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Estruturando no projeto pedagógico um referencial filosófico e teórico para ensinar a assistência de enfermagem

RESUMO

Objetivos:

analisar as concepções filosóficas, teóricas e metodológicas da Teoria da Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva por professores de uma universidade federal, visando à estruturação de uma proposta de referencial para o ensino da assistência de enfermagem.

Métodos:

Pesquisa Convergente Assistencial, com 17 professores, reunidos em grupos de convergência para instrumentalização e produção acerca do referencial.

Resultados:

focalizaram-se primeiramente questões consideradas preliminares ao aprofundamento teórico e filosófico da teoria; e depois desenvolveu-se um ensaio teórico-metodológico sobre a historicidade e dialética para o ensino na assistência de enfermagem.

Considerações Finais:

ao eleger a Teoria da Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva, sinalizou-se o potencial do referencial de tornar operacionais, no ensino da assistência, os pressupostos da historicidade e dialética, fundando-se novas concepções para o cuidado. Essa decisão representa um desafio paradigmático expondo fragilidades da formação relacionadas à sua origem cartesiana e suas limitações quanto à complexidade filosófica intrínseca.

Descritores:
Assistência de Enfermagem; Ensino; Teoria de Enfermagem; Cuidado de Enfermagem; Saúde Pública

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the philosophical, theoretical and methodological conceptions of the Theory of Praxic Intervention in Nursing in Collective Health by professors at a federal university, aiming at structuring a reference proposal for teaching nursing care.

Methods:

Convergent Assistance Research, with 17 teachers, gathered in convergence groups for instrumentalization and production about the referential.

Results:

the focus was primarily on issues considered preliminary to the theoretical and philosophical deepening of theory; and then a theoretical-methodological essay on historicity and dialectics was developed for teaching in nursing care.

Final Considerations:

when electing Theory of Praxic Intervention in Nursing in Collective Health, the potential of the referential to make operational, in the teaching of assistance, the assumptions of historicity and dialectics operational, founding new conceptions for care. This decision represents a paradigmatic challenge exposing weaknesses in the formation related to its Cartesian origin and its limitations regarding intrinsic philosophical complexity.

Descriptors:
Delivery of Health Care; Teaching; Nursing Theory; Nursing Care; Public Health

RESUMEN

Objetivos:

analizar las concepciones filosóficas, teóricas y metodológicas de la Teoría de la Intervención Práxica de la Enfermería en Salud Colectiva por profesores de una universidad federal, visando a la estructuración de una propuesta de referencial para la enseñanza de la asistencia de enfermería.

Métodos:

Investigación Convergente Asistencial, con 17 profesores, reunidos en grupos de convergencia para instrumentalización y producción acerca del referencial.

Resultados:

se focalizaron primeramente cuestiones consideradas preliminares a la profundización teórica y filosófica de la teoría; y después se desarrolló un ensayo teórico-metodológico sobre la historicidad y dialéctica para la enseñanza en la asistencia de enfermería.

Consideraciones finales:

al elegir la Teoría de la Intervención Práxica de la Enfermería en Salud Colectiva, se señalizó el potencial del referencial de volver operacionales, en la enseñanza de la asistencia, los presupuestos de la historicidad y dialéctica, fundándose nuevas concepciones para el cuidado. Esa decisión representa un desafío paradigmático exponiendo fragilidades de la formación relacionadas a su origen cartesiana y sus limitaciones cuanto a la complejidad filosófica intrínseca.

Descriptores:
Asistencia de Enfermería; Enseñanza; Teoría de Enfermería; Cuidado de Enfermería; Salud Pública

INTRODUÇÃO

Eleger um referencial teórico norteador da assistência de enfermagem como base aos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) de uma instituição de ensino superior (IES) é critério fundante dos cursos de graduação em Enfermagem. Essa estrutura implica que os enfermeiros professores aliem conhecimento e compreensão das diretrizes dos PPCs, bem como comprometimento com elas, no sentido de legitimar a aplicação do referencial utilizado para embasar suas práticas no cotidiano de ensino, objetivando sempre melhorar a formação em saúde no Brasil(11 Jurdi APS, Nicolau SM, Figueiredo LRU, Rossit RAS, Maximino VS, Borba PLO. Reviewing processes: the Occupational Therapy curricular framework of the Federal University of Sao Paulo. Interface Botucatu. 2018;22:e60824. doi: 10.1590/1807-57622016.0824
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).

A criação e o desenvolvimento de um projeto pedagógico constituem um processo complexo, o qual demanda integração e empenho do corpo docente e dos estudantes e alinhamento com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), que a priori apontam práticas responsivas às expectativas das reais necessidades de saúde das populações. Assim, esse desenvolvimento deve ser mediado pelos Núcleos Docentes Estruturantes (NDE) dos respectivos cursos, de modo que se garanta o protagonismo de professores e estudantes, a promoção de fóruns de discussão sobre a formação profissional e pesquisas de campo que melhor elucidem o “escrito e o feito” apresentado nos PPCs(22 Azevedo AB, Pezzato LM, Mendes R. Interdisciplinary education in helth and collective practices. Saúde debate. 2017;41:e11323. doi: 10.1590/0103-1104201711323
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).

Foi em meio a um cenário de reconhecimento do curso de Enfermagem e reformulação de PPCs que enfermeiros professores de uma universidade federal do Sul do Brasil se mobilizaram para escolher um referencial filosófico, teórico e metodológico para sustentar o ensino da assistência de enfermagem e convergir com os princípios da Saúde Coletiva e Sistema Único de Saúde (SUS), justamente para afinar com as DCNs, optando-se, assim, pela Teoria da Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva (TIPESC), de Emiko Yoshikawa Egry(33 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método em enfermagem. São Paulo: Brasil; 1996.).

Ao aprofundar a compreensão do coletivo (enfermeiros professores) sobre esse referencial almejado, foi desenvolvida a presente pesquisa convergente assistencial (PCA) e, por meio de grupos de convergência, os participantes incursionaram por entre concepções e conceitos da TIPESC, cujas bases filosóficas conformam-se com a visão de mundo do materialismo histórico e do materialismo dialético. Resultam, destas concepções, as bases teóricas da TIPESC, que são as categorias conceituais e dimensionais; e, pautando-se nesse arcabouço filosófico e teórico, a teoria é operada metodologicamente por meio de cinco etapas, todas expressando a realidade objetiva, desde a captação dessa realidade, passando pela interpretação, proposição interventiva, intervenção e reinterpretação de tal realidade(33 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método em enfermagem. São Paulo: Brasil; 1996.). Assim, a TIPESC enquanto concepção teórica busca compreender as contradições diante dos fenômenos de saúde, isto é, a dialética presente na realidade objetiva da Enfermagem em Saúde Coletiva no momento histórico de vida das pessoas(44 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm. 2018;71:e70677. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0677
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).

A obra que compilou a criação do referencial teórico foi publicada em 1996, havendo, nos dias atuais inúmeros trabalhos, cujo objeto de estudo envolve a TIPESC, realizados em Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Nesse sentido, se pondera que a teoria tem auxiliado os processos de reinterpretação das realidades objetivas; e, embora as transformações necessárias, oriundas dessas reinterpretações, ainda não tenham sido em sua essencialidade superadas, o referencial demonstra potencial no que tange ao desenvolvimento de consciência crítica de todos os envolvidos nos processos, tanto quanto a noção da relevância do trabalho coletivo, elementos essenciais às futuras transformações(44 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm. 2018;71:e70677. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0677
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).

Logo, com base no exposto e buscando alinhar-se às iniciativas de estudiosos que aspiram a mudanças efetivas no paradigma que norteia a assistência de enfermagem, bem como percebendose a força intrínseca a uma proposta de pesquisa que alie revisão de PPC com a estruturação de um referencial com esta finalidade, configura-se como questão norteadora para o estudo: Como enfermeiros professores de um curso de graduação em Enfermagem desenvolvem o conhecimento e compreensão sobre a TIPESC, visando à estruturação no PPC de uma proposta de referencial teórico e metodológico para o ensino da assistência de enfermagem?

OBJETIVOS

Analisar as concepções filosóficas, teóricas e metodológicas da TIPESC por professores enfermeiros de uma universidade federal, visando à estruturação de uma proposta de referencial para o ensino da assistência de enfermagem.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Os participantes foram devidamente esclarecidos sobre a pesquisa e anuíram mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para proteger a integridade e anonimato dos participantes, estes foram identificados por letras do alfabeto de A à Q. O projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme exigência da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que trata das pesquisas envolvendo seres humanos.

Tipo do estudo

Estudo de abordagem qualitativa, do tipo Pesquisa Convergente Assistencial (PCA), que busca elucidar as relações complementares entre teoria e prática, produzindo conhecimentos dirigidos à resolução de conflitos e problemas. O processo de desenvolvimento de uma PCA é composto da fase de concepção, quando o pesquisador apreende o problema de pesquisa; da fase de instrumentação, que possibilita ao pesquisador planejar todos os detalhes operacionais da coleta de dados, espaço físico, participantes, instrumentos de coleta, entre outros aspectos práticos; fase de perscrutação, conferida como um momento ímpar na PCA, que permite ao pesquisador, pela sua participação ativa, perscrutar, sondar as interfaces, associações e planejamentos possíveis diante da fase de instrumentação e a próxima fase que é a de análise(55 Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa Convergente-assistencial - PCA: Delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre: Moriá, 2014.). Foi usado o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ) como roteiro para os relatos.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O ambiente da pesquisa foi uma universidade federal da região Sul do Brasil, envolvendo especificamente o curso de graduação em Enfermagem.

Critérios de seleção

Foram convidados, em reunião de colegiado, todos os 25 docentes enfermeiros do curso de Enfermagem, quando da reformulação do Projeto Pedagógico de Curso (PPC). O critério de inclusão foi: participar de todos os três grupos de convergência. À época da coleta de dados, fizeram parte do estudo 17 enfermeiros professores concursados, sendo 11 doutores, 3 doutorandos e 3 mestres. Os motivos da não participação de oito professores foram os afastamentos (para aperfeiçoamento e licença-saúde), bem como a impossibilidade de dois professores em permanecer comparecendo aos encontros.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados ocorreu em três grupos de convergência denominados “Grupos de diálogo e análise de um referencial filosófico, teórico e metodológico (a TIPESC), para aplicação prática do ensino da assistência de enfermagem nos diversos cenários da prática”, com tempo de duração de duas a três horas para cada momento e com os 17 participantes incluídos. Os capítulos da obra da autora da TIPESC, Emiko Egry(33 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método em enfermagem. São Paulo: Brasil; 1996.), foram os disparadores das reflexões no grupo. Os relatos gerados foram audiogravados, transcritos e validados pelos participantes.

Etapas do trabalho

A PCA foi operacionalizada nas seguintes etapas: dialogicidade, expansibilidade, imersibilidade e simultaneidade(55 Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa Convergente-assistencial - PCA: Delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre: Moriá, 2014.). Na dialogicidade, adentrou-se a base filosófica, teórica e metodológica da TIPESC. Em seguida, com a expansibilidade, que proporcionou o aprofundamento dos debates, foi possível assimilar o conteúdo e desenvolver analogias e conjecturas na direção da operacionalização do método. Posteriormente, tornou-se exequível dar-se início às etapas da imersibilidade e simultaneidade, quando os professores participantes problematizaram a teoria em relação à prática do ensino da assistência de enfermagem e conseguiram abstrair os conceitos imbricados no referencial TIPESC, o que configura passo importante na obtenção dos dados necessários à futura estruturação de uma proposta de referencial filosófico, teórico e metodológico para o ensino almejado e inserido como norteador da assistência de enfermagem no PPC.

Análise dos dados

Do ponto de vista analítico da PCA, os conceitos são divididos em processos de apreensão, síntese, teorização e transferência que podem ser sequenciais ou não(55 Trentini M, Paim L, Silva DMGV. Pesquisa Convergente-assistencial - PCA: Delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto Alegre: Moriá, 2014.). Na finalização da análise, configura-se a elaboração dos significados e descobertas, conduzindo à ressignificação que as novas concepções propiciaram ao profissional bem como à qualificação do processo de trabalho desenvolvido(66 Alvim NAT. Convergent Care Research in Nursing - Opportunities for technological innovations. Esc Anna Nery. 2017;21:e70041. doi: 10.5935/1414-8145.20170041
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-77 Trentini M, Paim L, Silva DMGV. The convergente care research method and its application in nursing practice. Texto Contexto Enferm. 2017;26:e50017. doi: 10.1590/0104-07072017001450017
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).

RESULTADOS

Questões preliminares ao aprofundamento filosófico e teórico da Teoria da Intervenção Práxica de Enfermagem em Saúde Coletiva

Os professores enfermeiros problematizam a formação.

Precisamos aprofundar as concepções… é preciso ter clara a parte filosófica para o fazer enfermagem. Mas, por outro lado, vale trazer à tona a fala de uma acadêmica da 5ª fase que me chocou: Que ao ingressar na academia teve que se despir de um eu para se vestir de enfermeira. Então devemos pensar que, além desse ensino pautado em teorias de enfermagem, em fórmulas certas de se fazer a enfermagem, dialéticas ou não dialéticas, a gente acaba não percebendo algumas situações como essas, que cada estudante, ou que cada profissional é um, e que também é imbuído de valores, de conceitos e filosofia, teorias, enfim, de vida. (M)

Reportam aos modelos teóricos nacionais.

A Emiko coloca uma questão sobre Teorias de Enfermagem: ela chama atenção para a falta de modelo nacional de fazer a enfermagem, a gente se apropria muito das teorias americanas, e não tem nada nacional, excluindo-se o referencial de Wanda Horta. (F)

Conjecturam sobre as concepções de historicidade e dialética no cuidado de enfermagem.

Parece-me que tem uma confusão de conceito, do que seja dialética dentro do Materialismo Histórico e Dialético [MHD], que na proposição de Marx é a superação das contradições progressivamente, tese, antítese, síntese. Síntese que poderia ser, por exemplo, em nível elementar, aquilo que você identifica, que você com o outro identifica, a forma como você se propõe, vocês se propõem a superar, e o que disso resultou é a nova síntese. Essa síntese é uma nova tese que precisa ser superada continuamente. Isso é diferente de diálogo. Então dialética é o encontro com o outro, a troca, a valorização do outro. Além disso, qualquer resolução, qualquer encaminhamento não pode ser no micro, tem que considerar o macro também, a superestrutura. (B)

De que forma a gente é capaz de compreender, operacionalizar, construir o percurso que consiga incluir o estudante nesse eixo. Então nós vamos dizer para eles que esse curso vai buscar o processo dialético, de formação, de transformação, de ida e volta, mas eles não estão vendo isso na formação. [...] A gente talvez não se dê por conta, mas fomos formados em um modelo tão tradicional, que é difícil também fazer o movimento. (G)

Eu tenho a necessidade de ouvir exemplos para eu poder sentir mais, como vai fazer isso na prática. (A)

Na proposta da construção do PTS, que é o projeto terapêutico singular, na área da saúde mental, a dialética intrínseca não é implementada por conta do profissional que não é dialético. (F)

Eu acho que, quando a gente está discutindo o cuidado baseado na dialética, cabe saber como o estudante está se sentindo e como é que os professores estão se sentindo, em termos, quem sabe, valorização, esporte, de convivência, eu acho que tem vários fatores que vão influenciar; também temos que nos conhecer enquanto grupo. (E)

Ensaio teórico-metodológico para o ensino histórico e dialético na assistência de enfermagem

Os enfermeiros professores dialogam sobre o entendimento acerca das divisões categóricas presentes na proposta de referencial histórico-dialético; para tanto, ensaiaram o estrutural, particular e singular nos cenários da prática.

Para a atenção hospitalar, fica realmente muito mais difícil de imaginar. O geral, o que é o geral na atenção hospitalar? Por exemplo, nós da Atenção Básica temos praticado bastante o diagnóstico do território. [...] Então, na Atenção Básica, eu posso imaginar que essa parte que mencionei seja a mais geral, mais ampla, e depois a gente vai para o particular que seriam as famílias, com hipertensos, com diabéticos, com gestantes, tem o núcleo familiar, tem pessoas esquizofrênicas, tem de tudo; e vamos ao singular, que é essa pessoa dentro dessa família, que está dentro desse território [...]. (D)

Eu estava pensando… que o geral é para além do território, por exemplo, considerando, essa questão de superestrutura e estrutura, entram também as normativas, lá da Estratégia de Saúde da Família, entra a organização dos serviços de saúde no município como um todo, para além daquele território. O território também pode ser parte do geral, mas não exclusivamente. Talvez pudesse inclusive entrar, dependendo do que a gente olha, entrar no particular. O particular é o território, se olhando pela perspectiva de família, e o singular é a família, se a abordagem é a família. (B)

Cada situação a gente vai ter que ajustar e fazer esse exercício, do particular, geral e singular. Ele não é fixo. (D)

Na sistematização da TIPESC, ficaram evidentes suas etapas operacionais. Assim, foram apresentadas e debatidas, junto com os participantes, as cinco etapas fixas do referencial e a ideia da captura do fenômeno. Para tanto, questionou-se: O que capturar? De qual fenômeno se está falando? Qual é a amplitude deste fenômeno?

Qual é a ferramenta que a gente utiliza para olhar, para capturar o fenômeno? Na Atenção Básica, por exemplo, tomando como referência a saúde da mulher, esta atenção é de abrangência da saúde da família, que está em dado território, então eu capturo o fenômeno a partir desta avaliação, mas, e na atenção hospitalar? (D)

DISCUSSÃO

Debruçar-se sobre um referencial filosófico, teórico e metodológico inscrito nos projetos pedagógicos de cursos (PPC) da área da saúde para o ensino de suas práticas impõe aos profissionais a inexorável conformidade com as concepções intrínsecas ao referencial com vistas à sua adesão e operacionalização, considerando, para tal, as realidades locais, regionais e nacionais. Contudo, entre os enfermeiros professores participantes da pesquisa, surge a reflexão sobre a possível inflexibilidade ideológica diante de uma proposição teórica que o estudante absorva como um desrespeito ou mesmo uma verdadeira violência. Logo, os enfermeiros professores problematizam a estruturação de uma proposta teórico-metodológica para o ensino da assistência de enfermagem, com base na Teoria da Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva (TIPESC), trazendo à consciência a própria formação docente e enrijecimentos que se apresentam nas ações pedagógicas e assistenciais em saúde.

Os profissionais de enfermagem ainda se envolvem no cuidado do outro de maneira deslocada de si mesmos, como se fosse possível exercê-lo de forma neutra e tecnicista, o que pode resultar em situações de sofrimento pela pouca valorização das questões subjetivas envolvidas nas relações interpessoais(88 Silva AA, Marlene GT, Mariam OG, Valquínia TS. Self-careamong Nursing Professionals: an integrative review of brazilian dissertations and theses. Rev Bras Ciên Saúde. 2014;18:e80410. doi: 10.4034/RBCS.2014.18.04.10
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), as quais podem ainda ser agravadas quando na vigência de um embasamento teórico que se descola da realidade objetiva instalada no cenário de saúde(44 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm. 2018;71:e70677. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0677
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). Dessa perspectiva, os participantes evidenciaram a dificuldade dos profissionais da enfermagem de olharem para si e sua necessidade insatisfeita de reconhecimento do seu valor enquanto profissionais e, acima de tudo, enquanto humanos. E em meio a esses densos aprofundamentos, também demonstram a convicção de que é condição essencial a adoção de referenciais nacionais que reflitam a realidade brasileira.

Tendo em vista o exposto, conjectura-se que as evidências apresentadas no estudo até o momento representam contradições: Como será possível ensinar a assistência de enfermagem com base na historicidade e dialética, em que o estudante seja estimulado a buscar o inaparente e o contraditório naquilo que o paciente e contexto expressam, se o docente/enfermeiro e o estudante estão reduzidos à técnica, suas próprias contradições existenciais estão ignoradas e suas necessidades negligenciadas? Dessa forma, supõe-se instalar uma inconformidade entre o referencial e sua factibilidade no ensino da metodologia assistencial que se quer inscrito no PPC.

Em seguida, na pormenorização da TIPESC, evidenciou-se uma limitação do grupo em compreender no âmbito teórico e prático as dimensões dialética e histórica do referencial. A clareza etimológica e epistemológica (em especial, da dialética) permanece incipiente nos discursos. As raízes que edificaram este panorama, no qual conhecimentos filosóficos não são reconhecidos e concebidos no cotidiano profissional, remetem-se ao paradigma que dominou e domina até hoje as práticas de saúde. Assim, constata-se que há uma tendência em se compartimentar e ou classificar a concepção filosófica inerente ao fenômeno dialético, ao uso de tecnologias leves, por exemplo, valores imbricados na Política Nacional de Humanização (PNH) como: vinculação, empatia e acolhimento. Resulta, daí, a inoperância ao alcance das contradições do outro, e essa carência repercute sobre o estado de saúde da população. A PNH inegavelmente agrega valor às relações entre profissional, instituição e população; no entanto, ela não supera o paradigma vigente, sendo incapaz ainda de perceber a dialética presente no cotidiano da vida humana.

A interação entre ciência filosófica e ciência da saúde converge para o âmbito do “[...] tratamento da questão humana dado por ambas”, permitindo a reflexão sobre as considerações teóricas e metodológicas presentes na “intersecção do homem ser no mundo e suas condições de saúde”(99 Brito RF, Silva MEO, Maia CCA, Jeunon EE. Theoretical and methodological considerations about the teaching philosophy in health’s area: possible interactions. Sapere Aude [Internet]. 2013 [2018 Nov 05];4(8):2177-6342. Available from: http://periodicos.pucminas.br/index.php/SapereAude/article/view/6391/6009.
http://periodicos.pucminas.br/index.php/...
). Para os autores, desenvolver uma “atitude filosófica” permite ao profissional apurar um discurso reflexivo e assegurar o exercício do questionamento acerca dos conhecimentos científicos, estes oriundos de “[...] posições positivistas, cartesianas, dominantes na saúde, como, por exemplo, os conceitos cristalizados sobre saúde versus doença, [...] e a não relação da saúde/sociedade/sujeito”. Acredita-se na necessidade de uma atitude filosófica, por parte do docente, que subsidie a compreensão epistemológica do referencial ora estudado, fundamental para a aplicabilidade deste no cotidiano de ensino da assistência de enfermagem em geral.

Os grupos de convergência empreendidos neste processo de pesquisa buscaram oferecer elementos filosóficos e espaço reflexivo coletivo para, justamente, oportunizar um caminho ao desenvolvimento da atitude filosófica, indo ao encontro da proposta convergente assistencial. Isso contribui para formação docente, de modo que, ao se discutir nos grupos aspectos filosóficos e teóricos da TIPESC, foi-se reunindo sistematicamente os elementos transformadores necessários à caminhada futura que o grupo enseja na direção da estruturação de uma proposta para o uso da TIPESC no ensino da assistência de enfermagem.

Enfim, compreender a dialética implica perscrutar suas origens. Em sua raiz, ela era caracterizada e percebida em discursos que evidenciassem o poder de argumentação, ao se perspectivar um mundo estático, sem contradições, a priori, de relações postas e inquestionáveis. Diante das transformações sociais históricas, ao observar as relações no mundo do trabalho, entre burgueses e proletários em sua divisão de classes, ampliou-se o escopo de compreensão da dialética, quando esta passou a representar as relações complexas e contraditórias do mundo. Estabeleceu-se, com essa dialética, uma forma contestadora de ver o mundo, os acontecimentos da vida, o real e, diante dessa visão, a percepção das contradições inerentes ao movimento, à dinâmica da vida em um contexto histórico; com isso, passou-se a facultar o instável e a instaurar a possibilidade de transformação das relações(1010 Mendonça ALO, Souza KR. The return of dialectic: dialogue, self-criticism and transformation in leandro konder’s thoughts. Lua Nova. 2017;1:e08101. doi: 10.1590/0102-089108/101
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).

Nesse formato, a contradição (dialética) confere a força motriz para mudança da realidade, que, em um processo contínuo, estimula a mobilização transformadora. O referencial históricodialético, que se vem aprofundando neste estudo pelas falas do grupo docente, mostra-se desejável para reformular o processo de ensino da assistência de enfermagem, estruturado metodologicamente por meio do processo de enfermagem. O que se espera é que tanto estudantes quanto os profissionais adquiram condições intelectuais e pragmáticas [alicerçadas por uma atitude filosófica] para se perspectivar o mundo do paciente, em suas relações dinâmicas e históricas, para além do que se expressa em sintomas ou doenças.

Portanto, ensaiando a aplicabilidade do referencial TIPESC para o ensino da assistência de enfermagem, os enfermeiros professores analisam que ele não assimilará o que vem a ser a dialética se esta não for interiorizada, em termos de atitude, o que mais uma vez contribui com a atitude filosófica; não obstante, a proposta pressupõe não somente estabelecer um referencial para a assistência de enfermagem, mas também, e principalmente, uma reflexão sobre o próprio paradigma existencial [seu próprio eu] e sobre o paradigma [biomédico] da formação em enfermagem.

Nesse contexto, pondera-se sobre a formação de estudantes com foco nesse perfil de assistência, com vistas a ampliar as concepções de sujeito e suas relações dialéticas bem como a garantir um posicionamento que jogue luz sobre as contradições inerentes à vida humana, as quais se refletem no processo saúde-doença. O aprimoramento dos saberes, que permite compreender melhor o ambiente e o sujeito sob os seus diversos aspectos, favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico e viabiliza a compreensão do real mediante a aquisição de autonomia e a capacidade de discernir(1111 Soares AN, Souza V, Santos FBO, Carneiro ACLL, Gazzinelli MF. Health education device: reflections on educational practices in primary care and nursing training. Texto Contexto Enferm. 2017;26:e60016. doi: 10.1590/0104-07072017000260016
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), o que nos parece profundamente relevante quando se propõe uma transformação curricular para ensinar o cuidado de enfermagem com base em pressupostos históricos e dialéticos.

Para fins de exemplificação, considerando-se a complexidade teórica do referencial que se discute e buscando forjar pistas para sua aplicabilidade, em uma experiência de ensino aprendizagem, recente e real, oportunizou-se uma atividade com pacientes oncológicos, a fim de resgatar a autoimagem com o apoio de um ensaio fotográfico nas dependências do hospital. Quando convidados a expressar seus sentimentos sobre sua participação no ensaio, os pacientes explicitaram satisfação e sentimentos positivos, indicando uma faceta diversa do hospital, a da promoção da saúde; contudo, a resposta de um dos pacientes impactou ao concluir que, mesmo sendo possível ter vivências agradáveis no hospital, ele preferiria não estar lá. Para ele, vivenciar de maneira positiva o hospital ou o tratamento mostrou-se contraditório em relação às suas demandas singulares.

Exteriorizou-se, nesse momento, a contradição, e a perspectiva dialético-histórica oportunizou ao docente capturar tal fenômeno, singular, e transformá-lo em objeto da enfermagem — manifestando-se ali, portanto, uma atitude dialética docente. Essa experiência de atividade fotográfica retratou uma intenção de cuidado humanizado e dialógico por parte da enfermagem, entretanto se mostrou, ainda, insuficiente no que tange à dialética.

Em continuidade, os participantes, ao verificarem que apontamentos preliminares, referentes aos aspectos filosóficos do referencial (dialético e histórico), poderiam ter sido sanados, debateram sobre suas bases teóricas. Nos grupos de convergência, tratou-se das categorias conceituais e categorias dimensionais da TIPESC, com o objetivo de amparar os docentes do curso na estruturação de uma proposta teórico-metodológica para o ensino do cuidado. Dessas categorias, os participantes detiveram-se em um aspecto isolado da categoria dimensional, revelando um interesse em operar o referencial no dia a dia, como é característico da enfermagem e das ciências da saúde.

Quanto às categorias conceituais, embora os participantes não as tenham discutido, ainda assim cabe elucidar que elas são formadas por definições essenciais à realização das intervenções de enfermagem, ingressando no referencial teórico e observando as ideias, historicamente construídas, no entorno do conjunto de noções totalizantes ao desenvolvimento desse cuidado. Suas definições explicitam de que maneira o fenômeno será compreendido, uma vez expressas concepções cuja natureza é basal no campo da saúde, tais como os conceitos de homem, sociedade, saúde e doença, entre outros(44 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm. 2018;71:e70677. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0677
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). Assim sendo, por sua essencialidade e dado o embasamento filosófico subjacente a este aporte teórico da TIPESC, reflete-se, mais uma vez, sobre os distanciamentos filosóficos e teóricos presentes nas atitudes de profissionais da saúde e que comprometem a aplicabilidade efetiva de um referencial.

Por outro lado, as categorias dimensionais da TIPESC conferem sua operacionalização, contemplando noções imprescindíveis para a captura [dialética] do fenômeno que embasará a intervenção de enfermagem, correspondendo a 1) totalidade, 2) práxis e 3) inter-relação entre o estrutural, o particular e o singular(44 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm. 2018;71:e70677. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0677
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). Na pesquisa, os participantes se concentraram na categoria dimensional “inter-relação entre o estrutural, o particular e o singular”, manifestando desejo de assimilar como apreender os fenômenos de saúde no cotidiano do cuidado, com base na TIPESC.

A categoria procura identificar as diferentes partes do fenômeno, expondo o dialético presente entre as partes e o todo. Nesse ínterim, o estrutural se refere ao aspecto mais abrangente do fenômeno; o particular assume uma posição intermediária; e o singular, sua menor parte(44 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm. 2018;71:e70677. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0677
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,1212 Egry EY. Necessidades em saúde como objetivo da TIPESC. Porto Alegre: Artmed; 2010. Integralidade da atenção no SUS e sistematização da assistência de enfermagem; p. 70-74.). No exemplo anteriormente descrito sobre o cuidado a pacientes oncológicos, pode-se vislumbrar o estrutural enquanto instituição hospitalar e suas peculiaridades assistenciais (ambiente marcado por tecnologias duras e leve-duras, pela doença, pelo tratamento médico); o particular enquanto grupo de pacientes oncológicos que vivencia um processo de aceitação da doença e de enfrentamento (individual e coletivo); e o singular, o qual se revela no paciente que contesta o benefício da atividade, expondo sua satisfação e insatisfação mediante suas demandas pessoais. Entretanto, este é um arranjo possível entre outros tantos, considerando-se a fluidez intrínseca a esses elementos presentes no fenômeno.

Os professores mencionam que perceber tais princípios na Atenção Básica torna-se mais plausível do que na atenção hospitalar. Dada essa constatação, remete-se a um estudo cujo fim foi compreender a realidade objetiva das doenças e agravos não transmissíveis (DANT) na enfermagem, norteado pela categoria dimensional “inter-relação entre estrutural, particular e singular” para propor projetos de intervenção, visando entender a determinação social do processo saúde-doença(1313 Souza SJP, Larocca LM, Chaves MMN, Alessi SM. The objective reality of Non-communicable Diseases and Injuries in nursing. Saúde Debate. 2015;39:e03007. doi: 10.1590/0103-110420151060003007
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). Os autores descrevem as dimensões assim: Dimensão Estrutural (amparos jurídico e político ao trabalhador em caso de adoecimentos e acidentes); Dimensão Particular (o trabalho realizado pela equipe de enfermagem no serviço de saúde, com base em aspectos como sobrecarga de trabalho, recursos humanos, entre outros) e Dimensão Singular (foram reconhecidas as referências às DANTs nos trabalhadores estudados).

Dessa maneira, como os próprios participantes concluíram, é preciso ajustar-se à aplicação dessa categoria e, em especial, a essa interface entre as partes e o todo, a cada situação, adicionando que, diante da especificidade, é preciso fazer o exercício no sentido de perceber cada elemento dessa inter-relação; reforça-se, assim, que esta caracterização não é fixa. Depreende-se, logo, que esse mesmo exercício, necessário aos desdobramentos dos fenômenos em saúde na Atenção Básica, deverá também ser concebido no cenário hospitalar.

Por fim, no que tange ao referencial em si, desenhando a descrição metodológica da proposta, enfatiza-se, quanto a esta, que a captura do fenômeno (primeira etapa) consiste em incógnita para os participantes, no entanto espera-se que profissionais da saúde consigam capturar o fenômeno de saúde vigente na realidade objetiva analisada. Assim, os preceitos filosóficos da teoria, fundamentada no MHD, devem ser revelados mediante contextualização histórica e dinâmica do fenômeno.

A intervenção de enfermagem, portanto, é configurada com base em cinco etapas operacionais, sistematizadas: a) captação da realidade objetiva; b) interpretação da realidade objetiva; c) construção do projeto de intervenção na realidade objetiva; d) intervenção na realidade objetiva; e) reinterpretação da realidade objetiva(33 Egry EY. Saúde coletiva: construindo um novo método em enfermagem. São Paulo: Brasil; 1996.-44 Egry EY, Fonseca RMGS, Oliveira MAC, Bertolozzi MR. Nursing in Collective Health: reinterpretation of objective reality by the praxis action. Rev Bras Enferm. 2018;71:e70677. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0677
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).

“O conhecimento do fenômeno em sua historicidade e situacionalidade” atribui significado à captação do fenômeno em sua realidade objetiva. A seguir, desvelando suas contradições dialéticas, concebe-se sua interpretação; com base na interpretação desencadeada, faz-se a elaboração do projeto de intervenção, cujo caráter deve designar riqueza de detalhes, “com definição conceitual, objetivos, métodos, estratégias, realizado coletivamente e com responsabilidade compartilhada”. Situa-se o momento da intervenção, o desenvolvimento do cuidado de enfermagem que conduzirá a última etapa que reinterpreta a realidade objetiva, promovendo a “avaliação do processo e do produto, buscando as contradições na execução do cuidado de enfermagem”. “As etapas, antes de serem partes específicas do processo de trabalho, devem ser consideradas como hegemônicas e não exclusivas, ou seja, em dada etapa, podem estar convivendo com outras etapas, simultaneamente”(1212 Egry EY. Necessidades em saúde como objetivo da TIPESC. Porto Alegre: Artmed; 2010. Integralidade da atenção no SUS e sistematização da assistência de enfermagem; p. 70-74.).

No percurso dos grupos de convergência, precisou-se dirimir as angústias expressas pelos participantes, quando questionaram: “Qual seria a ferramenta a ser usada na captura de um fenômeno de saúde?” e “A que fenômeno estamos nos referindo?” De fato, não se trata de obter uma ferramenta, um instrumento, um modelo técnico que habilitará a captura de um fenômeno em saúde, no qual se intenciona a intervenção. Verdadeiramente, o principal à compreensão é que a captura de um fenômeno de saúde, cuja referência filosófica se concebe a partir do MHD, implica o desenvolvimento de atributos profissionais pessoais estimuladores da fluência de atitudes que expressem a introjeção da visão dialética e histórica, quanto ao fenômeno a ser capturado — a atitude filosófica, à qual nos referimos ao longo do presente texto.

Então, o fenômeno é exatamente o mesmo que interviria em outro arranjo teórico e filosófico; o que muda, no entanto, é o paradigma tomado para embasar a prática de cuidados: a perspectiva biomédica ou a perspectiva histórico-dialética. Não obstante, as considerações formuladas acerca do fenômeno, sua captura e seleção, ganham a abrangência necessária para a atenção às contradições inerentes a ele, observado, de maneira multifacetada, quando ponderado sobre o seu dinamismo histórico. Por fim, ao conceber a captura, por meio dessas estratégias, a inter-relação entre o estrutural, particular e singular assegura que o fenômeno seja balizado segundo sua totalidade, revelando os processos estruturais que determinam o cuidado, preocupação indicada pelos participantes deste estudo.

Limitações do estudo

Atualmente, o grupo permanece em situação de reformulação curricular e vem amadurecendo concepções a respeito da temática, com o objetivo de se adotar a TIPESC enquanto referencial para a assistência de enfermagem. Portanto, considera-se uma limitação para a proposta deste estudo o fato de que não tenha sido possível concluí-lo com a materialização de um produto final estruturado para a revisão do PPC, exatamente porque tal reformulação não foi encerrada como era o propósito inicial. Acrescenta-se, como limitação, a carente base filosófica que se observa no âmbito dos profissionais da saúde, o que acaba por exigir o desenvolvimento de mais estudos desta natureza para se atingir de maneira efetiva os objetivos, justamente para permitir que determinado grupo de profissionais alcance um amadurecimento filosófico.

Contribuições para a área da Enfermagem

A transformação e a ressignificação de uma prática perante os desdobramentos de uma pesquisa convergente assistencial correspondem a um alvo potencialmente almejável. Neste caso, a transformação se fez exteriorizar por meio das compreensões desenvolvidas nos grupos de convergência sobre os pressupostos basais da TIPESC. Essas compreensões, além de fomentarem a futura produção de uma proposta estruturada acerca do ensino do PE norteado pela TIPESC, ainda permitiram aos docentes estabelecer ressignificações paradigmáticas no campo da saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O movimento inicial dos participantes da pesquisa originou-se do desejo do grupo em se aproximar do referencial teórico fundante do SUS, enquanto alternativa ao modelo curricular convencional do curso de enfermagem, então pautado na Teoria das Necessidades Humanas Básicas. Nos grupos de convergência, foram elucidadas compatibilidades e incompatibilidades paradigmáticas de referenciais, teorias de enfermagem, em associação com as concepções filosóficas da Saúde Coletiva e preceitos e pressupostos do SUS, visto que, para estes últimos, o referencial filosófico sustenta-se no MHD.

Ao eleger a TIPESC, foi sinalizado o potencial do referencial de tornar operacional o MHD na prática do ensino da assistência de enfermagem em Saúde Coletiva, considerada a abrangência deste fenômeno, histórica e dialeticamente, fundando-se novas concepções de cuidado em saúde que possam advir do cuidado histórico e dialético. Essa decisão, consolidada ao longo da pesquisa, representou um desafio paradigmático e expôs fragilidades da formação em enfermagem e em saúde relacionadas à sua origem cartesiana e biomédica bem como às suas limitações relacionadas com a complexidade filosófica do MHD e a TIPESC.

Assim, para se ensinar a assistência de enfermagem, depreende-se como essencial o desenvolvimento de habilidades docentes que permitam a compreensão epistemológica do referencial por parte dos estudantes de modo reflexivo e dialético. Acredita-se que, dessa forma, embasados filosoficamente em referencial teórico aliado aos princípios e pressupostos do SUS, se fortaleça a sustentação de um sistema de saúde abrangente e ético e que se avance para um cuidado em saúde efetivamente humanizado, por deter-se nos aspectos históricos e dialéticos implicando transformações sociais almejadas por profissionais e populações.

Quando um grupo de profissionais se propõe a construir, estruturar uma prática, e esta possui raízes filosóficas absolutamente desenhadas e estruturadas — que por questões paradigmáticas, possam causar um estranhamento, dada a complexidade do propósito —, é essencial estudos como este, que preparam o terreno para a futura construção. Caso contrário, podese resvalar na inoperância de uma ideologia; e aqui se faz uma provocação: Quantos profissionais da saúde efetivamente reconhecem os pressupostos filosóficos do SUS que carregam em seu âmago a historicidade e a dialética?

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Rafael Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2019
  • Aceito
    14 Jun 2020
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