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A influência de diferentes tipos de ruídos no reconhecimento de sentenças em adultos normo-ouvintes

RESUMO

Objetivo:

analisar a percepção da fala em adultos normo-ouvintes na situação de escuta no silêncio e com diferentes tipos de ruídos.

Métodos:

participaram 40 indivíduos de ambos os gêneros, de 18 a 45 anos. Foi realizada a avaliação da percepção de fala com o teste Lista de Sentenças para o Português, sem ruído competitivo e com os ruídos: espectro de fala, babble e cocktail party. Foi utilizado modelo de regressão linear com efeitos mistos e adotado intervalo de confiança de 95%.

Resultados:

houve pior desempenho dos indivíduos com todos os ruídos em comparação a situação de escuta no silêncio. Na comparação entre os tipos de ruídos, também foi constatado diferença em todas as combinações (espectro de fala X babble, espectro de fala X cocktail party e babble X cocktail party), com pior desempenho dos indivíduos com os ruídos babble e cocktail party, respectivamente.

Conclusão:

todos os ruídos influenciaram negativamente a percepção de fala, com pior desempenho quando utilizado o ruído babble, seguido pelo cocktail party e espectro de fala.

Descritores:
Percepção da Fala; Inteligibilidade da Fala; Testes Auditivos; Ruído; Razão Sinal-Ruído; Audição; Audiologia

ABSTRACT

Objective:

to analyze speech perception in normally hearing adults when listening in silence and with different types of noise.

Methods:

40 individuals of both sexes, aged 18 to 45 years, participated in the study. Speech perception was assessed with the Lists of Sentences in Portuguese test, without a competing noise and with speech-spectrum, babble, and cocktail party noise. A mixed-effects linear regression model and the 95% confidence interval were used.

Results:

the subjects’ performance was worse in the three types of noise than in silence. When comparing the types of noise, differences were found in all combinations (speech-spectrum X babble, speech-spectrum X cocktail party, and babble X cocktail party), with a worse performance in babble, noise, followed by cocktail party.

Conclusion:

all noises negatively influenced speech perception, with a worse performance in babble, followed by cocktail party and speech-spectrum.

Keywords:
Speech Perception; Speech Intelligibility; Hearing Tests; Noise; Signal-To-Noise Ratio; Hearing; Audiology

Introdução

A percepção de fala consiste em um processo complexo pelo qual a informação sonora é processada pelo indivíduo linguisticamente11. Mendes BCA, Barzagui L. Percepção e produção da fala e deficiência auditiva. In: Bevilacqua MC, Martinez MAN, Balen SA, Pupo AC, Reis ACMB, Frota S, organizadores. Tratado de Audiologia. 1ª ed. Santos: Livraria Santos Editora LTDA; 2011. p.653-70.. É um processo que envolve diversas habilidades, capacidades e conhecimento em diferentes níveis. O indivíduo deverá identificar inicialmente o som e, em seguida, discriminá-lo conforme seu espectro, duração, características temporais, formas sequenciais e ritmo. Por fim, será necessário reconhecer, memorizar e compreender as unidades de fala dentro de determinado sistema linguístico11. Mendes BCA, Barzagui L. Percepção e produção da fala e deficiência auditiva. In: Bevilacqua MC, Martinez MAN, Balen SA, Pupo AC, Reis ACMB, Frota S, organizadores. Tratado de Audiologia. 1ª ed. Santos: Livraria Santos Editora LTDA; 2011. p.653-70.

2. Jacob RTS, Monteiro NFG, Molina SV, Bevilacqua MC, Lauris JRP, Moret ALM. Percepção da fala em crianças em situação de ruído. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2011;15(2):163-7.
-33. Magalhães LA, Cimonari PM, Novaes BCDAC. Avaliação de percepção de fala em crianças com deficiência auditiva usuárias de aparelho de amplificação sonora: a questão do instrumento e seus critérios. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(3):221-32..

A percepção de fala pode estar sujeita à influência de diversos fatores44. Ribas A, Tozi G. O teste fala no ruído ipsilateral em crianças com distúrbio de aprendizagem. Tuiuti: Ciência e Cultura. 2005;3(37):39-52.

5. Carvalho LMAD, Gonsalez ECDM, Iorio MCM. Speech perception in noise in the elderly: interactions between cognitive performance, depressive symptoms, and education. Braz. J. Otorhinolaryngol. 2017;83(2):195-200.
-66. Mattys SL, Davis MH, Bradlow AR, Scott SK. Speech recognition in adverse conditions: a review. Lang. Cogn. Process. 2012;27(7-8):953-78.. Um desses fatores são as condições ambientais em que ela ocorre. Escutar em ambientes ruidosos é uma tarefa complexa que envolve atenção, memória, conhecimento linguístico e processamento auditivo-neurofisiológico preciso do som em todas as faixas etárias77. Thompson EC, Krizman J, White-Schwoch T, Nicol T, Estabrook R, Kraus N. Neurophysiological, linguistic, and cognitive predictors of children's ability to perceive speech in noise. Dev. Cogn. Neurosci. 2019;39(1):100672.. Ambientes que apresentam ruídos intensos podem comprometer a percepção de fala, pois irão exigir uma maior concentração por parte do indivíduo, que necessitará focar sua atenção em uma informação alvo e ignorar o ruído ou a fala competitiva88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32..

Para compreender uma mensagem falada é necessário fazer a junção de pistas acústicas, linguísticas, semânticas e circunstanciais. Em ambientes favoráveis, sem presença de ruído competitivo, essas pistas encontram-se em excesso e algumas delas, inclusive, podem até ser desnecessárias para a compreensão da mensagem. Já em condições desfavoráveis, ou seja, em situação de baixa redundância, as pistas diminuem, exigindo um maior esforço e concentração por parte do indivíduo99. Gama MR. Percepção da fala: uma proposta de avaliação qualitativa. São Paulo: Pancast; 1994.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24..

Em uma avaliação audiológica, apenas a obtenção dos limiares tonais e a realização da logoaudiometria não são suficientes para mensurar de forma completa a capacidade comunicativa de uma pessoa e como ela compreende a fala em situações de escuta diária1111. Henriques MO, Costa MJ. Reconhecimento de sentenças no ruído, em campo livre, em indivíduos com e sem perda auditiva. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1040-7.,1212. Nilsson M, Soli SD, Sullivan JA. Development of the hearing in Noise Test for the measurement of speech reception thresholds in quiet and in noise. JASA.1994;95(2):1085-99.. Por essa razão, também são utilizados testes de reconhecimento de fala com ou sem ruído competitivo11. Mendes BCA, Barzagui L. Percepção e produção da fala e deficiência auditiva. In: Bevilacqua MC, Martinez MAN, Balen SA, Pupo AC, Reis ACMB, Frota S, organizadores. Tratado de Audiologia. 1ª ed. Santos: Livraria Santos Editora LTDA; 2011. p.653-70.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.

11. Henriques MO, Costa MJ. Reconhecimento de sentenças no ruído, em campo livre, em indivíduos com e sem perda auditiva. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1040-7.
-1212. Nilsson M, Soli SD, Sullivan JA. Development of the hearing in Noise Test for the measurement of speech reception thresholds in quiet and in noise. JASA.1994;95(2):1085-99.. Estes testes são utilizados, na maioria dos casos, para avaliar o desempenho dos pacientes com aparelho de amplificação sonora, implante coclear ou outros dispositivos e também para monitorar seu processo de reabilitação.

Ao se aplicar estes testes, diferentes tipos de estímulos de fala podem ser utilizados, como palavras monossilábicas e sentenças, e diferentes tipos de ruídos, como os contínuos e os de fala1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.. O teste de reconhecimento de sentenças com ruído competitivo é considerado a ferramenta mais eficaz para avaliar a percepção de fala, pois avaliam as habilidades auditivas do indivíduo em condições que se aproximam das experiencias auditivas cotidianas, retratando de forma mais fidedigna suas habilidades auditivas1111. Henriques MO, Costa MJ. Reconhecimento de sentenças no ruído, em campo livre, em indivíduos com e sem perda auditiva. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1040-7.,1313. Santos SND, Daniel RC, Costa MJ. Estudo da equivalência entre as listas de sentenças em português. Rev. CEFAC. 2009;11(4):673-80.. O teste denominado Listas de Sentenças em Português (LSP) foi o primeiro desenvolvido na língua portuguesa falada no Brasil, apresenta como estímulo de fala listas com 10 sentenças cada, com apresentação no silêncio e com ruído competitivo1111. Henriques MO, Costa MJ. Reconhecimento de sentenças no ruído, em campo livre, em indivíduos com e sem perda auditiva. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1040-7.,1313. Santos SND, Daniel RC, Costa MJ. Estudo da equivalência entre as listas de sentenças em português. Rev. CEFAC. 2009;11(4):673-80.,1414. Costa MJ. Listas de sentenças em português: apresentação e estratégias e aplicação na audiologia. Santa Maria: Pallotti; 1998..

Dentre os ruídos contínuos utilizados na avaliação da percepção de fala, o ruído branco, ou white noise, consiste em um ruído de banda larga que possui uma ampla faixa de frequências, entre 125 e 8000 Hz88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.

11. Henriques MO, Costa MJ. Reconhecimento de sentenças no ruído, em campo livre, em indivíduos com e sem perda auditiva. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1040-7.

12. Nilsson M, Soli SD, Sullivan JA. Development of the hearing in Noise Test for the measurement of speech reception thresholds in quiet and in noise. JASA.1994;95(2):1085-99.
-1313. Santos SND, Daniel RC, Costa MJ. Estudo da equivalência entre as listas de sentenças em português. Rev. CEFAC. 2009;11(4):673-80.,1515. Corteletti LCBJ. Mascaramento clínico. In: Bevilacqua MC, Martinez MAN, Balen SA, Pupo AC, Reis ACMB, Frota S, organizadores. Tratado de Audiologia. 1ª ed. Santos: Livraria Santos Editora LTDA 2011. p.101-22.

16. Mantelatto SAC. Percepção da Inteligibilidade de Fala por Sujeitos Jovens com audição normal frente à ruídos competitivos [Thesis]. Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 1998.

17. Costa MJ, Iorio MCM, Albernaz PLM, Cabral Junior EF, Magni AB. Desenvolvimento de um ruído com espectro de fala. Acta Awho. 1998;17(2):84-9.

18. Hagerman B. Sentences for testing speech intelligibility in noise. Scand Audiol. 1982;11(2):79-87.
-1919. Plomp R, Mimpen AM. Improving the reliability of testing the speech reception threshold for sentences. Audiology. 1979;18(1):43-52.. Alguns estudos também já desenvolveram outros tipos de ruídos contínuos a fim de criar um sinal competitivo que apresentasse espectro similar ao do material de fala utilizado ou produzido pelos pesquisadores em suas respectivas pesquisas1111. Henriques MO, Costa MJ. Reconhecimento de sentenças no ruído, em campo livre, em indivíduos com e sem perda auditiva. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1040-7.

12. Nilsson M, Soli SD, Sullivan JA. Development of the hearing in Noise Test for the measurement of speech reception thresholds in quiet and in noise. JASA.1994;95(2):1085-99.
-1313. Santos SND, Daniel RC, Costa MJ. Estudo da equivalência entre as listas de sentenças em português. Rev. CEFAC. 2009;11(4):673-80.,1717. Costa MJ, Iorio MCM, Albernaz PLM, Cabral Junior EF, Magni AB. Desenvolvimento de um ruído com espectro de fala. Acta Awho. 1998;17(2):84-9.

18. Hagerman B. Sentences for testing speech intelligibility in noise. Scand Audiol. 1982;11(2):79-87.
-1919. Plomp R, Mimpen AM. Improving the reliability of testing the speech reception threshold for sentences. Audiology. 1979;18(1):43-52.. Em um estudo realizado por Costa et al.2020. OMS: Organização Mundial de Saúde. Hearing impairment grades. [Homepage on the Internet] [accessed on 2017 Apr 10]. Available at: http://www.who.int/pbd/ deafness/hearing_impairment_grades/en/
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, por exemplo, um ruído contínuo com espectro de fala foi desenvolvido para ser utilizado juntamente com o teste LSP. Para isso, as autoras realizaram filtragem de um ruído branco com base no espectro da gravação das vozes de 12 pessoas pronunciando oralmente algumas sentenças do teste LSP2020. OMS: Organização Mundial de Saúde. Hearing impairment grades. [Homepage on the Internet] [accessed on 2017 Apr 10]. Available at: http://www.who.int/pbd/ deafness/hearing_impairment_grades/en/
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,2121. Costa MJ, Santos SN, Lessa AH, Mezzomo CL. Proposal for implementing the Sentence Recognition Index in individuals with hearing disorders. CoDAS. 2015;27(2):148-54..

Com relação aos ruídos de fala, destacam-se os ruídos babble e cocktail party. Os ruídos de fala, ao contrário dos contínuos, são aperiódicos, possuindo características de intensidade e frequência variáveis ao longo do tempo88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.,1616. Mantelatto SAC. Percepção da Inteligibilidade de Fala por Sujeitos Jovens com audição normal frente à ruídos competitivos [Thesis]. Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 1998.,2020. OMS: Organização Mundial de Saúde. Hearing impairment grades. [Homepage on the Internet] [accessed on 2017 Apr 10]. Available at: http://www.who.int/pbd/ deafness/hearing_impairment_grades/en/
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. O ruído denominado babble é um ruído com espectro de fala, minimamente modulado em amplitude e que consiste em um grupo de falantes conversando, de modo que as mensagens são incompreensíveis para o ouvinte1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.. Já o cocktail party trata-se de um ruído associado a uma situação de festa, contendo, portanto, tanto energia sonora da fala quanto de sons ambientais88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,1616. Mantelatto SAC. Percepção da Inteligibilidade de Fala por Sujeitos Jovens com audição normal frente à ruídos competitivos [Thesis]. Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 1998.. Em alguns estudos também são utilizados outros ruídos competitivos, como por exemplo o ruído de “cafeteria” e o ruído com modulações de amplitude88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.,1515. Corteletti LCBJ. Mascaramento clínico. In: Bevilacqua MC, Martinez MAN, Balen SA, Pupo AC, Reis ACMB, Frota S, organizadores. Tratado de Audiologia. 1ª ed. Santos: Livraria Santos Editora LTDA 2011. p.101-22..

Os ruídos de fala são mais prejudiciais para a percepção de fala em comparação aos ruídos contínuos, uma vez que geram falsas pistas e exigem maior atenção e memória por parte do indivíduo88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.. Mantelatto1616. Mantelatto SAC. Percepção da Inteligibilidade de Fala por Sujeitos Jovens com audição normal frente à ruídos competitivos [Thesis]. Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 1998. constatou pior desempenho com o ruído cocktail party em comparação ao ruído branco ao avaliar um grupo de indivíduos jovens com audição normal. Outro estudo88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32. também obteve resultado semelhante ao avaliarem a percepção de fala no silêncio e com os ruídos branco e cocktail party em três grupos de indivíduos, um composto por adultos com audição normal, outro por adultos com perda auditiva e o terceiro por idosos com perda auditiva. Os autores observaram que os sujeitos de todos os grupos apresentaram pior desempenho com o ruído cocktail party, sendo, portanto, o ruído mais efetivo para mostrar os efeitos da perda auditiva e da idade na percepção de fala. Outros estudiosos1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24. encontraram, ao investigarem a percepção de fala de escolares no silêncio e com os ruídos branco e babble, pior desempenho ao utilizarem o ruído babble. Em um estudo nacional2222. Buzo BC, Lopes JAS. Speech recognition in noise in individuals with normal hearing and tinnitus. Audiol., Commun. Res. [Journal on the Internet]. 2017 [accessed on 2021 March 10]; 22: e1693. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-64312017000100308&lng=en. Epub Apr 10, 2017. https://doi.org/10.1590/2317-6431-2016-1693.
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, os autores avaliaram a percepção de fala de indivíduos adultos normo-ouvintes com e sem queixas de zumbido, utilizando o ruído do teste LSP2020. OMS: Organização Mundial de Saúde. Hearing impairment grades. [Homepage on the Internet] [accessed on 2017 Apr 10]. Available at: http://www.who.int/pbd/ deafness/hearing_impairment_grades/en/
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, e um ruído de fala contido e calibrado no audiômetro utilizado (speech-noise - SN). Observaram que ambos os grupos com e sem queixas de zumbido apresentaram pior desempenho com o ruído de fala. Além disso, ao comparar o desempenho entre eles, constataram que apesar de os indivíduos com zumbido terem apresentado piores resultados para ambos os ruídos utilizados, essa diferença foi significante apenas ao utilizar o ruído de fala.

Apesar da maior interferência nos testes de percepção auditiva de fala dos ruídos de fala citada na literatura, ruídos contínuos com espectro baseado na lista de sentenças são pouco utilizados ao se investigar os tipos de ruídos e a influência de cada um deles na percepção de fala. O ruído contínuo mais utilizado nestes casos é o branco de espectro ampliado. Além disso, também são necessários mais estudos que investiguem os ruídos de fala a fim de compreender qual deles apresentam melhor sensibilidade para se avaliar o reconhecimento de fala, já que não existem evidências suficientes na literatura que possibilitem realizar essa dedução com total certeza44. Ribas A, Tozi G. O teste fala no ruído ipsilateral em crianças com distúrbio de aprendizagem. Tuiuti: Ciência e Cultura. 2005;3(37):39-52.,88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.,1616. Mantelatto SAC. Percepção da Inteligibilidade de Fala por Sujeitos Jovens com audição normal frente à ruídos competitivos [Thesis]. Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 1998..

O entendimento acerca dos diversos tipos de ruídos existentes e sua influência na percepção de fala podem trazer benefícios para a prática clínica ao contribuir com o estabelecimento de melhores condições de avaliação, ou seja, que possibilitem retratar de forma mais fidedigna a percepção auditiva do indivíduo, avaliando-o em condições que se assemelham às situações de escuta diária. Neste sentido, o estudo teve como objetivo analisar a percepção da fala em indivíduos adultos jovens normo-ouvintes, em situações de escuta no silêncio e com três diferentes tipos de ruído: ruído contínuo com espectro de fala, cocktail party e babble.

Métodos

Este estudo foi realizado no Centro Especializado de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, processo nº 4223/2018.

Trata-se de um estudo prospectivo, transversal comparativo. Todos os indivíduos que participaram da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participaram 40 indivíduos, de ambos os gêneros, com idades entre 18 e 45 anos, ausência de alterações cognitivas diagnosticadas e audição dentro dos padrões de normalidade2020. OMS: Organização Mundial de Saúde. Hearing impairment grades. [Homepage on the Internet] [accessed on 2017 Apr 10]. Available at: http://www.who.int/pbd/ deafness/hearing_impairment_grades/en/
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. A amostra foi de conveniência e o n amostral foi estabelecido a partir do que foi observado na literatura.

Os procedimentos realizados foram divididos em quatro etapas. A primeira consistiu em uma entrevista, cujo objetivo foi conhecer o histórico de saúde do paciente e verificar se ele atendia aos critérios de inclusão. Em seguida, foi realizada a pesquisa dos limiares auditivos por via aérea nas frequências de 250 a 8000 Hz. Por fim, foi realizada aplicação dos testes de percepção de fala com e sem ruído competitivo, com utilização de fones supraurais (TDH39), em ambiente acusticamente controlado.

Com relação à pesquisa dos limiares, o grau da perda auditiva foi obtido pela média dos limiares auditivos nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz. Foi considerada audição normal quando essa média dos limiares foi de até 25 dBNA2020. OMS: Organização Mundial de Saúde. Hearing impairment grades. [Homepage on the Internet] [accessed on 2017 Apr 10]. Available at: http://www.who.int/pbd/ deafness/hearing_impairment_grades/en/
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.

Para a avaliação da percepção de fala foi utilizado o teste Lista de Sentenças para o Português - LSP2121. Costa MJ, Santos SN, Lessa AH, Mezzomo CL. Proposal for implementing the Sentence Recognition Index in individuals with hearing disorders. CoDAS. 2015;27(2):148-54., o qual é constituído por uma lista com 25 sentenças denominada Lista 1ª2323. Costa MJ, Iorio MCM, Mangabeira-Albernaz PL. Reconhecimento de fala: desenvolvimento de uma lista de sentenças em português. Acta Awho. 1997;16(4):164-73., sete listas com dez sentenças cada denominadas 1B a 7B2424. Costa MJ. Desenvolvimento de listas de sentenças em português [Dissertation]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 1997. e um ruído contínuo com espectro de fala1717. Costa MJ, Iorio MCM, Albernaz PLM, Cabral Junior EF, Magni AB. Desenvolvimento de um ruído com espectro de fala. Acta Awho. 1998;17(2):84-9., material gravado em CD e disponibilizado pela autora.

Para a realização desta pesquisa, foram utilizadas as listas 1A, 1B, 2B, 4B e 5B e o ruído contínuo com espectro de fala do próprio CD2020. OMS: Organização Mundial de Saúde. Hearing impairment grades. [Homepage on the Internet] [accessed on 2017 Apr 10]. Available at: http://www.who.int/pbd/ deafness/hearing_impairment_grades/en/
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. A Lista 1A foi utilizada apenas para treinamento. As listas 1B (sem ruído) e 2B (com ruído) foram aplicadas conforme gravação original. As listas 4B e 5B foram extraídas do material LSP sem ruído e gravadas, em estúdio, com os diferentes ruídos, babble e cocktail party, respectivamente.

A fim de garantir qualidade da apresentação dos ruídos gravados em estúdio, após as gravações, todas as quatros listas (1B, 2B, 4B e 5B) foram analisadas por profissional especializado, utilizando os arquivos com extensão .WAV no programa PRAAT de análise acústica espectral. Foram extraídos valores médios, máximos e mínimos da frequência e da intensidade dos arquivos apresentados.

Não foram observadas diferenças significantes entre as listas após a gravação, como demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1:
Média das frequências e intensidades das 10 frases utilizadas nas gravações das quatro faixas analisadas (1B, 2B, 4B e 5B)

Inicialmente, foi realizado o teste sem ruído e, depois, com três diferentes tipos de ruídos: contínuo com espectro de fala, babble e cocktail party. A relação S/R utilizada foi de 0 dB. A primeira lista do teste foi reservada para ser realizada sem ruído e as três seguintes para serem realizadas com os ruídos contínuo com espectro de fala, cocktail party e babble.

Para eliminar a variável relacionada à ordem de apresentação das listas de sentenças com os diferentes ruídos foram apresentadas de forma randomizada entre os participantes.

Após a obtenção dos dados foi realizada análise estatística. Foi utilizado modelo de regressão linear com efeitos mistos e adotados e intervalos de confiança de 95%.

Resultados

Os três ruídos influenciaram negativamente a percepção de fala quando comparados à situação de escuta no silêncio. Houve diferença para todas as comparações possíveis em ambas as orelhas: sem ruído X ruído contínuo com espectro de fala (p=0,0001 para orelha direita e p= 0,0003 para orelha esquerda), sem ruído X ruído babble (p=0,0001 para ambas as orelhas) e sem ruído X ruído cocktail party (p=0,0001 para ambas as orelhas).

Ao comparar os resultados dos testes de fala com os ruídos entre si, houve diferença para cada uma das combinações possíveis, tanto para orelha direita quanto para a esquerda (Tabela 2).

Tabela 2:
Comparação entre os diferentes tipos de ruídos na percepção de fala, nas orelhas direita e esquerda

Também não houve diferença entre as respostas das orelhas direita e esquerda em nenhuma das situações de escuta citadas (Tabela 3).

Tabela 3:
Comparação entre as respostas das orelhas direita e esquerda ao teste de percepção de fala sem ruído e com os ruídos contínuo com espectro de fala, babble e cocktail party

Não foi constatado diferença em relação à idade em nenhuma das quatro situações de escuta, ou seja, sem ruído, com ruído contínuo com espectro de fala, babble e cocktail party (Tabela 4).

Tabela 4:
Influência da idade nos resultados do teste de percepção de fala com os ruídos contínuo com espectro de fala, babble e cocktail party, para as orelhas direita e esquerda

Ao comparar os resultados do teste quanto ao gênero, foi constatado maior média de acertos de indivíduos do gênero feminino em todas as situações de escuta com ruído. No entanto, essa diferença foi significante apenas com o ruído babble para ambas as orelhas e com os ruídos contínuo com espectro de fala e cocktail party na orelha esquerda (Tabela 5).

Tabela 5:
Influência do gênero nos resultados do teste de percepção de fala com os ruídos contínuo com espectro de fala, babble e cocktail party, para as orelhas direita e esquerda

Discussão

Todos os ruídos influenciaram negativamente a percepção de fala em comparação com a situação de escuta no silêncio. Além disso, houve pior desempenho dos indivíduos com ruído babble, seguido pelos ruídos cocktail party e contínuo com espectro de fala (Tabela 2).

Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo realizado por Kawasaki e colaboradores1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24., que avaliaram a percepção de fala de escolares no silêncio e com os ruídos branco e babble. Ao final, as autoras concluíram que houve pior desempenho dos indivíduos com o ruído babble.

Caporali e Silva88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32. avaliaram os efeitos da idade e da perda auditiva na percepção de fala em um grupo de adultos e idosos. Para isso, os autores avaliaram a percepção de fala dos indivíduos nas situações de escuta no silêncio e com os ruídos branco de espectro ampliado e cocktail party. Ao final, constataram que o ruído de fala apresentou maior sensibilidade para mostrar os efeitos da perda auditiva e da idade na percepção de fala.

Outro estudo, realizado por Mantelatto1616. Mantelatto SAC. Percepção da Inteligibilidade de Fala por Sujeitos Jovens com audição normal frente à ruídos competitivos [Thesis]. Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 1998., comparou os resultados do Índice de Reconhecimento de Fala na presença dos ruídos branco e cocktail party e também obteve os mesmos resultados. O teste foi aplicado em indivíduos jovens com audição normal e foi verificado, dos dois ruídos testados, uma maior interferência do ruído cocktail party na inteligibilidade de fala.

O pior desempenho dos indivíduos com os ruídos de fala babble e coktail party pode ser explicado pelas características psicoacústicas dos ruídos utilizados uma vez que propiciam uma condição de escuta mais difícil em relação ao ruído contínuo, possivelmente por apresentarem espectro de fala, modulação de amplitude e ocorrem de forma irregular1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.. Além disso, ruídos que possuem espectro mais agudo podem mascarar alguns fonemas desta faixa de frequência, como os fricativos e plosivos, prejudicando a compreensão da fala88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,2525. Cielo CA, Casarin MT. Sons fricativos surdos. Rev. CEFAC. 2008;10(3):352-8.. Isso pode explicar o pior desempenho dos indivíduos quando utilizado o ruído babble, uma vez que este ruído apresenta frequências mais elevadas em seu espectro em comparação ao ruído cocktail party (Tabela 1).

A importância das frequências altas para a percepção de fala tem sido demonstrada desde a década de 502626. Fletcher H. Speech and hearing communication. New Jersey: D.Van Nostrand; 1953.

27. Behlau M, Russo ICP. Percepção da fala: análise acústica. São Paulo: Lovise; 1993.
-2828. Pereira LD, Schochat E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997.. Um estudo, por exemplo, investigou a porcentagem de concentração da energia da fala em cada região da banda de oitava e a porcentagem de contribuição de cada uma dessas regiões para inteligibilidade de fala2626. Fletcher H. Speech and hearing communication. New Jersey: D.Van Nostrand; 1953.. Foi verificado que as frequências baixas, inferiores a 500 Hz, concentram 60% da energia da fala e contribuem com apenas 5% de inteligibilidade, ao passo que as frequências altas, acima de 1000 Hz, concentram apenas 5% da energia da fala, entretanto, contribuem com 60% da inteligibilidade de fala. Desta forma, a inaudibilidade desses sons podem gerar dificuldades em perceber a fala em níveis de conversação, uma vez que a acuidade auditiva para fonemas agudos, tais como os plosivos e fricativos, estará prejudicada. Além disso, essa inaudibilidade também podem acarretar em dificuldades de diferenciar sons vocalizados de não vocalizados, prejudicando ainda mais a percepção de fala em ambientes ruidosos em razão da presença de sons ambientais que ocorrem simultaneamente ao estímulo alvo2929. Mukari SZMS, Yusof Y, Ishak WS, Maamor N, Chellapan K, Dzulkifli MA. Contribuições relativas das funções auditivas e cognitivas no reconhecimento da fala no silêncio e no ruído entre idosos. Braz. J. Otorhinolaryngol. 2010;86(2):149-56..

Além das características psicoacústicas do ruído, há de se considerar o processamento do estímulo pelo sistema auditivo na condição de escuta na presença de diferentes ruídos, que também podem justificar o pior desempenho com os ruídos de fala. Em ambientes ruidosos, as habilidades necessárias para a percepção de fala irão variar conforme o ruído utilizado. No caso dos ruídos contínuos, a habilidade mais utilizada é a de fechamento auditivo, ao passo que para os de fala é a de figura-fundo, apesar de também exigirem o fechamento auditivo3030. Santos LMD, Lemos SMA, Rothe-Neves R. Perceptual confusions among consonants in Brazilian Portuguese as a function of noise. Audiol., Commun. Res. 2014;19(2):145-52..

O pior desempenho dos indivíduos de reconhecimento de sentenças com os ruídos de fala também pode estar relacionado às pistas acústicas, linguísticas, semânticas e circunstanciais necessárias para a percepção de fala. Quando a escuta ocorre em condições desfavoráveis, como por exemplo em ambientes ruidosos, essas pistas diminuem, tornando este processo ainda mais difícil para o ouvinte. No caso específico dos ruídos de fala a situação é ainda pior, pois além da falta de pistas, o murmúrio de fala contido nesses ruídos também gera falsas pistas que aumentam ainda mais a necessidade de atenção e memória necessárias para a compreensão da fala88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.. Isso confirma os resultados obtidos neste estudo, já que os indivíduos apresentaram pior desempenho com os ruídos babble e cocktail party (Tabela 2).

No caso específico das pistas acústicas, os ouvintes podem usá-las para diferenciar as vozes do estímulo alvo das que estão presentes no ruído. As pistas acústicas se referem às características acústicas de um estímulo, como frequência, intensidade e duração. Portanto, quando o estímulo alvo e o ruído apresentam frequências próximas, tais pistas diminuem e a demanda de atenção é aumentada, prejudicando a percepção de fala11. Mendes BCA, Barzagui L. Percepção e produção da fala e deficiência auditiva. In: Bevilacqua MC, Martinez MAN, Balen SA, Pupo AC, Reis ACMB, Frota S, organizadores. Tratado de Audiologia. 1ª ed. Santos: Livraria Santos Editora LTDA; 2011. p.653-70.,88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.,3131. Coffey EBJ, Mogilever NB, Zatorre RJ. Speech-in-noise perception in musicians: a review. Hear Res. 2017;352:49-69.,3232. Yates KM, Moore DR, Amitay S, Barry JG. Sensitivity to melody, rhythm, and beat in supporting speech-in-noise perception in young adults. Ear Hear. 2019;40(2):358-67.. Isso pode explicar o pior desempenho dos indivíduos desta pesquisa com o ruído babble, visto que ele apresentou média de frequência mais próxima ao estímulo de fala em comparação ao ruído cocktail party (Tabelas 1 e 2).

Considerando o processamento da informação pelo sistema auditivo como uma variável, optou-se por verificar se havia diferença de respostas entre as orelhas. A análise dos dados revelou ausência de diferença entre as respostas das orelhas direita e esquerda em todas as situações de escuta. Esse resultado pode ter sido influenciado, neste estudo, pelo critério de elegibilidade dos sujeitos, uma vez que foi estabelecido como critério de inclusão audição dentro dos padrões de normalidade, sem diferenças importantes entre os limiares das duas orelhas; e também pelo fato de não terem apresentado preferência de escuta por uma das orelhas quando questionados, durante a entrevista inicial, pelo avaliador nem tão pouco queixas ou antecedentes de dificuldades de escuta.

Resultados semelhantes foram encontrados em Kawasaki e colaboradores1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24. e por Spyridakou e colaboradores3333. Spyridakou C, Rosen S, Dritsakis G, Bamiou DE. Adult normative data for the speech in babble (SiB) test. Int. J. Audiol. 2020;59(1):33-8.. Nestes estudos não foram constatadas diferença entre o desempenho das duas orelhas em nenhuma das situações de escuta da pesquisa. Entretanto, no estudo de Caporali e Silva88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32., os pesquisadores encontraram diferença entre as respostas das duas orelhas em todos os indivíduos avaliados.

Em relação à variável idade, não foi encontrado diferença em nenhuma das situações de escuta e em nenhuma das orelhas avaliadas (Tabelas 3 e 4). Esse resultado pode ser justificado em razão da faixa etária estabelecida nos critérios de inclusão, a fim de garantir a não interferência do processo de maturação das vias auditivas e do fator do declínio do processamento auditivo em decorrência do aumento da idade3434. Leibold LJ. Speech perception in complex acoustic environments: developmental effects. J Speech Lang Hear Res. 2017;60(10):3001-8.

35. Lawrence BJ, Jayakody DMP, Henshaw H, Ferguson MA, Eikelboom RH, Loftus AM et al. Auditory and cognitive training for cognition in adults with hearing loss: a systematic review and meta-analysis. Trends Hear. 2018;22: 2331216518792096.
-3636. Kopper H, Teixeira AR, Dorneles S. Desempenho cognitivo em um grupo de idosos: influência de audição, idade, sexo e escolaridade. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2009;13(1):39-43..

Na literatura, os achados quanto à influência da idade variam em muitos casos. No estudo realizado por Kawasaki e colaboradores1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24., citado anteriormente, a análise dos dados revelou que a faixa etária das crianças não influenciou nos resultados do teste em nenhuma das condições com e sem ruído. Entretanto, Caporali e Silva88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32. encontraram diferença com relação a idade ao utilizar o ruído cocktail party, com pior desempenho para indivíduos com idade mais avançada, o que de certa forma corrobora com os achados de literatura em relação à audição de idosos.

Ao analisar a variável gênero (Tabela 5), houve melhor desempenho do gênero feminino em relação ao masculino quando utilizado o ruído babble, tanto para a orelha direita (p=0,0332) como para a esquerda (p=0,0174), e com os ruídos contínuo com espectro de fala e cocktail party, na orelha esquerda (p=0,0323 e p=0,0066, respectivamente). Não foi encontrado na literatura estudos semelhantes, analisando as variáveis gênero e orelhas avaliadas. Como no estudo em que os autores avaliaram a percepção de fala com ruído babble em 40 mulheres e 29 homens com audição normal e não encontraram diferença entres os gêneros, ao contrário dos resultados do presente estudo3333. Spyridakou C, Rosen S, Dritsakis G, Bamiou DE. Adult normative data for the speech in babble (SiB) test. Int. J. Audiol. 2020;59(1):33-8..

Quanto ao objetivo principal do estudo, que foi investigar a influência de diferentes tipos de ruído na percepção de fala, os resultados obtidos corroboram com aqueles encontrados na literatura, os quais convergem para uma maior influência exercida pelos ruídos que apresentam espectro de fala. Isso foi muito bem evidenciado nos estudos citados anteriormente, em que os ruídos cocktail party e babble mostraram ser mais prejudiciais para reconhecimento de fala quando comparados ao ruído branco44. Ribas A, Tozi G. O teste fala no ruído ipsilateral em crianças com distúrbio de aprendizagem. Tuiuti: Ciência e Cultura. 2005;3(37):39-52.,88. Caporali SA, Silva JAD. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.,1010. Kawasaki TH, Silva TGC, Queiroz DS, Branco-Barreiro FCA. Comparação da inteligibilidade de fala de escolares na presença de ruído branco e de burburinho. Rev. Equilíbrio Corporal Saúde. 2011;3(1):16-24.,1616. Mantelatto SAC. Percepção da Inteligibilidade de Fala por Sujeitos Jovens com audição normal frente à ruídos competitivos [Thesis]. Ribeirão Preto (SP): Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo; 1998..

A contribuição em utilizar normatização da percepção de fala no ruído que apresenta espectro de fala, como foi abordado nesse estudo, pode ser apropriada para diferenciar alterações neurológicas do comprometimento do processamento auditivo central. Outra possível aplicação desses resultados é a utilização em testes de baixa redundância do processamento auditivo central3737. Chermak GD, Bamiou DE, Iliadou V, Musiek FE. Practical guidelines to minimise language and cognitive confounds in the diagnosis of CAPD: a brief tutorial. Int. J. Audiol. 2017;56(7):499-506..

Por fim, é importante ressaltar a dificuldade encontrada neste estudo em obter na literatura informações que permitissem comparar a influência exercida na percepção por ruídos que apresentassem espectro de fala como característica em comum, assim como dados que pudessem justificar a melhor sensibilidade apresentada por um ruído de fala específico em relação aos demais. O que se observou na literatura foi uma tendência de pesquisas comparando os ruídos contínuos e de fala e seus efeitos produzidos no processo de reconhecimento.

Conclusão

O tipo de ruído utilizado exerceu influência sobre os resultados do teste de percepção de fala. Entre os três ruídos estudados, os indivíduos apresentaram pior desempenho com o ruído babble, seguido pelo cocktail party e, por fim, pelo ruído contínuo com espectro de fala.

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  • Trabalho realizado no Centro Especializado em Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2021
  • Aceito
    05 Ago 2021
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