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Importância de um programa formativo sobre envelhecimento ativo na perspectiva das pessoas idosas

RESUMO

Objetivo:

avaliar os resultados de um programa formativo focado no bem-estar do idoso na perspectiva dos utilizadores, por meio da opinião sobre o impacto do programa no seu envelhecimento ativo.

Métodos:

pesquisa qualitativa, realizada a partir de uma amostra intencional, constituída por 10 mulheres idosas. Entrevista realizada por focus group, gravada e transcrita, a qual constituiu o corpus da análise. A análise lexical dos dados textuais foi realizada por meio do software Alceste.

Resultados:

da análise, emergiram três classes: 1) Saúde-Atividade; 2) Atividade-Expectativa; 3) Unidade Mente-Corpo. Destaca-se a classe Atividade-Expectativa.

Conclusões:

a pesquisa revelou que os idosos consideram ser importante ter expectativa, que se concretiza na satisfação e envolvimento com a vida, bem como a capacidade de se manterem ativos em uma perspectiva da unidade mente-corpo. Os projetos futuros devem focar na estimulação das funções mentais e físicas, para promoverem envelhecimento ativo e saudável.

Descritores:
Envelhecimento; Avaliação de Programas e Projetos de Saúde; Educação em Saúde; Assistência à Saúde; Idoso

ABSTRACT

Objective:

to assess the results of a training program focused on the well-being of elderly individuals from the perspective of users, through the opinion on the program impact on their active aging.

Methods:

a qualitative research, carried out from an intentional sample, consisting of 10 elderly women. Interview conducted by focus group, recorded and transcribed, which constituted the corpus of analysis. Lexical analysis of textual data was performed using the Alceste software.

Results:

from the analysis, three classes emerged: 1) Health-Activity; 2) Activity-Expectation; 3) Mind-Body Unit. The Activity-Expectation class stands out.

Conclusions:

the research revealed that elderly individuals consider it important to have expectation, which results in satisfaction and involvement with life as well as the ability to remain active in a perspective of mind-body unit. Future projects should focus on enhancing mental and physical functions to promote active and healthy aging.

Descriptors:
Aging; Program Evaluation; Health Education; Delivery of Health Care; Aged

INTRODUÇÃO

As mudanças demográficas desafiam as sociedades e os países a criarem programas, políticas e práticas promotoras para um envelhecimento ativo, tendo em conta o crescimento e/ou manutenção das competências das pessoas(11 World Health Organization. World report on ageing and health [Internet]. Genève: World Health Organization; 2015 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/186463/9789240694811_eng.pdf?sequence=1
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). Na população idosa, essas mudanças implicam profundas alterações nas relações pessoais e familiares, e pelo impacto social, econômico e cultural. Nesse sentido, a análise sobre o envelhecimento ativo e as dinâmicas sociais na atualidade tratam o envelhecimento demográfico como um desafio à reflexão dos países europeus acerca dos seus modelos de organização coletiva e no posicionamento das pessoas mais velhas nas sociedades contemporâneas(22 Paúl C. Envelhecimento activo e redes de suporte social. Sociologia [Internet]. 2005[cited 2019 Oct 20];25:275-87. Available from: https://ojs.letras.up.pt/index.php/Sociologia/article/view/2392
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). É imperativo conciliar as responsabilidades coletiva e individual em ordem a este objetivo, expondo o envelhecimento de modo positivo. Desta forma, a adoção de um estilo de vida promotor do bem-estar e da cidadania plena é um caminho que exige mudança na perspectiva de como hoje o processo de envelhecimento é visto. Recentemente e em consonância com a perspectiva evidenciada, vem sendo apresentado o conceito aging in place, que remete ao significado de um viver em casa e na comunidade, de forma segura e independente, à medida em que se envelhece(33 Iecovich E. Aging in place: from theory to practice. Anthropol Notebooks [Internet]. 2014[cited 2019 Oct 20];20(1):21-33. Available from: https://pdfs.semanticscholar.org/f9fc/8e6e859408543cb512a499d37a4267edb348.pdf
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).

O processo de envelhecimento reflete um continuum de vida que deve ser apoiado pela sociedade por meio de políticas públicas, programas e recursos voltados ao cidadão. Tais medidas devem levar em consideração que os desafios cotidianos são melhores administrados quando pensados a partir dos recursos facultados e da capacidade de adaptação das pessoas. Deste modo, fica evidente a necessidade de preparação para a mudança de atitude, face a um tempo de vida que se prolonga e o qual se almeja ser vivido com qualidade(11 World Health Organization. World report on ageing and health [Internet]. Genève: World Health Organization; 2015 [cited 2019 Oct 20]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/186463/9789240694811_eng.pdf?sequence=1
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),(44 Fonseca A. Boas Práticas de Aging in Place. Divulgar para valorizar. Guia de Boas Práticas [Internet]. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Faculdade de Educação e Psicologia - Universidade Católica Portuguesa; 2018[cited 2019 Oct 20]. Available from: https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/25680/1/Boas%20Pr%C3%A1ticas%20de%20Ageing%20in%20Place.pdf
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). Tal preocupação precisa ser direcionada, principalmente, às gerações que não tiveram oportunidades de escolarização ou com menor escolaridade e/ou foram confrontadas com elevadas dificuldades sociais e laborais.

Os recursos disponibilizados ao atendimento do público idoso se caracterizam de maneira distinta, sendo oferecidos na forma de programa ou atividades avulsas. São mais recomendados os programas que oferecem um viés compreensivo e integrado, pois conjugam diversas dimensões do desenvolvimento humano. Nesse sentido, o processo educativo deve ser transversal a toda a intervenção e adequado ao público-alvo. É importante cuidar do corpo, mas também da mente e das relações humanas, apoiando as pessoas no desenvolvimento de estratégias adequadas.

O envelhecimento bem-sucedido(55 Rowe JW, Kahn RL. Successful aging. Gerontol. 1997;37(4):433-40. doi: 10.1093/geront/37.4.433
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), em contrapartida à perspectiva negativa do envelhecimento, prevê como princípios: minimizar o risco de doenças e de incapacidade; manter a função física e a mental; continuar envolvido com a vida. Ainda há a possibilidade do acometimento de doenças, mas há destaque para a funcionalidade e para responsabilidade de cidadão. As transformações na maneira como a sociedade percebe o envelhecimento ampliaram a visão e os estudos sobre essa fase da vida humana, trazendo contribuições para distintas áreas, não apenas a da saúde, exclusivamente. O envelhecimento ativo está centrado na participação da população idosa nas dimensões da saúde e do autocuidado(66 World Health Organization. Active ageing: a policy framework [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2002[cited 2019 Oct 20]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/67215/WHO_NMH_NPH_02.8.pdf
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), o que beneficia a adesão e a permanência nos programas destinados a este público e na formação dos diversos agentes com quem se relacionam. O aging in place reforça esta capacidade pela possibilidade de o idoso viver em sua casa e na comunidade igualmente de forma segura e independente.

O estudo do envelhecimento facilita o processo de aprendizagem e a produção de novos conhecimentos sobre as mudanças físicas, psicológicas e sociais inerentes a esta etapa da vida. Implica dar espaço à experiência de vida, reconhecer a liberdade na tomada de decisão e apoiá-la, para pôr em prática estratégias de motivação que sustentem a aprendizagem e a mudança(77 Pimentel L, Lopes SM, Faria S. Envelhecendo e aprendendo: a aprendizagem ao longo da vida no processo de envelhecimento ativo. Lisboa: Coisas de Ler Edições; 2016.). Assim, percebe-se a importância de programas multidisciplinares e multifocais que se desenvolvam sistemicamente, de forma a revelar os efeitos, assim como prever e auxiliar nas dificuldades vividas pelas pessoas idosas.

Os determinantes do envelhecimento ativo(77 Pimentel L, Lopes SM, Faria S. Envelhecendo e aprendendo: a aprendizagem ao longo da vida no processo de envelhecimento ativo. Lisboa: Coisas de Ler Edições; 2016.-88 Caprara M, Molina MÁ, Schettini R, Santacreu M, Orosa T, Mendoza-Núñez VM, et al. Active aging promotion: results from the vital aging program. Curr Gerontol Geriatr Res. 2013;ID817813. doi: 10.1155/2013/817813
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) são orientadores para as intervenções focadas na saúde, no desempenho físico, emocional e cognitivo, na autonomia, nas relações sociais e no compromisso com a vida (Figura 1)).

Figura 1
Focos do programa formativo

Um exemplo é o Vital Aging Program, programa criado em 2012, seguindo as seguintes premissas: 1º) Há formas distintas de envelhecer e não há um único modo para se envelhecer bem, tendo por base o conhecimento empírico; 2º) A diversidade não é aleatória, porque as condições externas são determinantes e a ação de cada pessoa personaliza o processo de envelhecimento; 3º) O sistema nervoso central mantém a capacidade plástica ao longo do ciclo de vida, característica que se expressa na aprendizagem e na capacidade de mudança; 4º) A seleção, a otimização e a compensação são mecanismos adaptativos que permitem fazer as mudanças. Considera-se que a prática baseada no conhecimento, a motivação e a tecnologia podem ser usadas para minimizar os declínios(88 Caprara M, Molina MÁ, Schettini R, Santacreu M, Orosa T, Mendoza-Núñez VM, et al. Active aging promotion: results from the vital aging program. Curr Gerontol Geriatr Res. 2013;ID817813. doi: 10.1155/2013/817813
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).

A concepção de um programa formativo deve ajustar-se aos tempos atuais incluindo modalidades distintas, como o uso derecursos multimídia e e-learning. No entanto, a população a quem se dirige limita as opções, sobretudo se o seu nível de alfabetização for baixo ou se os seus recursos económicos forem escassos. Fica claro que os programas com componentes presenciais se impõem e acrescentam uma mais-valia na interação social. Está-se perante processos formativos que se beneficiam de estratégias de grupo, visto que as pessoas partilham experiências, se motivam com os sucessos e competem saudavelmente.

Avaliar o impacto de um programa voltado ao público nem sempre é fácil, todavia torna-se relevante para que não se atue baseado no improviso ou pela falta de direção e planejamento. A avaliação pode ser verificada em duas modalidades(55 Rowe JW, Kahn RL. Successful aging. Gerontol. 1997;37(4):433-40. doi: 10.1093/geront/37.4.433
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): a formativa e a sumativa. A primeira reflete a satisfação e o cumprimento das expectativas, podendo ser medida mais precocemente. A segunda verifica as diferenças antes e após o programa, concretamente no acréscimo de exercício físico, na melhoria da memória e melhor gestão emocional; nas mudanças no plano alimentar; no desempenho funcional e nas atividades sociais; no envolvimento interpessoal, cultural, entre outros, tendo para o efeito disponível uma avaliação métrica mais precisa. A verdadeira avaliação da implementação de um programa é percebida a longo prazo. Os modelos avaliativos com contornos longitudinais são mais adequados, apesar das dificuldades em se manter as populações estáveis ao longo do estudo/programa. Indiretamente, é possível avaliar por meio das taxas de morbidade, mortalidade, expectativa média de vida, expectativa de vida saudável ou qualidade de vida ajustada.

Este estudo tem como finalidade a realização da primeira avaliação do programa instituído, isto é, a avaliação do tipo formativa.

OBJETIVO

Avaliar os resultados de um programa formativo focado no bem-estar do idoso na perspectiva dos utilizadores, por meio da opinião desses sobre o impacto do programa no seu envelhecimento ativo.

MÉTODOS

Aspetos éticos

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Universidade de Évora. Foram realizados os procedimentos para garantir os princípios éticos e legais, tais como a informação dos objetivos do programa, a questão indutora das respostas e a pertinência do estudo, para uma decisão livre e esclarecida do indivíduo à participação.

Referencial teórico-metodológico

Esta pesquisa possui caráter qualitativo e seguiu as diretrizes e recomendações do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). Para sua realização, foi utilizada a técnica de focus group. Essa técnica se caracterizada pela realização de uma entrevista em grupo de modo a capitalizar a comunicação entre os participantes da pesquisa e gerar dados em um determinado contexto cultural. O focus group utiliza explicitamente a interação do grupo como parte do método, em que as pessoas são incentivadas a conversar entre si fazendo perguntas, trocando ideias e comentando as experiências e pontos de vista de cada um. O planejamento e execução do focus group seguiu as seguintes etapas: amostragem e composição do grupo, condução do grupo focal, análise e apresentação dos dados(99 Kitzinger J. Qualitative research: introducing focus groups. BMJ [Internet]. 1995[cited 2019 Oct 20];311(7000):299-302. Available from: http://greenmedicine.ie/school/images/Library/Introducing%20Focus%20Groups.pdf
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).

O grupo alvo foi composto, inicialmente, por 30 indivíduos, sendo 10 deles convidados a participarem no focus group. Houve a participação de uma pesquisadora que assumiu o papel de facilitadora do processo, e que não estava envolvida no programa de formação. Trata-se de uma professora, doutoranda e com experiência de utilização do método face to face. Realça-se a importância da capacidade de escuta e o interesse por este tipo de investigação, por parte do entrevistador. No início da atividade, houve um momento de apresentação pessoal, referindo os objetivos e as razões da pesquisa. Foi esclarecida a metodologia da pesquisa e introduzida a questão indutora: “qual o impacto do programa de formação no seu cotidiano?”.

Participantes

O grupo-alvo da pesquisa era composto por 30 pessoas, todas idosas com idade superior a 65 anos, do sexo feminino, constituindo-se assim um grupo homogénio. As 10 pessoas convidadas aceitaram participar, sem desistências.

A amostra foi intencional, constituída por idosas com os seguintes atributos: mulheres com idade de 65 anos ou mais, que viviam de forma autônoma na comunidade, com passado laboral, aposentadas e que frequentavam um Centro de Convívio na cidade de Évora, Portugal.

Contexto

Os dados foram coletados em um Centro de Convívio, da cidade de Évora, para pessoas com 65 anos ou mais. Trata-se de um espaço de lazer que oferece atividades recreativas, informativas e formativas. Apenas a investigadora-entrevistadora e as pessoas idosas participantes estavam presentes durante o focus group.

Coleta de dados

Na coleta de dados, foi utilizada a técnica de focus group e as respostas foram induzidas a partir da pergunta: “qual o impacto do programa de formação nas atividades do seu cotidiano?”. Os testemunhos foram gravados em áudio, após autorização prévia dos informantes e foram tomadas notas de campo. A duração das entrevistas foi de 90 minutos.

Análise dos dados

Os dados recolhidos foram transcritos e submetidos ao software de análise lexical Alceste(1010 Reinert PM. Classification descendante hierarchique et analvse lexicale par contexte-application au corpus des poesies D'A. Rihbaud. Bull Sociol Methodol. 1987;13(1):53-90. doi: 10.1177/075910638701300107
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-1111 Illia L, Sonpar K, Bauer MW. Applying co-occurrence text analysis with ALCESTE to studies of impression management. Br J Manag. 2014;25(2):352-72. doi: 10.1111/j.1467-8551.2012.00842.x
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).

O programa tomou como referência o texto obtido das transcrições das entrevistas e o assumiu como um corpus, sendo nomeada como unidade de contexto inicial (UCI). O software dividiu o corpus em unidades de contexto elementares (uces) e as organizou em classes. A relação que se definiu entre as classes foi apresentada no formato de um dendrograma (será explorado posteriormente, de acordo com a Figura 3)).

Figura 2
Repartição da unidades de contexto elementares em classes os respectivos números das palavras analisadas
Figura 3
Dendrograma com as relações entre as classes de palavras analisadas

No âmbito da análise lexical, as palavras do corpus foram reduzidas a partir da sua raiz, por exemplo, “sab” representando as palavras saber, sabemos e sabia. O reconhecimento do campo lexical das formas reduzidas (família das palavras reduzidas) está descrito no dicionário criado pelo programa Alceste. No dicionário, são identificadas as coocorrências dessas formas reduzidas e criadas as classes. As coocorrências foram classificadas em função dos seus respectivos vocabulários e o conjunto delas categorizado, de acordo com a frequência com que ocorrem essas formas reduzidas.

A partir desse processamento, foram criadas as matrizes pelo cruzamento das formas reduzidas e das uces. As classes foram obtidas a partir do Teste Qui-Quadrado, que associa as formas reduzidas e as uces. Havendo tamanhos diferentes das uces, foi aplicado o método de classificação hierárquica descendente. Este tipo de análise cria classes de uces que, ao mesmo tempo, apresentam vocabulário semelhante entre si e vocabulário diferente das uces das outras classes. O programa fornece uma lista de uces próprias de cada classe, sendo cada uma acompanhada pelo seu número de ordem no corpus, pelo número da classe a que está agregada e pelo Teste Qui-Quadrado.

RESULTADOS

Do corpus, resultou a matriz constituída por três classes, às quais estão associadas as palavras significativas, cujo peso é verificado pelo Teste Qui-Quadrado representado por χ2 (Quadro 1).

Quadro 1
Palavras associadas significativamente às classes de palavras analisadas

Os dados analisados revelaram uma riqueza de vocabulário de 95,24%, cujos vocábulos se organizaram em 101 uces. As uces correspondem a 76% dos dados obtidos, representando, assim, um indicador da quantidade de vocábulos ou léxicos disponíveis com capacidade para a análise a partir do corpus. O material foi organizado em 3 classes. A classe 1 correspondeu a 28% do total e foi composta por 22 uces; a classe 2 correspondeu a 41% do total, com 31 uces; e a classe 3 representou 31%, sendo constituída por 24 uces. As 101 uces obtidas foram organizadas em duas classificações hierárquicas descendentes que se estabilizaram no número de 3 classes.

Para que se compreendesse o conteúdo das classes, foi preciso situar as palavras nas uces associadas a cada uma delas. À classe I, foram associadas 23 palavras; à classe II, 22; e à classe III, 14 (Figura 2)).

Foram atribuídos os nomes às classes em função do conteúdo expresso nas respectivas unidades de contexto. Assim, a classe 2 foi denominada de “Atividade-Expectativa”, pois as unidades de contexto evidenciaram conversas que, por si só, assumiam um sentido positivo pela oportunidade de participar nas atividades. A diversidade e a regularidade foram o estímulo para a frequência das mesmas e a concretização de uma expectativa criada.

ah, já percebi fui eu e eu, que entendi mal, sim, isso e ótimo, tudo bem o esclarecimento, tudo bem agora, tirando o dia de terça-feira; não há nada, não há mais nada, vimos cá sentamos, ali conversamos com o Ambrósio, conversamos com todas as que vêm

ah, o que as senhoras me estão a dizer é que nos outros dias não há nada, precisavam também que houvesse atividades, exatamente, exatamente, pois já percebi, vai tudo embora para o outro lado e aqui praticamente não tem ninguém, pois vão para onde realmente há [...]. (uce n° 60 e χ2 = 12)

eu venho aqui agora por causa disto, eu também, tem que haver uma mudança [...]. (uce n° 92 e χ2 = 9)

não, mas aqui também é importante. Uma vez que não há, as pessoas vão para onde há, podem ter aquilo que gostam estarem ocupadas. Exatamente, se houvesse aqui, temos a ginástica a segunda-feira. Ao menos, vem toda a gente, se houvesse aqui alguma coisa [...]. (uce n° 62 e χ2= 5)

A classe 1 foi denominada “Saúde-Atividade”, visto que, nas conversas, a palavra saúde estava associada ao movimento que se expressa no andar, porém no sentido de solicitar condições para a ação, como seja, o saber, o poder e o querer. Dessa maneira, busca expressar uma interiorização e uma consciência de si.

eu, então, eu tenho a tensão pressão alta, como lhe disse; e, nestas sessões que esteve cá, há bastantes anos e isto contribuiu alguma coisa para baixar a tensão uce n° 9 e χ2 = 16)

outra vez, e não são poucas [risos], bem a percebo que eu faço o mesmo, pois então, não podia comer batatas, massa não podia, comer arroz não podia, comer pão não podia, comer cenouras não podia. E, então, digo, então, não como nada, então, não morro do mal, morro da cura. Já tenho setenta e sete anos, daqui a nada morro quer la saber [...]. (uce n° 6 e χ2 = 12)

de tudo do mesmo nível, ou umas mais que outras; de tudo da alimentação da gripe de tudo disseram já e tudo e faz tudo bem e tudo bom, também tenho qualquer coisa na garganta, fui já fazer uma biópsia. Não, não é biópsia, é ecografia, uma ecografia por anda era coisa, e então diz que não, não tinha nada inflamação ou não sei o que. Olhe, tenho tudo esta a chegar tudo e o fim [...]. (uce n° 12 e χ2= 9)

mas distraímos, também não sei porque é que não organizam isso, não sei, nunca houve, eu fiz na minha casa quinze blusinhas de malha e depois fui oferecê-las à igreja para os pobres, mas quer dizer [...]. (uce n° 43 e χ2= 8)

A classe 3, chamada de “Mente-Corpo”, é composta por entidades que interagem reciprocamente, atuando em um equilíbrio dinâmico. Ela é expressa por um estado de alerta para suprir as alterações (faltas) que ocorrem no processo de envelhecimento, o que denuncia uma atitude de curiosidade e de abertura para aprender.

e aquilo que se passou aqui influenciou a sua vida de alguma forma ou nada; gostei muito. Tanto que gostei, que vou a todas, vou a todas. Ainda não perdi nenhuma. (uce n° 20 e χ2= 4)

assim, fazia ginástica aqui na varanda com a gente, fazia aqueles jogos, aqui não há nada. Por exemplo, nós estávamos todas ali na sala, ela punha aqui umas coisa e depois chamava uma de nós, e depois dizia ‘vocês agora reparam nisto’, e depois ela tirava um e nós tínhamos que ver qual e [o] que faltava, quer dizer era puxar [...]. (uce n° 38 e χ2= 5)

Além disso, verificaram-se as relações que se delinearam entre as classes de palavras, por meio da observação do dendrograma realizado a partir da análise (Figura 3)). As 101 uces, que foram objeto de análise, dividiram-se em dois ramos. Esses mantiveram-se ligados como subsistemas separados, porém indissociáveis. Dentro dos subsistemas, ainda podem ser observadas associações conceituais mais próximas.

Observando o dendrograma, constata-se que um dos ramos relacionado à “atividade - expectativa” (classe 2) tem uma maior porcentagem, uma vez que está presente em todas as classes, e, por isso, em todo o programa. O outro ramo se subdivide em outras duas classes, que denunciam os focos de interesse, os quais motivam a presença das participantes no programa. A associação entre “saúde-atividade”, na classe 1, evidencia a consciência de uma relação de reciprocidade entre estes dois elementos, da mesma forma acontece na associação entre “mente-corpo”. A posição que a classe 3 ocupa indica que esta unidade é central nesta estrutura.

DISCUSSÃO

Nos últimos anos, a satisfação com a saúde e o bem-estar e a vida têm despertado interesse nas sociedades desenvolvidas, e, particularmente, na dimensão acadêmica. O conceito de aging in place(33 Iecovich E. Aging in place: from theory to practice. Anthropol Notebooks [Internet]. 2014[cited 2019 Oct 20];20(1):21-33. Available from: https://pdfs.semanticscholar.org/f9fc/8e6e859408543cb512a499d37a4267edb348.pdf
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) é um referencial para a definição de programas educativos a ser desenvolvido com o público idoso. A realização de avaliações processuais em programas educativos desenvolvidos em ambientes de convívio garante orientações relevantes para a continuidade dos mesmos e para os tornar mais adequados às idiossincrasias da população idosa. Não se pode desprezar que o bem-estar pode ser entendido como um fenômeno paradoxal(1212 Léna P. Os limites do crescimento econômico e a busca pela sustentabilidade: uma introdução ao debate. In Léna P, Nascimento EP. (Orgs). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade [Internet]. Rio de Janeiro: IRD Éditions; 2018[cited 2019 Oct 20]:23-44. Available from: https://www.academia.edu/21918892/Enfrentando_os_limites_do_crescimento_sustentabilidade_decrescimento_e_prosperidade
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), com base em estudos recentes. Tais pesquisas nos remetem para diferentes resultados, em função dos ritmos de mudança, relacionados com a idade e a crescente dependência, com os problemas de saúde, a perda de relacionamentos próximos e a aproximação da morte(1212 Léna P. Os limites do crescimento econômico e a busca pela sustentabilidade: uma introdução ao debate. In Léna P, Nascimento EP. (Orgs). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade [Internet]. Rio de Janeiro: IRD Éditions; 2018[cited 2019 Oct 20]:23-44. Available from: https://www.academia.edu/21918892/Enfrentando_os_limites_do_crescimento_sustentabilidade_decrescimento_e_prosperidade
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).

As dificuldades no processo de transição influenciam na percepção do bem-estar. Nesta mesma linha, um estudo de revisão da literatura(1313 Ferreira LK, Meireles JF, Ferreira ME. Evaluation of lifestyle and quality of life in the elderly: a literature review. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018 Oct;21(5):616-27. doi: 10.1590/1981-22562018021.180028
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) constatou sobre a necessidade da realização de estudos com natureza qualitativa, de modo a obter uma compreensão mais aprofundada do estilo de vida e da qualidade de vida dos idosos, dado que são determinantes nesta avaliação. Chen e colaboradores realizaram um estudo(1414 Chen YH, Lin LC, Chuang LL, Chen ML. The relationship of physiopsychosocial factors and spiritual well-being in elderly residents: implications for evidence-based practice. Worldviews Evid Based Nurs. 2017;14(6):484-91. doi: 10.1111/wvn.12243
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) em Taiwan, China, com 83 residentes de uma instituição, com idades compreendidas entre os 65 e 100 anos. A análise evidenciou que, por si só, a atividade física não tem impacto direto na qualidade de vida das pessoas idosas, mas demonstra ser importante na autopercepção da saúde. Além disso, os participantes que apresentavam mais comorbidades atribuíam maior importância à espiritualidade ou religião.

Estudo(1515 Previato GF, Nogueira IS, Mincoff RC, Jaques AE, Carreira L, Baldissera VD. Conviviality groups for elderly people in primary health care: contributions to active aging. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2019;11(1):173-80. doi: 10.9789/2175-5361.2019.v11i1.173-180
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) desenvolvido no estado do Paraná, na cidade Maringá, Brasil, analisou a contribuição do convívio em grupos de pessoas idosas. Participaram 14 idosos em um estudo com caráter qualitativo, cujos dados das entrevistas foram submetidos à análise de conteúdo. Identificaram-se três categorias relevantes para o envelhecimento ativo, são elas: o grupo de convívio como espaço de aprendizagem; o grupo como elemento de promoção da saúde e do envelhecimento ativo; e o grupo como oportunidade de lazer e socialização para os idosos. Assim, a percepção dos idosos sobre os benefícios do convívio em grupo engloba o lazer, a socialização e a aprendizagem, com benefícios na saúde física e mental e, em última análise, na qualidade de vida.

Investigação(1616 Wichmann FM, Couto AN, Areosa SV, Montañés MC. Companionship groups as support to improve the health of the elderly. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(4):821-32. doi: 10.1590/S1809-98232013000400016
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) multicêntrica realizada com 262 idosos da Espanha e 262 do Brasil, respectivamente, analisou as narrativas dos participantes com relação às suas experiências em grupos de convívio. Destacaram-se as relações de sociabilidade com os amigos, pela oportunidade de partilha de alegrias, tristezas e de conhecimentos. Esses resultados corroboram os estudos acima referenciados, concluindo que as relações sociais e o suporte social favorecem positivamente à saúde da população idosa. Sobre o bem-estar subjetivo e a funcionalidade, Sposito e colaboradores(1717 Sposito G, Diogo MJ, Cintra FA, Neri AL, Guariento ME, Sousa ML. Relationship between subjective well-being and the functionality of elderly outpatients. Rev Bras Fisioter. 2010;14(1):81-9. doi: 10.1590/S1413-35552010000100013
https://doi.org/10.1590/S1413-3555201000...
) realizaram um estudo com 125 idosos, predominantemente mulheres, naturais da cidade de Campinas, São Paulo, Brasil. Os autores concluíram que os mais velhos apresentavam maior satisfação com a vida e uma melhor percepção da sua saúde, a relacionando com o bom desempenho físico, em comparação com as outras pessoas.

Em Tóquio(1818 Asakawa T, Koyano W, Ando T, Shibata H. Effects of functional decline on quality of life among the Japanese elderly. Int J Aging Hum Dev. 2000;50(4):319-28. doi: 10.2190/3TR1-4V6R-MA5M-U1BV
https://doi.org/10.2190/3TR1-4V6R-MA5M-U...
), Japão, foi desenvolvido um estudo que salientou o estado funcional como pré-requisito para a qualidade de vida na velhice. Pode-se, assim, concluir que os estudos supracitados estão em concordância com os resultados autorreferidos pelas pessoas idosas de um Centro de Convívio localizado na região do Alentejo, Portugal.

Limitações do estudo

As principais limitações deste estudo estão relacionadas à metodologia adotada, pois a pesquisa qualitativa não permite generalizações. A realidade aqui encontrada não representa, necessariamente, a realidade de outros Centros de Convívio da região do Alentejo.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Os resultados desta pesquisa contribuem para os estudos e a atuação de profissionais da área da enfermagem e outros profissionais de saúde no delineamento de estratégias mais sensíveis e efetivas no âmbito do envelhecimento ativo, saudável e in place. Além disso, evidencia aspectos importantes para a (re)estruturação de políticas de saúde e estratégias para o envelhecimento ativo, ao trabalhar as dimensões mente e corpo e sua relação, de modo a melhorar o processo de envelhecimento, assim como a percepção de bem-estar e a qualidade de vida.

CONCLUSÃO

A implementação de um programa educativo em um Centro de Convivência promoveu a integração de uma expectativa que se concretiza em bem-estar, por meio da atividade e envolvimento da unidade mente-corpo. O impacto da atividade física, por si só, não tem reflexo direto na qualidade de vida dos idosos, mas tem na autopercepção da saúde e da forma negativa como a influencia. Também é possível constatar que as pessoas idosas com mais comorbidades atribuem maior importância à espiritualidade ou religião. Face aos resultados obtidos, sugere-se que a continuidade do projeto deve seguir uma linha não apenas visando uma estimulação das funções mentais e físicas, mas também atender às idiossincrasias da população idosa, de modo a contribuir para um envelhecimento ativo e saudável.

AGRADECIMENTO

Agradecemos às pessoas idosas de Évora, por tornarem possível este estudo.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2019
  • Aceito
    30 Abr 2020
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