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Comparação de laudos tomográficos por médicos radiologistas x não radiologistas no trauma e interferências na conduta em um centro de referência de trauma

RESUMO

Objetivo:

os erros diagnósticos durante a interpretação de um exame de imagem pelo médico podem acarretar aumento da mortalidade e do tempo de internação dos pacientes. A taxa de divergência entre o laudo dado por um médico radiologista e a avaliação preliminar de um Médico Emergencista (ME) pode chegar a mais de 20%. O objetivo deste trabalho foi comparar as avaliações dos exames de imagem realizadas pelo ME com os laudos oficiais emitidos pelos radiologistas.

Métodos:

estudo seccional e transversal, no qual foram avaliadas interpretações dos exames (documentadas no prontuário pelos ME) de todos os pacientes submetidos à tomografia computadorizada (TC) de tórax, abdome ou pelve realizada na emergência, em um intervalo de 8 meses. Esses dados foram comparados com os laudos oficiais do médico radiologista (padrão ouro).

Resultados:

foram incluídos 508 pacientes no estudo. A divergência entre ME e radiologista ocorreu em 27% dos casos. O tipo de divergência mais incidente foi a não descrita pelo ME, mas descrita pelo radiologista. A chance de haver divergência em um caso de politrauma é 4,93 vezes maior em relação ao caso de somente trauma contuso em um segmento. Foi encontrada também uma diferença estatisticamente relevante no tempo de internamento dos pacientes que tiveram interpretações divergentes das tomografias.

Conclusão:

o estudo encontrou uma taxa de divergência relativamente alta entre o laudo do ME e o laudo oficial do radiologista. Contudo, menos de 4% dessas foram consideradas como clinicamente relevantes, indicando a capacidade dos ME em interpretar os exames de imagem de forma satisfatória.

Palavras-chave:
Tomografia por Raios X; Erros de Diagnóstico; Traumatismo Múltiplo; Fadiga Mental; Erros Médicos

ABSTRACT

Objective:

diagnostic errors during the interpretation of an imaging test by the physician can lead to increased mortality and length of hospital stay for patients. The rate of divergence in the report given by a radiologist and an Emergency Physicians (EP) can reach over 20%. The objective of this study was to compare the unofficial tomographic reports issued by EP with the official reports issued by radiologists.

Methods:

a cross-sectional study, in which interpretations of the exams (documented in the medical records by the EP) of all patients undergoing computed tomography (CT) of the chest, abdomen or pelvis performed in the emergency room, at an interval of 8 months, were evaluated. These data were compared with the official reports of the radiologist (gold standard).

Results:

508 patients were included. The divergence between EP and the radiologist occurred in 27% of the cases. The most common type of divergence was the one not described by the EP, but described by the radiologist. The chance of having divergence in a case of multiple trauma is 4.93 times greater in relation to the case of only blunt trauma in one segment. A statistically relevant difference was also found in the length of stay of patients who had different interpretations of the CT scans.

Conclusion:

the study found a relatively high divergence rate between the EP report and the official radiologist report. However, less than 4% of these were considered to be clinically relevant, indicating the ability of the EP to interpret it satisfactorily.

Keywords:
Tomography, X-Ray Computed; Diagnostic Errors; Multiple Trauma; Mental Fatigue; Medical Errors

INTRODUÇÃO

O começo do estudo dos erros radiológicos data do ano de 1899 com Beclere11 Kundel H, Nodine CF. A Short History of Image Perception in Medical Radiology. In: Samei E, Krupinski EA, editors. The Handbook of Medical Image Perception and Techniques. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press; 2018. p. 11-22., que analisou o tempo que a retina leva para avaliar com sensibilidade adequada uma tela fluoroscópica. Nesse estudo, foi constatado que somente após 20 minutos a retina possui sua sensibilidade máxima, permitindo a presença de erros de interpretação antes desse intervalo, culminando em um diagnóstico equivocado. Os erros diagnósticos são importante componente do erro médico, representando até 37% da categoria22 Brown TW, McCarthy ML, Kelen GD, Levy F. An epidemiologic study of closed emergency department malpractice claims in a national database of physician malpractice insurers. Acad Emerg Med. 2010;17(5):553-60. doi: 10.1111/j.1553-2712.2010.00729.x.
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. Além de acarretar aumento da mortalidade, os erros diagnósticos também aumentam o tempo de internação dos pacientes, onerando os sistemas de saúde33 Hautz WE, Kämmer JE, Hautz SC, Sauter TC, Zwaan L, Exadaktylos AK, et al. Diagnostic error increases mortality and length of hospital stay in patients presenting through the emergency room. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2019;27(1):1-12. doi: 10.1186/s13049-019-0629-z.
https://doi.org/10.1186/s13049-019-0629-...
. O erro médico movimenta milhões de dólares anualmente no âmbito judicial e tem como principal foco dos processos os médicos emergencistas (ME)22 Brown TW, McCarthy ML, Kelen GD, Levy F. An epidemiologic study of closed emergency department malpractice claims in a national database of physician malpractice insurers. Acad Emerg Med. 2010;17(5):553-60. doi: 10.1111/j.1553-2712.2010.00729.x.
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. Isso se deve à pressão exercida sobre essa classe e principalmente à fadiga sob a qual os profissionais estão submetidos44 Krupinski EA, Berbaum KS, Caldwell RT, Schartz KM, Madsen MT, Kramer DJ. Do long radiology workdays affect nodule detection in dynamic CT interpretation? J Am Coll Radiol. 2012;9(3):191-8. doi: 10.1016/j.jacr.2011.11.013.
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. Grande parte dos Pronto-Atendimentos (PA) não possui um radiologista prontamente disponível para a interpretação dos exames de imagem requisitados. Assim, no cenário de urgência/emergência a maioria dos exames é interpretada inicialmente pelo ME, com o laudo oficial sendo emitido mais tardiamente pelo radiologista. Isso se faz particularmente importante nos serviços de atendimento ao trauma, visto que essa modalidade de atendimento exige decisões tomadas de forma rápida e assertiva. Ao analisar 1522 exames radiológicos, Mattsson e colegas encontraram uma taxa de divergência de 20,35% entre as interpretações, com aproximadamente um terço delas sendo clinicamente significativas55 Mattsson B, Ertman D, Exadaktylos AK, Martinolli L, Hautz WE. Now you see me: A pragmatic cohort study comparing first and final radiological diagnoses in the emergency department. BMJ Open. 2018;8(1):1-6. doi: 10.1136/bmjopen-2017-020230.
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. Alguns fatores como idade do paciente e região anatômica analisada foram preditores de risco para a ocorrência de discrepâncias55 Mattsson B, Ertman D, Exadaktylos AK, Martinolli L, Hautz WE. Now you see me: A pragmatic cohort study comparing first and final radiological diagnoses in the emergency department. BMJ Open. 2018;8(1):1-6. doi: 10.1136/bmjopen-2017-020230.
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. A ocorrência de divergências varia também conforme o tipo do exame. Um estudo de 2019 encontrou uma taxa de 6,5% de divergência entre a interpretação de radiografias, indicando que esse exame pode ser interpretado com relativa segurança pelos ME66 Tranovich M, Gooch C, Dougherty J. Radiograph Interpretation Discrepancies in a Community Hospital Emergency Department. West J Emerg Med. 2019;20(4):626-32. doi: 10.5811/westjem.2019.1.41375.
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. O tipo de lesão sofrida também é relevante ao se considerar o número de discrepâncias. Um trabalho realizado na África do Sul, ao analisar somente as tomografias de politraumatizados, encontrou uma taxa de concordância entre o radiologista e o ME de apenas 58,6%77 Parag P, Hardcastle TC. Interpretation of emergency CT scans in polytrauma: trauma surgeon vs. radiologist. African J Emerg Med. 2020;10(2):90-4. doi: 10.1016/j.afjem.2020.01.008.
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. Contudo, somente 4,84% dos pacientes foram vítimas de uma discrepância clinicamente relevante, de forma não significativa estatisticamente (p>0,05)77 Parag P, Hardcastle TC. Interpretation of emergency CT scans in polytrauma: trauma surgeon vs. radiologist. African J Emerg Med. 2020;10(2):90-4. doi: 10.1016/j.afjem.2020.01.008.
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. O objetivo deste trabalho foi comparar os laudos tomográficos não oficiais emitidos pelos ME no pronto-socorro de um centro referência de trauma com os laudos oficiais emitidos pelos radiologistas, analisando suas divergências e a significância clínica dessas. Também foram analisados os fatores de risco para ocorrência dessas discrepâncias.

MÉTODOS

Trata-se de um trabalho seccional, transversal realizado em centro de referência para atendimento ao trauma na cidade e região metropolitana de Curitiba-PR. Avaliou-se o prontuário de todos os pacientes submetidos à tomografia computadorizada (TC) de tórax e/ou abdome e/ou pelve realizada na emergência, em um intervalo de 8 meses (01/10/2019 - 26/05/2020). Foram revisadas as interpretações dos exames documentadas no prontuário pelos ME (laudo não oficial) e a conduta tomada a partir delas. Esses dados foram comparados com os laudos oficiais do médico radiologista, que foram considerados como o padrão ouro. Nos casos em que houve divergência entre as duas interpretações, a significância clínica da discordância foi analisada de forma independente por um cirurgião do trauma experiente. Nos casos em que um único caso gerou mais de uma discrepância, a divergência foi contabilizada apenas uma vez. Foram incluídos: pacientes maiores de 18 anos (idade no momento da coleta) que realizaram tomografia de tórax e/ou abdome e/ou pelve no período de 01/10/2019 a 26/05/2020. Os critérios de exclusão adotados foram os seguintes: realização da tomografia por motivos alheios ao trauma, transcrição de laudo verbal fornecido por radiologista simultaneamente a avalição da imagem pelo ME, ausência de laudo oficial da TC, ausência de avaliação pela equipe de cirurgia geral e retorno do paciente após trauma antigo. Além da avaliação dos achados tomográficos e suas divergências, foram analisadas as seguintes variáveis: sexo e idade do paciente, mecanismo de trauma, tipo de trauma, horário e data da avaliação não oficial e data da avaliação oficial, tempo de internamento e desfecho. Para melhor avaliação, o dia foi dividido entre os seguintes períodos: manhã (8h-12:59h); tarde (13h-17:59h); noite (20h-00:59h); madrugada (01h-05:59h). Além disso, foram definidos os períodos próximos à troca de plantão na manhã (6h-07:59h) e na tarde (18h-19:59h). Considerou-se divergência tanto aqueles achados que foram descritos pelo médico radiologista e não pelo ME quanto aqueles que o ME descreveu e o médico radiologista não. Os mecanismos de trauma foram divididos em categorias, sendo elas: queda de mesmo nível (QMN), queda de outro nível (QON), ferimento por arma branca (FAB), ferimento por arma de fogo (FAF), capotamento, atropelamento, colisões automobilísticas, agressão, choque contra objeto, enforcamento, esmagamento, queda de motocicleta, queda de cavalo e queda de bicicleta. A variável tipo de trauma foi reduzida aos tipos contuso, aberto ou politrauma. Pacientes politraumatizados foram considerados como aqueles que sofreram lesão em pelo menos dois sistemas diferentes. Na avaliação do laudo oficial, foram consideradas apenas as lesões referentes ao trauma atual, sendo desconsideradas alterações antigas ou clínicas. Para idade, testou-se a hipótese nula de que as médias de idade são iguais para casos não divergentes e casos divergentes, versus a hipótese alternativa de que as médias são diferentes. Além disso, testou-se a hipótese nula de que as probabilidades de óbito são iguais para casos sem e com divergência, versus a hipótese alternativa de probabilidades diferentes. Para cada uma das variáveis categóricas, testou-se a hipótese nula de que as probabilidades de haver divergência entre ME e Radiologista são iguais para todas as classificações da variável, versus a hipótese alternativa de que as probabilidades são diferentes. Os resultados de variáveis quantitativas foram descritos por média e desvio padrão ou por mediana, mínimo e máximo. Variáveis categóricas foram descritas por frequência e percentual. Para avaliação da associação entre variáveis demográficas e clínicas e a divergência entre ME e Radiologista, foram ajustados modelos de Regressão Logística. O teste de Wald foi usado para analisar a significância das variáveis. A medida de associação estimada foi a odds ratio para a qual foram apresentados intervalos de confiança de 95%. A associação entre divergência e óbito foi analisada usando-se o teste exato de Fisher. Para a comparação entre casos com e sem divergência, em relação ao tempo de internamento, foi usado o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Valores de p<0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional Stata/SE v.14.1. StataCorpLP, USA. O estudo foi aprovado no Comitê de Ética do Hospital do Trabalhador sob o número 32122820.8.0000.5225.

RESULTADOS

Foram analisados 1177 registros de tomografia e após aplicação dos critérios de exclusão 508 pacientes formaram o grupo de estudo, sendo 78,1% (n=397) do sexo masculino. A idade dos pacientes variou entre 18 e 98 anos, com uma média de 43,5±17,5 anos. Os mecanismos de trauma mais prevalentes foram colisões automobilísticas (21,9%, n=128), quedas de outro nível (15,9%, n=81), quedas de mesmo nível (12,8%, n=65) e o principal tipo de trauma foi o contuso (68,9%, n=350). O exame de imagem mais realizado foi a tomografia de tórax (85,4%, n=434), seguido da tomografia de abdômen (77%, n=391) e pelve (75,8%, n=385). Os períodos de maior avaliação foram o da noite (28,4%, n=143), manhã (20,5%, n=103) e madrugada (19,5%, n=98). Estima-se que, na população alvo do estudo, a divergência entre ME e Radiologista ocorre em 27% dos casos, com intervalo de confiança de 95% dado por: 23,1% a 30,8%. O tipo de divergência mais incidente foi a não descrita pelo ME, mas descrita pelo radiologista (59,9%, n=82), caracterizando um falso negativo (Tabela 1). Nesse quesito, as lesões que mais suscitaram falso negativo foram: contusão pulmonar (30,5%, n=25), derrame pleural (28%, n=23) e fratura de arcos costais (20,7%, n=17).

Tabela 1
Tipo de divergência.
Tabela 2
Tipo de divergência.
Tabela 3

Para as variáveis idade, sexo e período do dia, os resultados indicam não haver associação significativa dessas variáveis com a divergência entre ME e Radiologista (Tabela 4). Para o tipo de trauma, ao comparar o trauma aberto com contuso não foi encontrada significância estatística para a ocorrência de divergências (p=0,082). Já ao comparar politrauma com trauma contuso foi encontrada significância estatística (p<0,001). A chance de haver divergência em um caso de politrauma é 4,93 vezes em relação ao caso de somente trauma contuso em um segmento (Tabela 4). Há também maior tempo de internamento nos casos de politrauma. Também não se encontrou associação significativa entre divergência e óbito.

Tabela 4
Fatores de tendência.

Foi encontrada também uma diferença estatisticamente relevante (p<0,001) no tempo de internamento dos pacientes que tiveram interpretações divergentes das tomografias (média de 6,6 dias de internamento) quando comparados àqueles com interpretações concordantes (média de 1,1 dias de internamento). Esses resultados foram expressos na Tabela 5. Dos 137 casos em que houve divergência, cinco (3,64%) foram julgados como clinicamente significativos. Suas características foram individualizadas na Tabela 6.

Tabela 5
Fatores de tendência.
Tabela 6
Descrição casos com divergência clinicamente significativa.

DISCUSSÃO

A radiologia se mostra como uma importante aliada durante a avaliação diagnóstica no atendimento ao trauma. Contudo, em países em desenvolvimento como o Brasil, nem sempre há um médico radiologista prontamente disponível em todos os serviços de atendimento ao traumatizado88 Sheffer M, Cassenote A, Guilloux AGA, et al. O perfil do médico especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem no Brasil. São Paulo, SP: CBR; 2019.. Questões como fadiga e complexidade dos casos podem ser capazes de aumentar a incidência de divergências44 Krupinski EA, Berbaum KS, Caldwell RT, Schartz KM, Madsen MT, Kramer DJ. Do long radiology workdays affect nodule detection in dynamic CT interpretation? J Am Coll Radiol. 2012;9(3):191-8. doi: 10.1016/j.jacr.2011.11.013.
https://doi.org/10.1016/j.jacr.2011.11.0...
,99 Brady AP. Error and discrepancy in radiology: inevitable or avoidable? Insights Imaging. 2017;8(1):171-82. doi: 10.1007/s13244-016-0534-1.
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. Assim, foram analisados de forma inédita o período do dia em que a tomografia foi realizada e tipo de trauma. Mostra-se importante frisar que os ME não tiveram treinamento formal em radiologia e sua experiência foi adquirida durante a residência e ao longo de suas carreiras. Esse estudo demonstrou que no quesito epidemiológico, ao analisar o perfil dos pacientes submetidos à tomografia, houve maior incidência de trauma no sexo masculino, sendo a maior parte do tipo contuso e devido a colisões automobilísticas, o que é condizente com os dados presentes na literatura1010 Aldred R, Johnson R, Jackson C, Woodcock J. How does mode of travel affect risks posed to other road users? An analysis of English road fatality data, incorporating gender and road type. Inj Prev. 2021;27(1):71-6. doi: 10.1136/injuryprev-2019-043534.
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11 Keall MD, Newstead S. Analysis of factors that increase motorcycle rider risk compared to car driver risk. Accid Anal Prev. 2012;49:23-9. doi: 10.1016/j.aap.2011.07.001.
https://doi.org/10.1016/j.aap.2011.07.00...
-1212 Bolandparvaz S, Yadollahi M, Abbasi HR, Anvar M. Injury patterns among various age and gender groups of trauma patients in southern Iran. A crosssectional study. Medicine (Baltimore). 2017;96(41):e7812. doi: 10.1097/MD.0000000000007812.
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. Houve divergência entre a avaliação do ME e laudo do radiologista em 27% (n=137) dos casos, compatível com dados da literatura55 Mattsson B, Ertman D, Exadaktylos AK, Martinolli L, Hautz WE. Now you see me: A pragmatic cohort study comparing first and final radiological diagnoses in the emergency department. BMJ Open. 2018;8(1):1-6. doi: 10.1136/bmjopen-2017-020230.
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. Quando analisamos a relevância clínica delas, o número cai para apenas 0,98% (n=5). O tipo de divergência mais encontrada foi o falso negativo, em que se observa que o radiologista descreveu a alteração do exame e o ME não. Apesar de ser previsto deve-se considerar também o viés de documentação. Ao contrário do que se esperava, variáveis como idade do paciente e período do dia em que o atendimento foi realizado não manifestaram aumento estatisticamente significativo na taxa de divergência. Por apresentarem mais doenças associadas1313 Parreira JG, Soldá SC, Perlingeiro JG, Padovese CC, Karakhanian WZ, Assef JC. Comparative analysis of the characteristics of traumas suffered by elderly and younger patients. Rev Assoc Med Bras (1992). 2010;56(5):541-6. doi: 10.1590/s0104-42302010000500014.
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(distratoras para quem analisa a tomografia), imaginava-se que os pacientes com idade mais avançada motivariam um maior número de divergências55 Mattsson B, Ertman D, Exadaktylos AK, Martinolli L, Hautz WE. Now you see me: A pragmatic cohort study comparing first and final radiological diagnoses in the emergency department. BMJ Open. 2018;8(1):1-6. doi: 10.1136/bmjopen-2017-020230.
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. Contudo, esse aumento não foi observado. O fato de o período do dia não alterar a taxa de divergência de forma relevante indica que a fadiga, nas condições específicas em que se encontravam os plantonistas, não foi fator determinante para a qualidade de interpretação dos exames de imagem, o que contradiz os dados atualmente presentes na literatura44 Krupinski EA, Berbaum KS, Caldwell RT, Schartz KM, Madsen MT, Kramer DJ. Do long radiology workdays affect nodule detection in dynamic CT interpretation? J Am Coll Radiol. 2012;9(3):191-8. doi: 10.1016/j.jacr.2011.11.013.
https://doi.org/10.1016/j.jacr.2011.11.0...
,1414 Stec N, Arje D, Moody AR, Krupinski EA, Tyrrell PN. A Systematic Review of Fatigue in Radiology: Is It a Problem? AJR Am J Roentgenol. 2018; 210:799-806. doi: 10.2214/AJR.17.18613.
https://doi.org/10.2214/AJR.17.18613...
,1515 Bruno MA, Walker EA, Abujudeh HH. Understanding and confronting our mistakes: The epidemiology of error in radiology and strategies for error reduction. Radiographics. 2015;35(6):1668-76. doi: 10.1148/rg.2015150023.
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. Além disso, não houve associação estatisticamente significativa entre a taxa de divergência e óbito, indicando que os tipos de divergência encontrados não foram relevantes o suficiente a ponto de alterar o desfecho final dos pacientes.

Ao analisar o tipo de trauma sofrido, o politrauma, além de demonstrar um maior tempo médio de internamento, também determinou uma maior chance de ocorrência de divergências (OR=4,93). Além disso, houve relação estatisticamente significativa (p<0,001) entre tempo de internamento e número de divergências encontradas. Contudo, acredita-se que a relação positiva entre tempo de internamento e número de divergências encontradas se deve ao fato de que pacientes internados por mais tempo possuem um maior número de lesões, o que aumenta a chance de essas não serem descritas no prontuário (ME descrevendo apenas as lesões mais importantes). Isto é: a divergência encontrada não necessariamente foi o agente causal do maior tempo de internamento. Ademais, os plantonistas, conforme a experiência adquirida, desenvolvem a capacidade de descrever no prontuário apenas as lesões efetivamente capazes de alterar o prognóstico do paciente grave. Dessa forma, muitas divergências encontradas podem ser decorrentes do fato de os ME interpretarem a lesão como insignificante, e não pela ausência de percepção da lesão em si.

Dos 137 casos de divergência encontrados no estudo, apenas 5 (0,98% no geral) foram considerados clinicamente significativos. Mesmo que os dados sobre divergências correspondam com a literatura, a porcentagem de clinicamente significativas foi expressivamente menor que outro trabalho retrospectivo (10,88% no geral)55 Mattsson B, Ertman D, Exadaktylos AK, Martinolli L, Hautz WE. Now you see me: A pragmatic cohort study comparing first and final radiological diagnoses in the emergency department. BMJ Open. 2018;8(1):1-6. doi: 10.1136/bmjopen-2017-020230.
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e que um de coorte prospectivo (4,84% no geral)77 Parag P, Hardcastle TC. Interpretation of emergency CT scans in polytrauma: trauma surgeon vs. radiologist. African J Emerg Med. 2020;10(2):90-4. doi: 10.1016/j.afjem.2020.01.008.
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. Apesar da ocorrência desses casos, não é possível afirmar que essas divergências, em especial, causaram mais morbimortalidade, devido à natureza retrospectiva do estudo. O estudo apresenta algumas limitações, existe o viés retrospectivo1616 Zwaan L, Monteiro S, Sherbino J, Ilgen J, Howey B, Norman G. Is bias in the eye of the beholder? A vignette study to assess recognition of cognitive biases in clinical case workups. BMJ Qual Saf. 2017;26(2):104-10. doi: 10.1136/bmjqs-2015-005014.
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e o viés de documentação, em que o ME pode ter descrito somente as lesões mais importantes, não documentando outros achados. Da mesma forma, há a possibilidade de discussão prévia sobre o caso entre plantonista e radiologista sem o relato dessa no prontuário. Outra limitação é o estudo analisar apenas tomografias computadorizadas de tórax, abdômen e pelve e não contemplar outras modalidades de imagem ou até mesmo outros sítios de avaliação, como crânio. Esse estudo se limita, também, por ter sido avaliado apenas um centro de atendimento ao trauma.

CONCLUSÃO

Tendo em vista os resultados encontrados, conclui-se que, apesar de o estudo ter encontrado uma taxa relativamente alta de divergência entre os laudos dos ME e os laudos oficiais dos radiologistas, uma porção pequena dessas foi considerada clinicamente relevante. Isso demonstra a capacidade dos atendentes em interpretar de forma satisfatória as imagens das principais condições ameaçadoras à vida no trauma.

REFERENCES

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2023
  • Aceito
    17 Abr 2023
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