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Fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional - prática interdisciplinar nos distúrbios da comunicação humana

RESUMO

Objetivo:

identificar, na percepção de fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais da região sul do Brasil, como se desenvolve o tema da interdisciplinaridade na saúde e nos Distúrbios da Comunicação Humana.

Métodos:

estudo transversal de abordagem quali-quantitativa, de investigação exploratório-descritiva. A coleta dos dados se deu por meio de questionários autoaplicáveis específicos para cada área profissional. Para análise dos dados utilizou-se a análise descritiva das variáveis, o Teste do qui-quadrado de Pearson e a análise de conteúdo.

Resultados:

mostraram que os participantes do estudo reconhecem a importância da interdisciplinaridade na área, porém nem todos realizam ações de caráter interdisciplinar no seu cotidiano de trabalho. Isso acontece pela falta de profissionais da área nos locais de trabalho, mas também pelo desconhecimento sobre as atribuições de algumas profissões. Em relação à importância da interdisciplinaridade no cuidado aos Distúrbios da Comunicação Humana observou-se que os profissionais reconhecem que os sujeitos atendidos tanto pela Fisioterapia, pela Fonoaudiologia e pela Terapia Ocupacional necessitam de uma visão integral e não apenas do olhar sobre sua doença.

Conclusão:

fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais são esclarecidos sobre a importância da interdisciplinaridade nos cuidados aos Distúrbios da Comunicação humana, porém as práticas interdisciplinares ainda não são recorrentes nos locais de trabalho.

Descritores:
Fisioterapia (Especialidade); Fonoaudiologia; Terapia Ocupacional; Transtornos da Comunicação; Relações Interprofissionais

ABSTRACT

Purpose:

to identify, in the perception of physical therapists, speech therapists and occupational therapists of southern Brazil, how the theme of interdisciplinarity in health and Human Communication Disorders is developed.

Methods:

cross-sectional study of the qualitative and quantitative, exploratory and descriptive approach. Data collection was through self-administered questionnaires specific to each professional area. Data analysis used the descriptive analysis of the variables, Pearson's chi-square test and content analysis

Results:

they showed that study participants recognize the importance of interdisciplinarity in the area, but not all perform interdisciplinary actions in their daily work. This is due to the lack of professionals in the workplace, but also owing to the lack of knowledge on the duties of some professions. Regarding the importance of interdisciplinarity in the care of human communication disorders it was observed that professionals recognize that subjects attended both by physical therapy, speech therapy and by the occupational therapy require a comprehensive view and not just the attention on their illness.

Conclusion:

physiotherapists, speech therapists and occupational therapists are informed about the importance of interdisciplinarity in the care of disorders of human communication disorders, but the interdisciplinary practices are still not recurrent in the workplace.

Keywords:
Physiotherapy (Specialty); Speech, Language and Hearing Sciences; Occupational Therapy; Communication Disorders; Interprofessional Relations

Introdução

A saúde é constituída no modo de viver de cada um apresentando diferenças que vão depender das marcas sociais, culturais, familiares, das crenças e experiências políticas, levando em consideração as dimensões social, biológica e ético-política da vida11. Capazzolo AA, Casetto SJ, Imbrizi JM, Henz AO, Kinoshita RT, Queiroz MFF. Narrativas na formação comum de profissionais de saúde. Trab. Educ. Saúde. 2014;12(2):443-56..

Com o objetivo de contemplar todas as dimensões da vida e não apenas levar em consideração as deficiências e as doenças, é que surge a necessidade de se constituírem equipes de saúde dedicadas ao cuidado na área. Tendo em vista essa acepção, se vê necessária a atenção de profissionais que se dedicam a reabilitação, como fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais para que se proporcione uma melhoria na qualidade de vida, bem como o desenvolvimento integral e a inserção social destes sujeitos. Como se observa uma especialidade não conseguiria cuidar de todos os âmbitos da vida isoladamente necessitando da atenção de mais de um profissional para garantir o cuidado integral de pessoas acometidas por deficiências. Assim, vê-se a importância de se constituírem equipes interdisciplinares que tenham como objetivo proporcionar um cuidado integral aos sujeitos atendidos levando em consideração os aspectos biopsicossociais desses. A integralidade, por sua vez, abrange ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação, além de propor a articulação de todos os níveis de assistência e de negar a fragmentação do cuidado em saúde propondo ações interdisciplinares para evitar essa fragmentação 22. Silva RVGO, Ramos FRS. Integralidade em saúde: revisão de literatura. Ciênc., Cuid. Saúde. 2010;9(3):593-601,33. Santos RNLC, Ribeiro KSQS, Anjos UU, Farias DN, Lucena EMF. Integralidade e Interdisciplinaridade na Formação de estudantes de Medicina. Rev. bras. educ. méd. 2015;39(3):378-87..

Com a intervenção de equipes constituídas por mais de uma especialidade se torna mais acessível o cuidado pautado na promoção, prevenção e recuperação que leve em consideração todos os aspectos do sujeito e não apenas a doença.

A interdisciplinaridade começa a ser pesquisada no Brasil com Hilton Japiassu, em meados de 196044. Trindade DF. Interdisciplinaridade: um novo olhar sobra as ciências. In: O que é interdisciplinaridade? Ivani Fazenda (org.) - 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2013.. Ele trouxe que a interdisciplinaridade no país tratava-se apenas de um modismo, fato que não acontecia da mesma forma fora do Brasil. Países europeus e os Estados Unidos da América viviam, na época, uma intensificação da busca pela metodologia interdisciplinar causada, segundo Japiassu, pela fragmentação do saber acarretada pelo aumento das especializações55. Japiassu H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago editora LTDA, 1976..

Japiassu55. Japiassu H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago editora LTDA, 1976. diz que a interdisciplinaridade deve ser objeto de reflexão a partir do momento em que se percebe uma fragmentação das disciplinas e do saber. Para ele, a interdisciplinaridade é uma “concepção nova da partilha do saber em disciplinas e de suas inter-relações55. Japiassu H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago editora LTDA, 1976. (p. 42)”.

Não se pode confundir a prática interdisciplinar com outras práticas que envolvem mais de uma disciplina, como a multidisciplinaridade, a pluridisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Multidisciplinaridade é uma reunião de disciplinas em torno de um aspecto comum, mas sem articulação entre elas66. Miranda RG. Da interdisciplinaridade. In: O que é interdisciplinaridade? Ivani Fazenda (org.) - 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2013.; Pluridisciplinaridade é a relação complementar entre disciplinas semelhantes77. Zabala A. Enfoque globalizador e pensamento complexo. Porto Alegre: Artmed, 2002.; e já a transdisciplinaridade, a qual se aproxima mais da interdisciplinaridade, é conceituada como uma inter-relação entre as disciplinas que pode ultrapassar as particularidade de cada uma e constituir uma “autonomia teórica e metodológica perante as disciplinas que o originaram”88. Almeida Filho N. Multiculturalismo e inter/transdisciplinaridade na universidade nova. In: Santos DN, Killinger CL Aprender fazendo: a interdisciplinaridade na formação em saúde coletiva. Salvador: EDUFBA, 2011. (p. 60).

A ênfase no cuidado interdisciplinar surge na área da saúde no momento em que o modelo biomédico se torna insuficiente para responder as necessidades advindas da população as quais podem estar relacionadas a fatores sociais e econômicos 99. Furlan PG, Campos IO, Meneses KVP, Ribeiro HM, Rodrigues LMM. A formação profissional de terapeutas ocupacionais e o curso de graduação da Universidade de Brasília, Faculdade de Ceilândia. Cad. Ter. Ocup. UFSCar. 2014;22(1):109-19.,1010. Gattás MLB. Interdisciplinaridade em cursos de graduação na área de saúde da universidade de Uberaba-Uniube [tese de doutorado]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem da USP; 2005. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22131/tde-20062005-083314/pt-br.php Acessado em 07 de março de 2016 às 10h 35 min.. Percebe-se a necessidade de desconstruir a prática pautada no corriqueiro e tarefeiro das formações e se propor conversas entre disciplinas que venham a se concretizar na prática e não apenas na aquisição de conhecimento44. Trindade DF. Interdisciplinaridade: um novo olhar sobra as ciências. In: O que é interdisciplinaridade? Ivani Fazenda (org.) - 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2013..

A legislação do Sistema Único de Saúde (SUS) também acaba impulsionando a interdisciplinaridade na prática em saúde por apresentar em suas disposições aspectos que pedem o cuidado interdisciplinar na área. A integralidade da assistência é um dos princípios trazidos pela Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 e que mostra a necessidade da interdisciplinaridade a partir do momento que é conceituada como um “conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema”1111. BRASIL. Ministério da Saúde. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, 1990. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm Acessado em 04 de março de 2016 às 16h25min.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/le...
(p. 03). Percebe-se com este conceito que a integralidade pressupõe um conjunto de ações e serviços que perpassam o cuidado em saúde em todos os níveis de complexidade, da promoção à reabilitação e a cura com especificações que para serem garantidas necessitarão de mais de um profissional atuante.

Ainda pode-se destacar a portaria nº 2.488 de 21 de outubro de 2011 que aprova a “Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) (p.01)”, onde é destacada a necessidade de um trabalho realizado em equipe e que possibilite o cuidado integral dos usuários do sistema. Além disso, a portaria traz que as ações devem ser compartilhadas por meio de um processo interdisciplinar no qual possa ser realizado um trabalho em equipe e nos quais os núcleos profissionais possam integrar áreas técnicas e diferentes formações para enriquecer o campo comum e, assim, ampliar a capacidade de cuidado1212. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.488 de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). 2011. Disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html Acessado em 04 de março de 2016 às 16h40min.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
. Sendo assim, a partir dos princípios e diretrizes da legislação do SUS e da decadência do modelo biomédico percebe-se a necessidade de sensibilizar os profissionais de saúde para um olhar interdisciplinar que garanta a integralidade do cuidado na área. A interdisciplinaridade surge então, como um caminho para melhor se compreender a complexidade do ser humano e para que se tenha uma visão articulada dele com o seu meio natural, para que assim seja possível construir e transformar esse meio 44. Trindade DF. Interdisciplinaridade: um novo olhar sobra as ciências. In: O que é interdisciplinaridade? Ivani Fazenda (org.) - 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2013.,99. Furlan PG, Campos IO, Meneses KVP, Ribeiro HM, Rodrigues LMM. A formação profissional de terapeutas ocupacionais e o curso de graduação da Universidade de Brasília, Faculdade de Ceilândia. Cad. Ter. Ocup. UFSCar. 2014;22(1):109-19..

A interdisciplinaridade se vê como fundamental também na área dos Distúrbios da Comunicação Humana, pois como se sabe, a comunicação é fundamental para a vida em sociedade, bem como para o estabelecimento de relações individuais. É por meio dela que se compartilha mensagens, ideias, sentimentos e emoções que poderão influenciar na relação com outras pessoas as quais levarão em consideração suas crenças, seus valores, sua história de vida e sua cultura1313. Silva LMG, Brasil VV, Guimarães HCQCP, Savonitti BHRA, Silva MJP. Comunicação não-verbal: reflexões acerca da linguagem corporal. Rev.latino-am.enfermagem. 2000;8(4):52-8..

Gatto e colaboradores1414. Gatto CI, Tochetto TM. Deficiência Auditiva Infantil: Implicações e Soluções. Rev. CEFAC. 2007;9(1):110-5., consideram que a linguagem desempenha um papel excepcional na organização, recepção e estruturação de informações, além de influenciar na aprendizagem a interação social. A comunicação apresenta características que se desenvolvem ao longo de toda a vida e o domínio de suas habilidades e expressões, sejam elas verbais ou não verbais, influenciam diretamente na relação com o meio em que estamos inseridos1515. Goulart BNG, Chiari BM. Comunicação Humana e Saúde da Criança - reflexão sobre a promoção da saúde na infância e prevenção de distúrbios fonoaudiológicos. Rev. CEFAC. 2011;14(4):691-6..

Quando ocorre um distúrbio na comunicação, seja, por exemplo, na voz, na fala, na leitura ou na escrita, ele estará relacionado com os aspectos socioculturais e demográficos sendo que esses devem ser levados em consideração no momento do diagnóstico e no levantamento de informações a respeito do sujeito atendido1515. Goulart BNG, Chiari BM. Comunicação Humana e Saúde da Criança - reflexão sobre a promoção da saúde na infância e prevenção de distúrbios fonoaudiológicos. Rev. CEFAC. 2011;14(4):691-6.. Os Distúrbios da Comunicação Humana são referência do campo de estudo da Fonoaudiologia, porém levando em consideração a abrangência da vida dos sujeitos atendidos e a necessidade de um cuidado integral outros profissionais, como fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais poderão contribuir para garantir a efetivação da habilitação ou reabilitação desses sujeitos. Sendo assim, compreende-se a necessidade dos profissionais dessas áreas se conhecerem e de reconhecerem a importância de um trabalho interdisciplinar em reabilitação que garanta a integralidade no cuidado dos sujeitos atendidos.

Em vista dessas acepções, este estudo busca analisar o conhecimento de fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais sobre a interdisciplinaridade no cuidado em saúde e sobre as atribuições entre si. Além disso, busca discutir como acontece na prática profissional a interdisciplinaridade entre esses profissionais e como eles reconhecem a importância desta prática no cuidado aos Distúrbios da Comunicação Humana.

Métodos

Este estudo é de abordagem qualitativa e quantitativa tendo em vista os instrumentos escolhidos para coleta e análise dos dados os quais foram de investigação exploratório-descritiva. Foram incluídos no estudo fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais da região sul do Brasil que possuíam registro nos respectivos conselhos profissionais, sendo excluídos aqueles que não pertenciam a esta região ou não possuíam registro no Conselho profissional. Participaram deste estudo 142 fisioterapeutas, 59 fonoaudiólogos e 60 terapeutas ocupacionais, da região sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), devidamente registrados nos conselhos regulamentadores de cada profissão. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) sob o parecer nº 1.040.223 e todos os participantes concordaram com o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido).

Coleta dos Dados

A coleta dos dados se deu por meio de questionários autoaplicáveis disponíveis online na ferramenta Google Docs Offline®, no período de maio a outubro de 2015. Foi disponibilizado um questionário para fisioterapeutas (17 questões), outro para fonoaudiólogos (17 questões) e outro para terapeutas ocupacionais (17 questões) contendo questões referentes à Instituição de trabalho; atuação profissional e a prática com outras especialidades; caracterização das especialidades estudadas; caracterização do trabalho interdisciplinar; preparação para realizar encaminhamentos para outras especialidades e sobre a contribuição da interdisciplinaridade nos Distúrbios da Comunicação Humana. A fim de convidar os sujeitos para participarem da pesquisa foi estabelecido contato com os conselhos profissionais específicos de cada profissão e da região sul (CREFITOs e CREFONOs) pesquisada solicitando que esses encaminhassem os questionários aos profissionais com registro.

Análise dos Dados

Os dados quantitativos foram analisados utilizando o programa Statitstica 9.1.por meio da análise descritiva dos dados com média e desvio padrão e ainda aplicado o Teste de associação Qui-quadrado de Pearson, para avaliar a significância dos dados e cruzamentos realizados (“p” valor considerado ≤ 0,05). Já os dados qualitativos foram analisados por meio da análise de conteúdo1616. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70 Ltda, 1977..

Resultados

A pesquisa contou com a participação de 142 fisioterapeutas de um total de 380 na região sul do Brasil, 59 fonoaudiólogos de um total de 360 na região sul do Brasil e 60 terapeutas ocupacionais de um total de 317 na região sul do Brasil.

Tabela 1:
Caracterização da amostra quanto a formação, a idade e o sexo

Dos fisioterapeutas participantes na pesquisa, 76% não atuam com terapeutas ocupacionais. Dos que atuam em instituição pública apenas 34% têm contato com esse profissional e dos que atuam em instituição privada apenas 16,05%, apresentando significância o tipo de instituição onde se atua e a relação de fisioterapeutas com terapeutas ocupacionais (p = 0,014).

Figura 1:
Distribuição relativa de fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais que atuam com fisioterapeutas em Instituições públicas ou privadas

Quanto à relação dos fisioterapeutas participantes com fonoaudiólogos 56% não atuam profissionalmente com essa classe. Dos fisioterapeutas que trabalham em instituição privada 68% responderam ter contato com fonoaudiólogos no trabalho, diferentemente dos que atuam em instituição pública onde apenas 32,10% possuem esse contato. Isso também mostra uma associação significativa entre o tipo de instituição onde se trabalha e o contato profissional entre fisioterapeutas e fonoaudiólogos (p = 0,00006) (Figura 1).

Quando os fisioterapeutas foram questionados sobre a preparação para identificar quando há necessidade do cuidado de outra especialidade e sobre a preparação para realizar os encaminhamentos, 76,67% dos fisioterapeutas que atuam com terapeutas ocupacionais disseram que se sentem preparados para realizar a identificação e o encaminhamento, diferentemente dos que não atuam dos quais apenas 57,41% se sentem preparados, apresentando significância estatística (p = 0,00096). Já em relação aos fonoaudiólogos, 81,67% dos fisioterapeutas que atuam com esse profissional disseram se sentir preparados para identificar e realizar encaminhamentos para ele sendo que 73,75% dos que não trabalham com fonoaudiólogos disseram também se sentirem preparados (p = 0,0879).

Os resultados dos questionários respondidos por fonoaudiólogos mostraram que apenas 30,5% deles atuam com terapeutas ocupacionais e 59% com fisioterapeutas. Entre os fonoaudiólogos pesquisados 61,54% dos que trabalham em instituição pública e 71,43% dos que trabalham em instituição privada não possuem contato com terapeutas ocupacionais (p = 0,44). Em contrapartida, 69,23% dos que trabalham em instituições públicas e 53,57% dos que trabalham em instituições privadas possuem contato com fisioterapeutas (p = 0,238).

Figura 2:
Distribuição relativa de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais que atuam com fonoaudiólogos em Instituições públicas ou privadas

Quando os fonoaudiólogos foram questionados sobre a preparação para identificar quando há necessidade do cuidado de outra especialidade 72,22% dos que atuam com terapeutas ocupacionais se sentem preparados para encaminhar e 45,95% dos que não atuam (p = 0,0663). Já em relação aos fisioterapeutas, 97,14% dos fonoaudiólogos que atuam com esse profissional e 76,19% dos que não atuam se sentem preparados para identificar a necessidade e realizar o encaminhamento para o profissional, mostrando associação significativa neste aspecto (p = 0,0141).

Com relação aos terapeutas ocupacionais participantes, 50% deles atuam com fonoaudiólogos e 68,33% atuam com fisioterapeutas. Dos terapeutas ocupacionais 66,67% dos que trabalham em instituições públicas tem contato com fisioterapeutas e 75% dos que trabalham em instituições privadas também (p=0,805). Quanto à relação com fonoaudiólogos, 53,86% dos terapeutas ocupacionais que trabalham em instituições públicas não tem contato com esse profissional diferentemente dos que atuam em instituições privadas onde 60% atuam juntamente com esse profissional (p = 0,602).

Figura 3:
Distribuição relativa de fisioterapeutas e fonoaudiólogos que atuam com terapeutas ocupacionais em Instituições públicas ou privadas

Quando os terapeutas ocupacionais foram questionados sobre a preparação para identificar e encaminhar pacientes para outro profissional de reabilitação, 100% dos que atuam com fonoaudiólogos e 86,21% dos que não atuam disseram se sentir preparados para identificar a necessidade dessa especialidade e encaminhar, mostrando uma associação significativa entre atuação conjunta, identificação e encaminhamento (p = 0,0351). Dos que atuam com fisioterapeutas 97,56% disseram se sentir preparados para identificar a necessidade desse profissional e realizar encaminhamento sendo a mesma porcentagem para os que não atuam.

Em relação às respostas das questões abertas dos questionários foi possível observar que a maioria dos fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais conseguiram caracterizar o trabalho interdisciplinar, porém muitas vezes foram citadas situações práticas onde a interdisciplinaridade acontece ao invés de ser realizada uma caracterização da mesma. No questionário respondido por fisioterapeutas e fonoaudiólogos, quando questionados sobre a caracterização da função do terapeuta ocupacional alguns reconheceram não conhecer o trabalho deste profissional ao passo que outros descreveram aspectos da prática do terapeuta ocupacional. No questionário respondido por fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais quando questionados sobre a caracterização da função do fisioterapeuta todos que responderam conseguiram caracterizar algumas ações da função do fisioterapeuta, mas nem todos descreveram todas as possibilidades da profissão. No questionário respondido por fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais quando questionados sobre a caracterização da função fonoaudiólogo todos que responderam citaram algumas áreas de atuação desse profissional, porém não foram abordadas todas as possibilidades de atuação.

A última questão, presente nos três questionários (questionário para fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais) investigou os profissionais sobre qual a contribuição do trabalho interdisciplinar na área dos Distúrbios da Comunicação Humana, a maioria considerou importante, porém alguns não argumentaram sobre o porquê desse trabalho ser relevante.

Com base nas respostas, a partir da análise de conteúdo foi realizada uma categorização, as quais serão discutidas individualmente;

  1. Atribuições dos profissionais dedicados à reabilitação;

  2. Caracterização do trabalho interdisciplinar pelos profissionais de reabilitação;

  3. A importância da interdisciplinaridade na área dos Distúrbios da Comunicação Humana.

Discussão

Este estudo buscou conhecer como se desenvolve a interdisciplinaridade na prática dos profissionais de reabilitação em saúde e também na ênfase aos cuidados dos distúrbios da comunicação humana. Foi possível observar que a maioria dos profissionais participantes eram mulheres. Atualmente, têm se percebido a crescente participação das mulheres nas profissões que se dedicam aos cuidados em saúde. Existe um processo de feminização na área que mostra que as mulheres vêm se dedicado mais as profissões que objetivam o cuidado em saúde do que os homens.

Esse fenômeno é observado, principalmente, na medicina e na odontologia, pois eram profissões onde existia uma prevalência masculina. Porém, em outras profissões da área da saúde também se pode observar um maior número de mulheres, como na Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional 1717. Matos IB, Toassi RFCT, Oliveira MC. Profissões e Ocupações de saúde e o Processo de Feminização: Tendências e Implicações. Athenea Digital. 2013;13(2):239-44.,1818. Costa SM, Durães SJA, Abreu MHMG. Feminização do curso de odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros. Rev. Ciênc. saúde coletiva. 2010;15(1):1865-73..

Um aspecto que ficou claro neste estudo foi que tanto fisioterapeutas quanto fonoaudiólogos possuem pouco contato com terapeutas ocupacionais no seu cotidiano de trabalho. Entre os respondentes, 76% dos fisioterapeutas e 69,8% dos fonoaudiólogos disseram não ter contato com terapeutas ocupacionais no seu trabalho atual. Também foi possível observar que existem dificuldades no reconhecimento das atribuições dos terapeutas ocupacionais pelos fisioterapeutas e fonoaudiólogos e que os profissionais que atuam com terapeutas ocupacionais se sentem mais preparados para identificar e encaminhar para esse profissional. Tal entendimento encontra sustentação nos dados deste estudo, no qual se observa que 76,67% dos fisioterapeutas que atuam com esse profissional se sentem preparados para encaminhar e 57,41% dos que não atuam. Apesar de nem todos os fisioterapeutas reconhecerem quando podem encaminhar para terapeutas ocupacionais, foi possível perceber que os fisioterapeutas que trabalham com terapeutas ocupacionais se sentem mais preparados para realizar encaminhamentos para esse profissional, o que ressalta a importância do trabalho em equipe para reconhecimento das atribuições dos profissionais entre si.

É durante a formação acadêmica que se constitui o conhecimento e também é nesta etapa que o reconhecimento de outras profissões da área da saúde deve ser aprimorado para garantir um melhor atendimento ao paciente e se evitar ações fragmentadas. A fragmentação acaba dificultando ou impedindo a visão das partes e do todo1919. Roquete FF, Amorim MMA, Barbosa SP, Souza DCM, Carvalho DV. Multidisciplinaridade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade: em busca de um diálogo entre saberes no campo da saúde coletiva. Rev. Enferm. Cent.- Oeste Min. 2012;2(2):463-74. então, vê-se a importância de equipes constituídas por diferentes profissionais, na área da saúde, para que seja possível o reconhecimento e a delimitação dos papéis de cada um. Sendo assim, a partir do momento que existir uma integração das ações de saúde aumentará a resolutividade do cuidado e a qualidade da atenção, mas também se possibilitará um reconhecimento das contribuições específicas de cada área e de suas fronteiras com flexibilização dos papéis profissionais2020. Emmel ML, Kato LG. Conhecimento da Terapia Ocupacional pelo estudante de Medicina. Cad. Ter. Ocup. UFSCar. 2004;12(2):89-100.,2121. Peduzzi M, Normam IJ, Germani ACCG, Silva JAM, Souza GC. Educação interprofissional: formação de profissionais da saúde para o trabalho em equipe com foco nos usuários. Rev. Esc. Enferm. USP. 2013;47(4):977-83..

Emmel e Kato2020. Emmel ML, Kato LG. Conhecimento da Terapia Ocupacional pelo estudante de Medicina. Cad. Ter. Ocup. UFSCar. 2004;12(2):89-100. apontam em seu estudo o desconhecimento das atribuições dos terapeutas ocupacionais pelos estudantes de medicina, porém ressaltam que esta situação possivelmente seja generalizada entre outras profissões da saúde. Almeida et al.2222. Almeida MHM, Batista MPP, Lucoves KCRG. Reflexões sobre a formação do terapeuta ocupacional para atuação com pessoas idosas em distintas modalidades de atenção: contribuições de egressos da USP-SP. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo. 2010;21(2):130-8., Lima e Falcão2323. Lima ACS, Falcão IV. A formação do terapeuta ocupacional e seu papel no Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF do Recife, PE. Cad. Ter. Ocup. UFSCar. 2014;22(1):3-14. também destacam o desconhecimento de outros profissionais a respeito das atribuições do terapeuta ocupacional e ressaltam que isto acaba interferindo e limitando as possibilidades de intervenção do terapeuta ocupacional, bem como a operacionalização de ações como a criação de vínculos com a comunidade que possibilitem a construção de relações de confiança que ampliam os espaços para atuação. Isso se dá, provavelmente, pelo número reduzido de profissionais de Terapia Ocupacional que se formam por ano, quando comparados a outras profissões da área da saúde2020. Emmel ML, Kato LG. Conhecimento da Terapia Ocupacional pelo estudante de Medicina. Cad. Ter. Ocup. UFSCar. 2004;12(2):89-100.. Porém, ressaltam que não se pode justificar a partir desta situação a falta de conhecimento das atribuições do terapeuta ocupacional pelos profissionais da área da saúde.

Em relação ao trabalho interdisciplinar desempenhado pelos fonoaudiólogos participantes deste estudo, foi possível identificar que apesar de poucos possuírem contato com terapeutas ocupacionais no seu ambiente de trabalho, os que atuam juntamente estes profissionais se sentem mais preparados para encaminhar em relação aos que não possuem contato com este profissional. A mesma observação é possível de ser feita em relação à atuação com fisioterapeutas, onde observa-se que os fonoaudiólogos que trabalham com este profissional se sentem mais preparados para realizar encaminhamentos para ele. Isto acaba ressaltando a importância do trabalho integrado dos profissionais que se dedicam a reabilitação na qual a troca de experiências possa contribuir para um melhor entendimento das atribuições de cada profissional, otimizando o trabalho e o processo de cuidado.

O projeto interdisciplinar é uma forma de ensino que possibilita interligar diferentes áreas de conhecimento, abordando uma temática específica e possibilitando englobar diversas experiências a fim de alcançar metas em comum2424. Pereira SCL, Reis VOM, Lanza CRM, Aleixo IMS, Vasconcelos MMA. Percepção de monitores do PET-Saúde sobre sua formação e trabalho em equipe interdisciplinar. Interface comum. saúde educ. 2015;19(1):869-78..

Com base nas considerações anteriores, percebe-se que a interdisciplinaridade na área da saúde possibilita aos profissionais envolvidos a “ampliação e desenvolvimento dos seus conhecimentos” o que acaba contribuindo para a melhoria da prática dentro das equipes. A partir do momento que os profissionais se conscientizam de que a saúde se constitui da integração de vários fatores e não apenas de um fator, se torna possível a atuação conjunta dos profissionais buscando atingir um estado de não-doença por meio da interdisciplinaridade profissional. Quando a saúde é praticada de forma interdisciplinar benefícios são trazidos à comunidade atendida, mas também aos profissionais a partir do momento que é realizado um compartilhamento de ideias e uma comunicação mais efetiva entre diferentes campos e olhares o que possibilita uma visão ampliada da realidade cuidada, além de um processo de reabilitação mais satisfatório2525. Marques AMFB, Vargas MAO, Schoeller SD, Kinoshita EY, Ramos FR, Trombetta AP. O cuidado à saúde à pessoa com amputação: análise na perspectiva da bioética. Texto &Contexto Enferm. 2014;2 (4):898-906.,2626. Linhares EHPC, Pereira RA, Cavalcante TL, Sampaio LCL. Importância da Interdisciplinaridade na Formação de Profissionais da Saúde. Rev. Interfaces: saúde, humanas e tecnologias. 2014;2(4):1-4.. (p.03)

A interdisciplinaridade aparece então, como parte integrante de uma sociedade marcada por sua complexidade onde o conhecimento só adquire sentido quando visto no seu todo. O conhecimento adquire função fundamental dentro da sociedade por ser marcado pela coletividade e logo necessita da interdisciplinaridade para sua melhor compreensão 2727. Zanon SRT, Pedrosa AT. Interdisciplinaridade e Educação. Cad. do CNFL. 2014;18(7):134-45..

O trabalho pautado na lógica da interdisciplinaridade, então, apresenta a possibilidade de construir redes relacionais entre as pessoas, proporcionando uma visão unificada e também a troca de saberes. Além disso, propicia “uma melhor organização do serviço e a adoção do respeito, autonomia e vínculo entre profissionais e usuários, visando a uma abordagem integral e resolutiva com intervenções multiprofissionais diferenciadas” (p.387) 2828. Uchôa AC, Vieira RMV, Rocha PM, Rocha NSD, Maroto RM. Trabalho em equipe no contexto da reabilitação infantil. Physis. 2012;22(1):385-400..

Os terapeutas ocupacionais participantes da pesquisa trouxeram uma realidade diferente dos fisioterapeutas e fonoaudiólogos. Observou-se por meio das respostas dos terapeutas ocupacionais que eles possuem maior contato com fisioterapeutas e fonoaudiólogos dentro de instituições privadas. A maioria deles, tanto os que atuam quanto os que não atuam com fisioterapeutas e fonoaudiólogos disseram se sentir preparados para realizar encaminhamentos para estes profissionais.

Ainda, foi possível identificar diferenças na atuação interdisciplinar que acontece em instituições públicas e privadas. Observou-se que existem mais fisioterapeutas atuando com terapeutas ocupacionais em instituições públicas e com fonoaudiólogos em instituições privadas. Em relação à atuação dos fonoaudiólogos percebeu-se que dos respondentes que possuem contato com terapeutas ocupacionais e com fisioterapeutas a maioria trabalha em instituições públicas. Já em relação à atuação dos terapeutas ocupacionais, observa-se que o contato com fisioterapeutas e com fonoaudiólogos é mais estabelecido nas instituições privadas. A partir destes dados, percebe-se que o caráter jurídico da instituição não é parâmetro para referir o acontecimento de práticas interdisciplinares. Estas acontecem tanto em instituições públicas quanto em instituições privadas, porém ainda não são todas que utilizam essa abordagem de trabalho e também não são todos os profissionais de reabilitação que possuem a oportunidade de trabalhar interdisciplinarmente.

Categorização das Questões Abertas

Atribuições dos Profissionais Dedicados à Reabilitação

O pouco entendimento sobre o trabalho do terapeuta ocupacional também pode ser percebido nas respostas referente à questão ‘O que caracteriza a função do terapeuta ocupacional?’ respondida por fisioterapeutas e fonoaudiólogos. Alguns profissionais mostraram dificuldades para elencar e definir as atribuições da Terapia Ocupacional, outros apresentaram uma visão distorcida da profissão. Apesar disso, a maioria dos fisioterapeutas e fonoaudiólogos demostraram compreender minimamente o trabalho do terapeuta ocupacional, normalmente dando ênfase a alguma das possíveis áreas de atuação. Pode-se citar algumas respostas dos fisioterapeutas e dos fonoaudiólogos em relação a este questionamento que chamam a atenção por estarem relacionados aos apontamentos anteriores:

Trabalhos didáticos e delicados”. (participante A)

“Manter o paciente ocupado”. (participante F)

“Realmente, tenho dúvidas. Sei que trabalham com a questão das AVD’s, mas isso eu vejo que a maioria dos profissionais de outras áreas também fazem. Conheço algumas TOs que sabem mostrar seu trabalho com clareza e de uma forma diferenciada. Mas, a maioria, não consegue deixar clara a função” (participante H)

A falta de compreensão do trabalho de terapeuta ocupacional por outros profissionais é encontrada também em outros estudos como o de Araújo et al.2929. Araújo LS, Oliveira TS, Patrício TAS. Estudo sobre a prática da terapia ocupacional no sistema único de assistência social (SUAS) no município de Belém. Rev. NUFEN. São Paulo. 2011;3(2):69-96. que traz que o desconhecimento da Terapia Ocupacional pelos de mais profissionais da equipe dificulta o processo de atuação, o estudo de Lima e Falcão2323. Lima ACS, Falcão IV. A formação do terapeuta ocupacional e seu papel no Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF do Recife, PE. Cad. Ter. Ocup. UFSCar. 2014;22(1):3-14. que aponta que o desconhecimento do objeto de estudo da Terapia Ocupacional pela equipe dificulta a operacionalização de ações em saúde e o estudo de Almeida et al.2222. Almeida MHM, Batista MPP, Lucoves KCRG. Reflexões sobre a formação do terapeuta ocupacional para atuação com pessoas idosas em distintas modalidades de atenção: contribuições de egressos da USP-SP. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo. 2010;21(2):130-8. que mostra o desconhecimento da Terapia Ocupacional como um desafio enfrentado pelos profissionais da área durante a atuação.

A dificuldade de conceituar o trabalho de outro profissional só apareceu diante do trabalho do terapeuta ocupacional. Em relação ao trabalho do fisioterapeuta e do fonoaudiólogo percebeu-se que os profissionais conseguem compreender as atribuições destes. Observou-se, porém que algumas áreas possuem mais evidência dentro das profissões. Como exemplo, pode-se citar o trabalho voltado para Voz, Fala, Linguagem e Deglutição na Fonoaudiologia, a Reabilitação física (traumatologia e ortopedia) na Fisioterapia. Ações de reabilitação e habilitação auditiva e equilíbrio foram pouco citados quando questionadas as atribuições do fonoaudiólogo e no caso dos fisioterapeutas poucos profissionais ressaltaram a atuação deste profissional em áreas como fisioterapia respiratória e dermatofuncional.

Outra questão importante de ser destacada é a pouca ênfase no trabalho de promoção da saúde e prevenção de doença. Na maioria das respostas os profissionais ressaltaram a importância dos profissionais que se dedicam a reabilitação apenas na fase de recuperação e cura, não foi destaca a contribuição deles nos serviços de promoção e prevenção.

Caracterização do Trabalho Interdisciplinar pelos Profissionais de Reabilitação

Esta categoria foi elencada devido à pergunta do questionário que buscava conhecer a opinião dos profissionais sobre a caracterização, na prática, de um trabalho interdisciplinar. A partir das respostas dos fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais foi possível perceber que os profissionais da área são esclarecidos em relação à conceituação da interdisciplinaridade e sua caracterização na prática. Alguns ainda confundem a prática interdisciplinar com a prática multidisciplinar e caracterizam interdisciplinaridade apenas com o trabalho realizado por vários profissionais sem explicitar a forma como se dá essa prática.

Os profissionais ressaltaram como prática interdisciplinar o compartilhamento de conhecimentos, ações, condutas e planos quando se tem em prol um único objetivo sendo um deles o benefício ao paciente. Foram citados exemplos de práticas consideradas interdisciplinares pelos participantes do estudo, entre eles estavam às visitas domiciliares, o matriciamento, as consultas compartilhadas e as interconsultas. A capacidade de se reconhecer quando as ações devem ser interdisciplinares é fundamental, pois nem todos os momentos da prática serão interdisciplinares, porém em alguns momentos se vê a necessidade de projetos que envolvam a participação cooperativa de toda a equipe3030. Saupe R, Cutolo LRA, Wendhausen ALP, Benito GAV. Competências dos profissionais de saúde para o trabalho interdisciplinar. Interface comum. saúde educ. 2005;9(18):521-36.. Ainda, quando profissionais de diferentes formações se dispõe a transitar entre diferentes áreas de formação acontece uma articulação entre os saberes específicos de um com o dos outros, o que possibilita o compartilhamento de ações e uma prática colaborativa2121. Peduzzi M, Normam IJ, Germani ACCG, Silva JAM, Souza GC. Educação interprofissional: formação de profissionais da saúde para o trabalho em equipe com foco nos usuários. Rev. Esc. Enferm. USP. 2013;47(4):977-83..

Além disso, outras respostas trouxeram aspectos que compõe a prática interdisciplinar como a contribuição de diferentes especialidades com o tratamento de cada paciente, as trocas de informações e a relação estabelecida entre os profissionais de diferentes formações. Uma questão importante encontrada nas respostas foi a importância do respeito com a prática de cada profissional e com as atribuições de cada especialidade da equipe, além da ética profissional na prática interdisciplinar.

“Trabalhar em equipe interdisciplinar é estar seguro do seu trabalho o qual é o seu limite no fazer respeitando o colega, saber ouvir, saber fazer troca, ensinar a aprender, sempre tendo consciência que o foco será o paciente, assim não teremos discordâncias por vaidade de profissão como muito acontece no trabalho em equipe”(participante J).

“Em minha opinião a interdisciplinaridade ocorre a partir da relação técnica pedagógica que se estabelece entre os profissionais a partir de várias práticas que podem ocorrer conjuntamente. Na atualidade e na minha prática as ferramentas utilizadas para que a interdisciplinaridade possa de fato ocorrer é o matriciamento, visitas domiciliares, consultas compartilhadas, entre outras”. (participante L)

A partir das respostas dos profissionais de reabilitação participantes, é possível observar a compreensão dos mesmos a cerca da prática interdisciplinar. Tanto fisioterapeutas, quanto fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais se mostraram sensibilizados e conscientes sobre a importância da interdisciplinaridade no cuidado em saúde, ressaltando que esta prática não exclui as disciplinas, mas sim as completa propondo “uma visão articulada do ser humano em seu meio natural, como construtor e transformador desse meio”44. Trindade DF. Interdisciplinaridade: um novo olhar sobra as ciências. In: O que é interdisciplinaridade? Ivani Fazenda (org.) - 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2013. (p.71).

A Importância da Interdisciplinaridade na Área dos Distúrbios da Comunicação Humana

A comunicação humana é fundamental para o pleno desenvolvimento das pessoas e para sua vida em sociedade. Quando existem distúrbios na comunicação eles interferem diretamente em diversos âmbitos da vida das pessoas, sejam eles físicos, sensoriais, psicológicos e sociais, pois a linguagem é fundamental na “organização perceptual, na recepção e estruturação das informações, na aprendizagem e nas interações sociais do ser humano”1414. Gatto CI, Tochetto TM. Deficiência Auditiva Infantil: Implicações e Soluções. Rev. CEFAC. 2007;9(1):110-5. (p.110).

As pessoas que possuem algum distúrbio na comunicação necessitam então de cuidados especializados, sendo os fonoaudiólogos os principais profissionais reabilitadores para prestarem este cuidado. Porém, levando em consideração a necessidade de um cuidado integral e que considere os aspectos biopsicossociais na reabilitação, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais também podem contribuir neste processo. Sendo assim, os participantes deste estudo foram convidados a responder a seguinte questão: “Na sua opinião, qual a contribuição do trabalho interdisciplinar na área dos Distúrbios da Comunicação Humana?”:

Fundamental na medida em que muitas vezes distúrbios da comunicação estão associados a outros distúrbios motores, sociais ou psicológicos”. (participante E)

“Para mim a comunicação humana é uma das funções básicas do ser humano, garante a forma de se relacionar, se comunicar. Oferece possibilidades de independência e autonomia. A contribuição do trabalho interdisciplinar garante a exploração de muitos recursos oferecidos, pela Fonoaudiologia, Fisioterapia e pela Terapia Ocupacional. Uma equipe bem preparada consegue trabalhar junto de forma a contribuir com o processo de reabilitação desse indivíduo”. (participante Q)

Com base nessas respostas, é possível perceber a compreensão por parte dos profissionais da importância da interdisciplinaridade no cuidado aos distúrbios da comunicação humana. Também se observa que existe um reconhecimento dos benefícios de uma atuação integrada que conte com uma equipe com diferentes especialidades e que vise garantir um cuidado integral e de qualidade. Da mesma forma que a interdisciplinaridade é fundamental para realização de um trabalho integrado e para um olhar ampliado do sujeito em diversas práticas de saúde, na área dos Distúrbios da Comunicação Humana ela também vem para contribuir. Isso acontece, pois deve-se contar com uma equipe interdisciplinar que foque no paciente e atente para seu bem-estar biopsicossocial e espiritual durante o processo de reabilitação, não se restringindo apenas aos aspectos que precisam ser reabilitados, mas também levando em consideração aspectos socioculturais e demográficos que podem estar associados aos Distúrbios da Comunicação Humana 1515. Goulart BNG, Chiari BM. Comunicação Humana e Saúde da Criança - reflexão sobre a promoção da saúde na infância e prevenção de distúrbios fonoaudiológicos. Rev. CEFAC. 2011;14(4):691-6.,1818. Costa SM, Durães SJA, Abreu MHMG. Feminização do curso de odontologia da Universidade Estadual de Montes Claros. Rev. Ciênc. saúde coletiva. 2010;15(1):1865-73..

Conclusão

Este estudo buscou identificar se a prática dos profissionais que se dedicam a reabilitação acontece no âmbito da interdisciplinaridade do cuidado e também se os profissionais que se dedicam a reabilitação conhecem a importância da interdisciplinaridade no cuidado aos Distúrbios da Comunicação Humana.

Foi possível concluir que os profissionais participantes reconhecem a importância do trabalho interdisciplinar nos cuidados em saúde, porém ainda não são todos que conseguem trabalhar a partir da lógica interdisciplinar. Vê-se que algumas instituições não contam com equipes compostas por todas as especialidades que se dedicam a reabilitação, o que dificulta a realização de um trabalho integrado por parte destes profissionais.

Além disso, foi possível observar na pesquisa que existe um desconhecimento referente às atribuições dos terapeutas ocupacionais. Porém, é possível perceber que quando existe a atuação conjunta dos profissionais com o terapeuta ocupacional se torna mais fácil o entendimento das atribuições deste profissional o que ressalta a importância de uma formação interdisciplinar.

Em relação à interdisciplinaridade na área dos Distúrbios da Comunicação Humana foi possível identificar, com base nos dados encontrados neste estudo, que os profissionais de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional são esclarecidos a respeito da importância desta prática na área, objetivando uma atenção integral em saúde.

Por fim, este estudo foi importante, pois possibilitou uma identificação da percepção dos fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais acerca da interdisciplinaridade na prática em saúde e na área dos Distúrbios da Comunicação Humana.

Sendo assim, percebe-se a importância de estudos que procurem identificar as fragilidades da prática interdisciplinar. Ainda, observa-se que compreender o posicionamento do profissional de saúde no seu contexto de trabalho favorece a inserção da prática interdisciplinar, tendo em vista que a partir do conhecimento da realidade profissional é possível se realizar modificações tanto na formação quanto na prática buscando aperfeiçoar o desenvolvimento de ações em saúde que priorizem os princípios do SUS e, principalmente, da integralidade do cuidado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2016
  • Aceito
    22 Fev 2017
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