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Hernioplastia inguinal transabdominal pré-peritoneal (TAPP) robótica: experiência inicial de 97 casos

RESUMO

Objetivo:

a cirurgia minimamente invasiva das hérnias inguinais apresenta vantagens comprovadas em relação aos procedimentos convencionais, incluindo menos dor e retorno precoce às atividades rotineiras. A cirurgia robótica acrescenta uma melhor ergonomia, ótica estável tridimensional de alta definição e instrumentos articulados, superando algumas limitações laparoscópicas. O objetivo deste estudo é relatar os resultados da experiência inicial de 97 cirurgias de correção de hérnias inguinais robóticas pela técnica transabdominal pré-peritoneal (TAPP) realizadas por um grupo cirúrgico referência no Brasil.

Métodos:

foi realizada uma revisão de um banco de dados mantido prospectivamente de pacientes submetidos a cirurgias de hérnia inguinal TAPP robótica entre março de 2016 e fevereiro de 2020. Uma análise detalhada dos resultados foi feita e dados dos resultados cirúrgicos e acompanhamento dos pacientes são relatados.

Resultados:

a revisão retrospectiva do prontuário identificou 97 pacientes submetidos à cirurgia de hérnia inguinal TAPP robótica. A idade média foi de 36,4 anos, com IMC médio de 26,9 kg/m2. O tempo médio de procedimento cirúrgico no console robótico foi de 58 minutos. A colocação de prótese foi realizada em todos os procedimentos e não houve taxas de conversão ou intercorrências.

Conclusão:

este estudo representa a primeira série de casos de cirurgia robótica de hérnia inguinal pela técnica transabdominal pré-peritoneal no Brasil. Os resultados descritos reforçam que a hernioplastia inguinal robótica apresenta-se como tecnicamente viável e segura em mãos experientes, com bons resultados quanto a qualidade de vida e baixas taxas de recidiva a curto e longo prazo.

Palavras chave:
Cirurgia Geral; Hérnia Inguinal; Hérnia; Robótica; Procedimentos Cirúrgicos Robóticos; Procedimentos Cirúrgicos Minimamente Invasivos

ABSTRACT

Objectives:

minimally invasive inguinal hernia repair has proven advantages over open procedures including less pain and earlier return to normal activity. Robotic surgery adds ergonomics, a three-dimensional high definition camera and articulating instruments overcoming some laparoscopic limitations. We aimed to report the outcomes of the early experience of over 97 robotic inguinal hernia repairs performed by a referred surgical group in Brazil.

Methods:

a review of a prospective mantined database was conducted in patients submitted to robotic transabdominal preperitoneal (TAPP) inguinal hernia repairs between March 2016 and February 2020. Descriptive statistics were performed. Surgical outcomes data and patient follow-ups are reported.

Results:

retrospective chart review identified 97 patients submitted to robotic TAPP inguinal hernia repair. Mean age was 36.4 years, with median BMI of 26.9 kg/m2. Mean console time was 58 min (range 40-150) and patients were discharged within 24 hours of their stay in a majority of cases. Mesh was placed in all procedures and there were no conversion rates. Complications were low grade and no recurrence was seen after a mean follow-up of 642 days.

Conclusion:

this study represents to-date the first brazilian case series of robotic TAPP inguinal hernia repair. Our results encourage that robotic assisted TAPP inguinal hernia repair appears to be technically feasible and safe in experienced hands, with good outcomes achieving high health-related quality of life and low recurrence rates in the short and long term.

Keywords:
General Surgery; Hernia; Hernia, Inguinal; Robotics; Robotic Surgical Procedures; Minimally Invasive Surgical Procedures

INTRODUÇÃO

A correção da hérnia inguinal ainda é um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados em todo o mundo. Durante o início dos anos 1990, foi introduzido o método laparoscópico de implantação de tela no espaço pré-peritoneal11 Arregui ME, Davis CJ, Yucel O, Nagan RF. Laparoscopic mesh repair of inguinal hernia using a preperitoneal approach: a preliminary report. Surg Laparosc Endosc. 1992;2(1):53-8.. Os benefícios da cirurgia minimamente invasiva (CMI) tornaram-se óbvios, oferecendo redução das complicações da ferida, menor tempo de internação, melhor controle da dor e recuperação funcional acelerada22 Pahwa HS, Kumar A, Agarwal P, Agarwal AA. Current trends in laparoscopic groin hernia repair: a review. World J Clin Cases. 2015;3(9):789-92.. Além disso, o reparo endoscópico também oferece vantagens claras em hérnias inguinais bilaterais e defeitos recorrentes, permitindo visão mais ampla e mais confiável da anatomia inguinofemoral posterior. As abordagens transabdominal pré-peritoneal (TAPP) e totalmente extraperitoneal (TEP) ganharam espaço, de modo que o acesso pré-peritoneal passou a ser endossado na correção de hérnia minimamente invasiva33 Bittner R, Arregui ME, Bisgaard T, Dudai M, Ferzli GS, Fitzgibbons RJ, et al. Guidelines for laparoscopic (TAPP) and endoscopic (TEP) treatment of inguinal hernia [International Endohernia Society (IEHS)]. Surg Endosc. 2011;25(9):2773-843.. Apesar dessas vantagens claramente documentadas e diretrizes publicadas, a correção de hérnia inguinal laparoscópica não foi popularizada entre os cirurgiões e o crescimento da técnica permaneceu estável por anos44 McCormack K, Wake B, Perez J, Fraser C, Cook J, McIntosh E, et al. Laparoscopic surgery for inguinal hernia repair: systematic review of effectiveness and economic evaluation. Health Technol Assess. 2005;9(14):1-203, iii-iv.. Pensar sobre o porquê de tantos cirurgiões não terem adotado a hérnia inguinal laparoscópica como procedimento de escolha provavelmente remete à necessidade de técnica laparoscópica avançada e longa curva de aprendizado, diferente de outros procedimentos minimamente invasivos, como a colecistectomia55 Bracale U, Merola G, Sciuto A, Cavallaro G, Andreuccetti J, Pignata G. Achieving the Learning Curve in Laparoscopic Inguinal Hernia Repair by Tapp: A Quality Improvement Study. J Invest Surg. 2019;32(8):738-45.. Além disso, aprender a anatomia da abordagem posterior e os detalhes necessários para concluir o reparo com segurança é mudança de paradigma nos procedimentos de hérnia, para cirurgiões gerais.

A cirurgia robótica ganhou popularidade, com benefícios potenciais de destreza, segurança e cosméticos. Alguns dos benefícios já foram documentados em urologia e cirurgia colorretal66 Ploussard G. Robotic surgery in urology: facts and reality. What are the real advantages of robotic approaches for prostate cancer patients? Curr Opin Urol. 2018;28(2):153-8.. A cirurgia robótica oferece soluções para os desafios apresentados pela laparoscopia, incluindo instrumentos articulados, facilidade de sutura intracorporal e vantagens ergonômicas. Com relação ao reparo da hérnia, as dificuldades de dissecção da parede abdominal anterior e inguinofemoral são drasticamente superadas com os procedimentos assistidos por robótica, melhorando a ergonomia dos cirurgiões, com maior definição de imagem e liberdade de movimentos. Escobar Dominguez et al.77 Escobar Dominguez JE, Gonzalez A, Donkor C. Robotic inguinal hernia repair. J Surg Oncol. 2015;112(3):310-4. descreveram a primeira hérnia robótica inguinal, demonstrando a viabilidade. Em todo o mundo, a plataforma robótica tornou o procedimento mais reprodutível e permitiu crescimento mais seguro e rápido na correção de hérnia inguinal por CMI. Porém, no cenário brasileiro, a introdução da tecnologia robótica em hospitais ainda encontra problemas de custo em todas as áreas cirúrgicas. O treinamento de cirurgiões robóticos é tarefa altamente exigente e cara, exigindo plataforma robótica, instrumentais e controladores cirúrgicos, não facilmente disponíveis em todo o país. O objetivo deste estudo é relatar a primeira série brasileira de casos de pacientes submetidos à hérnia inguinal via TAPP robótica e os primeiros resultados de um grupo cirúrgico.

MÉTODOS

Esta é revisão retrospectiva, de banco de dados prospectivo, de todos os reparos de hérnia inguinal robótica via TAPP operados por um único grupo cirúrgico entre março de 2016, quando o primeiro caso foi realizado, e fevereiro de 2020. Nenhum acesso laparoscópico ou totalmente extraperitoneal para reparos de hérnia foi incluído neste estudo. Foram coletados dados relacionados a condições demográficas do paciente, fatores de risco pré-operatórios, características da hérnia (tipo, localização, recorrência), variáveis intraoperatórias (tempo de console, dimensões e área da tela, fixação da tela) e resultados pós-operatórios (tempo de internação, complicações relacionadas à ferida ou não, readmissões em 30 dias, neuralgia, orquite isquêmica, recorrência), bem como o período de acompanhamento. Os benefícios da cirurgia de hérnia minimamente invasiva em relação a defeitos bilaterais e reparo anterior já estão bem estabelecidos. Reconhecemos, todavia, que há algumas contraindicações relativas, como reparo laparoscópico prévio ou procedimento urológico pré-peritoneal. No entanto, com o advento da robótica em nossos reparos de hérnia, tornamo-nos mais liberais em nossa seleção de pacientes, e confortáveis em optar pela abordagem robótica mesmo em casos mais complexos.

Preparação do paciente e colocação dos trocartes

Sob anestesia geral, os pacientes são posicionados em decúbito dorsal com os braços ao longo do tronco. A profilaxia antibiótica é rotineiramente empregada, com a administração de 1g de cefazolina intravenosa durante a indução anestésica. A inserção do cateter urinário de Foley não é obrigatória. Uma pequena incisão supraumbilical é feita, e o pneumoperitônio é instalado por punção com agulha de Veress e insuflação de dióxido de carbono. O endoscópio é inserido na cavidade abdominal e dois trocartes robóticos de 8mm são colocados, um em cada lado, ligeiramente acima ou abaixo da linha imaginária umbilical, com um mínimo de 10cm lateralmente ao trocarte supraumbilical e 10cm superiormente à espinha ilíaca anterossuperior (EIAS) (Figura 1A). Sempre que se utiliza a plataforma da Vinci Si (Intuitive Surgical Inc. Sunnyvale, CA, EUA), usa-se um trocarte de câmera de 12mm e câmera de 30 graus é inserida, direcionada para cima, seguida pela colocação do instrumento. Na plataforma da Vinci Xi, insere-se o trocarte de câmera de 8 mm, com endoscópio de 30 graus, realizando a calibração do alvo dos braços robóticos de acordo com o campo cirúrgico desejado (Figura 1B). O procedimento é realizado utilizando os instrumentos de tesoura monopolar, pinça bipolar fenestrada e o porta-agulhas (megasuturecut), com apenas 3 braços robóticos encaixados; o quarto sendo excluído.

Figura 1
1A - Colocação dos trocartes abdominais. B - Visão robótica do defeito inguinal e área de interesse.

Considerações técnicas

Depois que os trocartes estão posicionadas corretamente, procede-se a inspeção detalhada do defeito da hérnia. Se conteúdo de hérnia intraperitoneal ainda estiver presente dentro do defeito inguinofemoral, a redução é realizada completamente sempre que possível. O retalho peritoneal é confeccionado a aproximadamente 4cm do anel inguinal profundo, em abordagem no sentido medial para lateral, do ligamento umbilical medial até a EIAS, no plano longitudinal (Figura 2A). Aplicado em defeitos bilaterais, um único retalho peritoneal é confeccionado, abrindo-se todo o tecido peritoneal que conecta ambos os lados por meio da secção dos ligamentos umbilicais medial e mediano, garantindo visão ampla da anatomia inguinofemoral posterior. Ao se tracionar o retalho peritoneal para baixo, o dióxido de carbono dentro da cavidade peritoneal entra no espaço extraperitoneal, permitindo dissecção mais fácil do campo cirúrgico. O espaço pré-peritoneal é dissecado, garantindo que o tecido adiposo seja mantido em contato com a parede abdominal e não próximo à fáscia do peritônio (Figura 2B). Os compartimentos medial e lateral são conectados após a transecção parcial da fáscia intermediária, garantindo que os compartimentos medial e lateral sejam dissecados nos planos parietal e visceral, respectivamente (Figura 2C). A dissecção medial é realizada pelo menos 2cm medialmente à confluência da bainha do reto e 2cm abaixo do púbis, para boa exposição do ligamento de Cooper (LC) e liberação de espaço para acomodar tela de tamanho adequado (Figura 2D). A dissecção lateral também é realizada 2cm lateralmente à EIAS, expondo-se todo o orifício miopectíneo. Os conteúdos diretos e indiretos são dissecados e reduzidos, tendo-se os elementos do cordão parietalizados e os dutos deferentes imersos na pelve, cruzando a veia ilíaca externa (Figura 3A). Disseca-se a região entre o LC e a veia ilíaca, para identificar o orifício femoral e possível hérnia femoral (Figura 3B). Lipomas do cordão são identificados e reduzidos, se presentes. Em relação aos defeitos diretos, a face medial da fascia transversalis não é suturada ou plicada, devido ao risco de lesões nervosas. Em pacientes do sexo feminino, a transecção do ligamento redondo é normalmente realizada longe do anel inguinal profundo, para garantir colocação correta e plana da tela, que pode ser difícil devido à aderência ao peritônio (Figura 3C). A colocação da tela é obtida retraindo-se o instrumento do braço direito e introduzindo-se a prótese na cavidade abdominal. Uma tela hermética e não dobrada é posicionada cobrindo todo o orifício miopectíneo, com sobreposição adequada após a revisão da hemostasia. O tipo de tela colocada pode variar, porém as dimensões devem ser de no mínimo 15 x 12 cm de cobertura. Telas maiores são recomendadas especialmente em defeitos diretos maiores ou em anéis inguinais profundos aumentados em hérnias inguinoescrotais. A dissecção intraoperatória é realizada garantindo-se a visualização correta do orifício miopectíneo (Figura 3D). A fixação da tela é feita com fio absorvível 3-0 na borda medial próxima ao púbis e ao LC, no adminiculum lineae albae, superiormente, próximo às fibras musculares retais, e lateralmente, acima do trato iliopúbico, para evitar lesões nervosas (Figura 4 A,B). As fixações da tela são realizadas mesmo se tela autofixável for usada, especialmente no adminiculum lineae albae, devido à autoaderênciarelativamente menor às estruturas ósseas. O retalho peritoneal é finalmente fechado, usando-se sutura com fio 3-0, com diminuição da pressão do pneumoperitônio para 8-10 mmHg para a aproximação das bordas peritoneais (Figura 4C, D). Antes do último ponto para fechamento do peritôneo, a aspiração do ar no espaço pré-peritoneal é realizada afim de coaptar o folheto peritoneal junto a prótese de forma hermética. Os trocartes são retraídos sob visão direta e o trocarte supraumbilical é fechado com fio absorvível.

Figura 2
2A - Abertura do retalho peritoneal na abordagem medial para lateral. 2B - Dissecção do retalho peritoneal, deixando o tecido adiposo próximo à parede abdominal. 2C - Fáscia intermediária identificada, definindo os compartimentos parietal e visceral nas áreas medial e lateral, respectivamente. 2D - Dissecção medial alcançando o ligamento de Cooper e garantindo amplo espaço para colocação da tela.

Figura 3
3A - Elementos dos cordões parietalizados e dissecção dos vasos deferentes. 3B - Dissecção no orifício femoral para descartar defeito femoral. 3C - Ligadura e transecção do ligamento redondo em reparo feminino. 3D - Visão crítica do orifício miopectíneo.

Figura 4
4A - Fixação de tela na área medial, adminiculum lineae albae. 4B - Sutura de tela na área superior e medial no músculo reto. 4C - Fechamento do retalho peritoneal. 4D - deflação por visão direta do retalho peritoneal e acomodação da tela.

RESULTADOS

Essa técnica descrita tem sido utilizada por um único grupo cirúrgico, cuja casuística é uma das mais expressivas do Brasil. Entre março de 2016 a fevereiro de 2020, 97 pacientes foram submetidos a herniorrafia inguinal TAPP robótica. A maioria dos pacientes eram do sexo masculino, 88 casos (90,7%), com idade média de 36,4 anos (amplitude 22 71) e índice de massa corporal (IMC) de 26,9 kg/m2 (amplitude 19,9 - 35,2kg/m2) As variáveis demográficas e perioperatórias dos pacientes encontram-se na Tabela 1. Setenta e oito pacientes (80,4%) apresentavam defeitos unilaterais no pré-operatório e 19 (19,6%) apresentavam hérnias bilaterais. Pacientes com defeitos primários foram 74 (76,2%), enquanto os pacientes que apresentaram recorrência de hérnia após reparo prévio foram 23 (23,8%). No intraoperatório, um defeito contralateral ou femoral incidental foi diagnosticado em nove e quatro casos, respectivamente. Nenhum defeito contralateral incidental intraoperatório foi reparado. A área média de cobertura da tela foi de 197 cm2 (amplitude 180 216 cm2). A cirurgia robótica foi realizada em todos os casos e a plataforma da Vinci Xi foi utilizada em 39 (40,2%) dos procedimentos, enquanto 58 (59,8%) foram realizados com a tecnologia Si. O tempo médio de console foi de 58 minutos (amplitude 40 150 min). Nenhum dos pacientes foi submetido a conversão para a técnica laparoscópica ou aberta. Os pacientes receberam alta hospitalar dentro de 24 horas de internação, na maioria dos casos, e não houve mortalidade em 30 dias. Os resultados pós-operatórios estão descritos na Tabela 2. Ao questionar ativamente, nem neuralgia nem dor testicular relacionadas à cirurgia foram mencionadas nas consultas de rotina. Não ocorreu infecção de sítio cirúrgico, hematoma ou orquite isquêmica. Um paciente teve diagnóstico de seroma, com tratamento conservador e recuperação completa. Além disso, um paciente apresentou retenção urinária, exigindo a colocação de cateter urinário para aliviar o desconforto, sem complicações adicionais. Não houve complicações maiores ou taxa de recorrência dentro do período médio de acompanhamento de 642 dias (amplitude 105 -1450 dias).

Tabela 1
Dados demográficos e características dos pacientes.

Tabela 2
Desfechos dos pacientes.

DISCUSSÃO

A correção de hérnias inguinais ainda é um dos procedimentos mais comuns em cirurgia abdominal em todo o mundo. O reparo laparoscópico da hérnia inguinal é seguro e eficaz, apresentando várias vantagens sobre o reparo aberto, incluindo menos dor, tempo de recuperação mais rápido e melhor resultado cosmético88 Bracale U, Melillo P, Pignata G, Di Salvo E, Rovani M, Merola G, et al. Which is the best laparoscopic approach for inguinal hernia repair: TEP or TAPP? A systematic review of the literature with a network meta-analysis. Surg Endosc. 2012;26(12):3355-66.. As abordagens transabdominal pré-peritoneal (TAPP) e extraperitoneal total (TEP) diferem, embora ambas as técnicas sejam amplamente utilizadas. A abordagem TAPP confere vantagem teórica ao favorecer identificação mais fácil da anatomia com o início da laparoscopia intraperitoneal e permite a identificação do conteúdo da hérnia intraperitoneal, tipo ou presença de defeito do lado contralateral99 HerniaSurge Group. International guidelines for groin hernia management. Hernia. 2018;22(1):1-165..

Apesar dos benefícios evidentes da cirurgia minimamente invasiva, a correção de hérnia inguinal laparoscópica não é amplamente praticada1010 Trevisonno M, Kaneva P, Watanabe Y, Fried GM, Feldman LS, Lebedeva E, et al. A survey of general surgeons regarding laparoscopic inguinal hernia repair: practice patterns, barriers, and educational needs. Hernia. 2015;19(5):719-24.. Em primeiro lugar, familiaridade adequada com a visão posterior em relação à anatomia inguinofemoral exige prática extensiva e saída da zona de conforto do cirurgião. Em segundo lugar, cirurgiões minimamente invasivos qualificados podem realizar dissecção suave utilizando laparoscopia convencional, embora não seja facilmente reprodutível e seja e insuficiente em casos mais complexos.

A tecnologia robótica oferece visualização aprimorada, destreza superior e precisão, aliada a instrumentos articulados para realizar operações minimamente invasivas com delicadeza1111 Leal Ghezzi T, Campos Corleta O. 30 Years of Robotic Surgery. World J Surg. 2016;40(10):2550-7.. Benefícios em procedimentos oncológicos relacionados à cirurgia visceral, urológica e colorretal já foram descritos1212 Bonet X, Ogaya-Pinies G, Woodlief T, Hernandez-Cardona E, Ganapathi H, Rogers T, et al. Nerve-sparing in salvage robot-assisted prostatectomy: surgical technique, oncological and functional outcomes at a single high-volume institution. BJU Int. 2018;122(5):837-44.,1313 Zhu XL, Yan PJ, Yao L, Liu R, Wu DW, Du BB, et al. Comparison of Short-Term Outcomes Between Robotic-Assisted and Laparoscopic Surgery in Colorectal Cancer. Surg Innov. 2019;26(1):57-65.. No que diz respeito aos reparos de hérnia ventrais, a plataforma robótica tem mostrado resultados encorajadores, permitindo reconstruções ainda mais complexas da parede abdominal em abordagem minimamente invasiva1414 Morrell ALG, Morrell AC, Cavazzola LT, Pereira GSS, Mendes JM, Abdalla RZ, et al. Robotic assisted eTEP ventral hernia repair: Brazilian early experience. Hernia. 2020 Jun 3. doi:10.1007/s10029-020-02233-3.
https://doi.org/10.1007/s10029-020-02233...
,1515 Belyansky I, Reza Zahiri H, Sanford Z, Weltz AS, Park A. Early operative outcomes of endoscopic (eTEP access) robotic-assisted retromuscular abdominal wall hernia repair. Hernia. 2018;22(5):837-47.. No cenário da hérnia inguinal, aplicação, segurança e viabilidade na correção de hérnia inguinal TAPP robótica é relatada na literatura e teve crescimento rápido recentemente1616 Kudsi OY, McCarty JC, Paluvoi N, Mabardy AS. Transition from laparoscopic totally extraperitoneal inguinal hernia repair to robotic transabdominal preperitoneal inguinal hernia repair: a retrospective review of a single surgeon's experience. World J Surg. 2017;41(9):2251-7..

Atualmente, os problemas enfrentados pelos procedimentos assistidos por robótica estão especialmente relacionados a tempo e custos operacionais. Semelhante ao que foi discutido três décadas atrás, a introdução de abordagens laparoscópicas na década de 90 também apresentou procedimento que consumia mais tempo e tinha custos mais elevados. No tratamento da hérnia inguinal, as críticas foram feitas até mesmo na área da anestesiologia, devido à necessidade de anestesia geral em vez de raquianestesia. Colecistectomias comumente realizadas por abordagens abertas evoluíram para procedimentos minimamente invasivos após enormes esforços comprovando os benefícios, com menor tempo de internação, menor morbidade, retorno mais rápido ao trabalho e menor mortalidade, assim como bom custo-benefício1717 Silverstein A, Costas-Chavarri A, Gakwaya MR, Lule J, Mukhopadhyay S, Meara JG, et al. Laparoscopic Versus Open Cholecystectomy: A Cost-Effectiveness Analysis at Rwanda Military Hospital. World J Surg. 2017;41(5):1225-33.. Atualmente, a abordagem laparoscópica padrão em colecistectomias é inquestionável, mas os benefícios potenciais foram fortemente confrontados durante a prática inicial. Historicamente, a adoção de tecnologia no campo cirúrgico requer longas adaptações e nem sempre se transforma em conhecimento coerente1818 Varabyova Y, Blankart CR, Greer AL, Schreyögg J. The determinants of medical technology adoption in different decisional systems: A systematic literature review. Health Policy. 2017;121(3):230-42..

Atualmente, a literatura que compara os reparos de hérnia inguinal laparoscópica com robótica ainda é escassa. Acredita-se que a abordagem robótica esteja associada a maiores tempos operatório e de internação em comparação com a laparoscópica1919 Waite KE, Herman MA, Doyle PJ. Comparison of robotic versus laparoscopic transabdominal preperitoneal (TAPP) inguinal hernia repair. J Robot Surg. 2016;10(3):239-44.. O acoplamento robótico por grupos cirúrgicos não treinados, bem como o domínio da familiaridade dos cirurgiões com a plataforma robótica e a curva de aprendizado podem corroborar isso. Além disso, não apenas em relação a hérnias, uma das maiores preocupações sobre a realização de cirurgia robótica é o custo. À medida que aumenta a demanda por inovação e tecnologia na assistência à saúde, também aumentam os custos. Durante a era inicial da CMI, as câmeras laparoscópicas, instrumentos, torres e mesas de cirurgia também eram mais caros e exigiam investimentos iniciais. O que inicialmente era considerado não acessível foi reputado como tendo bom custo-benefício por análise mais aprofundada. Analogamente, é possível que a era atual da cirurgia assistida por robótica esteja enfrentando o mesmo questionamento. Os custos de capital são amortizados ao longo do tempo e ao longo de todos os pacientes tratados pela plataforma, não apenas focada nos procedimentos da parede abdominal, mas também por todos os campos cirúrgicos robóticos. Em relação aos reparos robóticos de hérnia inguinal, a fixação das telas é normalmente realizada por suturas, não sendo necessário o uso de clips endoscópicas, e o retalho peritoneal é fechado com sutura contínua. A eliminação do clip pode representar maior custo-benefício, além de possível associação com menor dor relacionada à fixação da tela ou fechamento peritoneal1919 Waite KE, Herman MA, Doyle PJ. Comparison of robotic versus laparoscopic transabdominal preperitoneal (TAPP) inguinal hernia repair. J Robot Surg. 2016;10(3):239-44.. Ademais, em procedimentos de defeitos herniários recorrentes, com tela prévia colocada na anatomia anterior ou posterior, nossa experiência avança para a plataforma robótica, permitindo dissecção mais precisa entre as estruturas do cordão e a tela ou aderências anteriores. Nesta série de casos, não observamos neuralgia ou dor crônica relacionada ao procedimento, em linha com o relatado na literatura2020 Iraniha A, Peloquin J. Long-term quality of life and outcomes following robotic assisted TAPP inguinal hernia repair. J Robot Surg. 2018;12(2):261-9.,2121 Cunha-E-Silva JA, Oliveira FMM, Ayres AFSMC, Iglesias ACRG. Conventional inguinal hernia repair with self-fixating mesh versus totally extraperitoneal laparoscopic repair with polypropylene mesh: early postoperative results. Rev Col Bras Cir. 2017;44(3):238-44.. Conceitualmente, pode haver menos risco de lesão nervosa e dor crônica, evitando-se clips e traumas na musculatura da parede abdominal2222 Kleidari B, Mahmoudieh M, Yaribakht M, Homaei Z. Mesh fixation in TAPP laparoscopic hernia repair: introduction of a new method in a prospective randomized trial. Surg Endosc. 2014;28(2):531-6.. Grossi et al.2323 Grossi JVM, Cavazzola LT, Breigeiron R. Inguinal hernia repair: can one identify the three main nerves of the region? Rev Col Bras Cir. 2015;42(3):149-53. até descreveram a identificação dos nervos durante abordagens minimamente invasivas. Além disso, a cirurgia robótica permite que os locais dos trocartes tenham ponto de articulação fixo, resultando em menos torque no local do trocarte, possivelmente causando menos trauma na parede abdominal.

Por meio deste estudo, relatamos que a abordagem robótica é certamente viável, reprodutível e apresenta resultados pós-operatórios encorajadores. Conforme os cirurgiões mantêm e aumentam arsenal e habilidades robóticas, operações mais complexas e desafiadoras inicialmente não adequadas para cirurgia minimamente invasiva podem ser convertidas na abordagem robótica. Os resultados relatados devem aumentar a investigação contínua da cirurgia robótica aplicada às técnicas da parede abdominal, sem preocupação excessiva com o custo. Como a adoção da tecnologia robótica em cirurgia geral continua a crescer em todo o mundo, os cirurgiões com experiência em cirurgia minimamente invasiva devem se familiarizar com a técnica de reparo inguinal robótico. Por meio do procedimento cirúrgico padrão guiado e descrito anteriormente, este artigo pode elucidar e trazer aos cirurgiões robóticos em treinamento mais confiabilidade para reparos de hérnias inguinais TAPP robóticas.

Embora este artigo apresente algumas limitações devido à intrínseca análise retrospectiva e a limitação a um único grupo cirúrgico, os resultados relatados são animadores. Resultados seguros podem ser alcançados por grupos cirúrgicos treinados, familiarizados com a plataforma robótica e compreendendo a anatomia posterior da região inguinal. No entanto, estudos prospectivos e possivelmente multicêntricos são necessários para avaliar mais amiúde os reparos robóticos de hérnia inguinal.

CONCLUSÃO

De nosso conhecimento, esta é a primeira série de casos brasileiros de hérnia inguinal TAPP robótica, mostrando resultados animadores com técnica segura e reprodutível. A técnica TAPP robótica na correção de hérnia inguinal pode fornecer benefícios em pacientes selecionados, com dor reduzida, menores taxas de recorrência e maior qualidade de vida no longo prazo. Estudos prospectivos e ensaios clínicos randomizados podem elucidar os reais benefícios em reparos de hérnia inguinal.

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  • Fonte de financiamento:

    não.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2020
  • Aceito
    17 Set 2020
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