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Terapia intensiva para a reabilitação da fala em paciente com fissura labiopalatina: relato de caso

RESUMO

A terapia intensiva é uma alternativa para acelerar o processo terapêutico de indivíduos com fissura labiopalatina. O objetivo desse estudo foi descrever, aplicar um programa de terapia intensiva e comparar a evolução antes e após o programa de fonoterapia de uma criança com fissura transforame incisivo unilateral direita operada e insuficiência velofaríngea em uso de prótese de palato obturadora. Foram realizadas 60 sessões de terapia, durante 4 semanas. Antes e após, aplicou-se anamnese, avaliação da fala e nasofibroscopia. Como resultado, a paciente apresentou adequação da ressonância e da inteligibilidade de fala, diminuição dos distúrbios obrigatórios e das articulações compensatórias após terapia intensiva com prótese de palato obturadora; e redução do gap velofaríngeo após a terapia intensiva com e sem o uso da prótese. Concluiu-se que a fonoterapia intensiva proporcionou evolução do caso.

Descritores:
Fissura Palatina; Insuficiência Velofaríngea; Distúrbios da Fala; Fonoterapia

ABSTRACT

Intensive therapy is an alternative to accelerate the therapeutic process of individuals with cleft lip and palate. The purpose of this study is to describe an intensive speech therapy program and compare the results before and after the program on a child with previously operated right unilateral cleft lip and palate and velopharyngeal insufficiency, using a speech bulb. Sixty therapy sessions were carried out over a 4-week period. Before and after, anamnesis, speech assessment and evaluation of the velopharyngeal function with nasofibroscopy, were performed. The patient presented with adequate resonance and speech intelligibility, reduction of obligatory disorders and compensatory articulations, after intensive therapy with the speech bulb and reduction of velopharyngeal gap, after intensive therapy with and without the speech bulb. Progress was achieved with the intensive speech therapy.

Keywords:
Cleft Palate; Velopharyngeal Insufficiency; Speech Disorders; Speech Therapy

Introdução

A fala de indivíduos com fissura labiopalatina, mesmo após os procedimentos cirúrgicos, pode ser afetada principalmente devido à disfunção velofaríngea (DVF)11. Melo DP, Ramalho MSSC, Perillo VCA, Rodrigues LCB. Intensive speech therapy and cleft palate: case report. Rev. CEFAC. 2013;15(4):1019-23.. A DVF pode ocorrer por insuficiência velofaríngea, incompetência velofaríngea ou erro de aprendizagem11. Melo DP, Ramalho MSSC, Perillo VCA, Rodrigues LCB. Intensive speech therapy and cleft palate: case report. Rev. CEFAC. 2013;15(4):1019-23.. As alterações de fala podem ser identificadas como distúrbios obrigatórios ou passivos e distúrbios compensatórios ou ativos, alterando a inteligibilidade de fala e o convívio social22. Marino VCC, Dutka JCR, Pegoraro-Krook MI, Lima-Gregio AM. Articulação compensatória associada à fissura de palato ou disfunção velofaríngea: revisão de literatura. Rev. CEFAC. 2012;14(3):528-43..

A cirurgia primária no palato garante o funcionamento adequado da velofaringe em cerca de 70% dos casos³. Há diversas técnicas que podem ser utilizadas como procedimento secundário, contudo, o tratamento cirúrgico é eficaz em aproximadamente 50% dos casos44. Shin YJ, KO SO. Successful and rapid response of speech bulb reduction program combined with speech therapy in velopharyngeal dysfunction: a case report. Maxillofac Plast Reconstr Surg. 2015;37(1):22.. Além disso, quando a abordagem cirúrgica não é considerada como possibilidade, tem-se a prótese de palato obturadora como alternativa no auxílio para a normalização da fala, por ocluir parte do gap velofaríngeo44. Shin YJ, KO SO. Successful and rapid response of speech bulb reduction program combined with speech therapy in velopharyngeal dysfunction: a case report. Maxillofac Plast Reconstr Surg. 2015;37(1):22.,55. Leal N, Abreu VO, Ghidella KR, Millhomem APR, Souza MM, Gaião L. Palatal obturators in patients with cleft palate. Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac. 2014;14(2):71-8..

Para a obtenção de um padrão de fala adequado, a abordagem fonoaudiológica é primordial na reabilitação desses indivíduos22. Marino VCC, Dutka JCR, Pegoraro-Krook MI, Lima-Gregio AM. Articulação compensatória associada à fissura de palato ou disfunção velofaríngea: revisão de literatura. Rev. CEFAC. 2012;14(3):528-43.. O sucesso do processo terapêutico depende de alguns fatores, que em programas de terapia intensiva para fala são mais viáveis de se obter. A terapia intensiva é uma intervenção alternativa para se iniciar antes da terapia convencional, por incentivar a adesão do paciente ao tratamento, pela prática e frequência diária que as sessões ocorrem e por conceder resultados perceptíveis em menor tempo33. Lima MRF, Leal FB, Araújo SVS, Matos EF, Di Ninno CQMS, Britto ATBO. Atendimento fonoaudiológico intensivo em pacientes operados de fissura labiopalatina: relato de casos. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(3):240-6.. Apesar das estratégias serem adequadas na terapia convencional, não há treino constante para adaptação a um novo hábito33. Lima MRF, Leal FB, Araújo SVS, Matos EF, Di Ninno CQMS, Britto ATBO. Atendimento fonoaudiológico intensivo em pacientes operados de fissura labiopalatina: relato de casos. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(3):240-6..

Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo descrever, aplicar um programa de terapia intensiva e comparar a evolução antes e após o programa de fonoterapia de uma criança com fissura transforame incisivo unilateral direita operada e insuficiência velofaríngea em uso de prótese de palato obturadora.

Apresentação do Caso

Este estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ceilândia da Universidade de Brasília (CEP/FCE/UnB), Brasil, CAAE- 03333118.4.0000.8093, sob o parecer de número 3.067.282, com a devida assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo foi realizado no período entre janeiro e fevereiro de 2019, no Hospital Universitário de Brasília (HUB). O relato de caso abordado foi de uma criança com 8 anos de idade, sexo feminino, que nasceu com fissura transforame incisivo unilateral direita. A participante do estudo foi submetida à queiloplastia primária aos 3 meses e palatoplastia primária com 1 ano no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), onde faz acompanhamento semestral desde os 3 meses de idade. Realizou tratamento fonoaudiológico na cidade de origem de 1 até 8 anos, duas vezes por semana, durante 50 minutos, sem apresentar evolução. Aos 8 anos, recebeu indicação para o uso de prótese de palato obturadora, sendo esta confeccionada no serviço de Prótese de Palato (SPP) do HRAC-USP(Figura 1). Após a confecção da prótese, a paciente foi encaminhada para participar do programa de terapia intensiva no HUB.

Figura 1:
Vista superior e inferior da prótese de palato obturadora utilizada durante o processo de terapia intensiva

Ao iniciar o acompanhamento fonoaudiológico, a paciente foi submetida à anamnese, avaliação fonoaudiológica da fala e avaliação da função velofaríngea por nasofibroscopia. Para comparação de resultados, após a intervenção terapêutica intensiva, os procedimentos de avaliação descritos foram novamente executados. A avaliação e reavaliação fonoaudiológica da fala, foi composta pela aplicação do protocolo adaptado doSPP do HRAC-USP66. Pinto MDB. Resultados da fonoterapia intensiva para correção da oclusiva glotal e fricativa faríngea na fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2016., o qual foi utilizado principalmente para avaliação da inteligibilidade de fala, ressonância, hipernasalidade e emissão de ar nasal. Para avaliar a presença de distúrbios obrigatórios e articulações compensatórias, utilizou-se o protocolo do serviço. Na realização da nasofibroscopia, antes e após a fonoterapia, também se utilizou o mesmo protocolo, além da emissão de sopro, fonemas plosivos e fricativos isolados e associados a vogais. A nasofibroscopia foi realizada com um aparelho que possui um tubo fibroflexível e na extremidade uma câmera que pode percorrer do nariz até a laringe, da marca Machida®. O exame foi executado por uma otorrinolaringologista do HUB acompanhada pela fonoaudióloga do ambulatório de fissura labiopalatina. Durante o exame, o tubo fibroflexível percorreu do nariz até a nasofaringe, a fim de visualizar o fechamento velofaríngeo. A anamnese, a avaliação da fala e a condução do programa de terapia intensiva foram realizadas pela mesma terapeuta.

O programa de terapia intensiva foi realizado durante 4 semanas, de segunda a sexta-feira, totalizando 20 dias, com 3 sessões diárias e intervalos de 2 horas entre cada sessão. Desta forma, foi preconizada a realização de 60 atendimentos, com duração de 30 a 45 minutos, de formato mais expandido que os utilizados nos demais estudos sobre terapia intensiva77. Andrade LKF. Influência de um programa de fonoterapia intensiva na fala de indivíduos com fissura labiopalatina [Thesis]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2017.,88. Ferreira GZ. Programa de fonoterapia intensiva em pacientes com fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2018. com objetivo de favorecer a máxima evolução do caso e eliminar e/ou minimizar o tempo de terapia convencional para automatização da fala e sistematização do fechamento velofaríngeo.

A terapia intensiva proposta visou estabelecer inteligibilidade de fala adequada, ressonância equilibrada e eliminar os distúrbios obrigatórios e as articulações compensatórias. A sequência do treinamento intensivo foi condicionada à evolução da paciente, contudo, inicialmente foram trabalhados os fonemas orais alterados levando em consideração a hierarquia de fala (Tabela 1), de acordo com a abordagem empregada em estudos de terapia intensiva33. Lima MRF, Leal FB, Araújo SVS, Matos EF, Di Ninno CQMS, Britto ATBO. Atendimento fonoaudiológico intensivo em pacientes operados de fissura labiopalatina: relato de casos. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(3):240-6.,66. Pinto MDB. Resultados da fonoterapia intensiva para correção da oclusiva glotal e fricativa faríngea na fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2016.. Houve o auxílio de pistas auditivas (garrote com uma terminação voltada para o nariz e outra para a orelha), visuais (scape-scope, espelho de Glatzel e a filmagem como recurso terapêutico) e táteis-cinestésicas (fechamento das narinas em emissões orais e dorso da mão em frente à boca), as quais gradativamente foram retiradas incentivando o monitoramento e controle da fala99. Picinato-Pirola M, Coelho AC. Fonoterapia na fissura labiopalatina. In: Picinato-Pirola M, Ramos VF, Tanigute CC, Silva ASG, Marchesan IQ,Tessitore A et al., editors. Terapia em motricidade orofacial: como eu faço. 1ed.São José dos Campos: Pulso Editorial, 2019, v. 1, p. 136-49..

Na Tabela 1, observa-se a sequência do treinamento intensivo de acordo com a hierarquia de fala.

Tabela 1:
Etapas do programa de terapia intensiva66. Pinto MDB. Resultados da fonoterapia intensiva para correção da oclusiva glotal e fricativa faríngea na fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2016.

O progresso da terapia também esteve vinculado aos exercícios realizados em casa, com o auxílio dos pais que foram orientados quanto à execução dos treinos presencialmente, uma vez por semana, que era a disponibilidade que um dos responsáveis apresentava para comparecer à terapia, participar do atendimento e obter as informações para execução dos treinos em casa. As orientações também foram oferecidas via online, por meio de áudios e/ou vídeos demonstrativos, quando houve necessidade. Foram determinados 2 treinos por dia de segunda-feira a sexta-feira, 4 treinos aos sábados e 4 aos domingos, todos com duração de 15 minutos. Os exercícios terapêuticos foram escolhidos de acordo com a demanda apresentada durante as terapias. O controle dos exercícios prescritos para casa foi realizado por intermédio de uma tabela preenchida diariamente pelo familiar que acompanhou o treino, o qual deveria informar o fonema treinado, quantas vezes o treino foi realizado, se apresentou dificuldades e quais pistas facilitadoras foram utilizadas. As filmagens dos treinos em casa foram mostradas diariamente para a terapeuta com objetivo de direcionar os exercícios e também controle.

Resultados

Na Tabela 2, verificam-se os resultados da avaliação fonoaudiológica da fala, antes e após a terapia intensiva com a prótese de palato obturadora, levando em consideração a inteligibilidade de fala, ressonância, hipernasalidade, emissão de ar nasal, presença de distúrbios obrigatórios e articulações compensatórias. Não se observou diferença na evolução em relação a esses aspectos quando a paciente estava sem a prótese de palato obturadora.

Tabela 2:
Comparação dos resultados das avaliações antes e após a terapia intensiva com prótese de palato obturadora

Na Figura 2, observa-se a vista superior do esfíncter velofaríngeo durante a nasofibroscopia, na produção da sílaba /pa/ antes e após fonoterapia (sem e com o uso da prótese de palato obturadora). Observou-se diminuição do gap velofaríngeono pós terapia intensiva com e sem uso da prótese de palato obturadora, comparado ao gap velofaríngeo antes da terapia intensiva com e sem uso da prótese.

Figura 2:
Vista superior do esfíncter velofaríngeo. Comparação entre os resultados da nasofibroscopia antes e depois da terapia intensiva, com e sem a prótese de palato obturadora, na produção da sílaba /pa/

Em relação aos exercícios prescritos para casa, a família não apresentou adesão para auxílio na execução diária e na quantidade determinada, além disso não houve controle constante dos treinos pelos familiares conforme proposto pela terapeuta.

Discussão

A terapia intensiva para adequação da fala em pacientes com fissura labiopalatina requer estratégias eficazes, já que a adesão do paciente ao tratamento é um dos principais aspectos que leva à evolução do padrão de fala11. Melo DP, Ramalho MSSC, Perillo VCA, Rodrigues LCB. Intensive speech therapy and cleft palate: case report. Rev. CEFAC. 2013;15(4):1019-23.,33. Lima MRF, Leal FB, Araújo SVS, Matos EF, Di Ninno CQMS, Britto ATBO. Atendimento fonoaudiológico intensivo em pacientes operados de fissura labiopalatina: relato de casos. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(3):240-6.,99. Picinato-Pirola M, Coelho AC. Fonoterapia na fissura labiopalatina. In: Picinato-Pirola M, Ramos VF, Tanigute CC, Silva ASG, Marchesan IQ,Tessitore A et al., editors. Terapia em motricidade orofacial: como eu faço. 1ed.São José dos Campos: Pulso Editorial, 2019, v. 1, p. 136-49..

No presente estudo foi preconizada a realização de 60 sessões de terapia, de formato mais expandido que os utilizados em estudos anteriores66. Pinto MDB. Resultados da fonoterapia intensiva para correção da oclusiva glotal e fricativa faríngea na fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2016.,88. Ferreira GZ. Programa de fonoterapia intensiva em pacientes com fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2018. com objetivo de favorecer a máxima evolução da paciente e minimizar o tempo em terapia convencional. Dessa forma, a comparação dos resultados obtidos antes e após a intervenção, demonstra a influência do tratamento intensivo na reabilitação da fala da paciente, bem como os relatos de estudos anteriores que sugerem a fonoterapia intensiva como uma alternativa para reabilitação das alterações de fala decorrentes da disfunção velofaríngea11. Melo DP, Ramalho MSSC, Perillo VCA, Rodrigues LCB. Intensive speech therapy and cleft palate: case report. Rev. CEFAC. 2013;15(4):1019-23.,88. Ferreira GZ. Programa de fonoterapia intensiva em pacientes com fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2018.. Os resultados encontrados na avaliação após a aplicação do programa de terapia intensiva evidenciaram evolução na fala da paciente, nos aspectos de inteligibilidade de fala, hipernasalidade, emissão de ar nasal e articulações compensatórias, corroborando aos estudos anteriores11. Melo DP, Ramalho MSSC, Perillo VCA, Rodrigues LCB. Intensive speech therapy and cleft palate: case report. Rev. CEFAC. 2013;15(4):1019-23.,77. Andrade LKF. Influência de um programa de fonoterapia intensiva na fala de indivíduos com fissura labiopalatina [Thesis]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2017.,88. Ferreira GZ. Programa de fonoterapia intensiva em pacientes com fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2018.,1010. Bispo NHM, Whitaker ME, Aferri HC, Neves JDA, Dutka JCR, Pegoraro-Krook MI. Speech therapy for compensatory articulations and velopharyngeal function: a case report. J. Appl. Oral Sci. 2011;19(6):679-84.

11. Alighieri C, Bettens K, Bruneel L, Vandormael C, Musasizi D, Ojok I et al. Intensive speech therapy in Ugandan patients with cleft (lip and) palate: a pilot-study assessing long-term effectiveness. Int. J. Pediatr. Otorhinolaryngol. 2019;123:156-67.
-1212. Picinato-Pirola M, Souza LB, Coelho AC. Intensive speech therapy in a patient with submucosal cleft palate - case report. Disturb. Comun. 2021;33(2):231-8. e que utilizou prótese de palato obturadora88. Ferreira GZ. Programa de fonoterapia intensiva em pacientes com fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2018..

Observou-se que a utilização de prótese de palato obturadora foi relevante para a evolução na fala da paciente, tendo em vista as diferenças presentes na fala nos momentos em que a paciente estava com e sem a prótese. Este achado reforça que o tratamento das alterações de fala em pacientes com fissura labiopalatina, por meio de um programa de terapia intensiva estruturado, combinado com prótese de palato obturadora, demonstra ser um método eficaz para a reabilitação de fala88. Ferreira GZ. Programa de fonoterapia intensiva em pacientes com fissura labiopalatina [Dissertation]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2018.,1010. Bispo NHM, Whitaker ME, Aferri HC, Neves JDA, Dutka JCR, Pegoraro-Krook MI. Speech therapy for compensatory articulations and velopharyngeal function: a case report. J. Appl. Oral Sci. 2011;19(6):679-84..

O uso efetivo da prótese de palato obturadora contribuiu para o aumento da pressão intraoral, direcionamento da corrente de ar, monitoramento da emissão de ar nasal e da hipernasalidade, promovendo a ação das paredes faríngeas, com diminuição do gap velofaríngeo após a terapia intensiva (Figura 2)1313. Pinto JHN, Dalben GS, Pegoraro-Krook MI. Speech intelligibility of patients with cleft lip and palate after placement of speech prosthesis. Cleft Palate Craniofac. J. 2007;44(6):635-41.. A redução do gap velofaríngeo observada após a fonoterapia com e sem utilização de prótese de palato obturadora, sustenta o relato de um estudo já realizado que correlacionou os sintomas de fala (hipernasalidade, emissão de ar nasal audível e ronco nasal) com as dimensões da área velofaríngea. Este demonstrou correlação significante entre o grau da hipernasalidade e o grau do fechamento velofaríngeo, além da relação significante com a emissão de ar nasal audível, indicando que na presença do sintoma o gap velofaríngeo tende a ser maior1414. Scarmagnani RG, Barbosa DA, Fukushiro AP, Salgado MH, Trindade IEK, Yamashita RP. Relationship between velopharyngeal closure, hypernasality, nasal air emission and nasal rustle in subjects with repaired cleft palate. CoDAS. 2015;27(3):267-72..

Apesar da fala da paciente do estudo ter apresentado evolução nos aspectos mencionados anteriormente, ao término da fonoterapia foi possível observar a permanência de inadequações como articulações compensatórias e hipernasalidade mais acentuados em conversa espontânea, ou seja, um único módulo de terapia intensiva não promoveu resolução de todos os distúrbios. Da mesma forma, intervenções intensivas de estudos anteriores também não adequaram todas as alterações de fala dos participantes11. Melo DP, Ramalho MSSC, Perillo VCA, Rodrigues LCB. Intensive speech therapy and cleft palate: case report. Rev. CEFAC. 2013;15(4):1019-23.,33. Lima MRF, Leal FB, Araújo SVS, Matos EF, Di Ninno CQMS, Britto ATBO. Atendimento fonoaudiológico intensivo em pacientes operados de fissura labiopalatina: relato de casos. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(3):240-6.,1212. Picinato-Pirola M, Souza LB, Coelho AC. Intensive speech therapy in a patient with submucosal cleft palate - case report. Disturb. Comun. 2021;33(2):231-8.. Nesse contexto, é sugerida a terapia intensiva como um módulo inicial da terapia convencional11. Melo DP, Ramalho MSSC, Perillo VCA, Rodrigues LCB. Intensive speech therapy and cleft palate: case report. Rev. CEFAC. 2013;15(4):1019-23..

O controle do treino realizado em casa é fundamental para a evolução da fala, pois os responsáveis e até o paciente podem não perceber os distúrbios obrigatórios e/ou as articulações compensatórias e continuarem o treino reforçando o erro, consequentemente, sendo necessária a retomada do trabalho com os fonemas já abordados. Um modo inovador para manter o controle, é por meio de aplicativos desenvolvidos para enriquecer os treinos de fala e conceder auxílio no tratamento fonoaudiológico, registrando as gravações de fala, gerando feedback, monitoramento dos erros e possibilitando a melhora da pronúncia de forma lúdica1515. Ferreira GZ, Corrêa IF, Silva PP, Pegoraro-Krook MI, Silva EG, Dutka JCR. Aplicativo móvel ''Fala nova, treino fácil'': inovação no tratamento de fala na fissura labiopalatina. Rev.Salusvita. 2018;37(1):35-48..

A literatura traz cinco aspectos de responsabilidade da família na reabilitação de um familiar com fissura labiopalatina: manutenção de compromissos, realização de recomendações da equipe, relato dos problemas, equipe de suporte em toda a reabilitação da criança e assumir um papel ativo na reabilitação. Porém, pode haver dificuldades como compreensão inadequada dos procedimentos, nível de conhecimento insuficiente, fatores emocionais, demandas conflitantes e desinteresse1616. Bleiberg AH, Leubling HE. Parent responsibility in cleft palate habilitation. Cleft Palate Craniofac. J. 1970;7(2):630-8.. Sendo assim, é fundamental a compreensão do terapeuta sobre as questões que envolvem a família de um indivíduo com fissura labiopalatina, fornecendo orientações sempre que necessário quanto à abordagem fonoaudiológica e a importância da família no processo de reabilitação.

É importante ressaltar que a baixa adesão da família para execução dos exercícios prescritos para casa e a ausência do controle diário proposto pela terapeuta, foram fatores limitantes para este estudo e que, por sua vez, podem ter influenciado os resultados finais da intervenção terapêutica, uma vez que o tratamento intensivo e a participação direta dos familiares responsáveis são essenciais para o desenvolvimento da nova fala11. Melo DP, Ramalho MSSC, Perillo VCA, Rodrigues LCB. Intensive speech therapy and cleft palate: case report. Rev. CEFAC. 2013;15(4):1019-23.. A aplicação do programa de terapia intensiva e avaliação fonoaudiológica antes e após a terapia foram realizadas pela mesma terapeuta, sendo assim, considerada na interpretação dos resultados.

A terapia intensiva mostrou-se uma abordagem vantajosa, pois viabiliza um tratamento mais ágil, incentiva a adesão do paciente ao tratamento e possibilita a realização diária dos exercícios, assim, favorece nítida evolução em menos tempo comparada à abordagem convencional. Tais fatores tornaram o relato relevante, por se tratar de uma terapêutica atual e eficaz.

Considerações Finais

Após a descrição e aplicação do programa de terapia intensiva, tendo em vista os resultados alcançados em 60 sessões, o programa de terapia intensiva foi eficaz e representa uma alternativa para a melhora da fala de pacientes com fissura labiopalatina, sendo fundamental a continuidade em fonoterapia convencional para o processo final de automatização.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2021
  • Aceito
    04 Jun 2021
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