Processamento auditivo central e afasia: uma revisão de escopo

Bezerra, Raquel de Oliveira; Santos, Ana Cecília de Brito Vidal; Lima, Daviany de Oliveira; Lima, Ivonaldo Leidson Barbosa; Rosa, Marine Raquel Diniz da

doi:10.1590/1982-0216/20242613823s

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Sumário

ARTIGOS DE REVISÃO • Rev. CEFAC 26 (1) • 2024 • https://doi.org/10.1590/1982-0216/20242613823s copiar

Processamento auditivo central e afasia: uma revisão de escopo

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

RESUMO

Objetivo:

reportar as evidências científicas do impacto da afasia no Processamento Auditivo Central e mapear a contribuição do Treinamento Auditivo para a população afásica.

Métodos:

trata-se de uma revisão de escopo realizada nas bases de dados nacionais e internacionais: Scielo, Lilacs, Pubmed, Scopus, Cochrane Library e com uma busca adicional à literatura cinzenta no Google Scholar e Open Grey. Os critérios de inclusão abrangeram artigos que abordassem a interface do processamento auditivo central e afasia, excluindo-se as duplicações, artigos de revisão da literatura e resumos científicos.

Revisão de Literatura:

selecionaram-se 13 artigos que cumpriram os critérios de elegibilidade deste estudo. Dos artigos selecionados, sete apresentaram a avaliação do Processamento Auditivo Central, quatro apresentaram os exames eletrofisiológicos - como os exames de Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) e Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência (PEALL) - para avaliação da via auditiva e apenas um estudo analisou a intervenção dos indivíduos afásicos por meio do treinamento auditivo.

Conclusão:

as evidências científicas apontam importante alteração no Processamento Auditivo Central dos afásicos, apresentando prejuízos nas habilidades auditivas de figura-fundo, fechamento auditivo, resolução e ordenação temporal e integração binaural. Ainda, demonstra-se como relevante a avaliação do processamento, devido à contribuição do Treinamento Auditivo nas terapias fonoaudiológicas para um melhor prognóstico na reabilitação das afasias.

Descritores:
Percepção Auditiva; Vias Auditivas; Estimulação Acústica; Afasia

BASE DE DADOS	REALIZAÇÃO DA BUSCA AGOSTO DE 2023
PUBMED	(“Aphasia” [ All Fields] OR “Processing Auditory” [All Fields] OR “Perception auditory” [All Fields] OR “Auditory Pathways” [All Fields] OR “Auditory Cortex Disorder” [All Fields] OR “Auditory Perception Disorders” [All Fields] OR “Acoustic Stimulation” [All Fields] OR “Auditory Perception correction” [All Fields] OR “Neuronal Plasticity”)
LILACS	(“Aphasia” AND “Processing Auditory” AND “Perception auditory” AND “Auditory Pathways” AND “Auditory Cortex Disorder” AND “Auditory Perception Disorders” AND “Acoustic Stimulation” AND “Auditory Perception correction” AND “Neuronal Plasticity” AND “Percepção auditiva” AND “Afasia” AND “Processamento auditivo” AND “Vias Auditivas” AND “Transtorno do cortex auditivo” AND “Distúrbios da percepção Auditiva” AND “Estimulação Acústica” AND “Correção da percepção Auditiva” AND “Plasticidade neuronal”)
SCOPUS	(“Aphasia” AND “Processing Auditory” AND “Perception auditory” AND “Auditory Pathways” AND “Auditory Cortex Disorder” AND “Auditory Perception Disorders” AND “Acoustic Stimulation” AND “Auditory Perception correction” AND “Neuronal Plasticity”)
COCHRANE LIBERY	(“Aphasia” AND “Processing Auditory” AND “Perception auditory” AND “Auditory Pathways” AND “Auditory Cortex Disorder” AND “Auditory Perception Disorders” AND “Acoustic Stimulation” AND “Auditory Perception correction” AND “Neuronal Plasticity”)
OPEN GREY	(“Aphasia” AND “Processing Auditory” AND “Perception auditory” AND “Auditory Pathways” AND “Auditory Cortex Disorder” AND “Auditory Perception Disorders” AND “Acoustic Stimulation” AND “Auditory Perception correction” AND “Neuronal Plasticity” AND “Percepção auditiva” AND “Afasia” AND “Processamento auditivo” AND “Vias Aditivas” AND “Transtorno do cortex auditivo” AND “Distúrbios da percepção Auditiva” AND “Estimulação Acústica” AND “Correção da percepção Auditiva” AND “Plasticidade neuronal”)
SCIELO	(“Percepção auditiva” AND “Afasia” AND “Processamento auditivo” AND “Vias Aditivas” AND “Transtorno do cortex auditivo” AND “Distúrbios da percepção Auditiva” AND “Estimulação Acústica” AND “Correção da percepção Auditiva” AND “Plasticidade neuronal” AND “Auditory Pathways” AND “Acoustic Smulation” AND “Auditory Perception Correction” AND “Neuronal Plasticity”)
GOOGLE SCHOLAR	(“Percepção auditiva” OR “Afasia” OR “Processamento auditivo” OR “Vias Aditivas” OR “Transtorno do córtex auditivo” OR “Distúrbios da percepção Auditiva” OR “Estimulação Acústica” OR “Correção da percepção Auditiva” OR “Plasticidade neuronal” OR “Auditory Pathways” OR “Acoustic Stimulation” OR “Auditory Perception Correction” OR “Neuronal Plasticity”)

Autor e ano de publicação	Título	Tipo de estudo	Desenho metodológico	Desfecho
Purdy et al. (2016)²⁰20. Purdy SC, Wanigasekara I, Cañete OM, Moore C, McCann CM. Aphasia and auditory processing after stroke through an International Classification of Functioning, Disability and Health Lens. Semin Hear. 2016;37(3):233-46. https://doi.org/10.1055/s-0036-1584408 PMID: 27489401. https://doi.org/10.1055/s-0036-1584408...	Aphasia and auditory processing after stroke through an international classification of lens functionality, disability and health	Estudo de caso clínico	Um afásico de 37 anos com dificuldade no processamento de informações auditivas e falar ao mesmo tempo. Foi realizado o teste de PAC que não exigiu respostas verbais, como: avaliações comportamentais e bateria de testes padronizados.	Medidas comportamentais e eletrofisiológicas do processamento auditivo indicaram que o participante tinha dificuldade de discriminação espectrotemporal e processamento auditivo cortical de estímulos de fala lentos.
Nascimento (2012)²¹21. Nascimento MSR. Habilidades auditivas e afasia: um estudo comparativo [monograph]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco; 2012 [accessed 2022 out 10]. Available at: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/12759	Habilidades auditivas e afasia: um estudo comparativo	Estudo Comparativo	O estudo foi realizado com 32 indivíduos, sendo 16 com afasia (G1) e 16 sem afasia (G2). Foram incluídos os testes do Processamento Auditivo Central. Teste de escuta monótica e dicótica com sentenças, Teste Dicótico de Dígitos, Fala filtrada e Fusão Binaural.	Foi observado que o resultado no teste PSI demonstrou que o grupo com afasia obteve valores inferiores aos considerados como normalidade. No teste de FF, verificou-se menor desempenho no grupo afásico. No teste de fusão binaural, existiu uma diferença entre a média de acertos do grupo com afasia e do grupo controle, sendo predominante pior desempenho do grupo afásico,
Silva et al. (2016)²²22. Folgearini JS, Biaggio EPV, Bruno RS, Oppitz SJ, Fedosse E, Santos SN et al. Processamento auditivo da informação em sujeitos com afasia. Estud. Interdiscip. Envelhec. 2016;21(3):217-34. https://doi.org/10.22456/2316-2171.80784 https://doi.org/10.22456/2316-2171.80784...	Processamento auditivo da informação em sujeitos com afasia	Estudo transversal	Dez pessoas com afasia participaram da bateria de avaliações. Na avaliação do PAC, utilizaram-se os testes de localização sonora, memória sequencial para sons verbais e não verbais, teste padrão de frequência e duração, dicótico de dígitos, fala comprimida e PSI.	Todos os sujeitos avaliadosapresentaram alteração na maioria das habilidades auditivas, sendo que tiveram mais dificuldade com as tarefas verbais.
Ortiz et al. (2008)²³23. Ortiz KZ, Peroni C. Compreensão de fala em situação de mensagem competitiva em afásicos. Rev. CEFAC. 2008;10(2):226-32. https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000200012 https://doi.org/10.1590/S1516-1846200800...	Compreensão de fala em situação de mensagem competitiva em afásicos	Estudo transversal	Vinte indivíduos afásicos com diagnóstico neurológico e fonoaudiológico de afasia foram avaliados. Os indivíduos foram submetidos ao Teste de Escuta monótica e dicótica com frases do PSI - proposto para a população brasileira.	Os resultados dos afásicos e do grupo controle revelaram diferenças significantes, tanto na mensagem contralateral como ipsilateral. Na situação ipsilateral, houve diferença entre a performance, tendo sido identificada maior dificuldade.
Zeigelboim et al. (2010)²⁴24. Zeigelboim BS, Klagenberg KF, Liberalesso PBN, Menezes P, Gonçalves DV. Avaliação neurofisiológica das vias auditivas e do equilíbrio na afasia de Broca - Apresentação de um caso ilustrativo. J Epilepsy Clin Neurophysiol. 2010;16(4):143-8. https://doi.org/10.1590/S1676-26492010000400005 https://doi.org/10.1590/S1676-2649201000...	Avaliação neurofisiológica das vias auditivas e do equilíbrio na afasia de Broca: apresentação de um caso ilustrativo	Estudo de Caso clínico	A avaliação do processamento auditivo central constituiu das etapas de localização da sonora; memória sequencial para sílabas; escuta dicótica de dissílabos alternado; teste de escuta monótica e teste de detecção de intervalos aleatórios de silêncio.	Os resultados do PAC indicaram dificuldade na habilidade de integração binaural, dificuldade na habilidade de localização sonora e no teste de interação binaural. O teste SSW mostrou-se útil na investigação topodiagnóstica dos pacientes.
Dokoza et al. (2020)²⁵25. Dakoza KP, Kolundzié Z, Hedever M. Auditory processing in people with chronic aphasia. Coll. Antropol. 2020;44(2):95-102. https://doi.org/10.5671/ca.44.2.5 https://doi.org/10.5671/ca.44.2.5...	Auditory processing in people with chronic aphasia	Estudo caso-controle	Dois grupos foram submetidos aos testes. O grupo I foi composto por 23 indivíduos com afasia e o grupo II por 17 sujeitos sem patologia neurológica. Foi realizado o Teste de Processamento Auditivo em quatro subtestes: teste de palavras filtradas, fala com ruído e palavras dicóticas.	Foram observados resultados estatisticamente mais baixos nos testes monoaurais, o que indica pior reconhecimento de palavras.
Shanks et al. (1976)²⁶26. Shanks J, Ryan W. A comparison of aphasic and non-brain-injured adults on a dichotic CV-syllable listening task. Cortex. 1976;12(2):100-12. https://doi.org/10.1016/s0010-9452(76)80014-7 PMID: 954446. https://doi.org/10.1016/s0010-9452(76)80...	A comparison of aphasic and non-brain-injured adults in a CV-syllable dichotic listening task	Estudo Comparativo	Uma tarefa de escuta dicótica CV-sílaba foi administrada a um grupo de 11 adultos sem lesão cerebral e a um grupo de 11 adultos afásicos, com o objetivo de comparar o desempenho dicótico dos dois grupos.	Os resultados foram analisados em termos de um modelo funcional de processamento auditivo. O déficit bilateral no desempenho dicótico do grupo afásico foi explicado pela presença de uma lesão no hemisfério esquerdo dominante.
Kumarsinha et al. (2019) ²⁷27. Sinha MK, Swain R, Thontadarya S. Temporal resolution in stroke patients with expressive aphasia. Int. J. Mind Brain Cogn. 2019;10(1):165-77.	Temporal Resolution in Stroke Patients with Expressive Aphasia	Estudo transversal	Foram distribuídos dois grupos com 10 sujeitos cada, o grupo de estudo foi formado por pacientes pós AVC e com afasia expressiva com diagnóstico fechado. Os testes realizados foram RGDT, GIN e TMTF.	Pontuações ruins foram observadas em todos os três testes para indivíduos com Afasia. Os escores dos testes variaram no número de tentativas, escore ruim foi visto para a primeira tentativa e a melhor pontuação para a segunda tentativa entre sujeitos normais e afásicos expressivos.
Mourad et al. (2017)²⁸28. Mourad M, Al-Ghaffar ABD, Bassiony MAA, Fawzi G. Value of complex evoked auditory Brainstem response in patients with post-stroke aphasia (prospective study). Egypt. J. Ear Nose Throat Allied Sci. 2017;18(3):217-21. https://doi.org/10.1016/j.ejenta.2017.05.006 https://doi.org/10.1016/j.ejenta.2017.05...	Value of complex evoked auditory brainstem response in patients withpost-stroke aphasia (prospective study)	Estudo caso-controle	O grupo de estudo incluiu 30 pacientes afásicos pós AVC e 30 indivíduos com audição sem déficit neurológico. Todos os sujeitos foram submetidos a avaliação audiológica básica e clique em Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico para confirmar a presença de onda V.	Os afásicos apresentaram sincronia neural anormal afetando os elementos fonte (ondas D, E, F e O), porém não houve efeito sobre os elementos filtrantes (transitórios). Houve relação entre o potencial evocado auditivo de tronco encefálico e o processamento cortical de fala, que estava alterado nos pacientes afásicos.
Buriti et al. (2020) ²⁹29. Buriti AKL, Mello LA, Machado BSP, Gil D. Electroacoustic and electrophysiological auditory assessment in aphasic individuals. Rev. CEFAC. 2020;22(2):e15919. https://doi.org/10.1590/1982-0216/202022215919 https://doi.org/10.1590/1982-0216/202022...	Electroacoustic and electrophysiological hearing assessment in aphasic individuals	Estudo caso-controle	Vinte indivíduos, 10 do grupo de afásicos e 10 sem lesão neurológica participaram do potencial cognitivo. Foram utilizados estímulos tonais P300 com estímulo toneburst, sendo a frequência de 1.000 Hz para o estímulo frequente e 2.000 Hz para o estímulo raro, e estímulos complexos.	No potencial eliciado com estímulo de fala, notou-se diminuição na latência no grupo afásico comparado ao grupo controle. Já na amplitude pode-se inferir que houve menos neurônios disparados sincronicamente para a formação da onda.
Zanatta et al. (2016)³⁰30. Berticelli AZ, Grotto K, Rocha V, Brandão L, Sleifer P. Estudo dos potenciais evocados auditivos de longa latência e potencial cognitivo em indivíduos afásicos. Estud. Interdiscip. Envelhec. 2016;21(3):235-50. https://doi.org/10.22456/2316-2171.80792 https://doi.org/10.22456/2316-2171.80792...	Estudo dos Potenciais Evocados Auditivos de Longa Latência e Potencial Cognitivo em Indivíduos Afásicos	Estudo transversal	Foram avaliados 17 indivíduos afásicos em decorrência de acidente vascular encefálico (AVC), por meio dos PEALL e P3. Foi realizada a pesquisa dos potenciais evocados de longa latência exógenos (complexo P1, N1 e P2) e endógenos (N2 e P3).	Dos 17 indivíduos avaliados, apenas 11 obtiveram presença das ondas P1 e N1. Com relação às latências individuais, observou-se que alguns indivíduos tiveram valores acima do indicado pela literatura, possivelmente em decorrência do AVC.
Samelli et al (2010)³¹31. Samelli AG, Mecca FFDN. Auditory training for auditory processing disorder: a proposal for therapeutic intervention Rev. CEFAC. 2010;12(2):235-41. https://doi.org/10.1590/S1516-18462010005000006 https://doi.org/10.1590/S1516-1846201000...	Treinamento Auditivo para Transtorno do Processamento Auditivo: Uma proposta de Intervenção Terapêutica	Estudo transversal	Foram incluídos 10 participantes com processamento auditivo alterado, sendo oito do sexo masculino e dois do sexo feminino. Todos foram submetidos à avaliação audiológica completa e de processamento auditivo. Após realização de 10 sessões de treinamento individual, a avaliação do processamento auditivo foi refeita.	O treinamento auditivo informal mostrou-se eficaz em parte do grupo de indivíduos com alteração de processamento, visto as diferenças significantes nas estatísticas das avaliações pré e pós-treinamento auditivo, que indicou melhoras das habilidades auditivas alteradas.
Szelag et al. (2014)³²32. Szelag E, Lewandowska M, Wolak T, Seniow J, Poniatowska R, Poppel E et al. Training in rapid auditory processing ameliorates auditory comprehension in aphasic patients: a randomized controlled pilot study. J Neurol Sci. 2014;338(1-2):77-86. https://doi.org/10.1016/j.jns.2013.12.020 PMID: 2438843. https://doi.org/10.1016/j.jns.2013.12.02...	Training in rapid auditory processing ameliorates auditory comprehension in aphasic patients: A randomized controlled pilot study	Estudo Randomizado Cego	Foram testados dezoito afásicos. Todos apresentaram déficits de compreensão auditiva evidenciados por meio do Teste de Token, Teste de discriminação de fonemas (PDT) e Teste de tempo de início da voz (VOT). Dois procedimentos de treinamento auditivo computadorizado foram aplicados: treinamento em processamento temporal (TT) e treinamento de controle não temporal (NT).	Após TT a porcentagem média de erros tendeu a ser menor do que na avaliação pré-treinamento. No Teste Voice-Onset-Time, após o TT, o melhor desempenho foi encontrado tanto na zona sonora como na surda. O TT em pacientes afásicos melhorou significativamente tanto para ordenação como para competência linguística. Em contraste, o NT não.

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