

Nascer em Matarandiba sempre significou, literalmente, ser um(a) filho(a) da ilha. Impressiona e emociona a percepção de como as mulheres de Matarandiba superaram os processos biológicos e culturais da arte de nascer. Muitas foram as parturientes silenciadas no instante de dar à luz, por circunstâncias delicadas e variadas. Em seguida, a preocupação com os rituais pós-parto, com os melindres dos umbigos (guardar, enterrar no Alto do Cruzeiro, oferecer aos porcos ou às galinhas do quintal?), da aguardada oferta dos bebês à lua, embalada por cânticos herdados das lutas por sobrevivência nas marés, numa oralidade Atlântica, alternada entre alguns óbitos e muitos nascimentos exitosos.

As mãos sagradas das parteiras carregam vincos e vínculos de afeto, de gratidão do povo do mar de Matarandiba, e posam como lenitivo às carências antigas e urgências naturais na renovação da vida, resistindo ao tempo, (re)existindo nas lutas e ressignificando as labutas do parto tradicional pelas marés de Todos os Santos.

Figura 1
O navio onde nasceu a sambadeira Condinha

Considerações finais

Neste artigo, nos debruçamos sobre o universo das parteiras das marés, no Recôncavo Baiano. A partir dos anos 60 do século XX, o ofício e os saberes das parteiras tradicionais vêm sendo silenciados nesse quadrante da Bahia. Recentemente, os rituais e as práticas de cura estão sendo apagados e atacados. Dois movimentos diversos, mas convergentes, são identificados como responsáveis por essas transformações: a medicalização do parto e a expansão do neopentecostalismo. Esses dois eventos, ao negarem as práticas de matrizes africana e indígena, reforçam a tradição colonialista, interrompem a transmissão transgeracional de saberes e contribuem para o apagamento da memória e da história das comunidades da maré.

Na Bahia, segundo estudos de ONGs ligadas à Secretaria de Saúde do Estado e de alguns municípios do interior, existem mais de 8 mil parteiras em atividade; no Brasil, são mais de 30 mil.14 14 Dados fornecidos pela Rede Nacional de Parteiras Tradicionais do Brasil.

A emersão de saberes obstétricos naturais, acumulados nas experiências observadas, construídas e reelaboradas à lâmina da cultura tradicional dos povos da maré confirma o que diz o poeta carioca Moacyr Luz (LUZ; Luiz Carlos DA VILA; Aldir BLANC, 2005LUZ, Moacyr; DA VILA, Luiz Carlos; BLANC, Aldir. Cabô, Meu Pai. Rio de Janeiro: Lua Disco, Renascença Clube, 2005.), num trecho da canção Cabô, meu pai: “O pai me disse que a tradição é lanterna, vêm do ancestral é moderna, bem mais que o modernoso…”. Historicamente valorizada, a arte/dom de partejar territorializa-se e sedimenta a cultura local pelos laivos da memória oral. Segundo Magali Santana dos Santos, uma das responsáveis pela exposição sobre as parteiras de Matarandiba, os partos das mulheres da comunidade eram todos realizados por parteiras do lugar. As longas distâncias, a inexistência de oferta obstétrica-hospitalar e outros empecilhos faziam emergir os conhecimentos herdados de remotas memórias, direcionados aos nascimentos.

Em Matarandiba, as parteiras eram negras e aprendiam seu ofício com as pretas mais velhas que, através da oralidade, transmitiam ritos de sobrevivência, de geração em geração. Assim, novas parteiras iam surgindo e ressignificando a arte de partejar.

O preparo para o momento tão aguardado resvalava para a culminância de ciclo. Trata-se do banho de folhas de algodão para aumentar as contrações, da toalha alvíssima, de uma bacia com um pouco de água morna, uma tesoura de inox sem ponta, ervas, folhas e a fé no Divino. As parteiras tradicionais do lugar, por entenderem que dom divino é um presente de Deus, jamais realizavam esse trabalho em troca de dinheiro. O senso de solidariedade e de humanidade eram âncoras dessas parteiras, na arte de pegar e trazer gente ao mundo. Na falta de uma parteira local, o que era raro ocorrer, o pai se lançava ao mar, em busca de outras mãos sagradas, em algum povoado próximo: Tairu, Ponta Grossa, Baiacus e Campina.

Os laços produzidos nessa relação, durante nove luas, eram tão fortes que ficavam para vida toda. O nascimento entre o povo do mar, da forma mais natural e simples possível, uniu marisqueiras em suas histórias, destinos, ancestralidades e lapidou sororidades.

Partejar tradicionalmente cria elos, teias, veios de irmandade que transcenderam a dureza das violências colonialistas diversas e alastraram-se pelos nascimentos, bem ou malsucedidos, ora na reza, na prosa, no colo, no afeto. Ora na morte, na sorte e no parto ao mar!

Referências

  • BAPTISTA, Walmir Pimentel. Samba de Matarandiba, Voa Voa Maria: Memória, História e Identidade na Baía de Todos os Santos (2008/2022) 2023. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais) - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
  • BARRETO, Maria Renilda. “Assistência ao nascimento na Bahia oitocentista”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. 15, p. 901-925, 2008.
  • BARRETO, Maria Renilda. Nascer na Bahia do século XIX 2000. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em História Social) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
  • BESSA, Lucineide Frota; FERREIRA, Sílvia Lúcia. Mulheres e parteiras: contribuição ao estudo do trabalho feminino em contexto domiciliar rural Salvador: GRAFUFBA, 1999.
  • CARVALHO, Ana Paula Comin de; FERNANDES, Mariana Balen. “O negro no Recôncavo da Bahia: reflexões sobre construções identitárias, retóricas de etnicidade, raça e cultura”. Ilha Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 21, n. 2, p. 7-34, 2019.
  • CASTELLUCCI JÚNIOR, Wellington. “Nas franjas da plantation: trabalho e condições de vida de escravos e libertos em pequenas propriedades de Itaparica: 1840-1888”. Tempo - Revista do Departamento de História da UFF, v. 14, p. 193-221, 2010.
  • FLEISCHER, Soraya. Parteiras, buchadas e aperreios: uma etnografia do atendimento obstétrico não oficial em Melgaço, Pará Belém: Paka-Tatu; Santa Cruz do Sul: Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul, 2011.
  • FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala São Paulo: Global, 2004.
  • JUCÁ, Luiza; MOULIN, Nilson. Parindo um novo mundo: Janete Capiberibe e as parteiras do Amapá São Paulo: Cortez, 2002.
  • LUZ, Moacyr; DA VILA, Luiz Carlos; BLANC, Aldir. Cabô, Meu Pai Rio de Janeiro: Lua Disco, Renascença Clube, 2005.
  • MACHADO, Renata Freitas. Um olhar etnográfico sobre a reconstituição da memória social de Matarandiba 2013. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Departamento de Antropologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
  • MAGALHÃES, Fernando. A obstetrícia no Brasil Rio de Janeiro: Ribeiro Leite, 1922.
  • MOTT, Maria Lúcia. “Bibliografia comentada sobre a assistência ao parto”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 2, n. 10, p. 493-507, 2002.
  • MUNIZ, Gonçalo. A medicina e sua evolução na Bahia Bahia: Imprensa Oficial, 1923.
  • QUEIROZ, Fernanda Castro de. Voa Voa Maria: Uma etnografia da prática do samba de roda das mulheres de Matarandiba 2020. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Antropologia) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
  • REIS, João José. “Entre parentes: nações africanas na cidade da Bahia, século XIX”. In: SOUZA, Evergton Sales; MARQUES, Guida; SILVA, Hugo R. (Orgs.). Salvador da Bahia: retratos de uma cidade atlântica Salvador e Lisboa: Editora da Universidade Federal da Bahia; CHAM, 2016, v. 1. p. 285-324.
  • REZENDE, Patrícia de Souza. A reprodução enquanto um processo biossocial. Estudo etnográfico em uma vila do baixo-sul baiano 2015. Doutorado (Instituto de Saúde Coletiva) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
  • SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro. História Geral da Medicina Brasileira Hucitec; Editora da Universidade de São Paulo, 1991.
  • SILVA, Leonildo Severino; NASCIMENTO, Enilda Rosendo. “Resguardo de mulheres da etnia Kambiwá. Cuidados culturais”. Cadernos de Gênero e Diversidade, Universidade Federal da Bahia, Salvador, v. 05, n. 04, out./dez. 2019.
  • VIANNA, Hildegardes. As aparadeiras e as sendeironas: seu folclore Salvador: Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1988.
  • 1
    Pequeno lampião de querosene feito com latas reaproveitadas de óleo, ervilha, leite condensado, extrato de tomate etc., tendo um pavio de algodão na parte superior, por onde sai a chama. A depender da região do Brasil, também é chamado de periquito e Bibiano.
  • 2
    As parteiras também podem ser nominadas de comadre, mãe, sendeirona e aparadeira.
  • 3
    Sobre as artes e ofícios de curar no Brasil, ver: CHALHOUB, Sidney; MARQUES, Vera Regina Beltrão; SAMPAIO, Gabriela dos Reis; GALVÃO SOBRINHO, Carlos Roberto. Artes e ofícios de curar no Brasil: capítulos de história social. Campinas: Unicamp, 2003. Para aprofundar a discussão sobre as diferenças profissionais entre as parteiras, ver BARRETO (2008) e MOTT, Maria Lúcia. Parto, parteiras e parturientes: Mme. Durocher e sua época. 1998. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
  • 4
    É como a memória bantu registrou o mar, associando-o à morte, ao inferno. Os cemitérios são chamados de Calunga Pequeno.
  • 5
    Exploramos o termo “sagrado feminino” como valorização dos saberes ancestrais das mulheres nas práticas de apoio mútuo, em particular nos cuidados do corpo e da alma. Assim, reiteramos o papel das mulheres como guardiãs de tradições ancestrais, seja no campo da cultura ou da saúde.
  • 6
    Seccionamento da sínfise púbica.
  • 7
    Ulla Macedo Romeu (2007), ao estudar o universo reprodutivo dos índios Tupinambá da Serra do Padeiro, na Bahia, afirma que a “dona do corpo” não é exatamente o útero, apesar de se localizar no interior da barriga feminina e controlar a saída e a entrada de sangue, bem como os eventos reprodutivos (ROMEU, Ulla Macedo. A Dona do Corpo: um olhar sobre a reprodução entre os Tupinambá da Serra-BA. 2007. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil).
  • 8
    Para maiores aprofundamentos sobre essa pauta, ver: BARRETO, Maria Renilda. A medicina luso-brasileira: instituições, médicos e populações enfermas em Salvador e Lisboa (1808-1851). 2005. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde) - Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; CORBIN, Alain. Saberes e Odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987; PORTER, Roy (Ed.). The Cambridge Illustrated History of Medicine. New York, Cambridge University Press, 1996.
  • 9
    Intriga-nos o nome de Belinha: Maria Isabel de Hungria. Poucas informações nossa fonte revela! Sabemos que era oriunda de Irará (interior da Bahia), que partejava desde os 11 anos, nunca teve filhos nem se casou, aprendeu o ofício ajudando sua mãe a parir seus irmãos. Muitas perguntas sem resposta: de onde vem o sobrenome Hungria? Era uma mulher negra ou indígena? Como era partejar no sertão?
  • 10
    Toda e qualquer criança quando estava em período de gestação costumava ser chamada de “minino”. Tal terminologia nos leva a refletir sobre os atravessamentos de gênero com o apagamento das meninas, iniciado desde a vida uterina.
  • 11
    Distrito do município de Camaçari, também da Grande Salvador, região costeira.
  • 12
    Ainda hoje os baianos utilizam essa expressão quando se referem às horas. São expressões regionais, as quais preservamos nesse artigo.
  • 13
    Sobre as histórias das Santas Casa na Bahia, ver: SÁ, Isabel dos Guimarães. “As Misericórdias nas sociedades portuguesas do período moderno”. Cadernos do Noroeste, v. 15, n. 1-2, p. 337-358, 2001; BARRETO (2005); BARRETO, Maria Renilda; CERQUEIRA, João Batista. “Assistência à saúde no interior da Bahia oitocentista: A Irmandade da Santa Misericórdia de Nazaré”. In: BARRETO, Maria Renilda; SANGLARD, Gisele; FERREIRA, Luiz Otávio. A interiorização da Assistência: um estudo sobre a expansão e a diversificação da assistência à saúde no Brasil (1850-1945). Belo Horizonte: Fino Traço, 2019.
  • 14
    Dados fornecidos pela Rede Nacional de Parteiras Tradicionais do Brasil.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    BARRETO, Maria Renilda Nery; BAPTISTA, Walmir Pimentel. “Nascer no Recôncavo das águas (Bahia, século XX)”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 32, n. 1, e98152, 2024
  • Financiamento:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2024
  • Aceito
    14 Jan 2024
Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: ref@cfh.ufsc.br