Acessibilidade / Reportar erro

Carcinoma renal dos ductos de Bellini

Bellini duct carcinoma of the Kidney

Resumo

Two types primary epithelial tumours of the kidney have been distinguished, such as renal cell carcinoma (hypernephroma or Grawitz) deriving from proximal tubules and carcinoma arising in the urothelium of the kidney's collecting system. Mancilla-Jimenez e cols were the first to describe in 1976 an atypical papillary carcinoma of the kidney deriving from collecting duct system-Bellini duct carcinoma (BDC). In the World Healthy Organization classification it is listed as a rare carcinoma ( 1 % of the renal malignancies) originating in the renal medulla. Histologic examination shows both tubular and papillary architeture, which can lead to misinterpretation as renal cell or transitional cell carcinoma. Renal cell carcinoma originates from the metanephrogenic blastema and collecting duct carcinoma derived embryologicaly from the mesonephron Wolff duct. Renal cell carcinoma has been shown to express both cytokeratins and vimetin, whereas the distal convoluted tubule expresses only cytokeratins. BDC can be considered as a renal malignancy with a very bad prognosis compared to the other renal cell carcinoma. The best treatment is radical nephrectomy. A case of BDC is reported in a young black man, 27 year old with only history of light left back pain. Ultrasound and other image examinations showed a tumour about 6 cm in the middle and low left kidney. Patient was submitted to extraperitoneal radical nephectomy. Microscopic evaluation revealed kidney's collecting duct carcinoma with metastasis on two retroperitoneal lymphy nodes.

Kidney neoplasms; Bellini duct carcinoma; Kidney collecting duct carcinoma


Kidney neoplasms; Bellini duct carcinoma; Kidney collecting duct carcinoma

RELATOS DE CASOS

Carcinoma renal dos ductos de Bellini

Bellini duct carcinoma of the Kidney

Helio Begliomini

Assistente do Serviço de Urologia do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo (HSPE-FMO). Mestre em Urologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Hélio Begliomini Rua Bias, 234 02371-020 — São Paulo-SP

ABSTRACT

Two types primary epithelial tumours of the kidney have been distinguished, such as renal cell carcinoma (hypernephroma or Grawitz) deriving from proximal tubules and carcinoma arising in the urothelium of the kidney's collecting system. Mancilla-Jimenez e cols were the first to describe in 1976 an atypical papillary carcinoma of the kidney deriving from collecting duct system-Bellini duct carcinoma (BDC). In the World Healthy Organization classification it is listed as a rare carcinoma ( 1 % of the renal malignancies) originating in the renal medulla. Histologic examination shows both tubular and papillary architeture, which can lead to misinterpretation as renal cell or transitional cell carcinoma. Renal cell carcinoma originates from the metanephrogenic blastema and collecting duct carcinoma derived embryologicaly from the mesonephron Wolff duct. Renal cell carcinoma has been shown to express both cytokeratins and vimetin, whereas the distal convoluted tubule expresses only cytokeratins. BDC can be considered as a renal malignancy with a very bad prognosis compared to the other renal cell carcinoma. The best treatment is radical nephrectomy. A case of BDC is reported in a young black man, 27 year old with only history of light left back pain. Ultrasound and other image examinations showed a tumour about 6 cm in the middle and low left kidney. Patient was submitted to extraperitoneal radical nephectomy. Microscopic evaluation revealed kidney's collecting duct carcinoma with metastasis on two retroperitoneal lymphy nodes.

Key-words: Kidney neoplasms; Bellini duct carcinoma; Kidney collecting duct carcinoma.

INTRODUÇÃO

Os tumores malignos do rim apresentam uma incidência de quatro a cinco casos por 100.000 habitantes/ano. É o 3º tumor urológico mais prevalente. Dentre todos os tumores malignos do rim, o mais freqüente é o adenocarcinoma de células claras, também denominado hipernefroma ou tumor de Grawitz, que se origina das células do túbulo contornado proximal no córtex renal.

Em 1976 Mancilla-Gimenez, Stanley e Blath descreveram o primeiro caso de carcinoma dos túbulos coletores ou carcinoma dos ductos de Bellini, que surge na porção medular renal. Trata-se de uma variedade rara de tumor renal, originado embriologicamente do ducto mesonéfrico de Wolff. Representa apenas 1% das neoplasias que incidem neste órgão1-3. Até 1998 havia cerca de 100 casos de carcinoma dos ductos coletores relatados na literatura, estando nesse contingente um significativo número de casos do Japão e da China. Pelo nosso levantamento bibliográfico, não há relato similar na literatura indexada no Índice Médico Latino-Americano (IMLA).

RELATO DE CASO

WLO, 27 anos, masculino, raça negra, casado, profissão de cozinheiro, procurou o atendimento médico por apresentar dor lombar esquerda de leve intensidade, incaracterística, e que piorava ao sentar-se. O ultra-som das vias urinárias identificou nódulo sólido de 49 x 36mm, de contornos definidos na região mesorrenal esquerda.

Na tomografia computadorizada (TC), o tumor era exofítico de 6,2cm, com área de liquefação, localizado entre o terço médio e o inferior do rim esquerdo, e com moderada impregnação do contraste. Não havia adenomegalias. A ressonância nuclear magnética confirmou os achados da TC, acrescentando a presença de áreas de sangramento intratumoral.

O paciente foi submetido à nefrectomia radical por lombolaparotomia em S extraperitoneal. O achado anatomopatológico foi de carcionoma túbulo-papilífero com padrão de carcinoma dos ductos de Bellini (Figuras 1 e 2). As margens cirúrgicas estavam livres de comprometimento neoplásico, porém na linfadenectomia retroperitoneal, detectaram-se micrometástases em dois gânglios retirados: Estadiamento de Robson III-b e TNM (T2 N1 MX). O paciente evoluiu bem no pós-operatório, sendo encaminhado para o serviço de oncologia, sem evidências de metástases na cintilografia óssea. Cerca de três meses após a cirurgia apresentou dois nódulos no pulmão esquerdo. Foi submetido à quimioterapia e à imunoterapia durante seis meses, com estabilização das lesões. Encontra-se em seguimento ambulatorial após dois anos da cirurgia sem evidência de progressão da doença.



DISCUSSÃO

Pela análise dos dados da literatura, epidemiologicamente o carcinoma dos ductos de Bellini incide numa população mais jovem, com idade média de 55 anos, embora haja séries que notificam-no aos 34 anos. O acometimento já foi relatado desde pacientes com oito até 83 anos. Há predominância do sexo masculino na razão de 2:1 e houve apenas um caso em que se identificou tendência familiar1-4. Por outro lado, o carcinoma dos ductos de Bellini tem como fatores predisponentes a história familiar de adenocarcinoma de pulmão, cólon, endométrio, ovário e pâncreas e em pacientes submetidos à diálise crônica3.

Os sinais/sintomas mais comuns são hematúria, dor lombar e massa no flanco. Portanto, não há manifestações clínicas específicas que permitam diferenciá-lo do carcinoma de células claras1-3. Aproximadamente 35 a 40% dos pacientes têm metástases no momento do diagnóstico. Os principais sítios acometidos são gânglios retroperitoneais (como micrometástases no caso ora relatado), adrenais, ósseos, pulmões e fígado. As metástases ósseas freqüentemente aparecem radiograficamente como osteoblásticas. Na doença sistêmica outros sinais e sintomas inespecíficos tornam-se evidentes, tais como perda de peso, febre e anorexia3.

De acordo com a literatura, o paciente deste relato era adulto bem jovem e seguiu a predominância do sexo masculino. Apresentou dor lombar incaracterística e de leve intensidade. Não teve hematúria, provavelmente por não invadir as vias excretoras. Apresentou crescimento exofítico e, neste particular, assemelhou-se ao adenocarcinoma renal.

Na TC o carcinoma de células claras mostra crescimento exofítico em 94% dos casos, com distorção do contorno renal, independentemente do tamanho tumoral. Por sua vez, o carcinoma dos ductos de Bellini, devido à sua origem medular, tende à protrusão no seio renal. Após a injeção de contraste na TC há pouca captação pelo tumor. Na angiografia, revela-se como massa renal hipovascular5.

Deve-se fazer diagnóstico diferencial com o carcinoma de células transicionais, tumores renais metastáticos e doenças infecciosas. O carcinoma de células transicionais, o segundo tumor renal mais comum, tem crescimento para o seio renal e é também hipovascular, dificultando a diferenciação por imagem com o carcinoma dos ductos de Bellini. Os tumores renais metastáticos não tendem ao crescimento exofítico e pouco se acentuam com os contrastes. As doenças infecciosas podem mostrar massas focais no rim. Contudo, os sintomas e os dados laboratoriais sugerem o diagnóstico. Ademais, na TC geralmente há evidente estriação do córtex renal5.

Macroscopicamente, o carcinoma dos ductos de Bellini localiza-se geralmente na região central do rim e envolve estruturas hilares. Seu tamanho varia de 2,5 a 12cm com média de 5cm aproximadamente. Apresenta consistência firme, coloração acinzentada e áreas amareladas de necrose podem estar presentes. As bordas costumam ser irregulares e infiltradas, sendo rara a presença de hemorragia e multicistos que ocorrem devido a estruturas tubulares dilatadas3, 4.

Microscopicamente, o carcinoma dos ductos coletores aparece como células cubóides uniformes com citoplasma eosionofílico, claro ou levemente granular, tendo aspecto papilar ou túbulo-papilar e estroma fibrovascular. Os nucléolos são proeminentes, irregulares, hipercromáticos e pleomórficos e as mitoses são infreqüentes. Pode haver invasão do parênquima renal adjacente originando uma considerável reação desmoplásica. A citologia urinária positiva para células neoplásicas é ocasionalmente vista em pacientes com carcinoma dos ductos coletores1, 3, 4.

Os estudos imuno-histoquímicos permitem demonstrar no carcinoma dos túbulos coletores a existência de mucina, lecitina e de citoqueratinas de alto peso molecular (CK19, 34 bE12). Entretanto, se valoriza também a positividade para o Ulex Europeaeus Aglutinina (UEA-1), antígeno epitelial de membrana, lisozina e vimetina que costumam estar presentes em tumores de alto grau. Utilizam-se também anticorpos monoclonais (anticitoqueratinas 13 e 19, anti-UEA-1 e antivimetina)3,4.

Citogeneticamente têm sido descritas como características a presença de monossomas nos pares dos cromossomas 1, 6, 14, 15 e 22. Entretanto, não são encontradas as trissomias dos cromossomas 3 e 7, típicas do adenocarcinoma de células claras. São descritas também no carcinoma dos ductos coletores perdas nos braços dos cromossomas 8p e 13q. Ademais, através de estudos de hibridização genômica comparada, tem sido encontrado um cariótipo biclonal e perdas das seqüências de DNA dos cromossomas 1, 2, 9, 11 e 18, assim como ganho destas seqüências de DNA nos cromossmas 16 e 203, 4.

Há correlação fenotípica e histogenética entre os elementos celulares dos diferentes carcinomas renais. Os carcinomas de células claras, granulares ou cromofílicos derivam-se do túbulo contornado proximal, enquanto os carcinomas de células cromófobas e o dos túbulos de Bellini aparentemente originam-se da porção distal do ducto coletor1,2.

O carcinoma dos ductos de Bellini tem um comportamento mais agressivo e o seu prognóstico é pior do que o do adenocarcinoma renal. Devido à sua localização central mais próxima ao hilo renal, há mais rápida disseminação metastática, e aproximadamente 2/3 dos pacientes morrem do câncer dentro de dois anos após o diagnóstico. O tratamento de escolha é a nefrectomia radical. Em decorrência da origem embriológica distinta, alguns autores têm testado a aplicação de radioterapia, o uso de quimioterapia sistêmica complementar e, mais recentemente, a imunoterapia (interferon alfa, interleucina-2, ou a combinação de ambos), com resultados diversos e geralmente insatisfatórios. Em decorrência da raridade da doença, torna-se difícil obter conclusões consistentes quanto a essas alternativas terapêuticas1-4.

Recebido em 02/05/2001

Aceito para publicação em 12/03/2002

Trabalho realizado no Instituto de Medicina Humanae Vitae — IMUVI, São Paulo-SP.

  • 1. Montserrat OV, López BE, Pérez BF et al. Carcinoma de ductos de Bellini. A propósito de un caso. Arch Esp Urol. 1997, 50 (7) :798-799.
  • 2. Mattelaer P, Wolff JM, Bravers A et al. Bellini duct carcinoma: a rare variant of renal cell carcinoma. Acta Urol Belg 1996, 64(3): 33-35.
  • 3. Srigley JR, Eble JN. Collecting duct carcinoma of kidney. Semin Diagn Pathol 1998, 15 (1) : 54-67.
  • 4. De Diego RE, Pascual SC, Gutiérrez BJL et al. Carcinoma de Bellini. Nuestra experiencia. Arch Esp Urol 2000 53 (7) : 611-616.
  • 5. Fukuya T, Honda H, Goto K et al. Computed tomographic finding of Bellini duct carcinoma of the kidney. J. Comput Assist Tomogr 1996, 20 (3): 399-403.
  • Endereço para correspondência:

    Dr. Hélio Begliomini
    Rua Bias, 234
    02371-020 — São Paulo-SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Aceito
      12 Mar 2002
    • Recebido
      02 Maio 2001
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br