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Participação do paciente na segurança do cuidado: percepção de profissionais da Atenção Primária à Saúde

RESUMO

Objetivos:

analisar a percepção dos profissionais de saúde sobre o significado e a prática do envolvimento do paciente na segurança do cuidado na Atenção Primária à Saúde.

Métodos:

estudo exploratório, qualitativo, desenvolvido com 22 profissionais no Distrito Federal, Brasil. Realizou-se entrevista semiestruturada entre outubro e novembro/2018. Realizou-se análise de conteúdo, conforme Bardin.

Resultados:

participaram enfermeiros, médicos, odontólogos, dentre outros. Revelaram-se as categorias: Significado do envolvimento do paciente na segurança do cuidado; Fatores intervenientes ao envolvimento do paciente na segurança do cuidado; Estratégias de envolvimento do paciente na segurança do cuidado; Qualificação para o envolvimento do paciente na segurança do cuidado.

Considerações Finais:

o significado do envolvimento do paciente para a segurança do cuidado foi associado à corresponsabilização e ao cuidado centrado no paciente. A prática dos profissionais revelou fatores intervenientes e uso de estratégias de envolvimento. Identificou-se lacuna na formação sobre envolvimento do paciente na segurança do cuidado.

Descritores:
Participação do Paciente; Prática Profissional; Gestão do Conhecimento para a Pesquisa em Saúde; Segurança do Paciente; Atenção Primária à Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to analyze health professionals’ perception about the meaning and practice of patient involvement in care safety in Primary Health Care.

Methods:

this is an exploratory, qualitative study, developed with 22 professionals in the Federal District, Brazil. A semi-structured interview was conducted between October and November/2018. Content analysis was carried out according to Bardin.

Results:

nurses, physicians, dentists, among others, participated. The following categories emerged: Meaning of patient involvement in care safety; Factors intervening in patient involvement in care safety; Strategies for patient involvement in care safety; Qualification for patient involvement in care safety.

Final Considerations:

the meaning of patient involvement for care safety was associated with co-responsibility and patient-centered care. Professionals’ practice revealed intervening factors and the use of involvement strategies. A gap was identified in training on patient involvement in care safety.

Descriptors:
Patient Participation; Professional Practice; Knowledge Management for Health Research; Patient Safety; Primary Health Care

RESUMEN

Objetivos:

analizar la percepción de los profesionales de la salud sobre el significado y la práctica del involucramiento del paciente en la seguridad de la atención en Atención Primaria de Salud.

Métodos:

estudio exploratorio, cualitativo, desarrollado con 22 profesionales del Distrito Federal, Brasil. Se realizó una entrevista semiestructurada entre octubre y noviembre/2018. Se realizó análisis de contenido, según Bardin.

Resultados:

participaron enfermeras, médicos, dentistas, entre otros. Se revelaron las siguientes categorías: Significado de la participación del paciente en la seguridad de la atención; Factores que intervienen en la implicación del paciente en la seguridad asistencial; Estrategias para la participación del paciente en la seguridad de la atención; Calificación para la participación del paciente en la seguridad de la atención.

Consideraciones Finales:

el significado de la implicación del paciente para la seguridad asistencial se asoció con la corresponsabilidad y la atención centrada en el paciente. La práctica de los profesionales reveló factores intervinientes y el uso de estrategias de participación. Se identificó una brecha en la capacitación sobre participación del paciente en la seguridad de la atención.

Descriptores:
Participación del Paciente; Práctica Profesional; Gestión del Conocimiento para la Investigación en Salud; Seguridad del Paciente; Atención Primaria de Salud

INTRODUÇÃO

A atenção global com a segurança do paciente, definida como redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado ao cuidado de saúde(11 World Health Organization (WHO). World alliance for patient safety. Taxonomy: the conceptual framework for the international classification for patient safety[Internet]. Genebra WHO. 2009 [cited 2019 Nov 5]. 154p. Available from: https://www.who.int/patientsafety/taxonomy/icps_full_report.pdf
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), decorre da constatação de que 10% das pessoas que necessitam dos cuidados de saúde sofrem eventos adversos(22 World Health Organization (WHO). Word alliance for patient safety. Forward program 2006-2007[Internet]. WHO Genebra; 2007 [cited 2020 Feb 15]. Available from: http://www.who.int/patientysafety
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). Estima-se que 31% dos eventos adversos detectados durante a internação ocorreram antes da admissão, sendo possível que tenham sucedido na Atenção Primária à Saúde (APS)(33 Baker GR, Norton PG, Flintoft V, Blais R, Brown A, Cox J, et al. The Canadian adverse events study: the incidence of adverse events among hospital patients in Canada. CMAJ [Internet]. 2004 [cited 2020 Feb 15];170(11):1678-86. Available from: http://www.cmaj.ca/content/170/11/1678.full
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).

A análise de 2.178 relatórios da Inglaterra e no País de Gales identificou 2.191 incidentes ocorridos em cuidados domiciliares e em farmácias comunitárias(44 Rees P, Edwards A, Powell C, Hibbert P, Williams H, Makeham M, et al. Patient safety incidents involving sick children in primary care in England and Wales: a mixed methods analysis. PLoS Med. 2017;14(1):1-23. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1002217
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). Em países de baixa ou média renda, os erros no contexto da APS e de cuidados ambulatoriais podem atingir 25% a 40% dos cuidados prestados e, destes, 80% são considerados evitáveis(55 Organization for Economic Cooperation and Development. The economics of patient safety in primary and ambulatory care: flying blind. OECD [Internet]. 2018 [cited 2019 Nov 24]. 49p. Available from: https://www.oecd.org/health/health-systems/The-Economics-of-Patient-Safety-in-Primary-and-Ambulatory-Care-April2018.pdf
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). No Brasil, um estudo realizado em 13 Unidades Básicas de Saúde (UBS) identificou a ocorrência de incidentes que resultaram dano ao paciente, associados a falhas no cuidado, na gestão e na comunicação(66 Marchon SG, Mendes JWV, Pavão ALB. Characteristics of adverse events in primary health care in Brazil. Cad Saúde Pública. 2015;31(11):2330-13. https://doi.org/10.1590/0102-311x00194214
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). Em Manaus, os incidentes de segurança do paciente estiveram relacionados, principalmente, aos erros de tratamento e gerenciamento do prontuário. Das 105 notificações, 37% registraram dano, incluindo dois óbitos(77 Aguiar TL, Lima DS, Moreira MAB, Santos LF, Ferreira JMBB. Patient safety incidents in Primary Healthcare in Manaus, AM, Brazil. Interface (Botucatu) [Internet]. 2020 [cited 2020 Oct 27];24(Suppl 1):e190622. https://doi.org/https://doi.org/10.1590/interface.190622
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
).

A fim de entender os riscos em pacientes sob cuidados primários, a magnitude e natureza do dano evitável, em razão de práticas inseguras nesses ambientes, a Organização Mundial de Saúde (OMS), junto à Organização Pan-Americana de Saúde, tem estimulado investigações nessa área e declarou o cuidado primário seguro como desafio a ser enfrentado pelas instituições de saúde(88 World Health Organization (WHO). Safer Primary Care Expert Working Group[Internet]. Geneve: WHO. 2012 [cited 2020 May 21]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/safer_primary_care/en/index.html
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).

A fim de gerar melhores resultados assistenciais, nessa perspectiva de redução de danos, o envolvimento do paciente no próprio cuidado tem ganhado notoriedade. O programa Pacientes para a Segurança dos Pacientes, criado pela OMS, incentiva esse envolvimento e traz como necessária a colaboração e parceria entre pacientes, profissionais, gestores e vítimas de incidentes, nos processos de melhoria da segurança(99 World Health Organization (WHO). Patients for Patient Safety: forward program[Internet]. Genebra (SW): WHO. 2004 [cited 2020 May 21]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/patients_for_patient/en/
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). Incentiva, ainda, que pacientes estejam no centro dos cuidados de saúde(99 World Health Organization (WHO). Patients for Patient Safety: forward program[Internet]. Genebra (SW): WHO. 2004 [cited 2020 May 21]. Available from: http://www.who.int/patientsafety/patients_for_patient/en/
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).

O cuidado centrado no paciente leva em consideração a pessoa com suas preferências e necessidades de forma individualizada, respeitosa, estabelecendo um relacionamento colaborativo entre profissional e paciente(1010 The Health Foundation. Person-centered care made simple: what everyone should know about person-centered care. THF [Internet]. 2016 [cited 2019 Nov 26]. 1-44. Available from: https://www.health.org.uk/sites/default/files/PersonCentredCareMadeSimple_0.pdf
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). Nesse contexto, destaca-se o envolvimento do paciente no cuidado, definido como a participação do paciente na tomada de decisão sobre as questões de sua saúde, incluindo participação ativa no planejamento, monitoramento e avaliação dos seus cuidados(1111 Sahlström M, Partanen P, Rathert C, Turunen H. Patient participation in patient safety still missing: patient safety experts' views. Int J Nurs Pract. 2016;22:461-9. https://doi.org/10.1111/ijn.12476
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).

Além de promover a autogestão do cuidado, o envolvimento do paciente aumenta a segurança da assistência e tem sido incentivado como forma de minimizar a ocorrência de incidentes(1212 Rather C, Brandt J, Williams ES. Putting the 'patient' in patient safety: a qualitative study of consumer experiences. Health Expect. 2012;15(3):327-36. https://doi.org/10.1111/j.1369-7625.2011.00685.x
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). Entretanto, observa-se que a segurança é um aspecto que não recebe atenção especial dos pacientes e ainda mantém discussão incipiente entre profissionais de saúde(1313 Martin HM, Navne LE, Lipczak H. Involvement of patients with cancer in patient safety: a qualitative study of current practices, potentials and barriers. BMJ Qual Saf. 2013;22(10):836-42. https://doi.org/10.1136/bmjqs-2012-001447
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), principalmente na APS. Por outro lado, observa-se que profissionais e pacientes reconhecem o envolvimento do paciente como importante fator para aumentar a segurança assistencial(1313 Martin HM, Navne LE, Lipczak H. Involvement of patients with cancer in patient safety: a qualitative study of current practices, potentials and barriers. BMJ Qual Saf. 2013;22(10):836-42. https://doi.org/10.1136/bmjqs-2012-001447
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).

Sabe-se que o envolvimento do paciente para a segurança do cuidado ainda é um desafio. Na APS, evidências sobre segurança do paciente e envolvimento do paciente para a segurança do cuidado são escassas. Considerando o paciente como importante barreira para evitar incidentes de segurança e que, no contexto da APS, o paciente deve ser o protagonista do cuidado para a continuidade do processo terapêutico pergunta-se: qual a percepção dos profissionais de saúde sobre o significado e a prática do envolvimento do paciente na segurança do cuidado no contexto da APS?

OBJETIVOS

Analisar a percepção dos profissionais de saúde sobre o significado e a prática do envolvimento do paciente na segurança do cuidado na Atenção Primária à Saúde.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Pesquisa aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa. Todos os aspectos éticos seguiram a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e documento de autorização para uso de voz. Os relatos foram organizados numericamente por ordem de participação a fim de garantir sigilo quanto à exposição da identidade do participante, atribuindo a letra E de entrevista, seguida de um número ordinal.

Tipo de estudo

Trata-se de estudo exploratório, de abordagem qualitativa. Utilizou-se o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research Checklist (COREQ) para a descrição da metodologia.

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido em cinco unidades de APS, situadas no Distrito Federal, Brasil.

Fonte de dados

A população foi composta pelos profissionais de saúde pertencentes às 24 Equipes de Saúde da Família vinculadas às unidades selecionadas. Foram considerados critérios de inclusão para participar do estudo a atuação do profissional na unidade pelo período mínimo de seis meses, por considerar pertinente a sua percepção em relação à cultura organizacional para a prática do envolvimento do paciente no cuidado. Foram excluídos da pesquisa os profissionais de saúde que estavam afastados de suas funções durante o período de coleta de dados.

Participaram do estudo vinte e dois profissionais de saúde, selecionados por conveniência. Utilizou-se a técnica de amostragem por saturação teórica de dados, que consiste na interrupção da coleta de dados a partir da constatação de que não surgiriam mais elementos novos no campo de observação para subsidiar a teorização almejada(1414 Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saúde Pública [Internet]. 2011 [cited 2019 Nov 27];27(2):394-89. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n2/20.pdf
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). Durante a seleção dos profissionais, cinco se recusaram a participar por estarem ocupados no momento da abordagem.

Coleta e organização dos dados

O instrumento de coleta dos dados foi elaborado com o intuito de avaliar a percepção, o significado e a importância atribuída pelos profissionais de saúde quanto ao envolvimento do paciente na segurança do cuidado. Foi realizado um teste piloto com 8 profissionais de Unidades Básicas de Saúde, que não foram incluídos neste estudo, a fim de avaliar a clareza e objetividade do instrumento, bem como a capacidade de alcançar os objetivos da pesquisa. O instrumento final foi estruturado em duas partes. A primeira objetivou investigar o perfil profissiográfico do participante e a segunda parte contemplou as seguintes questões norteadoras sobre o envolvimento do paciente nas práticas de cuidado, na perspectiva da segurança do paciente: para você, qual o significado do envolvimento do paciente na própria segurança durante o atendimento? Em que medida você considera importante essa participação do paciente nas questões que envolvem seu próprio cuidado? De que forma você envolve o paciente na segurança da assistência que você desenvolve? Como você percebe essa prática de envolver o paciente na segurança do cuidado pela equipe de saúde dessa instituição? Na sua opinião, o que facilita e o que dificulta a prática do envolvimento do paciente no cuidado? Você se sente capacitado para envolver o paciente na segurança do cuidado? Por quê? Qual o suporte oferecido pela instituição para a prática de envolvimento do paciente na segurança do paciente?

Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais somente com a presença do entrevistador e profissional, no período de outubro a novembro de 2018, no local de trabalho de cada entrevistado. Para evitar a perda de dados, o conteúdo das entrevistas foi gravado após permissão do participante. Cada entrevista teve duração média de quinze minutos. O responsável pela condução das entrevistas foi um graduando do curso de enfermagem, membro de grupo de pesquisa na área de gestão dos serviços de saúde, vinculado em linha de pesquisa na área de segurança do paciente; possuía aproximação com o tema de pesquisa e entendimento dos princípios que norteiam a técnica de entrevista para obtenção de dados. O entrevistador não possuía qualquer tipo de vínculo prévio com qualquer um dos entrevistados.

Análise dos dados

Todos os dados foram transcritos e submetidos à análise de conteúdo, conforme referencial de Bardin(1515 Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70; 2002. 225p.), seguindo as etapas de organização e análise, estruturadas em três fases cronológicas: a) Pré-análise, que consistiu na leitura “flutuante” do corpus da pesquisa para conhecimento do material; em seguida, selecionou-se o corpus de análise, garantindo exaustividade, representatividade, homogeneidade, exclusividade e pertinência do conteúdo aos objetivos do estudo; procedeu-se à referenciação dos índices, tendo como guia a questão norteadora da pesquisa; por fim, procedeu-se à organização dos textos por padronização e equivalência; b) Exploração do material, que consistiu na análise propriamente dita, em que foi efetuada a codificação das unidades de registros por meio de recortes que foram classificados e agrupados considerando a semântica; posteriormente, foram atribuídos significados, prosseguindo com a categorização; c) Tratamento dos resultados, em que se procedeu a inferência e interpretação dos dados destacados na análise.

Foram reveladas quatro categorias temáticas: Significado do envolvimento do paciente na segurança do cuidado; Fatores intervenientes ao envolvimento do paciente na segurança do cuidado; Estratégias de envolvimento do paciente na segurança do cuidado; Qualificação para o envolvimento do paciente na segurança do cuidado.

RESULTADOS

Participaram do estudo 22 profissionais de saúde. Os dados de caracterização estão descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos profissionais da Atenção Primária à Saúde, Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2018, (N=22)

A idade dos participantes variou de 25 a 70 anos, com média de 43,8 anos (DP=11,3). O tempo de formação variou de 10 meses a 35 anos, o tempo de experiência profissional, de 6 meses a 35 anos e o tempo de trabalho na instituição, de 6 meses a 25 anos. Quanto à realização de cursos, todos os participantes afirmaram não terem recebido qualquer curso na unidade de trabalho sobre segurança do paciente e apenas dois (9,1%) fizeram por conta própria.

Significado do envolvimento do paciente na segurança do cuidado

Para os profissionais de saúde da APS, o envolvimento do paciente na segurança do cuidado está fortemente associado à corresponsabilização do paciente. Os relatos mostraram que o paciente precisa entender que é protagonista do seu processo saúde-doença e precisa ser um sujeito ativo e autônomo:

Ele é corresponsável por esse processo, a segurança. Não só no risco de queda, mas também no uso dos medicamentos, nos sinais de alerta, que ele tem que perceber quando que “tá” sendo agravado. (E22)

[...] a gente chama de corresponsabilidade, questão da conscientização, de falar com paciente o quanto ele é importante ali naquele processo. (E19)

[...] ser corresponsável pelo cuidado dele, até porque vários agravos, por exemplo a diabetes, a hipertensão, essas doenças crônicas que exigem mudança na alimentação, mudança nos hábitos do dia a dia. (E11)

[...] muito da porcentagem do problema é resolvido por ele mesmo, tendo seu próprio cuidado. (E13)

[...] dar autonomia para o paciente. Não deixar o paciente tão dependente das equipes. (E9)

Nesse processo, destacou-se a importância do cuidado centrado no paciente. Os relatos revelaram que o cuidado individualizado favorece ao profissional de saúde a compreensão das reais necessidades do paciente e, consequentemente, maior adesão do paciente ao cuidado proposto:

[...] porque do que adianta eu falar sobre alimentação, se não é a vontade dele, se ele não tem como comprar, se ele não gosta, ele não entende que ele tem esse papel. (E22)

[...] colocando ele a par do agravo, do problema dele e vendo como ele poderia mudar. Lógico que a gente não vai conseguir que ele faça uma mudança da noite para o dia, uma mudança radical. Mas dentro das condições dele, do ritmo de vida dele, o que ele pode fazer pra melhorar aquele quadro. (E11)

Foi apontado, ainda, que o envolvimento do paciente é importante para a segurança do cuidado por promover o comprometimento do paciente com a execução das orientações recebidas e pactuadas, por favorecer o entendimento do seu processo saúde-doença e, consequentemente, poder gerenciar os possíveis riscos envolvidos à sua situação de saúde:

O comprometimento dele em seguir as nossas orientações, assim ele mantém a segurança dele. (E3)

[...] quando a gente atende um pré-natal, primeira coisa que a gente fala é “não pode fumar, vai agravar o bebê, para de fumar”. Mas essa pactuação dela entender o porquê não, o que ela pode começar, quais as metas? Você consegue diminuir um cigarro? Ok, diminua um cigarro. Ah, eu consigo diminuir dois. Então diminua dois. Nesse momento, quando você pactua, esse usuário entende que é importante e ele consegue pactuar com você, aquilo se torna, para ele, visível, palpável. (E22)

[...] quando ele se envolve, ele tem uma otimização desse cuidado, porque se ele não se envolver, os riscos, eles ocorrem mais frequentemente. (E14)

Você consegue prevenir muita doença, muita complicação em função disso, então é fundamental o envolvimento do paciente. (E8)

Fatores intervenientes ao envolvimento do paciente na segurança do cuidado

Foram denotados vários fatores que podem interferir, positiva ou negativamente, no processo de envolvimento do paciente para a segurança do cuidado. Os determinantes sociais foram enfatizados, sendo destacado, principalmente, o nível de escolaridade, por afetar o entendimento do paciente às orientações:

A gente tem [...] nítidas diferenças quando o paciente consegue se envolver, quando ele tem capacidade de se envolver e quando ele não tem. A gente tem uma grande diferença no prognóstico dele, no resultado imediato do tratamento. (E2)

[...] a gente tem muita dificuldade, às vezes, do paciente entender o que a gente fala [...] tem a questão do analfabetismo. Esses pacientes, muitas vezes, não conseguem entender a receita. (E17)

A questão da escolaridade, da cultura, questão familiar. Então, todos os fatores influenciam. Questão financeira. Então, tudo isso impacta um pouco no cuidado, pra gente explicar. (E14)

Os relatos evidenciaram a importância de estabelecer vínculo para favorecer o envolvimento do paciente no cuidado e o conhecimento das necessidades do paciente pela equipe de saúde:

É o vínculo que o paciente cria com a unidade. Quando ele tem vínculo com o enfermeiro, com os técnicos, com médico, com toda equipe, ele [...] ele se sente bem acolhido e retorna. (E19)

Foi revelado, também, que a Estratégia Saúde da Família (ESF) consiste em um ambiente favorável para a prática de envolvimento do paciente no cuidado. Destacou-se que a ESF promove maior aproximação e envolvimento do serviço com a realidade e às necessidades do paciente por meio da territorialização. Entretanto, os relatos apontaram que ainda existe certa resistência em mudar a cultura no serviço, o que pode dificultar o processo de tornar o paciente ativo:

Houve uma grande mudança com a estratégia saúde da família, houve uma grande mudança de paradigma, e isso ajuda bastante a gente conhecer o paciente, a territorialização também ajuda a gente a conhecer a realidade local do paciente, onde ele vive, como ele vive, como é que são as condições sociais dele. (E2)

[...] só que a gente ainda tem esse modelo muito ainda médico. Centralizado, da assistência centralizada, só que tem tentado mudar. (E22)

[...] a gente tem muito essa dificuldade porque a gente é muito ‘prescritivo’ e médico também tem essa questão da autoridade. (E17)

A cultura de medicalização da saúde e o saber popular apareceram como fatores intervenientes que impedem um comportamento mais proativo do paciente para a gestão do cuidado:

Difícil ainda para o paciente se sentir responsável pelo tratamento. Ele espera, ele acha que é só medicação. É muito complexo mudar o comportamento. (E11)

As histórias que eles escutam dos vizinhos, sogras, do avô, o próprio conhecimento popular que a gente tem que valorizar [...] mas que, muitas vezes, eles não aceitam um outro conhecimento. Às vezes, a criança tá com dificuldade de mamar e a avó já foi e deu um leite, já deu um chá com açúcar no recém-nascido e acha que tá ótimo porque dormiu a noite toda. (E18)

Os relatos dos profissionais de saúde revelaram aspectos relacionados ao suporte organizacional que também podem dificultar ou favorecer o empenho para o envolvimento do paciente na segurança do cuidado, com destaque ao tempo para a consulta e à falta de profissionais na equipe de saúde. Foi revelado que as ações para o envolvimento do paciente no cuidado estão relacionadas à atitude do profissional em fazer acontecer e não à cultura institucional:

Na questão do tempo da consulta, porque como é pouco tempo, às vezes o paciente sai sem saber exatamente como deve ser usado [o medicamento]. Numa consulta de quinze minutos, às vezes é impossível, muito difícil. (E17)

[...] a gente tá com uma equipe desfalcada, a gente tá numa reestruturação de equipe, a gente tá sem médico, tá vindo um enfermeiro novo, a gente tá um pouco desfalcado. (E20)

Eu acho que tem mais suporte dos profissionais do que da própria instituição. O que eu entendo é que não é pela instituição, é pelos profissionais, pelo momento de atendimento, de escuta, de visita domiciliar que é feita. Quando você entra e vê que um banheiro precisa ser adaptado, a gente vai lá e faz a orientação, mas o suporte por traz da instituição a gente não tem não, é mais uma questão do servidor em si. (E22)

Não tenho como avaliar as outras equipes [...] eu posso falar mais pela minha equipe, as outras equipes eu não consigo avaliar porque a gente não tem tanto contato. (E17)

Por fim, a ausência de capacitação para o envolvimento do paciente no cuidado, a fim de aumentar a segurança do tratamento/plano de cuidado proposto, também foi revelada nos discursos como um fator interveniente:

Eles olham o paciente, mas, às vezes, falta um olhar mais clínico, mais apurado. Então, na verdade, quem tem que ser trabalhada ali é a equipe. (E14)

A maioria deles não tem formação para isso. Então, eu ainda acho que aqui na unidade ainda tá um pouco deficiente para isso. (E13)

Eu não tenho nenhum curso, nada assim relacionado a isso. Mas a gente tenta fazer o máximo dentro da correria. (E10)

Estratégias de envolvimento do paciente na segurança do cuidado

A principal estratégia para envolver o paciente na segurança do cuidado, revelada nos discursos, foi a comunicação entre os atores envolvidos. Destacaram a importância de dar voz ao paciente, manter diálogo horizontalizado e linguagem simples:

[...] questão de uma conversa, de um diálogo aberto, um espaço de escuta que ele tenha coragem de contar, de saber que ele não vai ser criticado, mesmo as metas que ele não conseguiu [...] eu tento proporcionar um ambiente que a gente tenha uma conversa verdadeira, e que eu não tô aqui como detentora do saber. (E22)

Através do diálogo, da conversa, tento explicar. Os pacientes, às vezes, não sabem ler: desenha. Olha, toma de manhã, de noite, um solzinho, uma lua. (E10)

O respeito de ouvir o paciente. Não existe atendimento onde você fala e não escuta, [...] você dá a oportunidade dele falar e aparece outras coisas que você tem como intervir. (E08)

Eu desenvolvo uma estratégia com uma linguagem simples de como ele deve tomar a medicação, do porque que ele tá usando, que que aconteceria se ele não usasse de modo adequado [...] eu reforço, eu peço pra ele repetir pra mim, se ele entendeu, como é que ele vai usar, o que que ele tem que fazer. (E02)

Outra estratégia utilizada pelos profissionais de saúde, que auxilia o processo de comunicação, é o uso de material impresso e outros recursos visuais:

Tento usar muito papéis informativos. Tento usar muito até pra gestantes com toxoplasmose, porque tem muita coisa, é muita informação, e o paciente, só nesse momento aqui, ele não consegue gravar [...] tem até questão da insulina, o esquemazinho que mostra aonde que ele deve aplicar, coisas bem didáticas, visuais. Às vezes, o paciente, quando é analfabeto, quando ele tem muita medicação, eu faço esqueminha de horário, uma tabelinha. (E17)

Os grupos de atenção à saúde foram levantados como estratégia de envolvimento por consistir em espaço de troca de experiência entre os pacientes e se sentirem mais motivados para falarem sobre sua saúde e adotarem medidas que promovam mudanças em sua saúde. Eles também foram destacados por permitirem orientar pacientes e cuidadores, obtendo resultados positivos:

Grupos de apoio, tipo hiperdia, que eles dão um suporte além do consultório. (E17)

O papel de responsabilização, a gente trabalha muito nos grupos da equipe da gente, inclusive tem ótimos resultados. A gente tem paciente que conseguiu diminuir medicamento com a questão de autocuidado. (E08)

O grupo do diabético, o grupo do idoso. Essas são coisas que ajudam muito eles a se abrirem, um fala a experiência para outro, e então eles veem a motivação do outro, e procuram se motivar também. (E06)

Estabelecer um plano de cuidados foi considerado essencial, nos relatos dos profissionais de saúde, para aumentar o envolvimento do paciente nas questões relacionadas à sua saúde:

Depende muito do paciente entender, absorver e ele realmente querer mudar, é o que ele vai fazer em casa que importa. (E17)

Vários agravos, por exemplo a diabetes, a hipertensão, essas doenças crônicas que exigem mudança na alimentação, mudança nos hábitos do dia a dia. Isso aí depende muito do paciente, então fazer um plano de cuidados para envolver o paciente é de suma importância. (E11)

Trazer a família como componente-chave para o envolvimento do paciente na segurança do cuidado apareceu nos relatos dos profissionais quando o paciente não demonstra capacidade para entender o tratamento proposto:

[...] quando eu vejo que o paciente não tem muita condição de entender o que está acontecendo, eu peço para ele trazer um familiar, eu peço para ele trazer o cuidador. Algumas vezes, a gente consegue, outras não. Eu abro mais espaço quando eu vejo que ele [...] tem necessidade. (E02)

Qualificação para o envolvimento do paciente na segurança do cuidado

A qualificação para o envolvimento do paciente no cuidado foi associada à formação acadêmica e realização de oficinas e cursos não específicos:

Eu tenho formação em medicina de família, então a gente passa por isso. A experiência que eu tenho aqui com os pacientes tá sendo válida. (E13)

Eu sou uma profissional que eu me preocupo com a minha capacitação. Então, eu tenho feito o meu possível pra isso. Eu fiz especialização, agora tô fazendo mestrado [...]. (E12)

Já de muito tempo participei das oficinas que o CONASS fez. (E11)

Um aspecto importante que surgiu nas falas dos profissionais é que eles se sentem capacitados para envolver o paciente no cuidado em decorrência do tempo de experiência com a APS. Entretanto, revelam a necessidade de realização de cursos específicos para tornar mais incisiva a prática de envolver o paciente no cuidado seguro, em algumas especialidades:

A própria experiência de trabalhar muito tempo com saúde pública com a comunidade aqui [...] a gente precisa de um cuidado, uma especialização, um curso. Quando fala de alcoolismo, eu tenho dificuldade de tratar esse assunto, eu acho muito específico. (E18)

Me sinto [capacitada] exatamente por isso. Ao longo da vida de profissional, a gente vai aprendendo, a gente vai sendo treinado. (E07)

Outro aspecto revelado nos discursos é que os profissionais se sentem capacitados a envolverem o paciente na segurança do cuidado em decorrência da troca de saberes que o ambiente de trabalho permite acontecer:

O suporte que a gente tem são esses cursos, esses treinamentos, essas discussões que a gente faz com a equipe, com o colega do lado, é você tirar a dúvida. Isso que vai me dando a certeza de que eu tô indo pelo caminho certo.A gente vai fazendo cursos, a gente vai participando, a gente vai fazendo as trocas com os outros colegas. (E07)

DISCUSSÃO

O significado do envolvimento do paciente para a segurança do cuidado foi associado à corresponsabilidade do paciente. Também emergiu a importância do cuidado centrado no paciente e, ao mesmo tempo, atentar-se à sua capacidade para autogerir o processo de saúde, especialmente para a identificação de riscos e agravos.

O terceiro desafio global, lançado pela Aliança Mundial de Segurança do Paciente, traz o empoderamento do paciente, familiar e cuidador como um dos seus objetivos(1616 World Health Organization (WHO). Medication without harm: WHO global patient safety challenge. Geneva WHO [Internet]. 2017 [cited 2019 Nov 25]. 1-12. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/255263/1/WHO-HIS-SDS-2017.6-eng.pdf?ua=1
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). Esse eixo de atuação visa tornar pacientes, familiares e cuidadores agentes ativos participativos do cuidado e corresponsáveis nas decisões de saúde, auxiliando na identificação de erros e no gerenciamento do próprio atendimento(1616 World Health Organization (WHO). Medication without harm: WHO global patient safety challenge. Geneva WHO [Internet]. 2017 [cited 2019 Nov 25]. 1-12. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/255263/1/WHO-HIS-SDS-2017.6-eng.pdf?ua=1
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
). Apesar de ser uma iniciativa com foco na redução de danos relacionados à medicação, pode-se afirmar que o empoderamento do paciente deve acontecer em todas as dimensões e complexidade do cuidado.

Nessa perspectiva, instrumentos para avaliar a capacidade do paciente para o enfrentamento do processo saúde-doença e o nível de ativação para a autogestão do cuidado têm sido desenvolvidos(1717 Bomba F, Markwart H, Mühlan H, Menrath I, Ernst G, Thyen U, et al. Adaptation and validation of the German Patient Activation Measure for Adolescents with chronic conditions in transitional care: PAM(r) 13 for Adolescents. Res Nurs Health. 2018;41(1):78-87. https://doi.org/10.1002/nur.21831
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-1818 Graffigna G, Barello S, Bonanomi A, Riva G. Factors affecting patients' online health information-seeking behaviours: the role of the Patient Health Engagement (PHE) Model, Patient Educ Couns. 2017;100(10):1918-27. https://doi.org/10.1016/j.pec.2017.05.033
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). A incorporação de tais instrumentos na rotina de trabalho da APS pode auxiliar os profissionais de saúde a desenvolverem ações mais específicas e individualizadas para auxiliar o paciente na compreensão da sua função no processo saúde-doença e, consequentemente, gerar melhores resultados assistenciais e menor risco de danos.

É importante destacar que os profissionais de saúde necessitam conhecer o nível de letramento de seus pacientes a fim de facilitar a troca de informações(1919 Bezerra JNM, Lessa SRO, Ó MF, Luz GOA, Borba AKOT. Health literacy of individuals undergoing dialysis therapy. Texto Contexto Enferm. 2019;28(e20170418). https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0418
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). Vários estudos vinculam o baixo ou inadequado letramento em saúde às dificuldades de compreensão e processamento de informações em saúde, refletindo em baixo conhecimento para o gerenciamento do estado da doença e piores resultados de saúde(1919 Bezerra JNM, Lessa SRO, Ó MF, Luz GOA, Borba AKOT. Health literacy of individuals undergoing dialysis therapy. Texto Contexto Enferm. 2019;28(e20170418). https://doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0418
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-2020 Chehuen Neto JA, Costa LA, Estevanin GM, Bignoto TC, Vieira CIR, Pinto FAR, et al. Functional Health Literacy in chronic cardiovascular patients. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(3):1121-32. https://doi.org/10.1590/1413-81232018243.02212017
https://doi.org/10.1590/1413-81232018243...
).

Envolver o paciente no cuidado, portanto, pode contribuir positivamente com o letramento em saúde e auxiliar o paciente no enfrentamento do processo saúde-doença. Em um ambiente pensado para resolver 85% dos problemas de saúde da população(2121 Mendes EV. A construção social da atenção primária à saúde. Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS [Internet]. 2015 [cited 2020 Apr 19]. 1-193. Available from: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/A-CONSTR-SOC-ATEN-PRIM-SAUDE.pdf
https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf...
), a prática de envolvimento do paciente no cuidado para a segurança da assistência e obtenção de melhores resultados de saúde se faz uma necessidade premente.

Foram destacadas como estratégias utilizadas pelos profissionais de saúde para favorecer o envolvimento do paciente no cuidado a comunicação aberta entre paciente e profissional de saúde, a realização de grupos educativos, o uso de recursos impressos, o desenvolvimento do plano de cuidados junto ao paciente e o envolvimento da família/cuidador. Reconheceram como fatores que podem interferir no envolvimento do paciente para a própria segurança o vínculo estabelecido entre paciente e profissional de saúde, o modelo assistencial, os determinantes sociais, a cultura da medicalização, a influência do saber popular, o suporte organizacional e a formação profissional.

Dentre os fatores que interferem no cuidado centrado no paciente e, consequentemente, no envolvimento do paciente para a segurança do cuidado, elencam-se as características individuais dos envolvidos (pacientes e profissionais) e aspectos organizacionais, tais como processo e carga de trabalho, infraestrutura para a preservação da privacidade, hierarquização das relações profissionais e assimetria do conhecimento(2222 Rodrigues JLSQ, Portela MC, Malik AM. Agenda for patient-centered care research in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):28. https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.04182018
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).

Percebe-se, portanto, que as interferências para a prática efetiva do envolvimento do paciente na segurança do cuidado estão relacionadas a aspectos do paciente, do profissional de saúde e da organização de saúde. Isso reflete na necessidade de mudanças culturais dentro do sistema de saúde e sua relação com usuários, considerando os instrumentos norteadores já existentes. Destaca-se a Política Nacional de Humanização(2323 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS: Clínica ampliada e compartilhada[Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. 2009 [cited 2020 May 28]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_compartilhada_2009.pdf
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), que incentiva a escuta qualificada, clínica ampliada e educação em saúde, o que favorece o cuidado individualizado, convergindo com o cuidado centrado no paciente. De forma mais específica, destaca-se, também, o guia “Pacientes pela segurança do paciente em serviços de saúde: Como posso contribuir para aumentar a segurança do paciente?”, elaborado pela Agência Nacional de Vigilância em Saúde, que orienta mudanças culturais na saúde quanto à participação do paciente nos processos de segurança assistencial(2424 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Pacientes pela segurança do paciente em serviços de saúde: como posso contribuir para aumentar a segurança do paciente? Orientações aos pacientes, familiares e acompanhantes. Brasília: Anvisa; 2017.). É pertinente destacar que a menção de tais instrumentos não foi identificada nos relatos dos profissionais de saúde.

Dentre os obstáculos para o não envolvimento do paciente no cuidado, a literatura destaca conhecimento limitado sobre o tema segurança do paciente, desinformação quanto a técnicas específicas de envolvimento do paciente na sua segurança e preocupação com possível influência negativa na relação profissional-paciente(1313 Martin HM, Navne LE, Lipczak H. Involvement of patients with cancer in patient safety: a qualitative study of current practices, potentials and barriers. BMJ Qual Saf. 2013;22(10):836-42. https://doi.org/10.1136/bmjqs-2012-001447
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).

É importante considerar os indicadores biopsicossociais que o paciente apresenta(1818 Graffigna G, Barello S, Bonanomi A, Riva G. Factors affecting patients' online health information-seeking behaviours: the role of the Patient Health Engagement (PHE) Model, Patient Educ Couns. 2017;100(10):1918-27. https://doi.org/10.1016/j.pec.2017.05.033
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,2525 Campos RTO, Ferrer AL, Gama CAP, Campos GWS, Trapé TL, Dantas DV. Avaliação da qualidade do acesso na atenção primária de uma grande cidade brasileira na perspectiva dos usuários. Saúde Debate. 2014;38(esp):264-52. https://doi.org/10.5935/0103-1104.2014s019
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). Destaca-se a necessidade de identificar a capacidade auditiva do paciente, incluir a participação familiar na assistência, adaptar a comunicação à necessidade do paciente/família e estabelecer uma abordagem centrada no paciente e família(2525 Campos RTO, Ferrer AL, Gama CAP, Campos GWS, Trapé TL, Dantas DV. Avaliação da qualidade do acesso na atenção primária de uma grande cidade brasileira na perspectiva dos usuários. Saúde Debate. 2014;38(esp):264-52. https://doi.org/10.5935/0103-1104.2014s019
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). Os familiares, acompanhantes e cuidadores como rede de apoio ao paciente têm se mostrado imprescindíveis por auxiliarem no enfrentamento do processo saúde-doença e no entendimento das preferências e preocupações do paciente, contribuindo para a segurança do paciente(2626 Souza LM, Silva MCS, Zavalhia SR, Coppola IS, Rocha BP. Percepção de enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família sobre segurança do paciente. J Nurs Health [Internet]. 2018 [cited 2019 Nov 28];8(2):e188205. Available from: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/12721/8827
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).

Uma das premissas para o envolvimento do paciente no cuidado é a interação profissional-paciente, com ênfase na comunicação. A má comunicação entre profissionais, familiares, cuidadores e pacientes causa grande parte dos incidentes em cuidados primários, especialmente no uso de medicamentos(44 Rees P, Edwards A, Powell C, Hibbert P, Williams H, Makeham M, et al. Patient safety incidents involving sick children in primary care in England and Wales: a mixed methods analysis. PLoS Med. 2017;14(1):1-23. https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1002217
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). Desenvolver ações de comunicação efetiva dos profissionais de saúde entre si e com pacientes/acompanhantes é uma necessidade, assim como o envolvimento dos pacientes nas decisões de saúde(2222 Rodrigues JLSQ, Portela MC, Malik AM. Agenda for patient-centered care research in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):28. https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.04182018
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).

Verifica-se que os incidentes relacionados à segurança do cuidado acontecem com maior frequência no domicílio do paciente(77 Aguiar TL, Lima DS, Moreira MAB, Santos LF, Ferreira JMBB. Patient safety incidents in Primary Healthcare in Manaus, AM, Brazil. Interface (Botucatu) [Internet]. 2020 [cited 2020 Oct 27];24(Suppl 1):e190622. https://doi.org/https://doi.org/10.1590/interface.190622
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). O paciente deve perceber e agir diante dos riscos envolvidos no seu processo saúde-doença, sendo papel do profissional de saúde desenvolver a autonomia do paciente para a autogestão do cuidado(1818 Graffigna G, Barello S, Bonanomi A, Riva G. Factors affecting patients' online health information-seeking behaviours: the role of the Patient Health Engagement (PHE) Model, Patient Educ Couns. 2017;100(10):1918-27. https://doi.org/10.1016/j.pec.2017.05.033
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,2323 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS: Clínica ampliada e compartilhada[Internet]. Brasília: Ministério da Saúde. 2009 [cited 2020 May 28]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_compartilhada_2009.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
), assim como para a identificação de possíveis riscos relacionados ao tratamento proposto. Melhorar a autogestão do cuidado em saúde pelos pacientes exige que profissionais de saúde reconheçam, inclusive, os comportamentos de busca de informações, discutam as informações oferecidas pelos pacientes e os direcionem para fontes confiáveis e precisas(1818 Graffigna G, Barello S, Bonanomi A, Riva G. Factors affecting patients' online health information-seeking behaviours: the role of the Patient Health Engagement (PHE) Model, Patient Educ Couns. 2017;100(10):1918-27. https://doi.org/10.1016/j.pec.2017.05.033
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), garantindo a segurança do cuidado.

Nessa perspectiva, destaca-se o plano terapêutico singular, que consiste em um conjunto de condutas terapêuticas articuladas e pactuadas entre paciente, profissional e/ou família que considera os recursos da equipe, do território, da família e do próprio sujeito(2727 Matuda CG, Pinto NRS, Martins CL, Frazao P. Colaboração interprofissional na Estratégia Saúde da Família: implicações para a produção do cuidado e a gestão do trabalho. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015 [cited 2019 Nov 28];20(8):2521-11. Available from: https://www.scielosp.org/pdf/csc/2015.v20n8/2511-2521/pt
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). O projeto busca a singularidade da atenção, de forma interprofissional e articulada, com o paciente e família, estimulando a autonomia e protagonismo do paciente(2727 Matuda CG, Pinto NRS, Martins CL, Frazao P. Colaboração interprofissional na Estratégia Saúde da Família: implicações para a produção do cuidado e a gestão do trabalho. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015 [cited 2019 Nov 28];20(8):2521-11. Available from: https://www.scielosp.org/pdf/csc/2015.v20n8/2511-2521/pt
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). A apropriação dessa ferramenta por parte dos profissionais de saúde pode favorecer a prática de envolvimento do paciente nas questões relacionadas ao próprio cuidado.

A qualificação para o envolvimento do paciente na segurança do cuidado foi associada à formação acadêmica, à experiência profissional e à aprendizagem organizacional. O processo de trabalho do cenário estudado é desenvolvido por profissionais de saúde com perfil diversificado, tempo de experiência e qualificação variados. Conhecer o perfil desses profissionais oferece à instituição de saúde a oportunidade de explorar a amplitude de conhecimento, experiência e talentos que cada profissional traz para o ambiente de trabalho.

Por constituir cenário de prática colaborativa, a APS permite o compartilhamento de saberes interprofissionais e a construção de projetos e ações terapêuticas centradas no paciente, trazendo resultados benéficos tanto para o serviço quanto ao usuário, que usufrui da cooperação transdisciplinar do cuidado(2828 Pereira Ld'A, Silva KL, Andrade MFLB, Cardoso ALF. Educação Permanente em Saúde: uma prática possível. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2018 [cited 2019 Nov 28];12(5):1469-79. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/download/231116/29010
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).

Esse movimento de troca de saberes entre os profissionais de saúde é extremamente importante para a resolução de problemas in loco, podendo ser favorável à incorporação da prática de envolvimento do paciente na segurança do cuidado na cultura institucional. Destaca-se, assim, o método de compartilhamento de experiências da educação permanente em saúde (EPS), que beneficia o processo de trabalho por meio de discussões, apoio da equipe nos momentos de dificuldade ou dúvida e tomada de decisões conjuntas(2929 Silva KL, Matos JAV, França BD. The construction of permanent education in the process of health work in the state of Minas Gerais, Brazil. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20170060. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0060
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). Proporciona, ainda, uma visão crítica do processo de trabalho, gerando reflexão quanto à atuação e situação do serviço, incentivando a promoção de melhorias contínuas nos processos(2929 Silva KL, Matos JAV, França BD. The construction of permanent education in the process of health work in the state of Minas Gerais, Brazil. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20170060. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0060
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).

Os relatos mostraram que o profissional de saúde envolve o paciente no cuidado, entretanto não foi observado o uso de estratégias consideradas efetivas para essa prática. A técnica do teach back tem sido apontada como promissora no cenário de atenção primária, estando associada ao fortalecimento da comunicação centrada no paciente e no aumento do envolvimento afetivo do indivíduo assistido(3030 Badaczewski A, Bauman LJ, Blank AE, Dreyer B, Abrams MA, Stein REK, et al. Relationship between Teach-back and patient-centered communication in primary care pediatric encounters. Patient Educ Counsel. 2017;100(7):1345-52. https://doi.org/10.1016/j.pec.2017.02.022
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). A gestão autônoma de medicamentos e o relato de incidentes pelo próprio paciente também têm sido incentivados(3131 Sharma AE, Rivadeneira NA, Barr-Walker J, Stern RJ, Johnson AK, Sarkar U. Patient engagement in health care safety: an overview of mixed-quality evidence. Health Aff (Millwood). 2018;37(11):1813-20. https://doi.org/10.1377/hlthaff.2018.0716
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) e há necessidade de estimular o desenvolvimento dessas estratégias na atenção primária de forma sistematizada e qualificada.

A existência de lacunas no processo de formação específica para a segurança do paciente e para o envolvimento do paciente no cuidado foi identificada nos relatos. A qualificação do profissional beneficia o contexto do trabalho a sua volta, gerando maior qualidade para a sua prática diária, apoiada em evidências científicas(2929 Silva KL, Matos JAV, França BD. The construction of permanent education in the process of health work in the state of Minas Gerais, Brazil. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20170060. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0060
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). A educação permite momentos de reflexão sobre o serviço e a prática profissional, possibilitando aos profissionais se tornarem agentes de mudança da cultura institucional(2828 Pereira Ld'A, Silva KL, Andrade MFLB, Cardoso ALF. Educação Permanente em Saúde: uma prática possível. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2018 [cited 2019 Nov 28];12(5):1469-79. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/download/231116/29010
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).

Portanto, a oferta institucional de aprimoramento profissional sobre estratégias de envolvimento do paciente no cuidado pode auxiliar o fortalecimento da cultura de segurança e envolvimento do paciente no contexto da APS. Cultura de segurança é definida como o resultado da interação entre valores individuais e do grupo, atitudes, percepções, competências e padrões de comportamento que determinam o compromisso com a gestão da saúde e segurança organizacional. Instituições com forte cultura de segurança se caracterizam por comunicação baseada na confiança mútua, percepções compartilhadas quanto à importância da segurança e, ainda, pela crença na eficácia de medidas preventivas(3232 Nieva VF, Sorra J. Safety culture assessment: a tool for improving patient safety in healthcare organizations. Qual Saf Health Care [Internet]. 2003 [cited 2020 Nov 02];12(Suppl 2):17-23. Available from: https://qualitysafety.bmj.com/content/qhc/12/suppl_2/ii17.full.pdf
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).

Considera-se que o ambiente estudado está favorável às mudanças organizacionais, uma vez que os profissionais reconhecem os fatores que interferem no envolvimento do paciente durante a prática profissional. Destaca-se que, para a promoção de mudanças no ambiente de trabalho, torna-se fundamental a avaliação da cultura de segurança a fim de fornecer um entendimento básico das percepções dos profissionais de saúde relacionadas à segurança na APS(3333 Lawati MHAL, Dennis S, Short SD, Abdulhadi NN. Patient safety and safety culture in primary health care: a systematic review. BMC Fam Pract. 2018;19:104. https://doi.org/10.1186/s12875-018-0793-7
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).

Frequentemente, as avaliações da cultura de segurança em ambientes de APS têm evidenciado, como pontos com necessidade de melhoria nos serviços, a decisão baseada em conhecimentos científicos, a individualização do cuidado, a consideração das necessidades e valores dos pacientes(3333 Lawati MHAL, Dennis S, Short SD, Abdulhadi NN. Patient safety and safety culture in primary health care: a systematic review. BMC Fam Pract. 2018;19:104. https://doi.org/10.1186/s12875-018-0793-7
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), dentre outros fatores. São problemas, portanto, que devem ser sanados pela equipe de saúde a fim de ampliar a capacidade de resolução de problemas do paciente, considerando os princípios da APS.

Apesar de não ser uma prática sistemática e efetiva, verificou-se que, na percepção de muitos dos profissionais de saúde que participaram deste estudo, o envolvimento do paciente no cuidado acontece. O suporte organizacional à aprendizagem é entendido como uma série de estímulos da organização que favorece a aprendizagem de indivíduos no trabalho(3434 Correia-Lima BC, Loiola E, Pereira CR, Gondim SMG. Inventário de suporte organizacional à aprendizagem. Rev Adm Contemp. 2017;21(5):710-29. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2017160316
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). Nessa perspectiva, gerar tais estímulos pode facilitar o desenvolvimento de novas competências relacionadas ao envolvimento do paciente para a segurança do cuidado e sua aplicação na prática diária dos profissionais de saúde da APS, inclusive entre aqueles que ainda não a desenvolve.

Vale ressaltar que a prática do cuidado centrado no paciente, na qual se inclui o envolvimento do paciente para a segurança do cuidado, ainda é incipiente e encontra obstáculos no sistema de saúde brasileiro(3535 Constand MK, MacDemid JC, Bello-Haas VD, Law M. Scoping review of patient-centered care approaches in healthcare. BMC Health Serv Res. 2014;14(1):1-9. https://doi.org/10.1186/1472-6963-14-271
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). Entretanto, o cuidado centrado no paciente e a segurança são práticas indissociáveis no contexto da qualidade em saúde, sendo incontestável que o envolvimento do paciente e de seus familiares/acompanhantes no planejamento e execução dos cuidados em saúde constitui importante estratégia para prevenção de incidentes(2222 Rodrigues JLSQ, Portela MC, Malik AM. Agenda for patient-centered care research in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(11):28. https://doi.org/10.1590/1413-812320182411.04182018
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).

Limitações do estudo

As limitações do estudo estão relacionadas ao método de obtenção dos dados, uma vez que entrevistas podem inibir os participantes de expressarem suas reais percepções. Considera-se, porém, que não houve prejuízo ao alcance do objetivo proposto.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

As contribuições do estudo para área de enfermagem e em saúde versam sobre a necessidade de qualificar a prática de envolvimento do paciente para a segurança do cuidado de modo que as estratégias utilizadas pelos profissionais sejam efetivas e resultem em melhorias nos indicadores de assistência da APS. Os resultados desvelam, ainda, a necessidade de desenvolver pesquisas de análise da cultura organizacional para a prática de envolvimento do paciente na segurança do cuidado e de avaliação de práticas efetivas de envolvimento do paciente, bem como seu impacto na resolutividade e segurança da assistência em saúde. Outra importante perspectiva de pesquisa é revelar como o paciente assistido na APS se vê nesse processo de envolvimento e autogestão do cuidado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O significado do envolvimento do paciente para a segurança do cuidado foi associado à corresponsabilização. O cuidado centrado no paciente trouxe uma perspectiva relevante para o envolvimento do paciente no cuidado, uma vez que esse processo exige, do profissional de saúde, entender as reais necessidades do paciente. Foi evidenciado que o envolvimento do paciente é importante para a segurança do cuidado por promover o comprometimento do paciente com questões relacionadas ao seu próprio cuidado.

Os fatores intervenientes ao envolvimento do paciente na segurança do cuidado destacados pelos profissionais de saúde foram relacionados aos aspectos do paciente, do profissional de saúde e da própria organização de saúde.

As estratégias utilizadas pelos profissionais de saúde para favorecer o envolvimento do paciente no cuidado foram comunicação aberta entre paciente e profissional de saúde, realização de grupos educativos, orientações verbais associadas ao uso de recursos impressos/visuais, desenvolvimento do plano de cuidados junto ao paciente e o envolvimento da família/cuidador.

Apesar de não terem recebido curso sobre segurança do paciente na unidade de trabalho, os profissionais referiram que se sentem capacitados para o envolvimento do paciente na segurança do cuidado em decorrência da formação acadêmica, da experiência profissional e da aprendizagem organizacional.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: MITZY REICHEMBACH

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Set 2020
  • Aceito
    12 Set 2020
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