Acessibilidade / Reportar erro

Relação entre sintomas do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e aspectos fonoaudiológicos

RESUMO

Objetivo:

investigar a associação de sintomas de desatenção e hiperatividade com o desenvolvimento de linguagem, aspectos cognitivos, ambientais, socioeconômicos e de qualidade de vida, em crianças com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Métodos:

estudo observacional, analítico, transversal, com amostra estratificada por sexo e composta por 38 crianças de sete a doze anos de idade, com diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Foram avaliados aspectos sociodemográficos e ambientais, qualidade de vida, compreensão da linguagem, nomeação automática rápida, memória de trabalho fonológica, vocabulário, processos de leitura, escrita e habilidades metalinguísticas. Foram realizadas análises descritiva e bivariada, adotando nível de significância de 5%.

Resultados:

houve associação com significância estatística entre perfil do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e aspectos comportamentais. Não houve associação significante das formas de apresentação do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade com qualidade de vida, linguagem oral, linguagem escrita e habilidades de processamento fonológico.

Conclusão:

verificou-se melhor desempenho das crianças com perfil hiperativo e desempenho semelhante entre os perfis combinado e predominantemente desatento. Embora não tenham sido encontradas associações estatisticamente significantes entre Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e a maioria das variáveis analisadas nesta pesquisa, ela contribui para a discussão do diagnóstico fonoaudiológico.

Descritores:
Fonoaudiologia; Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade; Linguagem; Família; Qualidade de Vida

ABSTRACT

Purpose:

to investigate the association of symptoms of inattention and hyperactivity with language development and cognitive, environmental, socioeconomic, and quality of life aspects in children with attention-deficit/hyperactivity disorder.

Methods:

an observational, analytical, cross-sectional study with a sex-stratified sample of 38 children 7 to 12 years old, diagnosed with attention-deficit/hyperactivity disorder. The assessments approached sociodemographic and environmental aspects, the quality of life, language comprehension, rapid automatic naming, phonological working memory, vocabulary, reading and writing processes and metalinguistic skills. Descriptive and bivariate analyses were conducted at the 5% significance level.

Results:

there was a statistically significant association between the profile of attention-deficit/hyperactivity disorder and behavioral aspects. There was no significant association of the forms of manifestation of attention-deficit/hyperactivity disorder with the quality of life, oral language, written language and phonological processing skills.

Conclusion:

children with hyperactive profiles had a better performance, whereas children with combined and predominantly inattentive profiles had similar performances. Although no statistically significant associations were found between attention-deficit/hyperactivity disorder and most of the variables analyzed in this research, it contributes to the discussion of the speech-language-hearing diagnosis.

Keywords:
Speech, Language and Hearing Sciences; Attention Deficit Hyperactivity Disorder; Language; Family; Quality of Life

Introdução

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) apresenta como principais sintomas a desatenção e a hiperatividade/impulsividade11. APA: American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5. 5th ed. Washington: American Psychiatric Association; 2013.. O comportamento manifesto de uma criança ou adolescente com TDAH está relacionado a estes sintomas e comportamentos específicos que causam prejuízos em diferentes áreas da vida22. Varma A, Wiener J. Perceptions of ADHD symptoms in adolescents with attention-deficit/hyperactivity disorder: attributions and stigma. Canadian Journal of School Psychology [journal on the Internet]. 2020 Sep [cited 2020 Sep 28]; [about 7 p.]. Available at: https://doi.org/10.1177/0829573520936459
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
. Além disso, verifica-se alta incidência de sintomas de ansiedade e depressão33. Root A, Brown JP, Forbes HJ, Bhaskaran K, Hayes J, Smeeth L et al. Association of relative age in the school year with diagnosis of intellectual disability, attention-deficit/hyperactivity disorder, and depression. JAMA Pediatr. 2019;173(11):1068-75., não apenas nas crianças e adolescentes com TDAH, mas em seus familiares44. Segenreich D, Fortes D, Coutinho G, Pastura G, Mattos P. Anxiety and depression in parents of a Brazilian non-clinical sample of attention-deficit/ hyperactivity disorder (ADHD) students. Braz J Med Biol Res. 2009;42(5):465-9.. Nos casos em que há comorbidades, o impacto na qualidade de vida da família é ainda maior55. Limbers CA, Ripperger-Suhler J, Heffer RW, Varni JW. Patient-reported Pediatric Quality of Life Inventory(tm) 4.0 Generic Core Scales in pediatric patients with attention-deficit/hyperactivity disorder and comorbid psychiatric disorders: feasibility, reliability, and validity. Value Health. 2011;14(4):521-30.. Nesse sentido, é necessário investigar a relação entre a sintomatologia do TDAH e os aspectos relacionados à qualidade de vida.

Dentre as principais comorbidades presentes no TDAH, estão os transtornos de aprendizagem, os transtornos disruptivos, os transtornos de humor e de ansiedade, o transtorno de conduta (TC) e o transtorno de oposição desafiante (TOD)66. Xu G, Strathearn L, Liu B, Yang B, Bao W. Twenty-year trends in diagnosed Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder among US children and adolescents, 1997-2016. JAMA Netw Open. 2018;1(4):e181471.. A existência destas, e de outras comorbidades é fator dificultador para o diagnóstico de TDAH, pois não se sabe qual é a origem ou a causa das dificuldades apresentadas pela criança ou adolescente.

No TDAH, a desatenção manifesta-se como falta de persistência, divagação em tarefas, dificuldade de manter o foco e desorganização; a hiperatividade refere-se à atividade motora excessiva, quando não apropriado e, na impulsividade, há ações precipitadas, que ocorrem sem premeditação e com elevado potencial para dano à pessoa11. APA: American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5. 5th ed. Washington: American Psychiatric Association; 2013.. Essas manifestações podem estar associadas a alterações fonoaudiológicas e gerar grande impacto no desempenho global de crianças com TDAH. Diversos estudos revelaram que o desempenho de crianças com TDAH em tarefas cognitivo linguísticas é inferior ao de crianças sem o transtorno77. Oliveira AM, Cardoso MH, Padula NAMR, Lourencetti MD, dos Santos LCA, Capellini SA. Reading processes in students with Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Psicol Argum. 2013;31(72):35-44.

8. Cunha VLO, da Silva C, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50.

9. Capellini SA, Ferreira TL, Salgado CA, Ciasca SM. Performance of good readers, students with dyslexia and attention deficit hyperactivity disorder in rapid automatized naming. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(2):114-9.

10. Messina LF, Tiedemann KB. Assessment of working memory in children with attention deficit hyperactivity disorder. Psicol USP. 2009;20(2):209-28.

11. Oliveira AM, Cardoso MH, Pinheiro FH, Germano GD, Capellini SA. Performance of students with dyslexia and attention deficit disorder with hyperactivity in the reading assessment processes. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21(2):344-55.
-1212. Klein AI, Lamprecht RR. A compreensão em leitura e a consciência fonológica em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Signo. 2012;37(63):25-54.. Outros estudos investigaram a qualidade de vida1313. Cappe E, Bolduc M, Rougé MC, Saiag MC, Delorme R. Quality of life, psychological characteristics, and adjustment in parents of children with Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Qual Life Res. 2017;26(5):1283-94. e os recursos do ambiente familiar1414. Pires TO, da Silva CMFP, de Assis SG. Family environment and attention-deficit hyperactivity disorder. Rev Saúde Pública. 2012;46(4):624-33. no TDAH.

Sob a perspectiva fonoaudiológica de assistência ao paciente com TDAH é necessário que as alterações relacionadas ao transtorno ou às comorbidades sejam investigadas. Para que isso seja possível, é importante o uso de instrumentos que caracterizem a sintomatologia do transtorno e mensurem os impactos dos sintomas na qualidade de vida das crianças. Assim, o uso da escala MTA-SNAP1515. Mattos P, Serra-Pinheiro MA, Rohde LA, Pinto D. A Brazilian version of the MTA-SNAP-IV for evaluation of symptoms of attention-deficit/hyperactivity disorder and oppositional-defiant disorder. Rev Psiquiatr. 2006;28(3):290-7. aliada às avaliações de linguagem no presente estudo aporta a possibilidade de triangulação entre manifestações fonoaudiológicas e os sintomas de TDAH.

A literatura descreve alterações de leitura77. Oliveira AM, Cardoso MH, Padula NAMR, Lourencetti MD, dos Santos LCA, Capellini SA. Reading processes in students with Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Psicol Argum. 2013;31(72):35-44.,88. Cunha VLO, da Silva C, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50.,1010. Messina LF, Tiedemann KB. Assessment of working memory in children with attention deficit hyperactivity disorder. Psicol USP. 2009;20(2):209-28.

11. Oliveira AM, Cardoso MH, Pinheiro FH, Germano GD, Capellini SA. Performance of students with dyslexia and attention deficit disorder with hyperactivity in the reading assessment processes. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21(2):344-55.
-1212. Klein AI, Lamprecht RR. A compreensão em leitura e a consciência fonológica em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Signo. 2012;37(63):25-54., metalinguagem88. Cunha VLO, da Silva C, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50.,1212. Klein AI, Lamprecht RR. A compreensão em leitura e a consciência fonológica em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Signo. 2012;37(63):25-54. e processamento fonológico99. Capellini SA, Ferreira TL, Salgado CA, Ciasca SM. Performance of good readers, students with dyslexia and attention deficit hyperactivity disorder in rapid automatized naming. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(2):114-9.,1010. Messina LF, Tiedemann KB. Assessment of working memory in children with attention deficit hyperactivity disorder. Psicol USP. 2009;20(2):209-28. em crianças e adolescentes com TDAH, contudo há uma lacuna em avaliar todos estes elementos em uma única amostra. Deste modo, os dados analisados podem contribuir para a compreensão mais abrangente do perfil fonoaudiológico nesta população.

O objetivo do presente estudo foi investigar a associação entre sintomas de desatenção e hiperatividade com o desenvolvimento de linguagem, aspectos cognitivos, ambientais, socioeconômicos e de qualidade de vida, em crianças com TDAH.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, sob o parecer número 431.686. Os responsáveis pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após concordância de participação na pesquisa.

Trata-se de estudo observacional, analítico transversal, com amostra não probabilística estratificada por sexo e composta de crianças de sete a doze anos de idade, com TDAH.

No presente estudo, foram incluídas crianças de sete a doze anos de idade, com diagnóstico de TDAH, encaminhadas pelos Ambulatórios de Psiquiatria Infantil, Neurologia ou de Pediatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

O cálculo amostral foi realizado de acordo com as variáveis de interesse para este estudo, considerando-se uma amostragem aleatória simples, estratificada por sexo. Com base em um erro amostral de 15% e nível de significância de 5%, seria necessária uma amostra de, pelo menos, 35 pessoas. Dentre elas, 28 seriam do sexo masculino e 7 do sexo feminino. Para construção da amostragem foram consideradas 57 crianças encaminhadas ao Ambulatório de Fonoaudiologia, para avaliação. As crianças elegíveis para o estudo foram identificadas por meio da agenda de atendimentos deste ambulatório e selecionadas após a confirmação do diagnóstico de TDAH, em prontuário, estabelecido pelo especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência ou pelo neurologista.

Com base nos critérios de exclusão propostos (crianças cujos responsáveis não assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e não respondessem à anamnese e aos questionários propostos; crianças que não realizassem todas as avaliações; crianças cujos resultados apresentados no exame de audiometria tonal liminar, realizado nos últimos doze meses, estivessem fora do padrão de normalidade; crianças que apresentassem nos dados clínicos diagnóstico de alterações graves, a saber: alterações cognitivas, tal como a deficiência intelectual; alterações da neuromotricidade, como a disfunção neuromotora, ou outras alterações psiquiátricas como a esquizofrenia, o transtorno bipolar, os transtornos de humor e ansiedade e a dependência química), a população elegível foi composta de 40 crianças. Dentre estas, duas não compareceram para o término da avaliação. Deste modo, a amostra final foi constituída por 38 crianças, sendo 27 meninos e 11 são meninas.

Para avaliação dos aspectos sociodemográficos, foi realizada análise de prontuário e anamnese com os pais ou outros responsáveis pela criança. Utilizou-se ainda, o Critério de Classificação Socioeconômica (CCEB)1616. Abep.org/criterio-brasil. [homepage na Internet]. São Paulo: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) [updated on 11 Mar 2021; accessed on 21 Mar 2021]. Available at: http://www.abep.org/criterio-brasil.
http://www.abep.org/criterio-brasil...
e o Inventário de Recursos do Ambiente Familiar (RAF)1717. Marturano EM. The home environment resources scale. Psicol Reflex Crit. 2006;19(3):498-506. que avalia recursos que promovem processos proximais e atividades previsíveis que sinalizam algum grau de estabilidade na vida familiar e, ainda práticas parentais que promovem a ligação família-escola.

Além da anamnese, os responsáveis pelas crianças responderam ao Questionário de Capacidades e Dificuldades - Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ)1818. Goodman R. The Strengths and Difficulties Questionnaire: a research note. J Child Psychol Psychiatry. 1997;38(5):581-6., cujo objetivo é detectar problemas relacionados à saúde mental infanto-juvenil; ao Pediatric Quality of Life Inventory™ (PedsQL), versão 4.01919. Varni JW, Seid M, Kurtin PS. PedsQL 4.0: reliability and validity of the Pediatric Quality of Life Inventory TM Version 4.0 generic core scales in healthy and patient populations. Med Care. 2001;39(8):800-12., que avalia a percepção dos responsáveis em relação à qualidade de vida da criança. Para a caracterização dos sintomas positivos do TDAH, utilizou-se a Escala MTA-SNAP-IV1515. Mattos P, Serra-Pinheiro MA, Rohde LA, Pinto D. A Brazilian version of the MTA-SNAP-IV for evaluation of symptoms of attention-deficit/hyperactivity disorder and oppositional-defiant disorder. Rev Psiquiatr. 2006;28(3):290-7., um instrumento de avaliação dos sintomas do TDAH e do Transtorno de Oposição Desafiante. Esta escala foi construída com base nos sintomas do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), da Associação Americana de Psiquiatria. Cabe ressaltar que este instrumento não tem como finalidade o diagnóstico dos transtornos mencionados, mas apenas realizar o levantamento de alguns sintomas, presentes no TDAH e no TOD.

A avaliação da compreensão da linguagem, da nomeação automática rápida e da memória de trabalho fonológica, foi realizada por meio do Token Test2020. Malloy-Diniz LF, Bentes RC, Figueiredo PM, Brandão-Bretas D, da Costa-Abrantes S, Parizzi AM et al. Standardisation of a battery of tests to evaluate language comprehension, verbal fluency and naming skills in Brazilian children between 7 and 10 years of age: preliminary findings. Rev. Neurol. 2007;44(5):275-80., do Teste de Nomeação Automatizada Rápida2121. Denckla MB, Rudel R. Rapid "automatized" naming of pictured objects, colors, letters and numbers by normal children. Cortex. 1974;10(2):186-202. e do Teste de Memória de Trabalho Fonológica2222. Hage SRV, Grivol MA. Reference values of nonword repetition test for Brazilian Portuguese-speaking children. J Appl Oral Sci. 2009;17(spe):63-8., respectivamente.

Para a avaliação dos vocabulários emissivo e receptivo, da escrita, da consciência fonológica e da consciência sintática, foram utilizados, respectivamente, os seguintes instrumentos: Teste de Linguagem Infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática (ABFW), parte de vocabulário2323. Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW: Teste de Linguagem Infantil Nas Áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática. São Paulo: Pró-Fono; 2004.; Teste de Vocabulário por Figuras Usp (Tvfusp) versão abreviada2424. Capovilla FC. Teste de Vocabulário Por Figuras USP - TVfusp: Normatizado para avaliar compreensão auditiva de palavras dos 7 aos 10 anos. São Paulo: Memnon; 2011.; ditado de palavras e pseudopalavras2525. Pinheiro AMV, Rothe-Neves R. Cognitive Assessment of Reading and Writing: Reading-Aloud and Spelling Tasks. Psicol Reflex Crit. 2001;14(2):399-408., cujo material foi extraído de listas, distribuídas por padrão de frequência, regularidade, irregularidade e regra para palavras do português brasileiro (Pinheiro, 1994 e 2001); Teste de Consciência Fonológica2626. Santos MTM, Pereira LD. Teste de Consciência Fonológica. ln: Pereira LD, Schochat E, editors. Processamento Auditivo Central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997. p. 187-95., Prova de Consciência Sintática2727. Capovilla FC, Capovilla AGS. Prova de Consciência Sintática (PCS): normatizada e validada para avaliar a habilidade metassintática de escolares de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. São Paulo: Memnon; 2006.. A leitura foi avaliada por meio das Provas de Avaliação dos Processos de Leitura (PROLEC)2828. Capellini SA, Oliveira AM, Cuetos F. PROLEC: Provas de Avaliação dos Processos de Leitura. São Paulo: Pearson; 2010. versão completa.

Em relação à análise dos dados, a primeira etapa consistiu na confirmação do diagnóstico clínico de TDAH, por meio do estudo dos prontuários, e do levantamento da pontuação obtida na Escala MTA-SNAP-IV, a fim de que a sintomatologia positiva do TDAH fosse realizada. No presente estudo, além dos sintomas apenas de desatenção ou apenas de hiperatividade, foram consideradas as situações em que, tanto os itens relativos à desatenção, como os itens referentes à hiperatividade/impulsividade foram assinalados, observando-se o critério de pelo menos seis itens assinalados para desatenção e para hiperatividade/impulsividade.

Os dados coletados foram armazenados em formato eletrônico e foi realizada digitação dupla, com posterior conferência para eliminar erros. Foi realizada análise descritiva da distribuição de frequência das variáveis categóricas e análise das medidas de tendência central e de dispersão para variáveis contínuas.

Foram realizadas análises descritivas de todas as variáveis do estudo, por meio de distribuição de frequência absoluta e relativa das variáveis categóricas e de síntese numérica das variáveis contínuas. No presente estudo foi considerada como variável resposta a classificação do TDAH, em três categorias, de acordo com a sintomatologia descrita na escala SNAP-IV. Como variáveis explicativas foram consideradas a compreensão da linguagem oral; o desempenho nos testes de linguagem oral; o desempenho nos testes de leitura e escrita; a pontuação no RAF; o escore de qualidade de vida; os fatores sociodemográficos (idade, sexo e classificação econômica - CCEB); as capacidades e dificuldades (SDQ) e o comportamento pró-social. Para as análises de associação foram consideradas a variável resposta e as demais variáveis explicativas, mantidas na forma original para as análises bivariadas. Para as variáveis categóricas, foi utilizado o teste Qui-quadrado de Pearson para análise das associações. No caso de variáveis contínuas, foram utilizados ANOVA (análise de variância) para as variáveis contínuas com distribuição simétrica e o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis para as variáveis com distribuição assimétrica.

Para todas as análises foram adotados nível de significância de 5% e intervalo de confiança de 95%. Para a entrada, o processamento e a análise dos dados quantitativos foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0.

Resultados

Na Tabela 1 estão descritos os dados sociodemográficos e ambientais dos participantes.

Tabela 1:
Análise bivariada da associação entre os perfis de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, segundo a escala SNAP-IV e variáveis sociodemográficas e ambientais

A Tabela acima mostra que nenhuma das variáveis sociodemográficas e ambientais se associou aos perfis de TDAH.

Na Tabela 2 são apresentados os resultados da associação entre as variáveis do Token Test, da prova de nomeação automática rápida, da prova de memória de trabalho fonológica e os perfis de TDAH.

Tabela 2:
Análise bivariada da associação entre os perfis de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, segundo a escala SNAP-IV e os resultados da prova de Nomeação Automatizada Rápida, do Token Test e da prova de Memória de Trabalho Fonológica

Não houve associação entre os resultados dos testes acima e os perfis de TDAH (valor-p>0,05).

A Tabela 3 mostra os resultados das provas de vocabulário emissivo e receptivo, ditado, consciência fonológica e consciência sintática e sua associação com os perfis de TDAH.

Tabela 3:
Análise bivariada da associação entre os perfis de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, segundo a escala SNAP-IV e resultados das provas de Vocabulário Emissivo e Receptivo, Ditado, Consciência Fonológica e Consciência Sintática

Não foram observadas associações estatisticamente significantes (p>0,05).

Na Tabela 4 são apresentados os resultados das análises de associação entre o SNAP e os resultados do PROLEC.

Tabela 4:
Análise bivariada da associação entre os perfis de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade segundo a escala SNAP-IV e resultados da Provas de Avaliação dos Processos de Leitura

Não houve associação entre as variáveis e os perfis de TDAH (p>0,05). Entretanto observa-se que a variável “leitura de pseudopalavras” apresentou associação limítrofe (p=0,055), com maior proporção de respostas “grande dificuldade” no perfil combinado.

Na Tabela 5 estão os dados das análises de associação entre os perfis de TDAH, os escores dos domínios e resultado final do PedsQL e da pontuação total do impacto no SDQ.

Tabela 5:
Análise bivariada da associação entre os perfis de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, segundo a escala SNAP-IV, o Pediatric Quality of Life Inventory™ (PedsQL) e os resultados do Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ)

Não houve associação significante entre as variáveis do PedsQL. Em relação ao SDQ, a Pontuação Total do Impacto apresentou associação com significância estatística com os perfis do TDAH. Houve maior proporção de resultados alterados nos perfis desatento e combinado (p=0,003).

Discussão

A investigação de sintomas de desatenção e hiperatividade, desenvolvimento de linguagem, aspectos cognitivos, ambientais, socioeconômicos e de qualidade de vida, em crianças com TDAH indicou associação com significância estatística entre os perfis do TDAH e o escore total do Questionário de Capacidades e Dificuldades. Assim, estão incluídos na análise os escores relativos ao sofrimento global e às dificuldades sociais da criança. A associação significante entre este domínio e os perfis do TDAH pode refletir a realidade vivenciada pelas crianças e suas famílias, na medida em que há comprometimento da saúde psicossocial e, consequentemente, da qualidade de vida da família e da criança. Fatores como o nível de estresse familiar, principalmente mediante existência de comorbidades; dificuldades afetivas e sociais; práticas parentais negativas e ausência de suporte familiar são alguns dos fatores a serem considerados no transtorno2929. Rezende FP, Calais SL, Cardoso HF. Stress, parenting and family support in attention deficit/shyperactivity disorder. Psicol Teor Prat. 2019;21(2):153-71.. Os principais estudos nacionais encontrados, que utilizaram o SDQ, avaliaram crianças com dificuldades escolares3030. D'Abreu LCF, Marturano EM. Identificação de problemas de saúde mental associados à queixa escolar segundo o DAWBA. Psico. 2011;42(2):152-8., crianças com desenvolvimento típico de leitura3131. Stivanin L, Scheuer CI, Assumpção Júnior F. SDQ (Strengths and Difficulties Questionnaire): identification of children readers behavioral characteristics. Psic Teor e Pesq. 2008,24(4):407-13., além de buscar a prevalência de problemas de saúde mental na atenção primária à saúde em crianças de seis a 11 anos3232. Fatori D, Brentani A, Grisi SJFE, Miguel EC, Graeff-Martins AS. Childhood mental health problems in Primary Care. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(9):3013-20., analisar a associação entre variáveis do contexto familiar e o risco de problemas emocionais/comportamentais em crianças3333. Ferriolli SHT, Marturano EM, Puntel LP. Family context and child mental health problems in the Family Health Program. Rev Saúde Pública. 2007;41(2):251-9.. Vale destacar ainda estudo longitudinal realizado com 1176 crianças dinamarquesas com objetivo de prever transtornos mentais na pré-adolescência que demonstrou que o SDQ não deve ser usado isoladamente, mas compor uma bateria de triagem para acompanhamento do desenvolvimento de comportamentos3434. Nielsen LG, Rimvall MK, Clemmensen L, Munkholm A, Elberling H, Olsen EM et al. The predictive validity of the Strengths and Difficulties Questionnaire in preschool age to identify mental disorders in preadolescence. PloS One. 2019;14(6):e0217707..

No presente estudo, os dados sociodemográficos e ambientais não apresentaram associação de significância estatística com os perfis do TDAH. No que concerne ao ambiente familiar, um estudo nacional, realizado com crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 13 anos, com TDAH, revelou que o funcionamento familiar está fortemente associado ao transtorno. Nas famílias em que havia alguma disfunção familiar foi verificada maior prevalência do TDAH, em relação às famílias que se relacionavam de forma melhor1414. Pires TO, da Silva CMFP, de Assis SG. Family environment and attention-deficit hyperactivity disorder. Rev Saúde Pública. 2012;46(4):624-33.. Neste mesmo estudo, as condições socioeconômicas, tais como: baixa renda e número de pessoas por domicílio não apresentaram associação com o TDAH.

O desempenho das crianças nos testes de Nomeação Automática Rápida, Memória de Trabalho Fonológica para Dígitos e Palavras, Token, vocabulário emissivo, vocabulário receptivo, ditado, consciência fonológica e consciência sintática não apresentou associação com os perfis do TDAH, no presente estudo. Entretanto, é necessário considerar a importância clínica de alguns resultados. Na prova de Nomeação Automática Rápida, verificou-se pior desempenho na nomeação de letras, seguida da nomeação de cores, dígitos e objetos (Tabela 2). Cabe ressaltar que a nomeação rápida é uma das habilidades do processamento fonológico e apresenta relação com a leitura, em habilidades de decodificação, fluência e compreensão88. Cunha VLO, da Silva C, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50.,1212. Klein AI, Lamprecht RR. A compreensão em leitura e a consciência fonológica em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Signo. 2012;37(63):25-54.,3535. Alves DC, Casella EB, Ferraro AA. Spelling performance of students with developmental dyslexia and with developmental dyslexia associated to attention deficit disorder and hyperactivity. CoDAS. 2016;28(2):123-31.. Dentre as habilidades necessárias para a nomeação rápida está a atenção, notadamente alterada nos quadros de TDAH. Assim como na tarefa de leitura de pseudopalavras, o desempenho das crianças com TDAH perfil combinado foi pior, em relação aos outros perfis, na prova de nomeação automática rápida, reafirmando as alterações nos processos atencionais, de memória e de processamento fonológico, na amostra estudada.

Em relação ao Token Test, verifica-se que o desempenho nos perfis desatento e combinado foi o mesmo (Tabela 2). Este dado reafirma o fato de que a atenção, prejudicada nos dois perfis, exerce papel fundamental na compreensão da linguagem e fornece pistas para melhor investigação da cognição.

Na prova de Memória de Trabalho Fonológica observou-se que houve mais crianças nos perfis desatento e combinado, cujo desempenho correspondeu ao esperado para faixas etárias inferiores. Estes dados vão ao encontro da hipótese de diferenciação dos perfis, em relação aos perfis neuropsicológicos apresentados pelos pacientes com TDAH. Ao perfil predominantemente desatento estariam associados os problemas relacionados à atenção seletiva e à velocidade de processamento de informações, com desempenhos piores em testes de destreza visuomotora, de velocidade de processamento e de recuperação mnemônica verbal. Ao perfil predominantemente hiperativo estariam associadas as dificuldades na sustentação da atenção ao longo do tempo, com desempenho semelhante ao de sujeitos normais, nestes testes1010. Messina LF, Tiedemann KB. Assessment of working memory in children with attention deficit hyperactivity disorder. Psicol USP. 2009;20(2):209-28..

No que diz respeito ao desempenho nos testes de vocabulário emissivo e receptivo, observou-se desempenho inferior no vocabulário receptivo (Tabela 3). O resultado apresentado pelas crianças com TDAH perfil combinado foi semelhante ao de crianças do perfil desatento. Uma possível explicação para estes e para os dados referentes ao Token Test baseia-se no modelo de organização da memória de trabalho3636. Baddeley AD, Hitch GJ, Allen RJ. From short-term store to multicomponent working memory: The role of the modal model. Mem Cogn. 2019;47:575-88., cujos principais componentes são um executivo central e dois subsistemas, a saber: a alça fonológica, relacionada à representação, armazenamento e manipulação do material verbal, e o subsistema visuo-espacial, relacionado às propriedades visuais e espaciais dos objetos. O funcionamento da alça fonológica ocorre por meio de código fonológico e seu armazenamento é considerado restrito, devido à rápida deterioração do material verbal, no decorrer do tempo. Para minimizar este aspecto, atuam, de forma complementar, dois outros sistemas da alça fonológica: um deles relacionado ao armazenamento fonológico (“loop fonológico”) e o outro relacionado aos processos de ensaio subvocal ou articulatório.

Assim como a alça fonológica, o subsistema ou alça visuo-espacial mantém informações, porém, de natureza visuo-espacial. Neste subsistema também há outros dois componentes complementares: um deles relacionado à manutenção de material visual e outro pela manipulação de material espacial. Desta forma, o subsistema visuo-espacial seria responsável pelo processamento e armazenamento de informações visuo-espaciais. Vale ressaltar que, para a realização do teste de vocabulário receptivo e do Token Test a criança deve manipular informações verbais e visuais, concomitantemente.

Em relação à avaliação da escrita, por meio de ditado, houve predominância de erros ortográficos em palavras de baixa frequência e média de erros igual para a escrita de pseudopalavras e de palavras de alta frequência (Tabela 3). Estes dados contradizem o que é esperado quanto ao efeito nos níveis de familiaridade das palavras, pois espera-se que, quanto maior a frequência de ocorrência da palavra, maior seja a precisão na escrita e o envolvimento do processo lexical, tanto na leitura em voz alta, como na escrita3030. D'Abreu LCF, Marturano EM. Identificação de problemas de saúde mental associados à queixa escolar segundo o DAWBA. Psico. 2011;42(2):152-8.. Desta forma, os erros quanto aos níveis de familiaridade seriam em pseudopalavras, palavras de baixa frequência e palavras de alta frequência, respectivamente.

No presente estudo, a média semelhante de erros em pseudopalavras e em palavras de alta frequência, entre os três perfis de TDAH, indica a necessidade de investigação acerca dos processos subjacentes à escrita de escolares com TDAH, assim como a exclusão de comorbidades. Em crianças com distúrbio específico de leitura, a predominância de erros em palavras de baixa frequência pode estar relacionada às dificuldades para o aprendizado das representações lexicais de palavras novas ou de realizar o processamento ortográfico3131. Stivanin L, Scheuer CI, Assumpção Júnior F. SDQ (Strengths and Difficulties Questionnaire): identification of children readers behavioral characteristics. Psic Teor e Pesq. 2008,24(4):407-13..

Quanto ao desempenho nas habilidades metalinguísticas, os resultados apresentados na avaliação da consciência fonológica pelos perfis desatento e combinado foram semelhantes (Tabela 3). Nos dois perfis verificou-se inadequação nas habilidades de consciência fonológica. Estes dados apontam para a relação entre as dificuldades apresentadas pelas crianças avaliadas neste estudo, quanto às habilidades de leitura e escrita. A consciência fonológica, o acesso ao léxico mental e a memória de trabalho fonológica fazem parte do processamento fonológico, caracterizado pelas operações mentais realizadas com base na estrutura da linguagem oral1212. Klein AI, Lamprecht RR. A compreensão em leitura e a consciência fonológica em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Signo. 2012;37(63):25-54.. Nesse sentido, habilidades de consciência fonológica nos perfis desatento e combinado poderiam sofrer influência, dentre outros, dos processos atencionais. Alguns dos estudos que avaliaram o desempenho de crianças com e sem TDAH, em habilidades de consciência fonológica revelaram desempenho pior do primeiro grupo, em relação ao segundo88. Cunha VLO, da Silva C, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50.,1111. Oliveira AM, Cardoso MH, Pinheiro FH, Germano GD, Capellini SA. Performance of students with dyslexia and attention deficit disorder with hyperactivity in the reading assessment processes. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21(2):344-55.. Estudo brasileiro3737. Gonçalves-Guedim TF, Capelatto IV, Salgado-Azoni CA, Ciasca SM, Crenitte PAP. Performance of children with attention deficit hyperactivity disorder in phonological processing, reading and writing. Rev. CEFAC. 2017;19(2):242-52. realizado com crianças na faixa etária de 9 a 12 anos mostrou que escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade apresentaram desempenho inferior em habilidades de consciência fonológica, acesso ao léxico, memória operacional, leitura e escrita de palavras, quando comparados aos escolares sem transtorno de déficit de atenção e hiperatividade com bom desempenho escolar.

O desempenho no teste de consciência sintática foi similar ao dos demais testes mencionados, com semelhança entre os perfis desatento e combinado e predominância de erros no perfil combinado. Vale destacar que a literatura3838. Soares ACC, Zuanetti PA, da Silva K, Guedes-Granzotti RB, Fukuda MTH. Written narrative of students with and without difficulty in syntactic awareness. J Hum Growth Dev. 2020;30(3):372-9. mostra que crianças com alterações em consciência sintática apresentam déficits na narrativa escrita. Deste modo, é fundamental investigar melhor a repercussão de tais alterações em crianças e adolescentes com TDAH.

No que diz respeito aos processos de leitura, a tarefa leitura de pseudopalavras apresentou associação limítrofe (Tabela 4), com maior proporção de respostas relacionadas à grande dificuldade, em crianças com TDAH do perfil combinado (Tabela 4). O processo de leitura envolve o reconhecimento de palavras, que pode ocorrer por meio da rota lexical ou da rota fonológica. A primeira está relacionada ao processo visual direto e a segunda à mediação fonológica. Desta forma, a rota fonológica é relacionada à leitura de pseudopalavras e a rota lexical à leitura de palavras regulares77. Oliveira AM, Cardoso MH, Padula NAMR, Lourencetti MD, dos Santos LCA, Capellini SA. Reading processes in students with Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Psicol Argum. 2013;31(72):35-44.. É esperado que, com o avançar da idade e da escolaridade, o uso, tanto da rota lexical, como da rota fonológica, seja aprimorado88. Cunha VLO, da Silva C, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50.. Os dados revelados no presente estudo sugerem comprometimento no uso da rota fonológica em crianças com TDAH e corrobora o pior desempenho dessas crianças nos processos de leitura77. Oliveira AM, Cardoso MH, Padula NAMR, Lourencetti MD, dos Santos LCA, Capellini SA. Reading processes in students with Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Psicol Argum. 2013;31(72):35-44.,1212. Klein AI, Lamprecht RR. A compreensão em leitura e a consciência fonológica em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Signo. 2012;37(63):25-54.. O fato de o perfil combinado ter apresentado pior desempenho em relação aos outros perfis pode ser atribuído à hiperatividade, à desatenção, e à impulsividade, características do quadro.

Em relação à qualidade de vida e os perfis do TDAH, embora não tenha ocorrido associação com significância estatística neste estudo, a literatura revela a existência de dificuldades que trazem impacto na qualidade de vida de crianças e adolescentes com TDAH44. Segenreich D, Fortes D, Coutinho G, Pastura G, Mattos P. Anxiety and depression in parents of a Brazilian non-clinical sample of attention-deficit/ hyperactivity disorder (ADHD) students. Braz J Med Biol Res. 2009;42(5):465-9.,1313. Cappe E, Bolduc M, Rougé MC, Saiag MC, Delorme R. Quality of life, psychological characteristics, and adjustment in parents of children with Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Qual Life Res. 2017;26(5):1283-94.. Neste contexto o tamanho da amostra pode ser apontado como uma possível explicação da ausência de associação, e também como a principal limitação do estudo.

Embora o número de crianças avaliadas tenha sido pequeno, quando comparado a estudos epidemiológicos, o número de testes e avaliações realizadas foi amplo e apresenta uma análise em profundidade das associações dos perfis clínicos analisados (hiperativo, desatento e combinado) com os aspectos fonoaudiológicos e socioambientais. Cabe ter cautela na análise do perfil combinado, que apresentou apenas quatro sujeitos.

Vale destacar que a presente pesquisa se pautou na perspectiva clínica e socioambiental das crianças com diagnóstico de TDAH e, portanto, contribui para a discussão e orientação do diagnóstico e intervenção fonoaudiológica. Além disso, a complexidade do diagnóstico e abordagem do TDAH3939. Randell R, Somerville-Brown L, Chen W. How relevant is higher-order language deficit (HOLD) to children with complex presentations of attention-deficit hyperactivity disorder? Atten Defic Hyperact Disord. 2019;11(3):325-32. indicam a necessidade de estudos mais robustos com essa população (estudos longitudinais ou ensaios clínicos randomizados) e aprofundamento do estudo das associações entre as subescalas do SDQ e os testes fonoaudiológicos nesta população.

Conclusão

A realização deste estudo possibilitou a avaliação de vários aspectos relacionados ao desenvolvimento de crianças com TDAH, encaminhadas para o Serviço de Fonoaudiologia do Hospital da instituição de origem. Não foram encontradas associações estatisticamente significantes entre a predominância de sintomas de TDAH e a maioria das variáveis analisadas neste estudo. Contudo, o melhor desempenho das crianças do perfil hiperativo e o desempenho semelhante entre os perfis misto e predominantemente desatento sugere que os mecanismos atencionais sejam o principal fator interveniente.

REFERENCES

  • 1
    APA: American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5. 5th ed. Washington: American Psychiatric Association; 2013.
  • 2
    Varma A, Wiener J. Perceptions of ADHD symptoms in adolescents with attention-deficit/hyperactivity disorder: attributions and stigma. Canadian Journal of School Psychology [journal on the Internet]. 2020 Sep [cited 2020 Sep 28]; [about 7 p.]. Available at: https://doi.org/10.1177/0829573520936459
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177/0829573520936459
  • 3
    Root A, Brown JP, Forbes HJ, Bhaskaran K, Hayes J, Smeeth L et al. Association of relative age in the school year with diagnosis of intellectual disability, attention-deficit/hyperactivity disorder, and depression. JAMA Pediatr. 2019;173(11):1068-75.
  • 4
    Segenreich D, Fortes D, Coutinho G, Pastura G, Mattos P. Anxiety and depression in parents of a Brazilian non-clinical sample of attention-deficit/ hyperactivity disorder (ADHD) students. Braz J Med Biol Res. 2009;42(5):465-9.
  • 5
    Limbers CA, Ripperger-Suhler J, Heffer RW, Varni JW. Patient-reported Pediatric Quality of Life Inventory(tm) 4.0 Generic Core Scales in pediatric patients with attention-deficit/hyperactivity disorder and comorbid psychiatric disorders: feasibility, reliability, and validity. Value Health. 2011;14(4):521-30.
  • 6
    Xu G, Strathearn L, Liu B, Yang B, Bao W. Twenty-year trends in diagnosed Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder among US children and adolescents, 1997-2016. JAMA Netw Open. 2018;1(4):e181471.
  • 7
    Oliveira AM, Cardoso MH, Padula NAMR, Lourencetti MD, dos Santos LCA, Capellini SA. Reading processes in students with Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Psicol Argum. 2013;31(72):35-44.
  • 8
    Cunha VLO, da Silva C, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini SA. Performance of students with attention deficit disorder and hyperactivity in metalinguistic and reading tasks. Rev. CEFAC. 2013;15(1):40-50.
  • 9
    Capellini SA, Ferreira TL, Salgado CA, Ciasca SM. Performance of good readers, students with dyslexia and attention deficit hyperactivity disorder in rapid automatized naming. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(2):114-9.
  • 10
    Messina LF, Tiedemann KB. Assessment of working memory in children with attention deficit hyperactivity disorder. Psicol USP. 2009;20(2):209-28.
  • 11
    Oliveira AM, Cardoso MH, Pinheiro FH, Germano GD, Capellini SA. Performance of students with dyslexia and attention deficit disorder with hyperactivity in the reading assessment processes. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011;21(2):344-55.
  • 12
    Klein AI, Lamprecht RR. A compreensão em leitura e a consciência fonológica em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Signo. 2012;37(63):25-54.
  • 13
    Cappe E, Bolduc M, Rougé MC, Saiag MC, Delorme R. Quality of life, psychological characteristics, and adjustment in parents of children with Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Qual Life Res. 2017;26(5):1283-94.
  • 14
    Pires TO, da Silva CMFP, de Assis SG. Family environment and attention-deficit hyperactivity disorder. Rev Saúde Pública. 2012;46(4):624-33.
  • 15
    Mattos P, Serra-Pinheiro MA, Rohde LA, Pinto D. A Brazilian version of the MTA-SNAP-IV for evaluation of symptoms of attention-deficit/hyperactivity disorder and oppositional-defiant disorder. Rev Psiquiatr. 2006;28(3):290-7.
  • 16
    Abep.org/criterio-brasil. [homepage na Internet]. São Paulo: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) [updated on 11 Mar 2021; accessed on 21 Mar 2021]. Available at: http://www.abep.org/criterio-brasil
    » http://www.abep.org/criterio-brasil
  • 17
    Marturano EM. The home environment resources scale. Psicol Reflex Crit. 2006;19(3):498-506.
  • 18
    Goodman R. The Strengths and Difficulties Questionnaire: a research note. J Child Psychol Psychiatry. 1997;38(5):581-6.
  • 19
    Varni JW, Seid M, Kurtin PS. PedsQL 4.0: reliability and validity of the Pediatric Quality of Life Inventory TM Version 4.0 generic core scales in healthy and patient populations. Med Care. 2001;39(8):800-12.
  • 20
    Malloy-Diniz LF, Bentes RC, Figueiredo PM, Brandão-Bretas D, da Costa-Abrantes S, Parizzi AM et al. Standardisation of a battery of tests to evaluate language comprehension, verbal fluency and naming skills in Brazilian children between 7 and 10 years of age: preliminary findings. Rev. Neurol. 2007;44(5):275-80.
  • 21
    Denckla MB, Rudel R. Rapid "automatized" naming of pictured objects, colors, letters and numbers by normal children. Cortex. 1974;10(2):186-202.
  • 22
    Hage SRV, Grivol MA. Reference values of nonword repetition test for Brazilian Portuguese-speaking children. J Appl Oral Sci. 2009;17(spe):63-8.
  • 23
    Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW: Teste de Linguagem Infantil Nas Áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática. São Paulo: Pró-Fono; 2004.
  • 24
    Capovilla FC. Teste de Vocabulário Por Figuras USP - TVfusp: Normatizado para avaliar compreensão auditiva de palavras dos 7 aos 10 anos. São Paulo: Memnon; 2011.
  • 25
    Pinheiro AMV, Rothe-Neves R. Cognitive Assessment of Reading and Writing: Reading-Aloud and Spelling Tasks. Psicol Reflex Crit. 2001;14(2):399-408.
  • 26
    Santos MTM, Pereira LD. Teste de Consciência Fonológica. ln: Pereira LD, Schochat E, editors. Processamento Auditivo Central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997. p. 187-95.
  • 27
    Capovilla FC, Capovilla AGS. Prova de Consciência Sintática (PCS): normatizada e validada para avaliar a habilidade metassintática de escolares de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental. São Paulo: Memnon; 2006.
  • 28
    Capellini SA, Oliveira AM, Cuetos F. PROLEC: Provas de Avaliação dos Processos de Leitura. São Paulo: Pearson; 2010.
  • 29
    Rezende FP, Calais SL, Cardoso HF. Stress, parenting and family support in attention deficit/shyperactivity disorder. Psicol Teor Prat. 2019;21(2):153-71.
  • 30
    D'Abreu LCF, Marturano EM. Identificação de problemas de saúde mental associados à queixa escolar segundo o DAWBA. Psico. 2011;42(2):152-8.
  • 31
    Stivanin L, Scheuer CI, Assumpção Júnior F. SDQ (Strengths and Difficulties Questionnaire): identification of children readers behavioral characteristics. Psic Teor e Pesq. 2008,24(4):407-13.
  • 32
    Fatori D, Brentani A, Grisi SJFE, Miguel EC, Graeff-Martins AS. Childhood mental health problems in Primary Care. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(9):3013-20.
  • 33
    Ferriolli SHT, Marturano EM, Puntel LP. Family context and child mental health problems in the Family Health Program. Rev Saúde Pública. 2007;41(2):251-9.
  • 34
    Nielsen LG, Rimvall MK, Clemmensen L, Munkholm A, Elberling H, Olsen EM et al. The predictive validity of the Strengths and Difficulties Questionnaire in preschool age to identify mental disorders in preadolescence. PloS One. 2019;14(6):e0217707.
  • 35
    Alves DC, Casella EB, Ferraro AA. Spelling performance of students with developmental dyslexia and with developmental dyslexia associated to attention deficit disorder and hyperactivity. CoDAS. 2016;28(2):123-31.
  • 36
    Baddeley AD, Hitch GJ, Allen RJ. From short-term store to multicomponent working memory: The role of the modal model. Mem Cogn. 2019;47:575-88.
  • 37
    Gonçalves-Guedim TF, Capelatto IV, Salgado-Azoni CA, Ciasca SM, Crenitte PAP. Performance of children with attention deficit hyperactivity disorder in phonological processing, reading and writing. Rev. CEFAC. 2017;19(2):242-52.
  • 38
    Soares ACC, Zuanetti PA, da Silva K, Guedes-Granzotti RB, Fukuda MTH. Written narrative of students with and without difficulty in syntactic awareness. J Hum Growth Dev. 2020;30(3):372-9.
  • 39
    Randell R, Somerville-Brown L, Chen W. How relevant is higher-order language deficit (HOLD) to children with complex presentations of attention-deficit hyperactivity disorder? Atten Defic Hyperact Disord. 2019;11(3):325-32.
  • Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Ciências Fonoaudiológicas, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
  • Fonte de auxílio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG, Edital Universal/2016, Processo: APQ-03742-16; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2020
  • Aceito
    07 Abr 2021
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br