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A sócio-poética: fundamentos teóricos, técnicas diferenciadas de pesquisa. Vivência

RESENHA DE LIVRO

A sócio-poética: fundamentos teóricos, técnicas diferenciadas de pesquisa. Vivência

Maria José de Lima

Enfermeira - verão de 1998 - RJ Autora do livro "O que é enfermagem" Ed. Brasiliense SP (011) 69420545

Autores: Jacques Gauthier; Iraci dos Santos

Rio de Janeiro: UEPJ/DEPEXT/NAPE. 1996

Jacques Gauthier, professor visitante no Programa de Doutorado em Enfermagem (de 1994 a 1996) da UFRJ. Ele é Doutor em Ciências da Educação pela Universidade Paris VIII, Mestre em Filosofia, Ciências Políticas e Lingüística. Pesquisador na Equipe ESCOL (Educação, Socialização e Coletividades Locais da Universidade Paris VIII). Pesquisador do CNPq, atualmente se enraizando profissionalmente na Bahia.

Iraci dos Santos é Doutora em Enfermagem, Livre-Docente, na área de Pesquisa pela UERJ onde é Professora Titular concursada.

Os autores da Sócio-Poética recontam uma experiência vivenciada na pós-graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery -UFRJ entre os dois e um grupo de profissionais que, na ocasião, estavam fazendo curso de mestrado e doutorado nessa Instituição, no ano de 1996.

Jacques Gauthier já havia aplicado a técnica de Vivência de Lugares Sócio-Míticos no Ensino de Segundo Grau, na CEFET, RJ, tendo prosseguido seus estudos na Pós-Graduação em Educação da UFRJ. Como professor visitante da EEAN, UFRJ, encontrou apoio na então aluna de Doutorado Iraci dos Santos, para testar sua experiência na área de Enfermagem.

A Sócio-Poética trabalha com métodos interligados à arte e à criatividade, produz uma "poesia crítica" que se movimenta, modifica, cresce ou definha no próprio processo de pesquisa, no momento em que as idéias são discutidas, expostas, assimiladas ou rejeitadas (p. 29). Docentes e discentes embebem-se no mesmo banho semântico, no mesmo contexto, no mesmo fluxo vivo da interação, inovando na regulação da forma, dos modos, das medidas, das relações sociais desenvolvidas na Pesquisa em Enfermagem. A concepção de pesquisa idealizada por Jacques Gauthier procura liberar o imaginário, fazendo uma ponte entre a liberdade de pensamento e a liberdade de expressão.

Jacques Gauthier e Iraci dos Santos optaram dentro do processo de trabalho pela forma de pensar dialogicamente procurando fazerem-se compreender suas/seus interlocutoras/es abrindo espaço que permitisse aflorar as necessidades de grupo, que de uma forma ou de outra afetam os sujeitos envolvidos na vivência. Nas entrelinhas dos depoimentos, o saber na enfermagem surge muito mais como uma postura de vida do que como representação daquilo que é verbalizado em teorias, sejam elas científicas, estéticas ou filosóficas.

A falta de teorização sobre a prática de enfermagem é sentida pelas pessoas do grupo como lacuna ainda a ser ocupada na área do ensino/aprendizagem profissional. Pela percepção do grupo é na prática que se demonstra que uma/um enfermeira/o é sábia/o ou não. O poder de lidar com os problemas do cotidiano no exercício profissional reforça que é preciso manter associados o conhecimento científico/estético ou filosófico no campo de exercício. A associação entre saber fazer e a ciência não pode ser compreendida com dogmatismos e sim com senso de relatividade, de contingência e de limitações. A sabedoria adulta das(os) enfermeiras(os), que emergiu e foi registrada dentro da vivência, é emocionante e não está ligada apenas à inteligência. Ela é fruto de todas as formulações que o grupo foi e está construindo pela vida. Isso significa que o senso de relatividade, contingência e limitação confere uma humanidade ao grupo que ainda não se percebia desde sua origem. A experiência recebida não é nem otimista e nem pessimista, ela enquadra-se bem na filosofia hedonista que dispõe as pessoas a viverem plenamente atentas ao fato de que tudo irá desaparecer, portanto devemos viver a vida com a iminência da morte, do desaparecimento.

Essa experiência também é indicativa de que é preciso redimensionar a VIDA tornando-a melhor, mais poética e dotada de mais sentido no cotidiano pela proximidade, pela esperança, pela união, pela bondade, pelo desejo de felicidade. Em conjunto, a vivência em questão pressupõe uma ética que é política e uma política que é ética, formando os dois lados de uma mesma moeda em qualquer âmbito de vida e nesse caso específico no exercício do ensino, pesquisa e prática de enfermagem.

A vivência relatada por Iraci e Jacques tem no seu cerne também a preocupação de descobrir as motivações que impelem professoras(es) individualistas, algumas vezes desatualizadas, o medíocres e alienadas(os) que ensinam sem defender aparentemente nenhum projeto filosófico político e assumem, mesmo assim, a responsabilidade por orientação de teses/dissertações de mestrado doutorado.

A falta de flexibilização de diversos profissionais do ensino da enfermagem é relatada no Livro como um tipo de aterrorização cotidiana na vida de orientandas e orientandos, e o ponto interessante que se evidencia é que essas/esses professoras/es escapam ilesos das conseqüências negativas dos próprios atos, continuando a gozar da liberdade de orientar outras/os profissionais sem sofrer nenhuma sanção das Instituições Universitárias a que pertencem.

A situação identificada nesta pesquisa é o tema central da tese de doutorado de Iraci dos Santos. A questão precisa ser revista porque remete a Enfermagem Universitária para um terreno obscuro dentro das Instituições de Ensino e ainda deixa de lado a questão gênero/sexo, pouco considerada nas Universidades Brasileiras. Trata-se de matéria complexa e, para incluí-las nos estudos atuais, é preciso recuperar a noção do que aconteceu com o processo de racionalização do mundo desde o início da Idade Moderna quando foi abandonada a união entre verdade, bondade e beleza da época da Idade Média compartimentalizando-as em âmbitos separados: do saber científico (razão pura), da bondade (razão prática) e da beleza artística (crítica do juízo), ficando as mulheres adscritas no âmbito da beleza e expulsas das esferas do saber e da bondade. Nesse período característico pela objetificação sexual, os seres do gênero masculino instituem as mulheres no Reino do BELO, não enquanto seres indivisos e sim enquanto sexo, instituindo-se eles próprios, os varões, em sujeitos na esfera pública/política. Infelizmente a subjetividade nos dias de hoje funciona desta maneira, constatando-se nesta vivência que várias mulheres/professoras de enfermagem permanecem nas Instituições de ensino-aprendizagem desabilitadas da condição de sujeitos éticos, excluídas do âmbito de sujeitos políticos, permanecendo totalmente fora do âmbito de cidadania e miseravelmente impondo às/aos estudantes essa falta de valores essenciais. A experiência de Jacques e Iraci indica que urge pôr em intercomunicação, no processo de educação em Enfermagem, as esferas de ciência, de arte e da moral incorporando nessa interação também a perspectiva de gênero, considerando que um sexo (nesta vivência o sexo das enfermeiras) não constitui um grupo, que o sexo é somente uma das formas constitutivas do SER HUMANO, sem omitir que existe também os seres transexuais, evitando assim a definição da espécie humana em apenas duas modalidades quase irredutíveis, quando se trata de estudos sobre o gênero humano.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2014
  • Data do Fascículo
    Mar 1998
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