A transfobia como doença social: discursos de vulnerabilidades em homens trans e pessoas transmasculinas

Lobo, Bernardo Haylan de Souza do Carmo; Santos, Gabriele da Silva; Porcino, Carle; Mota, Tilson Nunes; Machuca-Contreras, Felipe Aliro; Oliveira, Jeane Freitas de; Carvalho, Evanilda Souza de Santana; Sousa, Anderson Reis de

doi:10.1590/0034-7167-2022-0183pt

Bernardo Haylan de Souza do Carmo Lobo

concepção ou desenho do estudo/pesquisa

análise e/ou interpretação dos dados e a revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-8606-5830

Gabriele da Silva Santos

análise e/ou interpretação dos dados e a revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-6969-0271

Carle Porcino

análise e/ou interpretação dos dados e a revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-6392-0291

Tilson Nunes Mota

análise e/ou interpretação dos dados e a revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-5836-2360

Felipe Aliro Machuca-Contreras

análise e/ou interpretação dos dados e a revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

Universidad Autónoma de Chile. Santiago, Chile

https://orcid.org/0000-0001-7119-8593

Jeane Freitas de Oliveira

análise e/ou interpretação dos dados e a revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-8401-8432

Evanilda Souza de Santana Carvalho

análise e/ou interpretação dos dados e a revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana, Bahia, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-4564-0768

Anderson Reis de Sousa Autor Correspondente: Anderson Reis de Sousa E-mail: anderson.sousa@ufba.br

concepção ou desenho do estudo/pesquisa

análise e/ou interpretação dos dados e a revisão final com participação crítica e intelectual no manuscrito

Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-8534-1960

Autor Correspondente: Anderson Reis de Sousa E-mail: anderson.sousa@ufba.br

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Maria Itayra Padilha

Expressões-Chaves

Discurso do Sujeito Coletivo

Não aceitação

Brigas

Rejeição

Pecado

Medo

Revolta

Uso de álcool e outras drogas

Afastamento

Ruptura de vínculos

[...] a relação sempre foi muito difícil. Meus pais não me aceitavam, e os conflitos por conta da transgeneridade eram constantes, tornando a situação insustentável. As justificativas para as brigas e para a rejeição tinha forte influência da religião, pois meus pais viam a transgeneridade como algo pecaminoso e errado. Cheguei a apanhar do meu pai, e, por conta disso, passei a sentir medo e revolta, e foi nesse mesmo período que eu comecei a beber e também a usar drogas. Quando souberam da minha posição em relação à transgeneridade, me colocaram para fora de casa. Por conta da transfobia que também afetava o ambiente em que eu vivia, eu acabei me afastando de toda a família, e, com isso, o vínculo afetivo ficou afetado. (DSC)

Expressões-Chaves

Discurso do Sujeito Coletivo

Isolamento

Receio

Preconceito

Adoecimento

Violência

Discriminação

Constrangimento em público

Desrespeito

Negação

Alienação familiar

[...] eu convivi e ainda convivo em grande parte isolado das pessoas. Vivo discretamente no meu bairro, pois tenho receio da violência gerada pela transfobia. Na maioria das vezes, eu me escondo, pois tenho receio de notarem algum traço lido como feminino em mim, como, por exemplo, as minhas mamas, e isso ser alvo de violência. Evito chegar tarde em casa e ficar pela rua, e passo a maior parte do tempo sozinho. Sair para a rua é sempre adoecedor, pois eu já sei que vou enfrentar muito preconceito e violência. Já passei por muitas situações vexatórias e de discriminação em espaços públicos, como em bancos, serviços de saúde, jurídicos e empresas, me fazendo passar por constrangimento em relação à minha transgeneridade, que muitas vezes não é respeitada, a exemplo da negação do nome social. Não tenho muitas amizades, nem tanto contato com a família. O que me dá grande apoio é o grupo de amigos trans e pessoas trans aliadas dos movimentos sociais e dos coletivos LGBT. É bem difícil também conviver no trabalho, principalmente em lugares onde a transgeneridade não é bem aceita. Ter que ficar escondendo as mamas para não notarem o volume e deslegitimarem a minha passabilidade enquanto homem é muito desconfortável e angustiante, pois eu tenho que ficar o tempo todo pensando nessa possibilidade vir a ocorrer. (DSC)

Expressões-Chaves	Discurso do Sujeito Coletivo
Discriminação no espaço escolar
Problemas na escola Falta de acolhimento Desconforto Dor Violência Mulher masculinizada Diminuição do rendimento Desistência dos estudos Dificuldade de emprego Preconceitos diários Desrespeito ao nome social	[...] desde a infância, eu tive problemas com a escola, que nunca me acolheu. A escola sempre foi um lugar de muito desconforto e muitas dores, pois era um lugar de muitas violências. Por várias vezes, eu deixei de aproveitar a hora do recreio e ficar dentro da sala de aula para não sofrer violência. Desde aquela época, eu já era tido como um garoto, mas eu não tinha esse entendimento ainda, e, por conta disso, era tido como uma mulher masculinizada, e assim também foi na adolescência. Por conta desses problemas, eu não tive bons rendimentos e desisti de estudar. Tinha vergonha, receio e tudo isso me impedia de aprender, de me concentrar e de enfrentar os desafios que a escola apresentava. O reflexo de tudo isso eu tento recuperar hoje em dia, pois sem escolaridade tudo ficou mais difícil, inclusive de arranjar emprego. Eu até consigo algumas oportunidades, mas todas elas solicitam formação. Chegar até a universidade é outro desafio que parece até inalcançado, pois sei que terei que enfrentar mais dificuldades, inclusive na quebra de preconceitos diários que eu sofro, como, por exemplo, o respeito ao meu nome social. Tive que lutar para ter o meu nome nas listas de presença, no sistema de cadastro, e ainda assim sofri transfobia por parte dos professores. (DSC)
Limitações profissionais no mercado de trabalho
Dificuldade financeira Dificuldade de empregabilidade formal Esconderijo Deslegitimação da passabilidade trans Desconforto Angústia Perda na qualidade alimentar e acesso à serviços de saúde – acompanhamento, hormonização, cirurgias, sobrevivência Vulnerabilidades	[...] tudo isso afeta a qualidade da minha alimentação, o acesso à ida até o serviço de saúde para realizar o meu acompanhamento, à hormonização, pois o sistema de saúde não oferece os hormônios gratuitamente, nem de alcançar a realização da cirurgia de adequação das mamas e até mesmo de sobreviver. Por conta disso, eu tenho percebido muitas mulheres e também homens trans vulneráveis à prostituição e ao tráfico. (DSC)

Expressões-Chaves

Discurso do Sujeito Coletivo

Transfobia cotidiana

Desprezo com o cuidado

Dificuldades nos serviços

Violência institucional

Adoção de práticas arriscadas

Hormonização por conta própria

Dificuldade de acesso aos hormônios no SUS

Desafios

Desconforto e receios

Abordagens profissionais transfóbicas

Riscos à saúde física, sexual e reprodutiva

Solidão

Busca por outras fontes de cuidado: grupos de homens trans

[...] por conta da transfobia vivenciada cotidianamente, eu passei a desprezar os cuidados com a minha saúde física. Esse fato se deve principalmente pelas dificuldades que eu já enfrentei nos serviços de saúde, o que me fizeram deixar de frequentar, de acreditar na atuação dos profissionais, pois eu já vivenciei muita violência institucional. Pela necessidade da realização de mudanças em meu corpo, eu acabei realizando algumas práticas arriscadas e perigosas, como, por exemplo, o uso de hormônios por conta própria, e isso se deve ao fato de já ter sofrido julgamentos de profissionais de saúde ao serem solicitados para administrar os hormônios que são prescritos pelo médico da rede de saúde do município. E outro complicador é que o SUS não oferta gratuitamente os hormônios e, com a dificuldade financeira, eu acabo ficando sem ter acesso. Ter que realizar os cuidados ginecológicos também tem sido um desafio que, por muito tempo, eu relutei, principalmente por não me sentir confortável com a abordagem dos profissionais e pelo receio da transfobia. Muitos homens trans não realizam o exame das mamas, e do útero, por esse receio. Não sinto os profissionais de saúde preparados para lidar com questões de saúde física de homens trans, como, por exemplo, a menstruação, utilização dos hormônios e os seus riscos à saúde física, cuidados com a alimentação, as práticas sexuais e reprodutivas, a gestação e o parto, assim também como o processo da transição, que acaba sendo solitário, sem acompanhamento adequado na maioria das vezes, o que me faz buscar em outras fontes de acesso ao cuidado, a exemplo dos grupos de homens trans presentes nas redes sociais disponíveis na internet e em coletivos e grupos de apoio [...] tudo isso afeta a qualidade da minha alimentação, o acesso à ida até o serviço de saúde para realizar o meu acompanhamento, à hormonização, pois o sistema de saúde não oferece os hormônios gratuitamente, nem de alcançar a realização da cirurgia de adequação das mamas e até mesmo de sobreviver. (DSC)

Expressões-Chaves

Discurso do Sujeito Coletivo

Conflito de decisão

Danos à sexualidade e percepção corporal/

Negligência

Desprezo

Nojo

Estranheza

Comprometimento da saúde mental

Ansiedade

Agitação

Irritabilidade

Disforias corporais

Suicídio

Atendimento psiquiátrico

Centro de Apoio Psicossocial (CAPS)

Falta de acolhimento

Desrespeito à identidade trans

Tristeza

Revolta

Abandono de tratamento

[...] o mais difícil não foram os momentos de conflito de decisão com a minha identidade de gênero, mas como a transfobia que passei a vivenciar, afetando não só a minha sexualidade, a minha percepção sobre o meu corpo, a minha imagem e a personalidade, mas a minha existência. Tem sido quase um combate diário sobreviver diante da transfobia que demoniza, exotifica, negligência, hostiliza e nega a vivência trans. São brincadeiras de mau gosto, olhares de desprezo, nojo, estranheza, falta de acolhimento e sensibilidade que acontece inclusive nos serviços de saúde. Essas vivências geram comprometimentos reais na minha saúde mental. Me sinto constantemente ansioso, agitado, irritado, com estresse elevado, alteração do humor, do apetite, além das disforias corporais que já passei. Cheguei a tentar suicídio, com o desejo de acabar com a minha vida, decorrente de uma depressão grave que eu vivenciei. Em razão da situação grave de saúde mental que eu me encontrava, busquei por atendimento psiquiátrico em um CAPS, mas até naquele espaço eu já sofri transfobia e não tive o acolhimento que necessitava. Por várias vezes, eu fui chamado pelo meu nome de registro, deslegitimando a minha identidade masculina. Aquela situação me humilhava, me deixava triste e revoltado, e se tornou o motivo pelo qual eu abandonei faltei às consultas subsequentes, abandonei o tratamento e me tornei resistente em buscar por um serviço de saúde. (DSC)

[1] Autor Correspondente: Anderson Reis de Sousa E-mail: anderson.sousa@ufba.br

Brasil

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A transfobia como doença social: discursos de vulnerabilidades em homens trans e pessoas transmasculinas

RESUMO

Objetivo:

Método:

Resultados:

Conclusão: