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O beato rábula: traços de um imaginário jurídico no Arraial de Canudos

The devotee self-taught lawyer: Traces of a legal Imaginary in the Camp of Canudos

Resumo

O presente artigo aborda o imaginário jurídico brasileiro no início da República Velha tomando como chave-interpretativa a insurreição popular do Arraial de Canudos. Utilizando como metodologia de interpretação das fontes a relação entre imaginação e direito, a análise de elementos da cultura jurídica no período e dos escritos de Antônio Conselheiro revela indícios da permanência, às portas do século XX, de um imaginário jurídico de fortes tendências pré-modernas.

Palavras-chave:
História do Direito; Imaginário jurídico; Arraial de Canudos

Abstract

The present paper addresses the Brazilian’s early Old Republic legal imaginary taking as key of reading the popular insurrection of the Camp of Canudos. Using the relation between imagination and law as methodology for the interpretation of the sources, the analysis of some elements of the legal culture on the studied period and of the Antônio Conselheiro’s manuscripts leads to evidences of the fixedness, almost at the 20th Century, of a legal imaginary with strong pre-modern tendencies.

Keywords:
Legal history; Legal imaginary; Camp of Canudos

Os direitos da imaginação e da poesia hão de sempre achar inimiga uma sociedade industrial e burguesa. Em nome deles protesto contra a perseguição que se está fazendo à gente de Antônio Conselheiro. Este homem fundou uma seita a que se não sabe o nome nem a doutrina.

Já este mistério é poesia.

Machado de AssisASSIS, Machado de. 31 de janeiro de 1897. A semana. Gazeta de Notícias. Disponível em < http://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/item/download/45_ea040963b104e779a661f26690195654> Acesso em 04/06/2019, p. 412-414.
http://machado.mec.gov.br/obra-completa-...
1 1 ASSIS, Machado de. 31 de janeiro de 1897. A semana. Gazeta de Notícias. Disponível em < http://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/item/download/45_ea040963b104e779a661f26690195654> Acesso em 04/06/2019, p. 412.

1) Introdução2 2 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance code 001 3 3 Optamos por traduzir a expressão “rábula” por “self-taught lawyer”, pois as traduções literais do termo (“shyster” ou “crooked lawyer”) possuem uma conotação pejorativa - ligada às ideias de enganação ou de falta de ética. O termo escolhido se afasta do significado pejorativo e se aproxima da figura do rábula na cultura jurídica brasileira do século XIX - do advogado “autodidata” que atuava sem instrução formal - no sentido em que é abordada nesta pesquisa.

O presente trabalho procura compreender, sem qualquer pretensão de totalidade, traços da cultura jurídica brasileira na transição entre o Império e a República. Momento em que se intensificavam as tentativas de modernização do direito brasileiro, apesar da permanência ou resistência de fortes elementos de uma tradição jurídica pré-moderna. Ainda que se veja na proclamação da República um momento de ruptura na história do Brasil, um olhar historiográfico jurídico mais cuidadoso aponta igualmente para a presença de significativas continuidades. A estrutura jurídica do país vinha de uma longa tradição fundada em padrões pré-modernos que não desapareceram instantaneamente, ao contrário, foram objeto de uma lenta, complexa e muitas vezes contraditória transformação.

Com efeito, fez-se incidir as lentes histórico-jurídicas sobre um evento notável da República Velha: o Arraial de Canudos. Este acontecimento foi um dos mais importantes movimentos populares do Brasil e certamente um dos mais abordados pela historiografia. Todavia, não são encontrados muitos estudos focados nos aspectos jurídicos que envolvem o episódio. Talvez, porque ainda haja uma dificuldade de aproximação entre a historiografia social e o direito, não obstante este seja um dos importantes “tecidos constitutivos”4 4 GROSSI, Paolo. O direito entre poder e ordenamento. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. de uma sociedade.

Neste estudo, busca-se compreender o passado do direito como fenômeno complexo, com uma lógica interna própria, ainda que intrinsecamente relacionado com o contexto social, político, cultural e econômico em que estava inserido. Dirige-se a perspectiva para o Arraial de Canudos, percebendo que o movimento revela indícios de permanência de um pluralismo jurídico no Brasil do período e de uma forma muito típica de se compreender a dimensão jurídica. O estudo indica, ainda, a renitência de estruturas típicas pré-modernas no imaginário jurídico brasileiro. Vislumbra-se que a imaginação acerca do direito pode ser uma chave de interpretação para análise dos aspectos jurídicos que envolvem esta insurreição popular5 5 Não ignoramos a perspectiva de Gustavo Siqueira acerca da “História do Direito pelos movimentos sociais”, nem seu profícuo debate com Mario Losano sobre tal metodologia (Principalmente LOSANO, Mario G. Sociologia giuridica e storica, storia del diritto e, in Brasile, “antropofagia giuridica”. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 60, n. 2, p. 11-40, jun. 2015; e SIQUEIRA, Gustavo Silveira. Pequeno ensaio sobre antropofagia jurídica: por uma sociologia histórica do direito brasileiro?. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, PR, Brasil, v. 61, n. 1, p. 303 - 312, abr. 2016. Todavia, abordamos aqui uma perspectiva distinta, buscando contribuir para o debate do direito a partir das insurreições populares no Brasil republicano. Siqueira observa a reivindicação por direitos e a luta por sua positivação a partir da ação dos movimentos sociais. Aqui, investigamos o imaginário da ordem jurídica presente nos escritos de Antônio Conselheiro, visando compreender a noção interna de ordenação do Arraial de Canudos na perspectiva do pluralismo jurídico. Percebemos que não havia nos sermões do líder canudense uma perspectiva de transformação do direito oficial, mas sim uma negativa e uma recusa de sua legitimidade, paralelas à busca por outros fundamentos (tradicionais) para ordenar a vida em comum. , revelando a permanência de elementos de uma cultura jurídica tradicional, sua incorporação e seu uso criativo pela população de Canudos, bem como um contexto de pluralismo jurídico em pleno regime republicano, às portas do século XX.

Na primeira seção deste trabalho, são delineados aspectos metodológicos da aparente dificuldade da relação entre direito e imaginação, destacando a importância de (re)conciliar esses conceitos para compreender o passado jurídico. Além disso, ressalta-se a linha teórica adotada para analisar a história do direito a partir do Arraial de Canudos, chave para a compreensão do fenômeno jurídico sob o ponto de vista dos vencidos.

Na seção seguinte, o olhar se volta para alguns aspectos relevantes do contexto histórico-jurídico em que a insurreição popular estudada se insere. Recorre-se a algumas das obras (de uma vasta e qualificada produção sobre o tema) para traçar as principais características do processo de modernização do fenômeno jurídico que se estendeu ao longo do século XIX no Brasil. Busca-se entender como a cultura jurídica brasileira recepcionou uma visão de modernização (vinda especialmente da Europa) projetando um futuro que carregou, inevitavelmente, traços da peculiar e longa tradição do Antigo Regime.

Em seguida, são investigadas algumas das principais linhas constitutivas do imaginário jurídico no Arraial de Canudos. Com apoio na historiografia sobre o tema, a análise toma como fontes sobretudo os escritos de Antônio Conselheiro6 6 Destacamos que esta fonte foi consultada por meio da obra de José Carlos de Ataliba Nogueira: NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos. Acesso em 13/07/18. . Nesses textos, o rábula que liderou o movimento deixou os sermões que transmitia para a comunidade, deixou impressa sua visão de mundo e do direito, sobretudo acerca da ordenação no arraial e da sua oposição à ordem republicana. São indícios - não obstante as tensões no sentido de uma progressiva, ainda que contraditória e complexa, monopolização do direito por parte do Estado - de permanência no final do século XIX da noção de que era possível imaginar uma ordem jurídica avessa às pretensões estatizantes e organizar, a partir disso, uma comunidade com relativa autonomia (inclusive no direito).

2) Imaginário e dimensão jurídica

Parece difícil associar o discurso jurídico à imaginação. Dificuldade que possui suas próprias razões históricas. A modernidade jurídica teve como uma de suas pretensões afastar a imaginação do discurso jurídico. A busca pela racionalidade científica, presente principalmente no positivismo (científico), culminou na produção de um saber que nega a presença da imaginação na construção do conhecimento jurídico. Conhecer é, para essa linha discursiva, descrever, e não criar. Nesse sentido, Pietro CostaCOSTA, Pietro. Discurso jurídico e imaginação: hipóteses para uma antropologia do jurista. In: PETIT, Carlos (org.). As paixões do jurista. Curitiba: Juruá, 2011. sugere que essa visão da “realidade” distingue o papel do jurista - que deve descrevê-la - do papel do poeta - cuja atribuição é ultrapassá-la7 7 COSTA, Pietro. Discurso jurídico e imaginação: hipóteses para uma antropologia do jurista. In: PETIT, Carlos (org.). As paixões do jurista. Curitiba: Juruá, 2011. p. 168. .

Neste cenário de modernização, a partir da crise da interpretatio iuris na Europa do ius commune, as codificações e a pandectística convergiram ao entender o discurso jurídico como produtor da “verdade”, mitigando o papel da imaginação na produção do conhecimento:

O discurso jurídico anuncia-se como um discurso do saber que produz diretamente a verdade. O discurso jurídico, como qualquer outro tipo de saber, à medida que examina os standards descritivos, falta de valoração, rigoroso consequencialismo, objetividade, impessoalidade, abstração, generalidade, é um discurso que se considera capaz de captar, sem mediações nem incertezas, a realidade, a realidade do direito, o direito como ‘realmente’ é, como quer que se entenda essa expressão, o direito como ‘norma especial’, o direito como ‘sistema de normas’, o direito como ‘vontade do legislador’.

[...] a partir do momento em que o discurso do saber jurídico inclui a representação do direito no que é, exclui a consideração daquilo que o direito não é, porque ainda não é. A atribuição ao discurso do saber jurídico do ‘poder’ da verdade, a ênfase posta em sua capacidade de refletir, no espelho da ‘pura’ lógica e da descrição desinteressada, a forma jurídica do real, exige, para tanto, a proibição da faculdade de inventar e, usemos também a palavra, de imaginar: de imaginar pelo e mais além do direito, que é o direito que pode ser; de imaginar, por dentro e mais além do direito que é, o direito em que se converte8 8 Ibidem, p. 172. .

Segundo Pietro Costa, a política e a interpretação representam essas duas formas de imaginar o direito. No entanto, gradualmente, a modernidade jurídica buscou afastá-las. O paradigma lógico-positivista, no entender de Costa, nega a influência da política no terreno do saber jurídico, uma vez que ela interfere na almejada descrição objetiva da ‘verdade’ do direito. Com efeito, tal paradigma exclui do horizonte as outras possibilidades de manifestação do direito. A interpretação, por outro lado, cerne da experiência jurídica, é posta de lado ou desvalorizada por este paradigma lógico-positivista, em detrimento do doctor iuris (advogado, notário, juiz), limitando a atuação do jurista à extração do sentido “verdadeiro” e “único” do texto (como se isto fosse possível). Todavia, na interpretação de Costa, ao contrário desta pretensão, a relação entre imaginação e discurso jurídico parece ser intrínseca. Neste sentido, destaca-se também a visão de Antônio Manuel HespanhaHESPANHA, Antônio, Manuel. Cultura Jurídica Europeia: Síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.:

[...] antes de a organizar, o direito imagina a sociedade. Cria modelos mentais do homem e das coisas, dos vínculos sociais, das relações políticas e jurídicas. E, depois, paulatinamente, dá corpo institucional a este imaginário, criando também, para isso, os instrumentos conceituais adequados9 9 HESPANHA, Antônio, Manuel. Cultura Jurídica Europeia: Síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.p. 99. No mesmo sentido: “Assim, o direito seria mais uma maneira de imaginar o mundo em meio a outras, como a arte, o senso comum, etc. Só que o direito seria uma representação normativa, fundamentada em uma forma própria de imaginar como deveriam ser as coisas (a lei) e como elas são (o fato), a partir do que se constrói um ‘sentido de justiça” que é sempre específico, ‘local’, em dependência de como se relacionam fato e lei nos diferentes contextos culturais”. PEREIRA, Luis Fernando Lopes. A circularidade da cultura jurídica: notas sobre o conceito e sobre método. In: FONSECA, Ricardo Marcelo (Org.) Nova História Brasileira do Direito: ferramentas e artesanias. Curitiba: Juruá, 2012. p. 46. .

Pietro Costa demonstra que a construção imaginativa do discurso jurídico esteve presente em dois contextos históricos radicalmente distintos: tanto no medieval quanto no próprio discurso positivista. A partir dessa constatação, ele delineia elementos para o resgate da relação entre a imaginação e o direito.

Costa destaca que uma das especificidades do discurso jurídico em relação a outros ramos do saber é a presença essencial da imaginação do próprio objeto. Assim, a visão de temporalidade marca a atividade do jurista, pois ele constantemente imagina a realidade existente e projeta um futuro (dever-ser), conectando passado, presente e futuro:

Na realidade, sob outro ponto de vista, o movimento, o fluxo da temporalidade rompe o universo jurídico, passando não por uma porta secundária, mas pela principal, seja qual for a barreira anti-historicista erguida por um ou outro teórico do direito. O mundo possível que o discurso jurídico constrói, na verdade, não é só um mundo imaginado, é também um mundo projetado [...] O discurso jurídico é, intrinsecamente, também um projeto de sociedade10 10 COSTA, Pietro. Discurso jurídico e imaginação: hipóteses para uma antropologia do jurista. In: PETIT, Carlos (org.). As paixões do jurista. Curitiba: Juruá, 2011. p. 197. .

Ricardo Marcelo Fonseca11 11 FONSECA, Ricardo Marcelo. A noção de imaginário jurídico e a história do direito. In: ________. (Org.) Nova História Brasileira do Direito: ferramentas e artesanias. Curitiba: Juruá, 2012. p. 19-29. também oferece apontamentos para uma análise do imaginário jurídico. Segundo ele, o imaginário é um específico processo criativo, que parte de uma tentativa de expressar a realidade a partir de referências culturais próprias do contexto histórico e opera efeitos concretos sobre a realidade jurídica, transformando-a12 12 Ibidem, p. 28. . Ainda, as fontes para o estudo do passado jurídico possivelmente contêm “grandes porções do imaginário”, de maneira que não é possível ignorar essa dimensão simbólica na historiografia jurídica.

Além disso, “o direito, embora trabalhe emblematicamente com funções de realidades instituídas, exerce também funções instituintes [...]”13 13 Ibidem, p. 23. que se ligam à criatividade da imaginação para estabelecer novas significações em uma rede simbólica. A característica “estabilizadora” dos sistemas jurídicos e a não rara concorrência entre estes são fatores que revelam a inserção do direito no âmago do social e suas contradições. Assim, é certo que o imaginário jurídico é um campo de tensões e disputas por hegemonia.

Esses dissensos são visíveis no Arraial de Canudos, movimento que transparece elementos de uma projeção criativa de sociedade alheia àquilo que se colocava ou se desejava como “direito oficial” na República Velha. Em outras palavras, nos fornece uma visão da experiência jurídica oposta à pretensão monista e estatista existente no longo e contraditório processo de modernização do direito brasileiro.

Nessa linha, procura-se analisar, por conseguinte, a história de um ponto de vista particular: sob a perspectiva dos vencidos14 14 BENJAMIN, Walter. Teses sobre o conceito de história. In: LÖWY, Michael. Aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 87. Sobre a aproximação com a história do direito ver: FONSECA, Ricardo Marcelo. Walter Benjamin, a temporalidade do direito. In: _______. Introdução Teórica à História do Direito. Curitiba, Juruá, 2008. p. 149-162. . Com efeito, esta abordagem visa compreender o imaginário jurídico no Arraial de Canudos em uma temporalidade não linear, afastando a percepção da história como continuidade progressiva, a fim de evitar a empatia com o vencedor e o esquecimento dos derrotados. Essa inspiração benjaminiana volta o estudo a uma imagem do passado jurídico que vai além da “lei” em busca das situações e instituições normativas “concretas” da vida. Deste modo, direciona o olhar para as

[...] infindáveis formas regulativas que fazem parte do passado jurídico, onde a lei se impôs como meio privilegiado muito recentemente. Isto é: impõe-se o reconhecimento do profundo pluralismo jurídico imperante em todo o passado jurídico, num trabalho de relativização do monismo jurídico do ponto de vista histórico e sociológico15 15 FONSECA, Ricardo Marcelo. Walter Benjamin, a temporalidade do direito. In: _______. Introdução Teórica à História do Direito. Curitiba, Juruá, 2008. p. 161. .

Assim, trata-se de perceber o direito como fenômeno contingente que transborda a pretensão monista do discurso modernizante16 16 “O monismo legislativo é, na ordem dos factos, uma ficção simplificadora. Qualquer sociedade tem mais normas do que as legais. Isto é uma aquisição antiga do ‘pluralismo jurídico’, ou seja, da ideia de que o direito se pode encontrar em vários ordenamentos, de vários níveis, sem que entre eles exista um que determine a validade dos outros ou estabeleça a hierarquia entre eles”. HESPANHA, António Manuel. Caleidoscópio do direito: o direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 65. Ver também: HESPANHA, António Manuel. Pluralismo jurídico e direito democrático. São Paulo: Annablume, 2013; WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. São Paulo: Alfa Ômega, 2001. e que nem sempre pertenceu exclusivamente à esfera estatal. Em outras palavras, compreende-se o direito enraizado em diferentes contextos históricos e sociais, nos quais suas fontes eram plurais e não se resumiam à lei, convivendo com ela sem que houvesse uma necessária hierarquia.

E, assim, notar os direitos do quotidiano, os poderes moleculares e microfísicos que “manifestam uma resistência que falta à generalidade das normas e instituições do direito oficial”17 17 HESPANHA, Antônio, Manuel. Cultura Jurídica Europeia: Síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.p. 36. , se aproximando da

[...] sensível tendência actual dos historiadores do direito para alargarem o seu campo de pesquisa para além do âmbito do direito oficial, integrando nele todos os fenómenos de normação social, independentemente das suas habituais etiquetas. Desde as normas religiosas, aos costumes, desde as regras de organização (management) às formas mais evanescente e difusas da ordem18 18 Ibidem, p. 37. .

Com efeito, o presente trabalho se volta ao imaginário jurídico no início da República Velha, tomando como base a estrutura do ordenamento jurídico e da cultura jurídica ao longo do processo de modernização do direito brasileiro para perceber quais as renitências e transformações que se projetam na dimensão jurídica do Arraial de Canudos, sobretudo nos escritos de Antônio Conselheiro.

3) Tempo de transição: o imaginário da modernização jurídica no Brasil

O imaginário da modernização do direito brasileiro foi fortemente marcado pela influência da cultura jurídica europeia. Entretanto, na formação da dimensão jurídica nacional, as escolhas realizadas, como ocorre em todo itinerário histórico, apresentam as suas especificidades. Muitos dos ideais europeus, supostamente modernizadores, que permearam lentamente a imaginação dos juristas brasileiros, enfrentaram forte resistência de uma cultura calcada em valores bastante tradicionais.

A adaptação da cultura jurídica local aos ideais de modernização não foi uma ruptura, mas um processo lento, contraditório e gradual de recepção deste novo conjunto simbólico em face da estrutura tradicional do direito brasileiro. As ideias foram relidas e adaptadas às particularidades da realidade jurídica local19 19 Sobre o processo de recepção da modernização jurídica europeia: “Le idee faccevano (e fanno) parte di un gioco storico complesso - che si alimenta de transizione, di tensione, di circolazione culturale, in cui la scienza giuridica europea visse, in um terreno molto peculiare, una riletura e una ricriazione - che però essere ritenuta una distorsione; [...]” FONSECA, Ricardo Marcelo. Tra mimesi e jabuticaba: recezioni e adattamenti della scienza giuridica europea nel Brasile del XIX secolo. In: SORDI, Bernardo (a cura di). Storia e diritto: sperienze a confronto. Milano: Giuffrè, 2013, p. 424. Em tradução livre: As ideias faziam (e fazem) parte de um jogo histórico complexo - que se alimenta transição, de tensão, de circulação cultural, no qual a ciência jurídica europeia sofreu, num terreno muito peculiar, uma releitura e uma recriação - que, porém, não deve ser considerada como uma distorção; [...]. . Ricardo Marcelo Fonseca afirma que o Brasil colonial teve uma espécie de “antigo regime sui generis20 20 FONSECA, Ricardo Marcelo. A modernização frustrada: A questão da codificação civil no Brasil do século XIX. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. (Coords). Manual de Teoria Geral do Direito Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 18. . O direito “oficial” era fonte subsidiária para o exercício da jurisdição nas comarcas coloniais. Mesmo com o advento da Independência e da Constituição de 1824, permanecia na imaginação dos juristas brasileiros - e também da população - a noção de um ordenamento jurídico calcado na tradição, na multiplicidade de fontes, na particularidade provincial. José Murilo de CarvalhoCARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 45 percebe o descompasso entre a previsão legal dos direitos civis e a sua efetividade no contexto do Império brasileiro. Ele afirma que a herança colonial de escravidão e estrutura latifundiária criou óbices à intervenção legislativa do Estado nesse sentido21 21 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 45 . Tendo em vista esse cenário, Ricardo Marcelo Fonseca aponta:

Evidentemente que há inúmeros casos de demandas judiciais populares fundamentadas na legislação oficial e veiculadas perante os órgãos judicantes estatais (inclusive de escravos) ao longo de todo esse período. Mas a presença de um grande pluralismo jurídico, onde se fazem sentir as presenças preponderantes de diversas ordens de regulação jurídica [...] em detrimento de um direito estatal que à população parecia distante e alheio, não pode ser absolutamente desprezado22 22 FONSECA, Ricardo Marcelo. A modernização frustrada: A questão da codificação civil no Brasil do século XIX. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. (Coords). Manual de Teoria Geral do Direito Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 20. .

Esse padrão pré-moderno, em larga medida, resistiu às pretensões de modernização do direito e da cultura jurídica brasileiros ao longo do século XIX. Assim, o direito estatal conviveu com a ordem tradicional, plural e costumeira deste “antigo regime sui generis” brasileiro. Os princípios liberais, sobretudo franceses e estadunidenses, foram, portanto, gradualmente adaptados à rede de interesses das elites de uma sociedade rural, patriarcal e escravista.

O discurso jurídico brasileiro restou permeado por muitos elementos de um imaginário jurídico tradicional, típico do antigo regime europeu, até mesmo no período republicano. Elementos característicos do ius commune se fizeram presentes no trabalho de juristas e doutrinadores. Referências às Ordenações Filipinas, ao Direito Romano, ao Direito Canônico e à praxe eram bastante comuns (em especial no que se denomina, atualmente, direito privado). O trabalho da doutrina era fundamental. Além disso, a lei não se apresentava como a fonte por excelência de direito23 23 STAUT JÚNIOR, Sérgio Said. Posse e dimensão jurídica no Brasil: recepção e reelaboração de um conceito a partir da segunda metade do século XIX ao Código de 1916. Curitiba: Juruá, 2015. p. 144 e ss. .

No contexto de pluralismo jurídico da época, o Direito Canônico conviveu com o direito proveniente das Ordenações Filipinas e com os costumes locais. A influência da Igreja Católica é importante no que tange à renitência do Direito Canônico como fonte do direito no Brasil ao longo do século XIX. Entretanto, é no cotidiano em que essa persistência se mostra mais profunda24 24 “A influência da Igreja e de seu Direito no parlamento, na composição das constituições e na vida política do Império é bastante importante para se entender este período, mas a influência do Direito Canônico no dia a dia da nova nação é o que demonstra a amplitude dessa influência”. SOUZA, Michael Dionísio de. O direito canônico e a ordem jurídica do brasil: da lei da boa razão ao código de 1916. Dissertação. Curitiba: UFPR, 2014. p. 52. . No âmbito do direito de família, principalmente em matéria de matrimônio, verifica-se uma das áreas em que a resistência dessa forma de compreender o direito foi mais forte.

É certo que ao longo do século XIX, o Estado, principalmente por meio da sua legislação de polícia, cada vez mais se infiltrou no âmbito doméstico. Desde o século XVIII, a Coroa passou a se preocupar cada vez mais com sua “função racionalizadora”, interferindo em assuntos que tradicionalmente pertenciam ao âmbito da casa, como o ócio, a destinação das filhas aos conventos e até em seus casamentos25 25 SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A longa sombra da casa. Poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do Antigo Regime à modernidade. R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 178 (473):327-424, jan./mar. 2017. p. 342-343. . Todavia, as relações patriarcais, assim como a religião, formavam raízes tão profundas na realidade social brasileira, que resistiram às investidas estatais. Como explica Airton SeelaenderSEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A longa sombra da casa. Poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do Antigo Regime à modernidade. R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 178 (473):327-424, jan./mar. 2017.,

Tais ofensivas da estatalidade no terreno tradicional da casa não significavam, porém, um desejo de destroçá-la. No âmbito da nobreza, o pombalismo chegou a reforçar as amarras jurídicas da casa. No geral, não se esvaziou ali, muito, o protagonismo do pai, do marido e do senhor. Dos muitos poderes deste, o Estado só tentou tomar alguns - e não raro o fez a pretexto de estar apenas combatendo “abusos”26 26 Ibidem, p. 343. .

Nesse contexto, as Ordenações Filipinas dispunham acerca das relações matrimoniais, admitindo, porém, que o costume ou as fontes normativas canônicas regessem o casamento, em uma perspectiva evidentemente pluralista do direito27 27 SOUZA, Michael Dionísio de. O direito canônico e a ordem jurídica do brasil: da lei da boa razão ao código de 1916. Dissertação. Curitiba: UFPR, 2014. p. 56. . A legislação Imperial sobre o casamento de 1827 apenas assimilou a disciplina jurídica canônica, adotando os requisitos exigidos pela Igreja para a validação de casamentos, demonstrando a força da igreja nas relações jurídicas: “Era a Igreja, segundo uma ótica jurídica plural, a competente para ditar regras para o casamento”28 28 Ibidem, p. 58. .

A permanência do Direito Canônico é sentida ainda no início da República. Michael Dionísio de SouzaSOUZA, Michael Dionísio de. O direito canônico e a ordem jurídica do brasil: da lei da boa razão ao código de 1916. Dissertação. Curitiba: UFPR, 2014. aponta que tanto na discussão sobre a relação entre Estado e Igreja, quanto nos debates acerca da personalidade jurídica da Igreja e das competências dos tribunais eclesiásticos na República, o Direito Canônico aparecia na doutrina e nas decisões judiciais29 29 Ibidem, p. 117 e ss. . Cabe destacar que o direito de família foi ponto crucial da tensão entre a tradição canônica e a modernização do direito republicano:

Sem dúvida, a matéria que o direito canônico mais resistiu presente após a separação entre Igreja e Estado foi o direito de família, sobretudo o direito matrimonial, de tal maneira que esta parte da pesquisa mereceu um ponto próprio.

Isso acontece principalmente porque a natureza da família sempre fora reconhecida como matéria divina, pois a família era constituição primeira de uma sociedade e permitia sua perpetuação. Não por acaso, todas as regras sobre o casamento até 1890 eram advindas da Igreja30 30 Ibidem, p. 128. .

O decreto 181 de 1890 (que foi alvo de críticas por Antônio Conselheiro) definia a obrigatoriedade do casamento civil, em detrimento da tradicional competência eclesiástica para celebrar o matrimônio. Não havia grandes inovações formais acerca do que já dispunha o Direito Canônico sobre a matéria. Todavia, tal decreto encontrou dificuldades para se firmar diante da permanência do Direito Canônico no imaginário jurídico. Enfim, o recurso a esse direito pelos tribunais e pela doutrina foi se tornando cada vez mais raro até a promulgação do Código Civil em 1916:

[...] nas matérias jurídicas relacionadas ao direito de família o direito canônico permaneceu mais tempo presente. A ideia de que a família constituía um contrato de direito natural, de função naturalmente estabelecida cujo direito brasileiro sempre fora de responsabilidade da Igreja, contribuiu para que o direito de família mantivesse fortes ligações até a edição de Código Civil de 1916, principalmente em juízos menos expressivos de primeiro grau31 31 Ibidem, p. 140. .

Assim como a religião, a casa foi elemento do imaginário tradicional que resistiu à pretensão de modernização. A casa era, no imaginário coletivo, uma estrutura dotada de autonomia em relação à estatalidade, regida pela ordem da “oeconomia” e pela distribuição hierarquizada de funções, baseada na “natureza das coisas”. A família era a base estrutural da sociedade, tendo no casamento sua fundação e no dote sua capitalização. Era a base da realização de empreendimentos como as bandeiras, que partiam dos recursos familiares e contavam com “lideranças detentoras de poder doméstico”32 32 SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A longa sombra da casa. Poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do Antigo Regime à modernidade. R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 178 (473):327-424, jan./mar. 2017. p. 335. .

Nesse contexto, a relação entre Casa e Reino era complementar, todavia, passava por tensões, dentre as quais se destaca a “juridicização das relações casa-Estado”33 33 Ibidem, p. 347. . Ainda que não fosse considerado um ambiente essencialmente jurídico, o âmbito doméstico era permeado em certa medida pelo direito. Tal interferência se alargou com a gradual inclusão no ordenamento jurídico de algumas relações próprias da casa, pelo direito penal, pelo direito privado e, sobretudo, pelo direito de polícia34 34 Ibidem, p. 348. .

Mesmo com o enfraquecimento da Coroa e a Independência do Brasil, a estrutura social baseada no poder doméstico permaneceu, sendo legitimada pela ordem normativa do regime anterior (Ordenações, direito romano, legislação extravagante), bem como pelo costume e por um imaginário tradicional. Assim, seu prolongamento foi refletido nas percepções de mundo e até mesmo no liberalismo das elites no decorrer do século XIX35 35 Ibidem, p. 348. . O imaginário da casa como ambiente em que não deveria haver intervenção estatal se estendeu sobre as tentativas de juridicizar a vida social e de distinguir o direito público do direito privado. Neste contexto de mudanças, conforme explica Seelaender:

Os “costumes patriarcais” vinham dessa pré-história do direito - não da vontade divina nem do direito natural. Eram fatos: há muito tempo observados, sem dúvida, mas historicamente contingentes, conectados a uma sociedade em progresso. Esse ponto de vista não implicava o descabimento de todos os poderes domésticos, mas estimulava a pensar sobre sua adequação ao presente, descartando práticas como obsoletas ou “renaturalizando-as” dentro da nova ordem social. De certo modo, era possível preservar a sombra da casa com a mesma argumentação que a encolhia nas bordas36 36 Ibidem, p. 390. .

A casa permaneceu até o fim do século XIX e início do século XX como “referência implícita” no direito de família, infiltrada na doutrina e nas leis como poder pátrio. Ainda que a ruptura constitucional e as mudanças legislativas tenham impactado no imaginário, a tradição permaneceu, culminando por vezes no embate do moderno com o imaginário tradicional, como, por exemplo, no monarquismo de Canudos. Por outro lado, “a sociedade gerou formas de composição entre o velho e o novo, por vezes ocultando tensões, por vezes as negando ou adiando”37 37 Ibidem, p. 398. .

A ausência de Código Civil no Brasil do século XIX é um forte indício dessa permanência da tradição no imaginário jurídico brasileiro. Por mais que estivesse presente como objetivo do processo de modernização, a pretensão codificadora esbarrou no imaginário pré-moderno do direito no Brasil.

Esse aspecto do imaginário jurídico brasileiro é visível no Arraial de Canudos, às portas do século XX. Principalmente porque as relações de pertencimento, matrimoniais e domésticas no arraial refletem uma conotação jurídica na aversão popular à intromissão do Estado nas relações com a terra, no casamento e na vida doméstica. Também revelam uma forte presença dos costumes patriarcais e do Direito Canônico no imaginário popular. Afinal, esses elementos aparecem imbricados na experiência de Canudos, indicando a persistência da tradição em uma forma de imaginar a dimensão jurídica bastante diferente das pretensões modernizantes do direito republicano.

4) Elementos de um imaginário jurídico no Arraial de Canudos

O massacre do Arraial de Canudos é uma das mais fiéis ilustrações brasileiras da tese benjaminiana de que a ideia de progresso imprime na história uma sucessão de catástrofes38 38 BENJAMIN, Walter. IX Tese sobre o conceito de história. In: LÖWY, Michael. Aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 87. . O movimento liderado por Antônio Conselheiro, apesar das resistências, foi ao final cruelmente dizimado pelas tropas republicanas. A vasta historiografia sobre essa insurgência popular dispensa a necessidade de pormenorizar os acontecimentos, mas cabe rememorá-los brevemente.

O Arraial de Canudos foi um movimento messiânico liderado por Antônio Conselheiro no sertão baiano. Seu início, na década de 1870, se deu quando o beato, então conhecido como Antônio Vicente Mendes Maciel, perambulou pelos sertões atraindo seguidores. Neste percurso, enfrentou algumas desavenças com a Igreja, mas passou a ser seguido por centenas de pessoas. Na década de 1890 somaram-se a seus desafetos os defensores do regime republicano.

A fixação em Canudos - fazenda abandonada, junto ao Vaza-Barris - fez-se por esta época, vindo a alcançar o arraial, em seu curto período de existência, dimensões inusitadas no sertão. Para lá afluíram sertanejos de vários Estados que, desfazendo-se de seus haveres, abandonavam os lugares de origem e iam engrossar as fileiras daquele que, então, já era o Conselheiro39 39 PINHEIRO, Paulo Sérgioet al.História Geral da Civilização Brasileira. t. 3 (O Brasil Republicano) v. 9 (sociedade e instituições). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 68. .

Após o desentendimento com um comerciante de Juazeiro que ocasionou conflito com soldados do 9º Batalhão de Infantaria, o movimento passou a ser visto como perigoso e rebelde. O exército enviou três expedições malsucedidas, até que, na quarta, o Arraial de Canudos foi posto a baixo e seus integrantes executados.

Por outro lado, a intensificação das reformas modernizantes no final do século XIX enfrentou a oposição de diversas insurreições populares:

Populações rurais e urbanas revoltaram-se contra políticas do Estado central que, embora legais, entravam em conflito com seus valores, tradições e costumes. Elas se revoltaram contra o recenseamento, o registro civil, a introdução do sistema métrico, o recrutamento militar, o aumento de tarifas de transporte coletivo, a secularização dos cemitérios. Eram medidas de racionalização e secularização do Estado que frequentemente conflitavam com estilos tradicionais de vida.40 40 CARVALHO, José Murilo De. Os três povos da República. Revista USP, Brasil, n. 59, p. 96-115, nov. 2003. ISSN 2316-9036. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13279/15097>. Acesso em: 24/07/2018. p. 107.

A tradição em Canudos se deu principalmente pela presença do catolicismo popular, elemento que fez parte da construção da identidade sertaneja41 41 HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano, 3ª ed. vol. 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 129. . Sua população, formada por entre 20 a 30 mil pessoas de diversos extratos sociais do sertão, principalmente por grupos familiares42 42 PINHEIRO, Paulo Sérgio et al. História Geral da Civilização Brasileira. t. 3 (O Brasil Republicano) v. 9 (sociedade e instituições). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 69. , possuía uma cultura tradicional, “rústica”, simultaneamente marginalizada e autônoma43 43 HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano, 3ª ed. vol. 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 129. . Nesse contexto, os fiéis do arraial enfrentaram as tentativas de interferência do Estado em sua esfera tradicional, opondo ao regime republicano uma ordem própria:

A luta sertaneja, portanto, se observada através das prédicas conselheristas, é bem mais grandiosa do que pretenderam seus intérpretes, mesmo os mais otimistas. Os canudenses lutaram conta a República em nome de Deus e para a manutenção de uma ordem na qual aceitavam a sujeição, desde que dentro dos limites de seu universo cultural e no qual a religião era referência fundamental44 44 Ibidem, p. 148. .

As fontes são escassas para precisar detalhes dessa ordem construída no Arraial de Canudos. Todavia, através dos escritos do próprio Antônio Conselheiro e com apoio na análise historiográfica, é possível traçar alguns indícios acerca da visão sobre a dimensão jurídica no arraial. De início, é visível que, durante o desenvolvimento da comunidade, seus habitantes rejeitavam a ideia de um direito proveniente da legislação do Estado:

César Zama, ilustre médico, famoso e culto escritor, deputado federal baiano, combativo, em 1899 escreve libelo virulento contra os que destruíram canudos e, além de o destruírem, caluniaram o seu povo e o seu chefe.

"A Guerra de Canudos - afirma César Zama - foi o requinte de perversidade humana... A justiça estadual não se ocupava dos habitantes daquele arraial. Contra eles não se havia instaurado processo algum. Nos cartórios do estado nenhum deles tinha o seu nome no rol dos culpados”45 45 NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. p. 10 Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos/pagina/10 Acesso em 13/07/18. .

Por outro lado, a análise dos escritos deixados por Antônio Conselheiro indica que, além do catolicismo popular, elementos do “Antigo Regime sui generis” brasileiro, permeavam o imaginário do beato. Isto provavelmente porque, antes de se tornar o líder do movimento de Canudos, atuou como “advogado prático” ou rábula:

Nesta agitação, porém, percebe-se a luta de um caráter que se não deixa abater. Tendo ficado sem bens de fortuna, Antônio Maciel, nesta fase preparatória de sua vida, a despeito das desordens do lar, ao chegar a qualquer nova sede de residência procura logo um emprego, um meio qualquer honesto de subsistência. Em 1859, mudando-se para Sobral, emprega-se como caixeiro. Demora-se, porém, pouco ali. Segue para Campo Grande, onde desempenha as funções modestas de escrivão do juiz de paz. Daí, sem grande demora, se desloca para Ipu. Faz-se solicitador, ou requerente no fórum46 46 . CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984 (Biblioteca do Estudante). Domínio Público. p. 70. E, ainda: “Diz Euclides da Cunha que [Antônio Conselheiro] foi escrivão de paz e solicitador. Na verdade, milita no foro em Campo Grande e Ipu, principalmente em Ipu, como advogado provisionado”. “Há muito tempo, desde a Lei Imperial de 1º de outubro de 1828 (art. 66) e de dispositivos das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, aliás modificados posteriormente, às câmaras municipais competia entrar em acordo com os párocos para a construção de cemitérios públicos. Em geral não se tomava providência para modificar o que tão arraigado estava nos usos e costumes, até que surgem os decretos nº 583, de 1850, e 2812, de 1861, disciplinando a matéria e proibindo, assim, a prática fundada em legislação extinta. Referiam-se ambos os decretos ao município neutro, mas tornaram-se extensivos a todas as províncias por força de avisos do ministério do império, entre os quais o aviso de 5 de julho de 1871. Antônio Vicente Mendes Maciel propõe-se construir o cemitério de uma daquelas localidades. Levanta os muros na altura regulamentar, alinha as ruas, reparte simetricamente o terreno para cada sepultura e constrói a capelinha do campo santo. Não há dificuldades invencíveis nem quanto às questões legais entre câmara municipal e pároco, pois sendo advogado sabe dirimi-las, nem em relação à arquitetura e engenharia, pois se desempenha magnificamente bem. E a notícia corre pelos municípios vizinhos”. NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos. Acesso em 13/07/18. p. 5 e 194. .

Os rábulas, profissionais que exerciam a advocacia sem que fossem bacharéis, têm papel de destaque na circulação da cultura jurídica no período pré-moderno no Brasil. Sua atuação, mais comum nas comarcas do interior, era marcada pela oralidade e pelo diálogo não especializado com o direito erudito47 47 “A justiça oral (tradicional) não era pautada em formalidades e técnicas como o direito erudito. Nesse sentido, não teria lógica a necessidade de um profissional especializado, já que o rito da justiça tradicional era por essência informal. Ou seja, a presença do rábula podia constituir-se num fator de implementação do direito erudito e não oposto”. FURMANN, Ivan. Cultura jurídica e transição entre Colônia e Império: a experiência da Ouvidoria de Paranaguá e Curitiba. 2013. 463f. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Defesa: Curitiba,12/08/2013. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1884/32532>. Acesso em: 27 jul. 2018. p. 133. . Ainda, nesse contexto em que prevalecia uma cultura oral, “a literatura (e mais particularmente a poesia) se mostra como matéria prima essencial no ofício do advogado. O culto literário representava o cumprimento de um dever profissional que estava arraigado na ‘tradição eloquente’”48 48 FONSECA, Ricardo Marcelo. Vias da modernização jurídica brasileira: A cultura jurídica e os perfis dos juristas brasileiros do século XIX. Revista Brasileira de Estudos Políticos. v. 98, 2008. p. 280 Ver também: PETIT, Carlos. Discurso sobre el discurso: oralidad y escritura en la cultura jurídica da la Espana liberal (lección inaugural, curso académico 2000-2001). Huelva: Servicio de publicaciones Universidad de Huelva, 2000. .

Essa característica coloca o beato rábula como personagem fronteiriço, que se move entre a cultura letrada e o catolicismo rústico, ligando a cultura jurídica pré-moderna à religião no imaginário dos fiéis sertanejos:

A força de suas pregações em um meio onde a cultura era predominantemente oral e o fato de suas falas serem entremeadas por inúmeras citações em latim certamente lhe conferiram um poder que o distanciava positivamente, pois o tornava parte de uma cultura letrada e superior, de um lado, e o aproximava pela vivência prática e cotidiana do que pregava, de outro49 49 HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano, 3ª ed. vol. 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 148. .

Com efeito, ao dirigir um olhar histórico-jurídico para os sermões de Conselheiro, não é difícil perceber traços típicos do ius commune, sobretudo do direito canônico, no imaginário do beato acerca da regulação do convívio social. Todavia, não se tratava de uma mera assimilação (mimetização) de uma tradição religiosa ou do ordenamento jurídico pré-moderno, eis que coube a adaptação do direito imaginado ao projeto de sociedade que visavam construir:

[...] as linhas tomadas pela organização social de Canudos, a ‘ordem inalterável’ a que se refere Euclides, refletem - como observa Maria Isaura Pereira de Queiroz -, nada mais e nada menos, que a procura de uma compatibilização entre os valores tradicionais do sertão e os comportamentos efetivos dos sertanejos50 50 PINHEIRO, Paulo Sérgio et al. História Geral da Civilização Brasileira. t. 3 (O Brasil Republicano) v. 9 (sociedade e instituições). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 78. .

Um exemplo é a relação do monarquismo (símbolo da tradição mais evidente em Canudos) com a lei. O manuscrito “Sobre a República” aponta para uma visão do direito monárquico como uma leitura da ordem divina que, no caso da abolição, fundamenta a libertação dos escravos:

É preciso, [619] porém, que não deixe no silêncio a origem do ódio que tendes à família real, porque sua alteza a senhora dona Isabel libertou a escravidão, que não fez mais do que cumprir a ordem do céu; porque era chegado o tempo marcado por deus para libertar esse povo de semelhante estado, o mais degradante a que podia ver reduzido o ente humano; a força moral (que [620] tanto a orna) com que ela procedeu à satisfação da vontade divina constitui a confiança que tem em deus para libertar esse povo, não era motivo suficiente para soar o brado da indignação que arrancou o ódio da maior parte daqueles a quem esse povo estava sujeito. Mas os homens não penetram a inspiração divina que moveu o coração da digna e virtuosa princesa para dar semelhante passo; não obstante ela dispor do seu [621] poder, todavia era de supor que meditaria, antes de o pôr em execução, acerca da perseguição que havia de sofrer, tanto assim que na noite que tinha de assinar o decreto da liberdade, um dos ministros lhe disse: sua alteza assina o decreto da liberdade, olhe a república como uma ameaça; ao que ela não liga a mínima importância, assinando o decreto com aquela [622] disposição que tanto a caracteriza. A sua disposição, porém, é prova que atesta do mundo mais significativo que era vontade de Deus que libertasse esse povo51 51 CONSELHEIRO, Antônio. Sobre a República. Manuscrito. Apud NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos/pagina/175/texto. Acesso em 17 de julho de 2018. p. 175 e ss. .

Em um movimento composto por muitos libertos, o líder aponta que a abolição foi uma leitura feita pela Princesa Isabel de uma ordem divina anterior à ordem humana, reconhecendo esse direito como uma manifestação da vontade divina declarada por uma intérprete autorizada.

No mesmo sentido, a noção de status parece ter sido um dos elementos que influenciou a ordenação no arraial, eis que havia “[...] o reconhecimento de uma ordem divina que admite desigualdade e que reserva a cada um, conforme sua posição, determinados direitos e deveres52 52 PINHEIRO, Paulo Sérgio et al. História Geral da Civilização Brasileira. t. 3 (O Brasil Republicano) v. 9 (sociedade e instituições). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 72 . Além disso, a percepção da relevância do papel do juiz e uma certa noção de justiça como equidade também estavam presentes:

[...] a Lei é necessária e, com ela, os juízes e os outros poderes deste mundo. Mas juízes que produzam sentenças íntegras e governantes justos, e não daqueles que, corrompidos, emitem ‘certos juízos com capa de virtude, os quais muitas vezes tiram a justiça de quem tem para darem a quem não tem’. Em dois casos a lei que preconiza é severa: prisão perpétua para o homicida (que não deve ser protegido) e para aquele que furta53 53 Ibidem, p. 73 .

Ainda, Jacqueline HermannHERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano, 3ª ed. vol. 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. destaca a influência das determinações do Concílio de Trento (fontes do Direito Canônico) nos manuscritos de Antônio Conselheiro:

[...] mais que indicarem o papel determinante de uma espécie de catolicismo popular na vida dos conselheiristas, ou de revelarem projetos políticos deliberados de luta contra a opressão e o latifúndio, esses textos nos informam sobre a extraordinária penetração nos interstícios das comunidades rurais brasileiras dos princípios e dogmas do Concílio de Trento (1545-1563), e retomados pelos esforços romanizadores da segunda metade do século XIX. A valorização da missa, do matrimônio, da confissão e do culto mariano sobressaem nos textos do beato sertanejo, impregnados pela lógica da sujeição e do sacrifício à ordem maior e única imposta pelo Senhor dos Senhores, o Pai da Criação54 54 HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano, 3ª ed. vol. 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 147. .

Considerando que Conselheiro atuou como rábula antes da formação do Arraial de Canudos, é possível que, em muitos de seus sermões, ele tenha realizado uma interpretação jurídica das Escrituras Sagradas e dos textos de seus comentadores (como São Tomás), o que significa uma leitura de algumas fontes canônicas do Direito visando a ordenação de Canudos. É o que se vê em seu sermão sobre o Sétimo Mandamento:

Os demônios não fazem mal uns aos outros, mas só aos homens que não se comunicam com eles: os ladrões a tudo furtam e fazem dano aos parentes, amigos e conhecidos. Vejam ainda o que diz Santo Tomás: que o alheio convém que se restitua logo, quando o que tomou injustamente tem bens com que [370] possa fazer. Finalmente não fica escuso o que injustamente possui e tem furtado com usuras, tratos e destratos, tendo fazendas; senão quando restitui: por ser o furto pecado mortal, de sua natureza oposto à virtude e contra a justiça. Acham-se nela dois agravos, um que se faz a Deus, quebrantando sua santa lei; e outro ao próximo, tirando-lhe a sua fazenda. O agravo que se faz a deus em furtar, perdoa-se [371] por meio da confissão e penitência; o que se faz ao próximo, só se repara com a restituição. E não basta confessar a culpa se não restituir, podendo: nem se satisfaz só com restituir, sem confessar o furto. Não só está obrigado a restituir o que faz o furto, mas também os que cooperam no dano, como são os que mandam furtar ou aconselham e consentem no furto, tendo por obrigação de seu ofício evitá-lo. Também está [372] nesta obrigação o que guarda e encobre a cousa furtada, e o que participa daquilo que se furtou. E não vos pareça que, por furtadas pequenas quantidades, não fazeis um furto grande. Porque dizem os autores que escreveram desta matéria, que para um furto ser pecado mortal, não é necessário que se tome quantidade notável de uma vez; mas basta que se tome [373] muitas vezes, como costumam fazer os criados a seus amos e os vendedores ao povo. E por isto permite Deus que se vejam em evidentes castigos para confusão destes e emenda de todos.55 55 CONSELHEIRO, Antônio. Os dez mandamentos da Lei de Deus. Manuscrito. Apud NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos/pagina/175/texto. Acesso em 17 de julho de 2018. p. 133.

Neste sermão, Conselheiro aborda o furto como prática lesiva à comunidade e proibida pelo direito divino. Cita, então, São Tomás para interpretar a penitência aplicável (a restituição) e, finalmente, discorre sobre o alcance do dever de reparação e a natureza do ato de furtar (indiferença do valor).

No âmbito das relações de pertencimento, eram entregues parcelas de terra aos integrantes que entregassem seus bens à comunidade, sem que, com isso, detivessem a propriedade, o que indica a permanência da relação entre pessoas e coisas pautada no uso. É o que aponta o depoimento de um dos descendentes dos habitantes do arraial: “Eles [os conselheiristas] trabalhavam em conjunto. Ninguém tinha nada. Todo mundo fazia roça, todo mundo trabalhava. Colheu... Colheu. Toma o seu.... Toma o seu. Ninguém ficava com menos ou com mais”56 56 ADONEL RÉGIS MATOS, canudense, 1932, depoimento dado em Canudos, 4 de fevereiro de 1995. Apud MARTINS, Paulo Emílio Matos. Canudos: organização, poder e o processo de institucionalização de um modelo de governança comunitária. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 08, Dec. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cebape/v5n4/v5n4a05.pdf. Acesso em 27/07/2018. Lopes e Lima (LOPES, ZielFerreira; LIMA, Danilo Pereira. Direito do comum em Canudos. Rev. Direito Práx. [online]. 2018, vol.9, n.2, pp.890-927. ISSN 2179-8966. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/2179-8966/2017/26642. Acesso em 27/07/2018) interpretam essa forma de lidar com a propriedade e a posse como uma manifestação do “Direito do Comum”, categoria de Michael Hardt e Antônio Negri. Apesar da excelente argumentação dos autores, a visão aqui proposta parte de uma percepção distinta, analisando os elementos jurídicos presentes na experiência do Arraial de Canudos como provenientes da tradição do ius commune, adaptados à realidade do movimento, nos termos acima explanados. .

No escrito “Sobre a República”57 57 CONSELHEIRO, Antônio. Sobre a República. Manuscrito. Apud NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos/pagina/175/texto. Acesso em 17 de julho de 2018. p. 175 e ss. , é transparente a aversão ao regime republicano: “a República [...] é incontestavelmente um grande mal para o Brasil que era outrora tão bela a sua estrela”. É nesse sermão que também são mais nítidos os elementos de um imaginário jurídico avesso às intromissões estatais

Conselheiro destaca os esforços republicanos para o que considera o “extermínio da religião”. Partindo da premissa de incompatibilidade entre a sua fé e a república, o líder reafirma o poder das autoridades tradicionais: o pontífice, o príncipe, e o pai, ministros de Deus, e a divindade. Evoca, então, a imagem de Jesus Cristo obedecendo à vontade divina para negar a competência do Estado sobre a regulamentação do matrimônio: “o casamento civil ocasiona a nulidade do casamento, conforme manda a Santa Madre Igreja de Roma”. Para ele, a vontade de Deus e o amor regem as obrigações e as virtudes do regime matrimonial:

Porque é o casamento (como todos sabem) um contrato de duas vontades ligadas com o amor que deus lhes comunica, justificados com a graça que lhes deu nosso senhor Jesus Cristo e autorizada com a cerimônia que lhes juntou a santa madre igreja, que este é o efeito de um verdadeiro desposório: unir duas almas em um corpo: porém importam [606] obrigações dos preceitos divinos, que devem guardar em primeiro lugar e muito à risca: todos os casados têm obrigação de viver perfeitamente no seu estado, sem embargo de qualquer encargo ou desgosto. Em razão dos respeitos humanos, são necessárias muitas circunstâncias para se guardar este perfeito estado, tanto para segurança da honra e descanso da vida. Estas [607] verdades demonstram que o casamento é puramente da competência da Santa Igreja, que só seus ministros têm poder para celebrá-lo; não pode, portanto, o poder temporal de forma alguma intervir neste casamento, cujo matrimônio na lei da graça nosso Senhor Jesus Cristo o elevou à dignidade de sacramento, figurando nele a sua união com a santa igreja, como diz são Paulo58 58 Ibidem, p. 175 e ss. .

O costume patriarcal aparece na referência ao dever afetivo do “pai de família” de se opor ao casamento civil e se manter fiel, protegendo a moralidade das filhas e da família:

O pai de família, porém, que tem obedecido à lei do casamento civil, se não nota esta comoção bem própria da natureza humana: nesse coração não entra a ternura nem a compaixão. Considerem a gravíssima ofensa que tendes para com Deus, [609] se obedecerdes a semelhante lei. Como pode dominar em vós a fé tão preciosa diante de deus, se obedecerdes a semelhante lei? Como pode conciliar-se o afeto que deveis às vossas filhas, entregando-as ao pecado proveniente de tal lei? Plenamente certo de que, se cometerdes tal procedimento, tendes negado a fé: que peso enorme não deveis sentir na vossa [610] consciência e alma como joia preciosa diante de Deus? Para que a ternura desta verdade domine no vosso coração é preciso sustentar a fé [...]. Sem afeição legítima e natural que devem ter a vossas famílias, chama a vossa atenção nesta quadra [612] que vamos atravessando, que a corrupção vai invadindo, terrível efeito que produz a incredulidade. É nessa crise que mais se aumentam as vossas obrigações como guardas de vossas famílias; como se neste momento houvesse uma voz dizendo: sustentai ó pai de família a moralidade de vossas famílias. Figurei esta comparação como incentivo para maior luz e inteligência do fiel desempenho dos vossos deveres para com vossas famílias, sem embargo de qualquer sofrimento 59 59 Ibidem, p. 175 e ss. .

Prosseguindo, Conselheiro reafirma seu monarquismo: “É erro de aquele que diz que a família real não há de governar mais o Brasil. [...] A República há de cair por terra para confusão daquele que concebeu [616] tão horrorosa ideia”60 60 Ibidem p. 179. . Finalmente, fundamenta sua oposição ao regime republicano na legitimidade, conferida por Deus, da família real para governar o país.

5) Considerações Finais

Na crônica de 31 de janeiro de 1897, publicada na Gazeta de Notícias61 61 ASSIS, Machado de. 31 de janeiro de 1897. A semana. Gazeta de Notícias. Disponível em < http://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/item/download/45_ea040963b104e779a661f26690195654> Acesso em 04/06/2019 p. 413-414. , Machado de Assis queixa-se da perseguição ao Arraial de Canudos: “Não trato, porém, de conselheiristas ou não conselheiristas; trato do conselheirismo, e por causa dele é que protesto e torno a protestar contra a perseguição que se está fazendo à seita. Vamos perder um assunto vago, remoto, fecundo e pavoroso”. Além disso, questiona: “Que nos ficará depois da vitória da lei? ”. Sem pretensões de esgotar o tema o presente trabalho retomou algumas características do “conselheirismo” ao buscar rememorar uma experiência jurídica muitas vezes relegada ao esquecimento, sobretudo pela afirmação brutal da “lei” na Guerra de Canudos.

Relativizando tais pretensões monistas que permearam o desejo republicano de modernização jurídica, as relações entre direito e imaginação abrem um quadro fecundo para análise da dimensão jurídica na República Velha. Nesse sentido, a utopia conselheirista resgatada sob o enfoque do imaginário jurídico indica a presença, no fim do século XIX, de uma leitura e de uma projeção da sociedade permeadas por elementos de um pluralismo jurídico e de uma cultura jurídica enraizada em valores tradicionais característicos de uma sociedade ainda muito marcada pelo peso da escravidão, da estrutura agrária e do patriarcalismo.

A reconstrução de elementos da cultura jurídica do contexto no qual ocorreu o evento do Arraial de Canudos - levando em conta o lento e contraditório processo de modernização do direito no Brasil - foi essencial para a investigação das experiências e projeções que permearam o imaginário jurídico da insurreição. Principalmente pelo fato de que o beato que liderou o movimento atuou como rábula, personagem chave da circulação da cultura jurídica no Brasil dos fins do século XIX. Assim, é provável que o exercício dessa função em uma dimensão jurídica típica de um “Antigo regime sui generis” como o brasileiro (marcada, entre outros fatores, pela descentralização, pelo status, pela forte influência da religião e pela aversão à intervenção estatal no âmbito doméstico) não só tenha influenciado sua liderança no arraial, como também tenha tomado corpo nos sermões de Antônio Conselheiro.

Com efeito, tais escritos sugerem ao menos uma tentativa (permeada, para retomar as palavras de Machado, pela imaginação e pela poesia) de ordenar uma comunidade que não reconhecia a legitimidade do Estado republicano para interferir em seus valores. A eloquência e os conhecimentos jurídicos de Conselheiro, assim como sua proximidade com os devotos, fizeram da projeção utópica conselheirista uma oposição radical à lei republicana carregada de fortes traços de um imaginário jurídico tradicional. A influência do direito canônico, o costume patriarcal e o monarquismo são exemplos de elementos que adquirem uma leitura peculiar nos escritos do beato, sugerindo a presença de uma projeção jurídica para tratar de temas como a abolição da escravatura, o casamento civil e o furto, entre outros.

Portanto, a conotação jurídica do enfrentamento entre republicanos e conselheiristas se apresenta também como um momento da tensão entre as pretensões de modernização e a permanência de valores tradicionais na dimensão jurídica brasileira ainda no início da República Velha. Se a cultura jurídica permanece renitente à codificação civil, à interferência do Estado na casa e à secularização do direito, os escritos de Conselheiro refletem uma profunda presença de alguns desses elementos no imaginário partilhado entre os sertanejos do Arraial.

Fontes

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  • ASSIS, Machado de. 31 de janeiro de 1897. A semana. Gazeta de Notícias. Disponível em < http://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/item/download/45_ea040963b104e779a661f26690195654> Acesso em 04/06/2019, p. 412-414.
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  • 1
    ASSIS, Machado de. 31 de janeiro de 1897. A semana. Gazeta de Notícias. Disponível em < http://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/item/download/45_ea040963b104e779a661f26690195654> Acesso em 04/06/2019, p. 412.
  • 2
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance code 001
  • 3
    Optamos por traduzir a expressão “rábula” por “self-taught lawyer”, pois as traduções literais do termo (“shyster” ou “crooked lawyer”) possuem uma conotação pejorativa - ligada às ideias de enganação ou de falta de ética. O termo escolhido se afasta do significado pejorativo e se aproxima da figura do rábula na cultura jurídica brasileira do século XIX - do advogado “autodidata” que atuava sem instrução formal - no sentido em que é abordada nesta pesquisa.
  • 4
    GROSSI, PaoloGROSSI, Paolo. O direito entre poder e ordenamento. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.. O direito entre poder e ordenamento. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
  • 5
    Não ignoramos a perspectiva de Gustavo Siqueira acerca da “História do Direito pelos movimentos sociais”, nem seu profícuo debate com Mario Losano sobre tal metodologia (Principalmente LOSANO, Mario GLOSANO, Mario G. Sociologia giuridica e storica, storia del diritto e, in Brasile, “antropofagia giuridica”. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 60, n. 2, p. 11-40, jun. 2015.. Sociologia giuridica e storica, storia del diritto e, in Brasile, “antropofagia giuridica”. Revista da Faculdade de Direito UFPR, v. 60, n. 2, p. 11-40, jun. 2015; e SIQUEIRA, Gustavo SilveiraSIQUEIRA, Gustavo Silveira. Pequeno ensaio sobre antropofagia jurídica: por uma sociologia histórica do direito brasileiro? Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, PR, Brasil, v. 61, n. 1, p. 303 - 312, abr. 2016. Pequeno ensaio sobre antropofagia jurídica: por uma sociologia histórica do direito brasileiro?. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, PR, Brasil, v. 61, n. 1, p. 303 - 312, abr. 2016. Todavia, abordamos aqui uma perspectiva distinta, buscando contribuir para o debate do direito a partir das insurreições populares no Brasil republicano. Siqueira observa a reivindicação por direitos e a luta por sua positivação a partir da ação dos movimentos sociais. Aqui, investigamos o imaginário da ordem jurídica presente nos escritos de Antônio Conselheiro, visando compreender a noção interna de ordenação do Arraial de Canudos na perspectiva do pluralismo jurídico. Percebemos que não havia nos sermões do líder canudense uma perspectiva de transformação do direito oficial, mas sim uma negativa e uma recusa de sua legitimidade, paralelas à busca por outros fundamentos (tradicionais) para ordenar a vida em comum.
  • 6
    Destacamos que esta fonte foi consultada por meio da obra de José Carlos de Ataliba Nogueira: NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos. Acesso em 13/07/18.
  • 7
    COSTA, Pietro. Discurso jurídico e imaginação: hipóteses para uma antropologia do jurista. In: PETIT, Carlos (org.). As paixões do jurista. Curitiba: Juruá, 2011. p. 168.
  • 8
    Ibidem, p. 172.
  • 9
    HESPANHA, Antônio, Manuel. Cultura Jurídica Europeia: Síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.p. 99. No mesmo sentido: “Assim, o direito seria mais uma maneira de imaginar o mundo em meio a outras, como a arte, o senso comum, etc. Só que o direito seria uma representação normativa, fundamentada em uma forma própria de imaginar como deveriam ser as coisas (a lei) e como elas são (o fato), a partir do que se constrói um ‘sentido de justiça” que é sempre específico, ‘local’, em dependência de como se relacionam fato e lei nos diferentes contextos culturais”. PEREIRA, Luis Fernando LopesPEREIRA, Luis Fernando Lopes. A circularidade da cultura jurídica: notas sobre o conceito e sobre método. In: FONSECA, Ricardo Marcelo (Org.) Nova História Brasileira do Direito: ferramentas e artesanias. Curitiba: Juruá, 2012. p. 31-53.. A circularidade da cultura jurídica: notas sobre o conceito e sobre método. In: FONSECA, Ricardo Marcelo (Org.) Nova História Brasileira do Direito: ferramentas e artesanias. Curitiba: Juruá, 2012. p. 46.
  • 10
    COSTA, Pietro. Discurso jurídico e imaginação: hipóteses para uma antropologia do jurista. In: PETIT, Carlos (org.). As paixões do jurista. Curitiba: Juruá, 2011. p. 197.
  • 11
    FONSECA, Ricardo Marcelo. A noção de imaginário jurídico e a história do direito. In: ________. (Org.) Nova História Brasileira do Direito: ferramentas e artesanias. Curitiba: Juruá, 2012. p. 19-29.
  • 12
    Ibidem, p. 28.
  • 13
    Ibidem, p. 23.
  • 14
    BENJAMIN, WalterBENJAMIN, Walter. Teses sobre o conceito de história. In: LÖWY, Michael. Aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005.. Teses sobre o conceito de história. In: LÖWY, Michael. Aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 87. Sobre a aproximação com a história do direito ver: FONSECA, Ricardo Marcelo. Walter Benjamin, a temporalidade do direito. In: _______. Introdução Teórica à História do Direito. Curitiba, Juruá, 2008. p. 149-162.
  • 15
    FONSECA, Ricardo Marcelo. Walter Benjamin, a temporalidade do direito. In: _______. Introdução Teórica à História do Direito. Curitiba, Juruá, 2008. p. 161.
  • 16
    O monismo legislativo é, na ordem dos factos, uma ficção simplificadora. Qualquer sociedade tem mais normas do que as legais. Isto é uma aquisição antiga do ‘pluralismo jurídico’, ou seja, da ideia de que o direito se pode encontrar em vários ordenamentos, de vários níveis, sem que entre eles exista um que determine a validade dos outros ou estabeleça a hierarquia entre eles”. HESPANHA, António Manuel. Caleidoscópio do direito: o direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 65. Ver também: HESPANHA, António Manuel. Pluralismo jurídico e direito democrático. São Paulo: Annablume, 2013; WOLKMER, Antônio CarlosWOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. São Paulo: Alfa Ômega, 2001.. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. São Paulo: Alfa Ômega, 2001.
  • 17
    HESPANHA, Antônio, Manuel. Cultura Jurídica Europeia: Síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.p. 36.
  • 18
    Ibidem, p. 37.
  • 19
    Sobre o processo de recepção da modernização jurídica europeia: “Le idee faccevano (e fanno) parte di un gioco storico complesso - che si alimenta de transizione, di tensione, di circolazione culturale, in cui la scienza giuridica europea visse, in um terreno molto peculiare, una riletura e una ricriazione - che però essere ritenuta una distorsione; [...]” FONSECA, Ricardo Marcelo. Tra mimesi e jabuticaba: recezioni e adattamenti della scienza giuridica europea nel Brasile del XIX secolo. In: SORDI, Bernardo (a cura di). Storia e diritto: sperienze a confronto. Milano: Giuffrè, 2013, p. 424. Em tradução livre: As ideias faziam (e fazem) parte de um jogo histórico complexo - que se alimenta transição, de tensão, de circulação cultural, no qual a ciência jurídica europeia sofreu, num terreno muito peculiar, uma releitura e uma recriação - que, porém, não deve ser considerada como uma distorção; [...].
  • 20
    FONSECA, Ricardo Marcelo. A modernização frustrada: A questão da codificação civil no Brasil do século XIX. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. (Coords). Manual de Teoria Geral do Direito Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 18.
  • 21
    CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 45
  • 22
    FONSECA, Ricardo Marcelo. A modernização frustrada: A questão da codificação civil no Brasil do século XIX. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado e RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. (Coords). Manual de Teoria Geral do Direito Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 20.
  • 23
    STAUT JÚNIOR, Sérgio SaidSTAUT JÚNIOR, Sérgio Said. Posse e dimensão jurídica no Brasil: recepção e reelaboração de um conceito a partir da segunda metade do século XIX ao Código de 1916. Curitiba: Juruá, 2015.. Posse e dimensão jurídica no Brasil: recepção e reelaboração de um conceito a partir da segunda metade do século XIX ao Código de 1916. Curitiba: Juruá, 2015. p. 144 e ss.
  • 24
    A influência da Igreja e de seu Direito no parlamento, na composição das constituições e na vida política do Império é bastante importante para se entender este período, mas a influência do Direito Canônico no dia a dia da nova nação é o que demonstra a amplitude dessa influência”. SOUZA, Michael Dionísio de. O direito canônico e a ordem jurídica do brasil: da lei da boa razão ao código de 1916. Dissertação. Curitiba: UFPR, 2014. p. 52.
  • 25
    SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A longa sombra da casa. Poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do Antigo Regime à modernidade. R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 178 (473):327-424, jan./mar. 2017. p. 342-343.
  • 26
    Ibidem, p. 343.
  • 27
    SOUZA, Michael Dionísio de. O direito canônico e a ordem jurídica do brasil: da lei da boa razão ao código de 1916. Dissertação. Curitiba: UFPR, 2014. p. 56.
  • 28
    Ibidem, p. 58.
  • 29
    Ibidem, p. 117 e ss.
  • 30
    Ibidem, p. 128.
  • 31
    Ibidem, p. 140.
  • 32
    SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A longa sombra da casa. Poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do Antigo Regime à modernidade. R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 178 (473):327-424, jan./mar. 2017. p. 335.
  • 33
    Ibidem, p. 347.
  • 34
    Ibidem, p. 348.
  • 35
    Ibidem, p. 348.
  • 36
    Ibidem, p. 390.
  • 37
    Ibidem, p. 398.
  • 38
    BENJAMIN, Walter. IX Tese sobre o conceito de história. In: LÖWY, Michael. Aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 87.
  • 39
    PINHEIRO, Paulo SérgioPINHEIRO, Paulo Sérgio et al. História Geral da Civilização Brasileira. t. 3 (O Brasil Republicano) v. 9 (sociedade e instituições). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.et al.História Geral da Civilização Brasileira. t. 3 (O Brasil Republicano) v. 9 (sociedade e instituições). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 68.
  • 40
    CARVALHO, José Murilo De. Os três povos da República. Revista USP, Brasil, n. 59, p. 96-115, nov. 2003. ISSN 2316-9036. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13279/15097>. Acesso em: 24/07/2018. p. 107.
  • 41
    HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano, 3ª ed. vol. 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 129.
  • 42
    PINHEIRO, Paulo Sérgio et al. História Geral da Civilização Brasileira. t. 3 (O Brasil Republicano) v. 9 (sociedade e instituições). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 69.
  • 43
    HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano, 3ª ed. vol. 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 129.
  • 44
    Ibidem, p. 148.
  • 45
    NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. p. 10 Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos/pagina/10 Acesso em 13/07/18.
  • 46
    . CUNHA, Euclides daCUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984 (Biblioteca do Estudante). Domínio Público.. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984 (Biblioteca do Estudante). Domínio Público. p. 70. E, ainda: “Diz Euclides da Cunha que [Antônio Conselheiro] foi escrivão de paz e solicitador. Na verdade, milita no foro em Campo Grande e Ipu, principalmente em Ipu, como advogado provisionado”. “Há muito tempo, desde a Lei Imperial de 1º de outubro de 1828 (art. 66) e de dispositivos das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, aliás modificados posteriormente, às câmaras municipais competia entrar em acordo com os párocos para a construção de cemitérios públicos. Em geral não se tomava providência para modificar o que tão arraigado estava nos usos e costumes, até que surgem os decretos nº 583, de 1850, e 2812, de 1861, disciplinando a matéria e proibindo, assim, a prática fundada em legislação extinta. Referiam-se ambos os decretos ao município neutro, mas tornaram-se extensivos a todas as províncias por força de avisos do ministério do império, entre os quais o aviso de 5 de julho de 1871. Antônio Vicente Mendes Maciel propõe-se construir o cemitério de uma daquelas localidades. Levanta os muros na altura regulamentar, alinha as ruas, reparte simetricamente o terreno para cada sepultura e constrói a capelinha do campo santo. Não há dificuldades invencíveis nem quanto às questões legais entre câmara municipal e pároco, pois sendo advogado sabe dirimi-las, nem em relação à arquitetura e engenharia, pois se desempenha magnificamente bem. E a notícia corre pelos municípios vizinhos”. NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos. Acesso em 13/07/18. p. 5 e 194.
  • 47
    A justiça oral (tradicional) não era pautada em formalidades e técnicas como o direito erudito. Nesse sentido, não teria lógica a necessidade de um profissional especializado, já que o rito da justiça tradicional era por essência informal. Ou seja, a presença do rábula podia constituir-se num fator de implementação do direito erudito e não oposto”. FURMANN, IvanFURMANN, Ivan. Cultura jurídica e transição entre Colônia e Império: a experiência da Ouvidoria de Paranaguá e Curitiba. 2013. 463f. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Defesa: Curitiba,12/08/2013. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1884/32532>. Acesso em: 27 jul. 2018.
    http://hdl.handle.net/1884/32532...
    . Cultura jurídica e transição entre Colônia e Império: a experiência da Ouvidoria de Paranaguá e Curitiba. 2013. 463f. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Defesa: Curitiba,12/08/2013. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1884/32532>. Acesso em: 27 jul. 2018. p. 133.
  • 48
    FONSECA, Ricardo Marcelo. Vias da modernização jurídica brasileira: A cultura jurídica e os perfis dos juristas brasileiros do século XIX. Revista Brasileira de Estudos Políticos. v. 98, 2008. p. 280 Ver também: PETIT, CarlosPETIT, Carlos. Discurso sobre el discurso: oralidad y escritura en la cultura jurídica da la Espana liberal (lección inaugural, curso académico 2000-2001). Huelva: Servicio de publicaciones Universidad de Huelva, 2000.. Discurso sobre el discurso: oralidad y escritura en la cultura jurídica da la Espana liberal (lección inaugural, curso académico 2000-2001). Huelva: Servicio de publicaciones Universidad de Huelva, 2000.
  • 49
    HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano, 3ª ed. vol. 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 148.
  • 50
    PINHEIRO, Paulo Sérgio et al. História Geral da Civilização Brasileira. t. 3 (O Brasil Republicano) v. 9 (sociedade e instituições). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 78.
  • 51
    CONSELHEIRO, Antônio. Sobre a República. Manuscrito. Apud NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos/pagina/175/texto. Acesso em 17 de julho de 2018. p. 175 e ss.
  • 52
    PINHEIRO, Paulo Sérgio et al. História Geral da Civilização Brasileira. t. 3 (O Brasil Republicano) v. 9 (sociedade e instituições). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 72
  • 53
    Ibidem, p. 73
  • 54
    HERMANN, Jacqueline. Religião e política no alvorecer da República: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil republicano, 3ª ed. vol. 1 Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 147.
  • 55
    CONSELHEIRO, Antônio. Os dez mandamentos da Lei de Deus. Manuscrito. Apud NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos/pagina/175/texto. Acesso em 17 de julho de 2018. p. 133.
  • 56
    ADONEL RÉGIS MATOS, canudense, 1932ADONEL RÉGIS MATOS, canudense, 1932, depoimento dado em Canudos, 4 de fevereiro de 1995. Apud MARTINS, Paulo Emílio Matos. Canudos: organização, poder e o processo de institucionalização de um modelo de governança comunitária. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 08, Dec. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cebape/v5n4/v5n4a05.pdf. Acesso em 27/07/2018.
    http://www.scielo.br/pdf/cebape/v5n4/v5n...
    , depoimento dado em Canudos, 4 de fevereiro de 1995. Apud MARTINS, Paulo Emílio MatosMARTINS, Paulo Emílio Matos. Canudos: organização, poder e o processo de institucionalização de um modelo de governança comunitária. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 08, Dec. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cebape/v5n4/v5n4a05.pdf. Acesso em 27/07/2018.
    http://www.scielo.br/pdf/cebape/v5n4/v5n...
    . Canudos: organização, poder e o processo de institucionalização de um modelo de governança comunitária. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 08, Dec. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cebape/v5n4/v5n4a05.pdf. Acesso em 27/07/2018. Lopes e Lima (LOPES, ZielFerreira; LIMA, Danilo PereiraLOPES, Ziel Ferreira; LIMA, Danilo Pereira. Direito do comum em Canudos. Rev. Direito Práx. [Online]. 2018, vol.9, n.2, pp.890-927. ISSN 2179-8966. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/2179-8966/2017/26642.
    http://dx.doi.org/10.1590/2179-8966/2017...
    . Direito do comum em Canudos. Rev. Direito Práx. [online]. 2018, vol.9, n.2, pp.890-927. ISSN 2179-8966. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/2179-8966/2017/26642. Acesso em 27/07/2018) interpretam essa forma de lidar com a propriedade e a posse como uma manifestação do “Direito do Comum”, categoria de Michael Hardt e Antônio Negri. Apesar da excelente argumentação dos autores, a visão aqui proposta parte de uma percepção distinta, analisando os elementos jurídicos presentes na experiência do Arraial de Canudos como provenientes da tradição do ius commune, adaptados à realidade do movimento, nos termos acima explanados.
  • 57
    CONSELHEIRO, Antônio. Sobre a República. Manuscrito. Apud NOGUEIRA, José Carlos de Ataliba. Antônio Conselheiro e Canudos: revisão histórica. / Ataliba Nogueira A obra manuscrita de Antônio Conselheiro e que pertenceu a Euclides da Cunha. 2. ed. São Paulo. Ed. Nacional, 1978. Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/antonio-conselheiro-e-canudos/pagina/175/texto. Acesso em 17 de julho de 2018. p. 175 e ss.
  • 58
    Ibidem, p. 175 e ss.
  • 59
    Ibidem, p. 175 e ss.
  • 60
    Ibidem p. 179.
  • 61
    ASSIS, Machado de. 31 de janeiro de 1897. A semana. Gazeta de Notícias. Disponível em < http://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/item/download/45_ea040963b104e779a661f26690195654> Acesso em 04/06/2019 p. 413-414.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2019
  • Aceito
    10 Out 2019
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