Acessibilidade / Reportar erro

Mapa mínimo da Rede Social Institucional: uma estratégia multidimensional de investigação na Enfermagem* * Artigo extraído da Tese de Doutorado “O cuidado em rede a famílias envolvidas na violência contra crianças e adolescents: o olhar da Atenção Básica à Saúde”, em 2014, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP).

Resumos

Objetivo

Analisar o uso de estratégias metodológicas em pesquisas qualitativas - Mapa mínimo da Rede Social Institucional, como proposta para compreender os fenômenos na perspectiva multidimensional.

Método

Ensaio teórico metodológico em que buscou-se refletir sobre o uso de estratégias metodológicas inovadoras de pesquisa na enfermagem, sustentada nos fundamentos do Pensamento Complexo.

Resultados

O mapa mínimo da Rede Social Institucional Externa tem o objetivo de identificar os vínculos institucionais e lacunas para o trabalho de intervenção das instituições pesquisadas. O uso destes mapas proporcionou avanços importantes no saber-fazer pesquisa qualitativa em Saúde e Enfermagem.

Conclusão

Nessa perspectiva, o uso de mapas mínimos da Rede Social Institucional pode ser estimulado e potencializado para responder às atuais demandas da contemporaneidade, em especial pela sua flexibilidade na adequação a diversos objetos de pesquisa; amplitude e profundidade de discussão; e possibilidades de articulação com a prática dos serviços.

Vulnerabilidade em Saúde; População Rural; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida


Objective

To analyze the use of methodological strategies in qualitative research - Minimum Maps of Social Institutional Network, as proposed to understand the phenomena in the multidimensional perspective.

Method

Methodological theoretical essay in which we aimed to reflect on the use of innovative methodological strategies in nursing research, supported in Complex Paradigm fundamentals.

Results

The minimum map of Social Institutional External Network aims to identify institutional linkages and gaps for the intervention work of the surveyed institutions. The use of these maps provided important advances in know-how qualitative research in Health and Nursing.

Conclusions

In this perspective, the use of minimum Social Intitutional Network maps can be stimulated and enhanced to meet the current demands of the contemporary world, particularly for its flexibility in adapting to various research subjects; breadth and depth of discussion; and possibilities with health services.

Qualitative Research; Nursing; Community Network


Objetivo

Analizar el uso de estrategias metodológicas en la investigación cualitativa - Mapa mínimo de la Intitucional de la Red Social, tal como se propone para comprender los fenómenos en la perspectiva multidimensional.

Método

Ensayo teórico metodológico en el que hemos tratado de reflexionar sobre el uso de estrategias metodológicas innovadoras en la investigación en enfermería, apoyados en los fundamentos del Pensamiento Complejo.

Resultados

El mapa mínimo de Red Externa Institucional Social tiene como objetivo identificar los vínculos institucionales y carencias para el trabajo de intervención de las instituciones encuestadas. El uso de estos mapas proporcionan importantes avances en los conocimientos técnicos de investigación cualitativa en salud y enfermería.

Conclusión

En esta perspectiva, el uso de mapas mínimos Institucional de red social puede ser estimulada y mejorada para satisfacer las demandas actuales del mundo contemporáneo, sobre todo por su flexibilidad para adaptarse a diferentes sujetos de la investigación; amplitud y profundidad de la discusión; y posibilidades con servicios de la salud.

Qualitative Research; Nursing; Community Network


Introdução

A saúde vem experienciando, há alguns anos, uma transição paradigmática; alguns marcos históricos foram importantes para tal mudança. A Conferência de Alma Ata, em 1986, que referencia a Atenção Primária à Saúde (APS), e a Carta de Otawa, em 1986, que legitima a promoção da saúde, constituem-se como dois desses marcos. A APS passa a ser concebida como atenção essencial e medida internacional para se obter melhor qualidade de vida(11. Starfield B, Shi L, Macinko J. Contribution of primary care to health systems and health. Milbank Q. 2005;83(3):457–502.). A promoção da saúde parte de uma concepção ampla do processo saúde-doença e de seus determinantes; apresenta como elementos essenciais a articulação de saberes técnicos e populares e a mobilização de recursos institucionais e comunitários para o enfrentamento e resolução dos problemas de saúde(22. Buss PM. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciênc. Saúde Coletiva. 2000;5(1):163-77. DOI: 10.1590/S1413-81232000000100014).

Neste cenário, o Brasil, em 1986, realiza sua 8ª Conferência Nacional de Saúde, referenciando o movimento da Reforma Sanitária, que se iniciou na década anterior, e reconhecendo a saúde como um direito de todos e dever do Estado, que demarca o início da construção do Sistema Único de Saúde (SUS). Neste sentido, buscando superar a lógica oposicionista saúde-doença, propõe-se um conceito ampliado de saúde, aproximado-se do conceito de promoção da saúde(33. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde. Política nacional de promoção da saúde. Brasília; 2006.).

De fato, a partir da Lei 8080/1990, que regulamenta o SUS, e da Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS, ressalta-se o novo conceito de saúde: “A saúde é produção social, resultado de complexas relações causais, que envolvem elementos biológicos, subjetivos, sociais, econômicos, ambientais e culturais, que se processam e se sintetizam na experiência concreta de cada sujeito, de cada grupo particular e da sociedade em geral”(44. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde.Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Redes de Produção da Saúde. Brasília;2009.:10).

Assim, o próprio conceito de saúde já indicava a necessidade do desenvolvimento de ações coordenadas de diferentes setores, ou seja, ações multi e interdisciplinares, inter e multisetoriais, sinalizando a passagem de “um modelo reducionista de saúde, focado na doença, para uma visão complexa de saúde, multicausal, territorializada, sistêmica e focada na relação sujeito-ambiente”(55. Feriotti ML. Construção de Identidade(s) na T. Ocupacional no Contexto das Transformações Paradigmáticas daSaúde e da Ciência. In: Terapia Ocupacional e Complexidade Práticas Multidimensionais. Curitiba: Editora CRV; 2013.: 51).

Atualmente, de acordo com as novas diretrizes do Ministério da Saúde, orienta-se a integração dos recursos disponíveis à atenção da população em uma rede de cuidados, orientada pela atenção básica, segundo o modelo da linha de cuidado. A Linha de Cuidado se apresenta como um caminho para a obtenção da “atenção integral” ou “integralidade da atenção”. Esse modelo oferece o cuidado desde a atenção básica até os níveis de maior densidade tecnológica, proporcionando, ainda, a interação com outros setores(66. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília; 2012. ).

A enfermagem, como núcleo profissional do campo da saúde, toma como objeto de seu trabalho o ser humano, e como objetivo o cuidado ao ser humano (individual ou coletivo / singular ou comunitário), ao longo do processo saúde-doença, assim como os fatores que nele interferem. Todos esses elementos são considerados, em conjunto, um objeto complexo, situado num campo de investigação desafiador(77. Santos SSC, Hammerschmidt KSA. A complexidade e a religação de saberes interdisciplinares: contribuição do pensamento de Edgar Morin. Rev Bras Enferm. 2012; 65(4): 561-5. DOI: 10.1590/S0034-71672012000400002). No contexto de transição paradigmática, os pesquisadores em enfermagem vêm desenvolvendo e explorando diversas técnicas de investigação, apoiados em diferentes referenciais teóricos, pois são necessárias novas estratégias para a compreensão do real(88. Campos CMS, Silva BRB, Forlin DC, Trapé CA, Lopes IO. Emancipatory practices of nurses in primary health care: the home visit as an instrument of health needs assessment. Rev. esc. enferm. USP. 2014;48(spe):119-25. DOI: 10.1590/S0080-623420140000600017,99. Gomes NP, Erdmann AL. Conjugal violence in the perspective of “Family Health Strategy” professionals: a public health problem and the need to provide care for the women. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2014;22(1):76-84. DOI: 10.1590/0104-1169.3062.2397.).

O foco na APS e na promoção da saúde, bem como o cuidar em Enfermagem, se apresentam como questões contemporâneas que precisam ser melhor discutidas, sob novo prisma. Tal olhar dialoga com o paradigma da complexidade, tomando como referência Edgar Morin, um de seus principais autores; propõe o pensamento complexo para abordagem daquilo que é “tecido junto”, o que implica considerar as partes distintas, e às vezes contraditórias, que se articulam na composição do fenômeno, inseridas num contexto, em perspectiva dialógica. Para isto, torna-se necessária uma visão poliocular do fenômeno(1010. Morin E. Ciência com consciência. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2005.).

Nesse sentido, no âmbito da pesquisa qualitativa, a contextualização do objeto de conhecimento passa a ser então uma das ideias-chave do pensamento complexo e do conhecimento pertinente, como afirma o autor “o conhecimento só pode ser pertinente se ele situar seu objeto no contexto e, se possível no sistema global do qual faz parte, se ele cria uma forma incessante que separa e reúne, analisa e sintetiza, abstrai e reinsere no concreto”(1111. Morin E, Le Moigne, J. A Inteligência da Complexidade. São Paulo: Editora Petrópolis; 2000.:91).

Ou ainda, explicita que “o conhecimento das informações ou dos dado isolados é insuficiente. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que adquiram sentido”(1212. Morin, E. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 2ª. ed. Brasília; 2000.:36).

O presente estudo constitui de um ensaio teórico metodológico em que buscou-se refletir sobre o uso de estratégias metodológicas inovadoras de pesquisa na enfermagem que contemple a compreensão dos fenômenos e das realidades nas dimensões polidisciplinar e polioscópica, sustentada nos fundamentos do Pensamento Complexo. Destarte, este estudo objetivou analisar o uso de estratégias metodológicas em pesquisas qualitativas - Mapa mínimo da Rede Social Institucional, como proposta para compreender os fenômenos na perspectiva multidimensional.

A relevância da proposta está em consonância com as novas diretrizes governamentais sobre as políticas de saúde, com foco na APS e na promoção da saúde. A construção de novas abordagens teóricas e estratégias metodológicas contribui para responder a demandas contemporâneas no campo da pesquisa e prática em Saúde e, em especial, na Enfermagem, além de indicar caminhos para abordagens mais pertinentes e coerentes do cuidado nesta área.

Método

Para Morin, o método é muito desafiador e contundente; recria uma concepção de método que transpõe o conjunto de conhecimentos e de procedimentos formais, ligados a um princípio de ordem, rigor científico preponderante, e lógica dedutiva, para buscar explicações complexas da realidade social(1010. Morin E. Ciência com consciência. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2005.). O referido autor faz, ainda, a distinção entre teoria e método, ponderando que a teoria não é o conhecimento, mas permite o conhecimento, ao afirmar que “[...] a teoria é engrama, e o método para ser estabelecido, precisa de estratégia, iniciativa, invenção, arte [...]. O método é a práxis fenomenal, subjetiva, concreta”(1010. Morin E. Ciência com consciência. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2005.:335).

Desta forma, embasados na coerência entre teoria e método, entende-se que a teoria só ganha vida com a intervenção do sujeito; e para esta intervenção, o sujeito concebe estratégias e técnicas. Permite o emprego das mais especiais qualidades do sujeito, mobilizando sua atividade pensante e arte(1313. Alhadeff-Jones M. Revisiting Educational Research Through Morin’s Paradigm of Complexity. Complicity: An International Journal of Complexity and Education. 2009;6(1):61-70.).

A compreensão de Morin fica clara ao afirmar: “deve-se lembrar aqui que a palavra ‘Método’ não significa de jeito nenhum ‘metodologia’? As metodologias são guias a priori que programam as pesquisas, enquanto que o Método derivado de nosso percurso será uma ajuda à estratégia (a qual compreenderá utilmente, certos segmentos programados, isto é, metodologias, mas comportará necessariamente descoberta e inovação). O objetivo do Método aqui é ajudar a pensar por si mesmo para responder ao desafio da complexidade dos problemas”(1414. Morin, E. O Método, Volume 3, O Conhecimento do Conhecimento. Porto Alegre: Ed. Sulina; 1999.). Esse entendimento é também pontuado em Ciência com Consciência(1010. Morin E. Ciência com consciência. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2005.:337), obra já clássica do autor, quando discute Teoria e Método, afirmando que “o método é a atividade pensante do sujeito”.

Por outro lado, o significado de estratégia contribui e se amplia na pesquisa qualitativa, uma vez que permite, como afirma Morin(1515. Morin, E. Introdução ao Pensamento Complexo. 5ª. ed. Lisboa: Instituto Piaget; 2008.:116), “a partir de uma decisão inicial, encarar um certo número de cenários para a ação, cenários que poderão ser modificados segundo as informações que vão chegar no decurso da ação e segundo os imprevistos que vão surgir e perturbar a açao”.

Para manter-se a coerência entre teoria e método, é necessário a busca de técnicas e procedimentos que permitam esta “atividade pensante do sujeito” norteada e apoiada em subsídios teóricos. Entende-se que os mapas mínimos da rede social institucional podem auxiliar pesquisas e pesquisadores a responderem a essa demanda. Desta forma, será apresentado a seguir a experiência do uso de tais mapas como estratégia metodológica multidimensional.

Resultados

No desenvolvimento de uma tese de doutoramento, em Ciências da Saúde, que teve como objetivo contribuir para a compreensão do cuidado em rede para famílias envolvidas na violência doméstica contra crianças e adolescentes (VDCCA), sob a ótica de profissionais dos Centros de Saúde (CS) de um município do interior do estado de São Paulo(1616. Carlos DM. O cuidado em rede a famílias envolvidas na violência contra crianças e adolescentes: o olhar da Atenção Básica à Saúde [master’s thesis]. [Ribeirão Preto (SP)]: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2014. 212p.), sob a perspectiva do pensamento complexo, pode-se apropriar do uso do Mapa Mínimos da Rede Pessoal Social criado pelo psiquiatra argentino Sluzki(1717. Sluzki CE. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997.) e adaptado por Ude(1818. Ude W .Enfrentamento da violência sexual infantojuvenil e construção de redes sociais: produção de indicadores e possibilidades de intervenção. In: Cunha EP, Silva EM, Giovanetti MAC. Enfrentamento à violência sexual infantojuvenil: expansão do PAIR em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG; 2008. p.30-60.) para contextos institucionais. O mapa mínimo da Rede Social Institucional Externa tem o objetivo de identificar os vínculos institucionais e lacunas para o trabalho de intervenção das instituições pesquisadas. No estudo, os dados construídos foram complementados por grupos focais e entrevistas semiestruturadas. Participaram do estudo 41 profissionais de saúde, de 5 unidades participantes. Ressalta-se que tal estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, pelo protocolo CAAE 01726512.0.00005393, ofício 217/2012.

O mapa mínimo da Rede Social Institucional Externa tem o objetivo de identificar os vínculos institucionais e lacunas para o trabalho de intervenção das instituições pesquisadas. A articulação desse mapa à contextualização de um dado problema ou nó a ser investigado permite a construção de uma identificação, representação e sinalização de aspectos que poderiam compor um todo, com uma visão global e articulada das partes que o compõem, a fim de se compreender o seu contexto(1919. Pádua EMM. Pesquisa e Complexidade: Estratégias Metodológicas Multidimensionais. Curitiba: Ed. CRV; 2014.). Esta articulação possibilita “a descoberta da contextura(...) a maneira de interligar os fios de urdume e de trama num tecido, descobrir o que está tecido junto, compreender sua complexidade”(1919. Pádua EMM. Pesquisa e Complexidade: Estratégias Metodológicas Multidimensionais. Curitiba: Ed. CRV; 2014.:42).

Este mapa propõe evidenciar como estão constituídos os vínculos entre a instituição avaliada e os grupos organizados na comunidade, como também as distintas instituições governamentais e não-governamentais, com o objetivo de procurar identificar recursos e lacunas existentes, com vistas a integrar, fortalecer e otimizar a rede comunitária existente. Desta forma, favorece a interligação dos fios, a percepção da trama, a evidência de relações significativas entre os diferentes aspectos e possibilidades de abordagem de um tema, ao mesmo tempo em que as integra, distingue e diferencia, a partir da visualização ampliada do contexto.

O primeiro movimento do desenho, no mapa, caracteriza-se pelo traçado da construção de indicadores, quanto aos vínculos da instituição avaliada em relação às demais, nos campos da educação, saúde, área jurídica, segurança, religião, meio ambiente, trabalho, lazer, cultura, assistência social, famílias, e órgão diretor. Neste sentido, coloca-se o nome da instituição estudada no centro do mapa e verificam-se os vínculos próximos, intermediários e distantes, nos diferentes campos mencionados. Para indicar as diversas instituições, programas e grupos identificados, utiliza-se o nome abreviado, como por exemplo: CT – Conselho Tutelar; IE – Igreja Evangélica; IC – Igreja Católica; BF – Bolsa Família. A qualidade dos vínculos é sinalizada por linhas para se referir aos vínculos significativos, fragilizados, rompidos ou inexistentes.

Pode-se realizar um segundo movimento, que se evidencia pela tentativa de verificar como estão os vínculos entre as instituições e grupos mapeados nos distintos quadrantes. Simultaneamente, avaliam-se as inter-relações estabelecidas entre estes órgãos e os demais, indicados no mapa. É preciso lembrar que os traços devem ser qualificados, seguindo o parâmetro indicado acima, ou seja, vínculos significativos, fragilizados, rompidos ou inexistentes.

Ao terminar esta parte, inicia-se a avaliação do desenho por meio dos seguintes critérios tamanho; densidade; distribuição e composição; dispersão; homo ou heterogeneidade. Neste trabalho foram utilizadas as cores verde, amarela e vermelha para representar, respectivamente, os vínculos significativos, frágeis e inexistentes ou rompidos. Considerando a diversidade e multidimensionalidade do universo pesquisado, as linhas que configuram o mapa mínimo foram pontilhadas, indicando a permeabilidade entre as dimensões e a circularidade e não linearidade das informações. Pela complexidade da organização dos sistemas de saúde, as unidades deste setor foram inseridas na rede externa. Além disto, não foram discutidas as inter-relações entre as instituições mapeadas nos setores pela profundidade em conhecimentos necessários para tal discussão.

Os CS participantes foram designados pelos números 1, 2, 3, 4 e 5, conforme a sequência de realização da coleta de dados, a fim de manter a sua identidade sob sigilo.

Utilizou-se o seguinte roteiro para elaborar os mapas: apresentação do objetivo da atividade; atividade introdutória, com a apresentação dos participantes na atividade; explanação sobre o paradigma de redes e a importância dos vínculos entre os setores e instituições; explicação sobre o preenchimento do mapa mínimo, que se constitui em um diagnóstico, permitindo a visualização da instituição na rede de cuidado a famílias envolvidas na VDCCA; elaboração dos mapas, sendo necessário um papel em formato grande com esquema básico do mapa; lápis de cor nas cores preta, verde, amarela e vermelha; fita adesiva. Para a elaboração, com o grupo sentado em semicírculo, os participantes foram orientados a observar, no esquema fornecido, os quadrantes que representavam os diversos setores, podendo acrescentar ou substituir instituições, especificando os serviços com os quais a instituição se relaciona. As instituições foram dispostas mais próximas e mais distantes conforme a distância geográfica com a instituição que ocupa o centro do mapa. Posteriormente, observando a legenda, traçaram linhas para indicar a qualidade dos vínculos existentes entre cada instituição. As linhas são traçadas de uma instituição à outra, configurando-se a rede de serviços e suas relações. Posteriormente, foi realizada uma discussão sobre os vínculos presentes entre o CS e as demais instituições.

Os esquemas foram preparados previamente, e impressos com dimensões de 90 x 110 cm, para melhor visualização em sala. Como os participantes eram membros de uma equipe específica, tiveram dificuldades para dialogar sobre as demais equipes da unidade. Apesar desta questão, trouxeram densa e ampla discussão sobre os vínculos com as demais unidades do setor saúde e outros setores. Abaixo, apresenta-se o mapa desenvolvido em um CS estudado:

Figura 1
Mapa Mínimo da Rede Social Institucional Externa do CS1. Campinas, 2014

Após a elaboração do mapa, é interessante o uso de outros instrumentos que o complementem e permitam maior profundidade na discussão (UDE, 2008). Desta forma, complementamos a coleta por meio dos grupos focais, que utilizaram como disparadores os mapas construídos pelos profissionais; e entrevistas semiestruturadas, que buscaram esclarecer alguns pontos específicos, em especial as ações desenvolvidas pelos CS para atuação junto às famílias envolvidas na VDCCA.

Discussão

O uso de mapas mínimos da Rede Social Institucional Externa proporcionou avanços importantes no saber-fazer pesquisa qualitativa em Saúde e Enfermagem, nos aspectos discutidos a seguir.

No âmbito da pesquisa qualitativa, tal abordagem é bastante interessante pois permite adequações referentes ao objeto e tipo de pesquisa; universo e população estudados. Trata-se de importante estratégia a ser usada como disparadora de discussões em pesquisa, pois permite uma melhor compreensão do contexto, e assim, atua como facilitadora do processo reflexivo dos participantes de pesquisas. Ainda neste âmbito, permite um “enxergar de dentro” dos serviços, levando à discussão e problematização de processos de trabalho e gestão do cuidado à população.

Nesta direção, a estratégia não só é importante na pesquisa, mas por promover espaços de reflexão entre os profissionais de saúde, particularmente na enfermagem sobre o saber e o saber-fazer; entretanto a mudança da práxis dos profissionais não se dá por programas de ação e planos, mas está condicionada à visão de mundo, que se constitui de um movimento lento e processual, iniciado deste a formação e mantido ao longo de sua trajetória profissional(1313. Alhadeff-Jones M. Revisiting Educational Research Through Morin’s Paradigm of Complexity. Complicity: An International Journal of Complexity and Education. 2009;6(1):61-70.). Assim, pode apresentar-se como objeto de educação permanente aos profissionais, pois trata-se de uma construção conjunta, sem conceitos ou concepções pré-estabelecidas, permitindo uma visão multidimensional do real e atuando como instrumento facilitador de intervenções.

Corroborando a literatura na área, que indica a relevância do uso de metodologias multidimensionais na pesquisa(77. Santos SSC, Hammerschmidt KSA. A complexidade e a religação de saberes interdisciplinares: contribuição do pensamento de Edgar Morin. Rev Bras Enferm. 2012; 65(4): 561-5. DOI: 10.1590/S0034-71672012000400002,2020. Vieira LB, Souza IEO, Tocantins FR, Pina-Roche F. Support to women who denounce experiences of violence based on her social network. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2015; 23(5):865-73. DOI: 10.1590/0104-1169.0457.2625.), estas situam-se como importante estratégia para pesquisas-ação, com a discussão e construção de projetos de intervenção mais eficientes e baseados na prática dos serviços(2121. Vasconcelos EM. Complexidade e Pesquisa Interdisciplinar. 4ª.ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes; 2009.). Neste âmbito, as metodologias ativas e multidimensionais não devem ser utilizadas como meras ferramentas dirigidas a formação profissional ou ações educativas no serviço. Para que tenha eficiência, é necessário que os sujeitos participem ativamente do processo de ensino-aprendizagem, busquem o saber e se apropriarem do conhecimento; reflitam criticamente sobre o apreendido para depois realizar ações e transformar a realidade em que vivem(2222. Diaz-Bordenave J, Pereira AM. Estratégias de ensino-aprendizagem. 28ª ed. Petrópolis: Vozes; 2007.).

Para além do âmbito da pesquisa, mas ainda coerente ao paradigma complexo, em que não se separa ou fragmenta pesquisa-prática, que se constitui em outro desafio a ser superado, o mapa traz contribuições significativas para esta interlocução e dialogo entre teoria e pratica. Em primeiro, articula-se com as atuais diretrizes da Organização Mundial da Saúde, especificamente no que tange à organização do cuidado às populações em rede, com articulação interdisciplinar e intersetorial(2323. Clarke A, Wydall S. From ‘Rights to Action’: practitioners’ perceptions of the needs of children experiencing domestic violence. Child and Family Social Work. 2015;20:181-90.,2424. Turner W, Broad J, Drinkwater J, Firth A, Hester M, Stanley N, Szilassy E, Feder G (in press). Interventions to improve the response of professionals to children exposed to domestic violence and abuse: a systematic review. Child Abuse Review. DOI: 10.1002/car.2385.,2525. Sylaska KM, Edwards KM. Disclosure of intimate partner violence to informal social support network members: a review of the literature. Trauma, Violence & Abuse. 2014;15:3-21.). Na prática, requer a superação da visão restrita e independente de cada disciplina, profissão, serviço e setor assistencial sobre o problema, de modo a possibilitar o estabelecimento de um projeto assistencial comum, onde cada profissional e cada setor assistencial tem sua parcela de contribuição específica mas interdependente(2626. Schraiber LB, D’Oliveira AF, Hanada H, Kiss L. Assistência a mulheres em situação de violência – da trama de serviços à rede intersetorial. Athenea Digital. 2012;12(3):1-24. DOI: 10.5565/rev/athenead/v12n3.1110).

Nesse sentido, o mapa favorece a atuação em redes, que tem se apresentado como um novo processo, em contraposição a abordagens tradicionais das políticas públicas, que são pautadas em ações fragmentadas, pontuais e compensatórias, gerando intervenções simplificadas e segmentadas, frente a fenômenos complexos(1818. Ude W .Enfrentamento da violência sexual infantojuvenil e construção de redes sociais: produção de indicadores e possibilidades de intervenção. In: Cunha EP, Silva EM, Giovanetti MAC. Enfrentamento à violência sexual infantojuvenil: expansão do PAIR em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG; 2008. p.30-60.). Parte do princípio da incompletude institucional, no qual se compreende que nenhuma instituição consegue resolver todos os problemas de maneira isolada de seu meio(1818. Ude W .Enfrentamento da violência sexual infantojuvenil e construção de redes sociais: produção de indicadores e possibilidades de intervenção. In: Cunha EP, Silva EM, Giovanetti MAC. Enfrentamento à violência sexual infantojuvenil: expansão do PAIR em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG; 2008. p.30-60.). Tal concepção apresenta caráter sistêmico, dialético e complexo(1010. Morin E. Ciência com consciência. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2005.

11. Morin E, Le Moigne, J. A Inteligência da Complexidade. São Paulo: Editora Petrópolis; 2000.

12. Morin, E. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 2ª. ed. Brasília; 2000.

13. Alhadeff-Jones M. Revisiting Educational Research Through Morin’s Paradigm of Complexity. Complicity: An International Journal of Complexity and Education. 2009;6(1):61-70.

14. Morin, E. O Método, Volume 3, O Conhecimento do Conhecimento. Porto Alegre: Ed. Sulina; 1999.

15. Morin, E. Introdução ao Pensamento Complexo. 5ª. ed. Lisboa: Instituto Piaget; 2008.

16. Carlos DM. O cuidado em rede a famílias envolvidas na violência contra crianças e adolescentes: o olhar da Atenção Básica à Saúde [master’s thesis]. [Ribeirão Preto (SP)]: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2014. 212p.
-1717. Sluzki CE. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997.). Ademais, permite a visualização gráfica das relações e vínculos, facilitando o real diagnóstico e problematização necessários, atuando como importante estratégia de planejamento e gestão dos serviços de saúde.

Conclusão

O momento de transição paradigmática na Ciência e na Saúde é, ao mesmo tempo, um momento-desafio, que demanda a busca e desenvolvimento de novas estratégias que ampliem a compreensão da realidade, na direção da polidimensionalidade , da inter e transdisciplinaridade e da multiplicidade de saberes envolvidos na prática profissional.

Ao reconhecer o mapa como estratégia importante no âmbito da pesquisa qualitativa, a atenção se volta para práticas contextualizadas e enraizadas nas culturas locais, reconhecendo também a necessidade de uma (re)leitura crítica das teorias e métodos que fundamentam a prática profissional.

O mapa permite a ampla contextualização do objeto de estudo, favorecendo a compreensão da multiplas dimensões que envolvem as ações da Enfermagem na atual Linha de Cuidado; ao identificar as multiplas dimensões do contexto identifica, ao mesmo tempo, as possibilidades de implementação de ações multi e interdisciplinares, intersetoriais, em consonância com as atuais diretrizes das Políticas na área da Saúde.

Nessa perspectiva, o uso de mapas mínimos da Rede Social Institucional pode ser estimulado e potencializado para responder às atuais demandas da contemporaneidade, em especial pela sua flexibilidade na adequação a diversos objetos de pesquisa; amplitude e profundidade de discussão; e possibilidades de articulação com a prática dos serviços.

References

  • 1
    Starfield B, Shi L, Macinko J. Contribution of primary care to health systems and health. Milbank Q. 2005;83(3):457–502.
  • 2
    Buss PM. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciênc. Saúde Coletiva. 2000;5(1):163-77. DOI: 10.1590/S1413-81232000000100014
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde. Política nacional de promoção da saúde. Brasília; 2006.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde.Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Redes de Produção da Saúde. Brasília;2009.
  • 5
    Feriotti ML. Construção de Identidade(s) na T. Ocupacional no Contexto das Transformações Paradigmáticas daSaúde e da Ciência. In: Terapia Ocupacional e Complexidade Práticas Multidimensionais. Curitiba: Editora CRV; 2013.
  • 6
    Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília; 2012.
  • 7
    Santos SSC, Hammerschmidt KSA. A complexidade e a religação de saberes interdisciplinares: contribuição do pensamento de Edgar Morin. Rev Bras Enferm. 2012; 65(4): 561-5. DOI: 10.1590/S0034-71672012000400002
  • 8
    Campos CMS, Silva BRB, Forlin DC, Trapé CA, Lopes IO. Emancipatory practices of nurses in primary health care: the home visit as an instrument of health needs assessment. Rev. esc. enferm. USP. 2014;48(spe):119-25. DOI: 10.1590/S0080-623420140000600017
  • 9
    Gomes NP, Erdmann AL. Conjugal violence in the perspective of “Family Health Strategy” professionals: a public health problem and the need to provide care for the women. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2014;22(1):76-84. DOI: 10.1590/0104-1169.3062.2397.
  • 10
    Morin E. Ciência com consciência. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2005.
  • 11
    Morin E, Le Moigne, J. A Inteligência da Complexidade. São Paulo: Editora Petrópolis; 2000.
  • 12
    Morin, E. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 2ª. ed. Brasília; 2000.
  • 13
    Alhadeff-Jones M. Revisiting Educational Research Through Morin’s Paradigm of Complexity. Complicity: An International Journal of Complexity and Education. 2009;6(1):61-70.
  • 14
    Morin, E. O Método, Volume 3, O Conhecimento do Conhecimento. Porto Alegre: Ed. Sulina; 1999.
  • 15
    Morin, E. Introdução ao Pensamento Complexo. 5ª. ed. Lisboa: Instituto Piaget; 2008.
  • 16
    Carlos DM. O cuidado em rede a famílias envolvidas na violência contra crianças e adolescentes: o olhar da Atenção Básica à Saúde [master’s thesis]. [Ribeirão Preto (SP)]: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 2014. 212p.
  • 17
    Sluzki CE. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997.
  • 18
    Ude W .Enfrentamento da violência sexual infantojuvenil e construção de redes sociais: produção de indicadores e possibilidades de intervenção. In: Cunha EP, Silva EM, Giovanetti MAC. Enfrentamento à violência sexual infantojuvenil: expansão do PAIR em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG; 2008. p.30-60.
  • 19
    Pádua EMM. Pesquisa e Complexidade: Estratégias Metodológicas Multidimensionais. Curitiba: Ed. CRV; 2014.
  • 20
    Vieira LB, Souza IEO, Tocantins FR, Pina-Roche F. Support to women who denounce experiences of violence based on her social network. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2015; 23(5):865-73. DOI: 10.1590/0104-1169.0457.2625.
  • 21
    Vasconcelos EM. Complexidade e Pesquisa Interdisciplinar. 4ª.ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes; 2009.
  • 22
    Diaz-Bordenave J, Pereira AM. Estratégias de ensino-aprendizagem. 28ª ed. Petrópolis: Vozes; 2007.
  • 23
    Clarke A, Wydall S. From ‘Rights to Action’: practitioners’ perceptions of the needs of children experiencing domestic violence. Child and Family Social Work. 2015;20:181-90.
  • 24
    Turner W, Broad J, Drinkwater J, Firth A, Hester M, Stanley N, Szilassy E, Feder G (in press). Interventions to improve the response of professionals to children exposed to domestic violence and abuse: a systematic review. Child Abuse Review. DOI: 10.1002/car.2385.
  • 25
    Sylaska KM, Edwards KM. Disclosure of intimate partner violence to informal social support network members: a review of the literature. Trauma, Violence & Abuse. 2014;15:3-21.
  • 26
    Schraiber LB, D’Oliveira AF, Hanada H, Kiss L. Assistência a mulheres em situação de violência – da trama de serviços à rede intersetorial. Athenea Digital. 2012;12(3):1-24. DOI: 10.5565/rev/athenead/v12n3.1110
  • *
    Artigo extraído da Tese de Doutorado “O cuidado em rede a famílias envolvidas na violência contra crianças e adolescents: o olhar da Atenção Básica à Saúde”, em 2014, apresentada ao Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2015
  • Aceito
    14 Nov 2015
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br