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Órgãos vitais e trato gastrintestinal de vacas de descarte mestiças Charolês x Nelore abatidas com pesos distintos

Vital organs and gastrointestinal tract of feedlot finished Charolais x Nellore culling crossbred cows slaughtered at different weights

Resumos

Objetivou-se estudar o desenvolvimento dos órgãos vitais e do trato gastrintestinal de vacas de descarte mestiças provenientes da segunda (G2 - 3/4Charolês (C) 1/4Nelore (N) e 3/4NC) e terceira geração (G3 - 5/8CN e 5/8NC) do cruzamento rotativo Charolês × Nelore terminadas em confinamento e abatidas com 465 (T465), 507 (T507) ou 566 kg (T566). Os animais apresentaram, em média, ao início do confinamento, 8,5 anos, 388,6 kg e 2,35 pontos de escore corporal. A dieta, com relação volumoso:concentrado de 48:52, continha 12,5% de PB e 2,99 Mcal de ED/kg de MS. Entre os órgãos, o fígado apresentou maior desenvolvimento. O pulmão e o baço desenvolveram até os animais atingirem 507 kg, reduzindo aos 566 kg. O aumento do peso de abate conferiu menor participação relativa do conjunto dos órgãos vitais e trato gastrintestinal no peso vivo e no corpo vazio. Animais da terceira geração do cruzamento rotativo Charolês × Nelore apresentaram maior peso de rúmen-retículo e estômago (14,29 vs 12,30 kg e 24,43 vs 22,28 kg, respectivamente) em relação àqueles da segunda geração. Entretanto, quando o peso dos órgãos foi corrigido para peso vivo e peso de corpo vazio, somente o rúmen-retículo foi maior na terceira geração. Maior participação de sangue Charolês no genótipo conferiu maior volume de sangue, desenvolvimento dos pulmões e do conjunto dos órgãos vitais em relação ao corpo vazio.

bovinos de corte; cruzamento; estômago; fêmeas; fígado


The objective of this experiment was to study the development of vital organs and gastrointestinal tract of culling crossbred cows from the second (G2: 3/4Charolais (C) Nellore (N) and 3/4NC) and third (G3: 5/8CN and 5/8NC) generations of C x N rotational crossbreeding. Animals were feedlot finished and slaughtered with 465 (T465), 507 (T507), and 566 kg (T566) of body weight (BW). At the beginning of the trial, age, BW, and body condition averaged respectively, 8.5 years, 388.6 kg and, 2.35 points. Animals were fed a 48:52 forage:concentrate ratio diet containing 12.5% crude protein and 2.99 Mcal of digestible energy per kg of dry matter. Liver showed the greatest development among the studied organs. Lungs and spleen showed high development until animals reached 507 kg BW (T507) but reduced at 566 kg BW (T566). Increasing slaughter weight reduced the proportion of internal organs and gastrointestinal tract in the total BW and empty body weight (EBW). G3 animals had heavier reticulum-rumen and stomach (reticulum-rumen+omasum+abomasum) (14.29 vs. 12.30 kg and 24.43 vs. 22.28 kg, respectively) compared to G2 cows. However, when expressed as proportion of BW and EBW only the reticulum-rumen weight differed between G2 and G3 cows. The greater contribution of C in the genotype resulted in increased volume of blood and development of lungs and all vital organs together when expressed as proportions of EBW.

beef cattle; cows; crossbreeding; liver; stomach


PRODUÇÃO ANIMAL

Órgãos vitais e trato gastrintestinal de vacas de descarte mestiças Charolês × Nelore abatidas com pesos distintos1 1 Parte da dissertação apresentada à UFSM pelo primeiro autor para obtenção do título de Mestre em Produção Animal.

Vital organs and gastrointestinal tract of feedlot finished Charolais x Nellore culling crossbred cows slaughtered at different weights

Fernando KussI; João RestleII; Ivan Luiz BrondaniIII; Paulo Santana PachecoIV; Magali Floriano da SilveiraV; Raul Dirceu PazdioraVI; Ian Machado CezimbraVII

IDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Zootecnia da UFRGS. Bolsista CNPq

IIProfessor visitante do CNPq - Departamento de Produção Animal - EV/UFG, Campus Samambaia, CP 131 - Goiânia - GO

IIIDepartamento de Zootecnia da UFSM

IVDoutorando do PPGCA-UFG

VPPG em Zootecnia - UFSM

VIGraduando em Medicina Veterinária da UFSM

VIIGraduando em Zootecnia da UFSM

RESUMO

Objetivou-se estudar o desenvolvimento dos órgãos vitais e do trato gastrintestinal de vacas de descarte mestiças provenientes da segunda (G2 - 3/4Charolês (C) 1/4Nelore (N) e 3/4NC) e terceira geração (G3 - 5/8CN e 5/8NC) do cruzamento rotativo Charolês × Nelore terminadas em confinamento e abatidas com 465 (T465), 507 (T507) ou 566 kg (T566). Os animais apresentaram, em média, ao início do confinamento, 8,5 anos, 388,6 kg e 2,35 pontos de escore corporal. A dieta, com relação volumoso:concentrado de 48:52, continha 12,5% de PB e 2,99 Mcal de ED/kg de MS. Entre os órgãos, o fígado apresentou maior desenvolvimento. O pulmão e o baço desenvolveram até os animais atingirem 507 kg, reduzindo aos 566 kg. O aumento do peso de abate conferiu menor participação relativa do conjunto dos órgãos vitais e trato gastrintestinal no peso vivo e no corpo vazio. Animais da terceira geração do cruzamento rotativo Charolês × Nelore apresentaram maior peso de rúmen-retículo e estômago (14,29 vs 12,30 kg e 24,43 vs 22,28 kg, respectivamente) em relação àqueles da segunda geração. Entretanto, quando o peso dos órgãos foi corrigido para peso vivo e peso de corpo vazio, somente o rúmen-retículo foi maior na terceira geração. Maior participação de sangue Charolês no genótipo conferiu maior volume de sangue, desenvolvimento dos pulmões e do conjunto dos órgãos vitais em relação ao corpo vazio.

Palavras-chave: bovinos de corte, cruzamento, estômago, fêmeas, fígado

ABSTRACT

The objective of this experiment was to study the development of vital organs and gastrointestinal tract of culling crossbred cows from the second (G2: 3/4Charolais (C) Nellore (N) and 3/4NC) and third (G3: 5/8CN and 5/8NC) generations of C x N rotational crossbreeding. Animals were feedlot finished and slaughtered with 465 (T465), 507 (T507), and 566 kg (T566) of body weight (BW). At the beginning of the trial, age, BW, and body condition averaged respectively, 8.5 years, 388.6 kg and, 2.35 points. Animals were fed a 48:52 forage:concentrate ratio diet containing 12.5% crude protein and 2.99 Mcal of digestible energy per kg of dry matter. Liver showed the greatest development among the studied organs. Lungs and spleen showed high development until animals reached 507 kg BW (T507) but reduced at 566 kg BW (T566). Increasing slaughter weight reduced the proportion of internal organs and gastrointestinal tract in the total BW and empty body weight (EBW). G3 animals had heavier reticulum-rumen and stomach (reticulum-rumen+omasum+abomasum) (14.29 vs. 12.30 kg and 24.43 vs. 22.28 kg, respectively) compared to G2 cows. However, when expressed as proportion of BW and EBW only the reticulum-rumen weight differed between G2 and G3 cows. The greater contribution of C in the genotype resulted in increased volume of blood and development of lungs and all vital organs together when expressed as proportions of EBW.

Key Words: beef cattle, cows, crossbreeding, liver, stomach

Introdução

É evidente a preocupação dos frigoríficos em quantificar os componentes não pertencentes à carcaça no intuito de maximizar o ganho econômico dos animais abatidos. Entre os componentes de maior valorização, destacam-se couro, coração, fígado, rins e intestinos. Os órgãos vitais (coração, fígado, rins e intestinos), no entanto, podem representar de 2 a 4% do valor comercial da carcaça, de modo que o tamanho destes tecidos pode influenciar o rendimento da carcaça. No estudo de Vaz et al. (2001), o menor rendimento de carcaça das novilhas em relação aos novilhos superprecoces Braford foi justificado pelo maior percentual do peso vivo dos órgãos internos das fêmeas.

As diferenças no tamanho dos órgãos internos, entre raças, podem estar associadas às exigências de mantença. No NRC (1996), as diferenças entre espécies de bovídeos variam de acordo com as exigências de mantença, o peso vivo, a categoria animal e o desempenho esperado. Segundo Caton & Dhuyvetter (1997), em ruminantes adultos, a maior parte da energia utilizada para mantença é consumida pelas vísceras. Smith & Baldwin (1973) mencionam que o coração, o fígado e o trato gastrintestinal estão entre os tecidos de maior atividade metabólica nos animais. Oliveira et al. (1992) observaram em animais mais leves maior desenvolvimento do trato gastrintestinal, como resultado do fato de as vísceras atingirem desenvolvimento máximo em tempo menor que o tecido ósseo e muscular.

Resultados de pesquisas comprovaram haver alterações no peso do trato gastrintestinal e dos órgãos internos de animais zebuínos em comparação a taurinos e mestiços (Lunt et al., 1986; Solis et al., 1988; Fernandes et al., 2002), demonstrando menor exigência de mantença para os animais zebuínos, como reflexo da menor atividade metabólica dos órgãos e da quantidade de gordura interna.

Além do fator genético, pesquisas evidenciam influência do estádio de maturidade sobre os órgãos internos de ruminantes. Jorge et al. (1999) observaram aumento linear do peso dos órgãos vitais e dos intestinos em relação ao peso corporal vazio com o aumento do peso de abate de novilhos abatidos em diferentes estádios de maturidade. Esses autores reportaram ainda que, entre estes componentes, o fígado e o baço são os órgãos de maior ímpeto de crescimento (Jorge & Fontes, 2001). Restle et al. (2005) demonstraram que o aumento do peso de abate de novilhos 5/8 Nelore 3/8 Charolês terminados em confinamento proporcionou redução linear do conjunto total dos órgãos vitais em relação ao corpo vazio e observaram similar desenvolvimento do trato gastrintestinal entre os pesos de abate preconizados (425, 467 e 510 kg de PV).

Do total do rebanho bovino destinado ao abate no Brasil, matriz ou vaca de cria foi a categoria animal que apresentou aumento significativo na última década (16,4%), enquanto as demais mantiveram-se estáveis ou até diminuíram em número de animais. A taxa de abate de fêmeas no Brasil e no Rio Grande do Sul representou, no ano de 2003, 46,1 e 51,2% do abate total de bovinos, respectivamente (ANUALPEC, 2004).

Este trabalho foi realizado com objetivo de avaliar o desenvolvimento biométrico dos órgãos vitais e do trato gastrintestinal de vacas de descarte mestiças Charolês × Nelore abatidas com diferentes pesos.

Material e Métodos

O estudo foi conduzido no Setor de Bovinocultura de Corte do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria, em Santa Maria-RS.

Foram utilizadas 24 vacas de descarte resultantes do cruzamento alternado Charolês (C) × Nelore (N), sendo 12 animais da segunda (G2 - seis vacas 3/4C-1/4N e seis vacas 3/4N-1/4C) e 12 da terceira geração (G3 - seis vacas 5/8C- 3/8N e seis vacas 5/8N-3/8C). Ao início do período experimental, os animais apresentavam, em média, 8,5 anos de idade, 388,6 kg de PV e 2,35 pontos de escore da condição corporal, segundo a classificação proposta por Restle (1972), em que 1 = muito magro, 2 = magro, 3 = médio, 4 = gordo e 5 = muito gordo.

Os tratamentos consistiram de três faixas de peso de abate. Os pesos de abate inicialmente pretendidos eram de 460, 510 e 560 kg, mas os pesos reais foram 465, 507 e 566 kg. Para atingir os pesos determinados, os animais foram mantidos em confinamento e alimentados com uma dieta contendo 12,5% de PB e 2,99 Mcal de ED/kg de MS, composta de 48% de volumoso (silagem de milho – AG 5011) e 52% de concentrado contendo 92,6% de farelo de trigo, 6,8% de calcário calcítico e 0,6% sal comum, com base na MS. Os animais foram alimentados duas vezes ao dia, às 9 e 16h, mantendo-se uma oferta diária de MS 10% superior ao consumo voluntário.

À medida que a média dos lotes dos tratamentos atingiram o peso de abate pré-determinado, os animais foram submetidos a jejum de sólidos (12 horas), sendo pesados e transportados em caminhão boiadeiro por 25 km até o frigorífico comercial, onde foram abatidos logo após o desembarque, conforme o fluxo de abate normal do estabelecimento. Foi considerado peso de abate o peso final tomado na fazenda.

Foram separados da carcaça e pesados os componentes externos (sangue; cabeça com orelhas e chifres; pés; vassoura da cauda; couro e úbere), os órgãos vitais (coração, rins, fígado, baço e pulmões), o trato gastrintestinal (rúmen-retículo, abomaso e omaso (estômago cheio e vazio), os intestinos delgado e grosso (cheio e vazio), a gordura total (gorduras visceral, de toalete e renal) e o aparelho reprodutivo.

Para obtenção do peso corporal vazio, utilizou-se o somatório dos pesos de carcaça quente, sangue, componentes externos, órgãos vitais, trato gastrintestinal vazio, aparelho reprodutivo e gordura total.

O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado com arranjo fatorial 3 x 4. Os dados foram submetidos à análise de normalidade pelo teste Shaphiro-Wilk e à análise de variância pelo teste F.

O modelo estatístico empregado foi o seguinte:

Yijkl = µ + PAi + Gj + GGK(GJ) + PIl + Eijkl,

em que: Yijkl = variáveis dependentes; µ = média de todas as observações; Pai = efeito do peso de abate de ordem i; Gj = efeito da geração de cruzamento de ordem j; GGK(GJ) = efeito do grupo genético de ordem k, aninhado dentro da geração de cruzamento de ordem j; PIl = efeito da covariável peso inicial de ordem l; Eijkl = efeito aleatório residual.

As interações peso de abate ´ geração de cruzamento e grupo genético ´ geração foram inicialmente testadas e removidas do modelo estatístico final, pois não foram significativas para as variáveis avaliadas. As médias das variáveis dependentes significativamente afetadas pelas variáveis independentes, segundo análise de variância, foram comparadas pelo teste T (SAS, 1997).

Realizou-se, ainda, a análise de contraste entre animais de predominância Charolês (PC = 3/4CN + 5/8CN) e Nelore (PN = 3/4NC + 5/8CN).

Resultados e Discussão

Não houve efeito das interações (P>0,05) peso de abate ´ geração de cruzamento ou peso de abate ´ grupo genético da vaca sobre as variáveis estudadas e, por isso, as variáveis serão apresentadas e discutidas separadamente.

Na Tabela 1 são descritos os valores médios para corpo vazio (CV), sangue e órgãos vitais, em valor absoluto, e a participação relativa (%) no peso de abate (PA) e no peso de corpo vazio (PCV), de acordo com os pesos de abate preconizados. Em valores absolutos, o volume de sangue não aumentou com o incremento do peso de abate, o que resultou em menor participação deste fluido no PA e PCV quando o peso de abate aumentou de 507 para 566 kg. Comportamento contrário foi registrado por Restle et al. (2005), que observaram incremento linear do volume absoluto de sangue em novilhos abatidos com 425, 467 e 510 kg de PV, ao passo que, quando ajustados para PA e PCV, os valores entre os distintos pesos de abate foram similares.

São poucos os trabalhos nos quais foi avaliado o peso do sangue. Segundo alguns autores (Ribeiro et al., 2001; Pacheco et al., 2005), o aumento do volume de sangue está associado ao incremento dos órgãos vitais e do trato gastrintestinal, exigindo maior volume de sangue para manter a taxa metabólica dos animais. Neste estudo, os valores absolutos de sangue e do conjunto de órgãos vitais (COV) apresentaram correlação significativa de 0,49 (Tabela 3).

Não houve efeito do peso de abate sobre o desenvolvimento de coração e rins, ambos expressos em valor absoluto e percentual do PA e PCV, sendo obtidos valores médios de 1,72 kg, 0,33% do PA e 0,41% do PCV para coração e de 0,85 kg, 0,17% do PA e 0,21% do PCV para rins. Estes resultados comprovam que a integridade desses órgãos não é afetada pelo peso de abate, não havendo aumento de demanda de nutrientes. Em novilhos com 22 meses de idade terminados em confinamento (abatidos com 450 kg de peso vivo) e alimentados com nível de concentrado similar ao utilizado neste experimento (50% na MS), Véras et al. (2001) encontraram valores médios de 1,51 e 0,78 kg e 0,38 e 0,20% do PCV para coração e rins, respectivamente. Tamanho superior de coração em vacas com relação aos novilhos é esperado, haja vista a maior superfície corporal desses animais e a tendência de maior quantidade de tecido muscular neste órgão para suprir a demanda sangüínea nos demais tecidos corporais. Verificou-se associação positiva e significativa (0,63) entre peso do coração e peso de abate (Tabela 3).

O peso de fígado aumentou do T465 para o T507 e manteve-se constante no peso de 566 kg. Quando expresso em % do CV, apresentou redução do T507 para o T566, indicando que o ganho compensatório foi mais intenso até o T507. Maior velocidade de deposição de massa corporal pode exigir do fígado maior demanda de síntese de nutrientes para formação de tecidos. A correlação entre o desenvolvimento do fígado e o ganho de peso dos animais ao longo do confinamento foi de 0,57 (Tabela 3).

Segundo Hoog (1991), durante o crescimento compensatório, grande parte das alterações observadas no peso do animal é resultante da recuperação da atividade metabólica do fígado e do intestino delgado e, conseqüentemente, do incremento do peso destes órgãos associado ao aumento do conteúdo da digesta. Essa tendência de aumento da digesta (Kuss et al., 2007) e do desenvolvimento dos intestinos foi observada também neste estudo (Tabela 2). Trabalhando com animais em fase de crescimento (20 a 24 meses de idade), Jorge & Fontes (2001) e Restle et al. (2005) demonstraram elevado ímpeto de crescimento do fígado com a maturidade dos animais, acompanhando simultaneamente o crescimento do peso corporal vazio dos novilhos. Além do aumento do peso de abate, os resultados obtidos por Véras et al. (2001) demonstraram que o aumento do nível do concentrado na dieta também influencia o desenvolvimento do fígado.

Verificou-se desenvolvimento de pulmões e baço até o T507, com redução no T566 em todas as formas de expressão. Esta redução pode estar associada à maior pressão interna exercida sobre estes órgãos, principalmente pela gordura interna, e ao maior volume do trato gastrintestinal causado pelo aumento da digesta, sendo mais nítida nos animais do T566 (Kuss et al., 2007) (Tabela 2). Outra suposição seria o efeito do ganho de peso: ao longo do processo de terminação, os animais apresentaram ganho de peso médio diário de 1,26; 1,59 e 1,28 kg (T465, T507 e T566, respectivamente), ou seja, a maior velocidade de ganho de peso no T507 exigiu maior demanda de oxigenação (pulmões) e capacidade de armazenamento de sangue (baço), a fim de acompanhar a produção dos tecidos muscular e adiposo. O ganho de peso esteve positivamente correlacionado (correlações de 0,41 e 0,55, respectivamente) ao peso desses órgãos (Tabela 3). Lunt et al. (1986) também associaram o ganho de peso de novilhos Angus, Brahman e Brahman x Angus ao tamanho de pulmão. Jorge & Fontes (2001) descreveram incremento linear desses órgãos com o aumento da maturidade de novilhos de corte e relataram que o baço apresentou intensidade de crescimento superior ao PCV. Restle et al. (2005), por sua vez, registraram aumento linear no peso dos pulmões e estagnação do baço frente ao aumento do PA e PCV em novilhos.

O peso do conjunto dos órgãos vitais (COV) em valores absolutos foi maior nos animais do T507 e T566, o que pode estar associado à maior quantidade de sangue nestes grupos de abate. A associação entre o desenvolvimento do COV e o PA foi de 0,74 (Tabela 3). Ribeiro et al. (2001) associaram o maior tamanho dos órgãos internos ao aumento proporcional de sangue no corpo de bezerros alimentados com diferentes proporções de concentrado na dieta.

Os valores relativos de COV para PA e PCV obtidos nos animais do T566 foram inferiores aos registrados dos demais tratamentos. Segundo Galvão et al. (1991), os órgãos vitais têm maior desenvolvimento na fase mais precoce da vida do animal, ocasião em que sua taxa de desenvolvimento suplanta os crescimentos muscular e adiposo, situação contrária à medida que o animal cresce. Desse modo, os órgãos passam a representar menor proporção sobre o peso corporal vazio. Signoretti et al. (1999), em estudo com animais abatidos aos 190 e 300 kg de PV, também reportaram menor participação do COV no PCV nos animais mais pesados (4,65 e 4,06%, respectivamente).

Apesar da ausência de diferença significativa para os resultados percentuais do PA e PCV para rúmen-retículo e abomaso entre T465 e T507, o T507 apresentou valores superiores para rúmen-retículo, abomaso, estômago e trato gastrintestinal em todas as formas de expressão (Tabela 2), o que está associado ao ganho compensatório destes animais até este peso de abate, visto que as vacas se encontravam magras ao início do experimento (condição corporal média de 2,35 pontos). Segundo Jorge et al. (1999), animais sob restrição alimentar apresentam redução do volume destes compartimentos e posterior recuperação mediante realimentação à vontade (Hoog, 1991).

A correlação entre o desenvolvimento do trato gastrintestinal e o ganho de peso foi de 0,65 (Tabela 3) e pode ser atribuída às maiores taxas de ganho de peso resultantes do maior consumo de alimento. Entretanto, quando os animais foram abatidos aos 566 kg, foram observados menores valores para o estômago, ocasionados, em parte, pela pressão interna realizada pela gordura presente na cavidade abdominal com o aumento do peso de 507 para 566 kg (Kuss et al., 2007).

Conforme descrito pelo NRC (1996), à medida que avança o grau de maturidade, observa-se diminuição do consumo por unidade de peso metabólico, relacionada à redução de apetite e, principalmente, à competição de espaço abdominal e ao limite do potencial de deposição de gordura.

Como descrito na Tabela 4, as médias absolutas para peso de coração, rins e COV obtidas nos animais 3/4CN foram superiores às obtidas com as vacas 3/4NC. Quando expressos em valores percentuais do PA e PCV, apenas os pesos de rins e COV diferiram significativamente. Animais 5/8CN foram superiores aos 5/8NC quanto aos pesos de pulmão (kg e % do PA e do PCV) e à porcentagem de COV no CV. Esse comportamento pode estar associado ao maior peso e, conseqüentemente, ao maior fluxo sanguíneo nas vacas de predominância Charolês em relação às de predominância Nelore (15,55 vs 13,15 kg, respectivamente, Tabela 4), resultando em aumento no tamanho destes órgãos e, conseqüentemente, do conjunto dos órgãos internos (COV). Ribeiro et al. (2001) associaram o maior tamanho relativo dos órgãos à maior quantidade de sangue no corpo dos animais. Neste estudo, a quantidade desse fluido acompanhou o desenvolvimento do PA e do PCV dos animais, com exceção das vacas 5/8NC, que apresentaram comportamento contrário. Os resultados comprovaram que, quanto maior a deposição de tecidos, maior o aporte de sangue exigido para condução de nutrientes. O aumento do peso vivo ao abate também resultou em incremento na quantidade de sangue em novilhos 5/8NC, porém, sua participação no PCV se manteve estável (Restle et al., 2005). Em novilhos mestiços leiteiros e Zebu, Backes et al. (2003) não verificaram alteração na quantidade de sangue entre os grupos genéticos estudados.

Superioridade no tamanho de coração, pulmão, fígado e COV de novilhos Charolês em relação aos Nelores foi relatada por Menezes et al. (2007). Ferrel & Jenkins (1998) reportaram maiores valores de coração, fígado, pulmão, rins e baço para animais Angus e Hereford em relação ao Brahman. Lunt et al. (1986) observaram que o tamanho de coração, fígado e pulmões nos novilhos Angus foi maior que nos animais Brahman e Angus x Brahman. Pacheco et al. (2005) verificaram maior desenvolvimento do fígado (kg, % do PA e do PCV) em novilhos 5/8CN em relação aos 5/8 NC terminados nos sistemas jovem (22-24 meses) e superjovem (12-14 meses).

Estudos indicam que o desenvolvimento do COV está relacionado ao maior consumo de energia da dieta (Signoretti et al., 1999; Ferreira et al., 2000; Ribeiro et al., 2001) ou ao consumo de alimento (Jorge et al., 1999). Animais destinados à produção de carne, de porte grande (como os Charolês), selecionados para elevadas taxas de ganho de peso, apresentam maior consumo de alimento, sendo necessário aumento simultâneo dos órgãos responsáveis pelo metabolismo basal. Segundo Jones et al. (1985), animais originados do cruzamento com raças de corte de porte grande apresentaram maiores pesos de coração, baço, fígado e pulmões em relação àqueles oriundos do cruzamento de raças pequenas. Ferrel et al. (1976) descreveram que as diferenças nos requerimentos nutricionais entre grupos genéticos podem ser atribuídas também aos diferentes tamanhos dos órgãos internos, que são maiores em animais taurinos em comparação aos zebuínos.

O desenvolvimento do rúmen-retículo e do estômago (em kg) foi maior nas vacas G3 em comparação às G2 (Tabela 5), todavia, apenas o rúmen-retículo foi influenciado pelo PA e o PCV. Este fato está relacionado ao maior peso dos animais da G3 (521,5 vs 503,6 kg - Kuss et al., 2005), como resultado do maior grau de heterozigose. Menezes & Restle (2005) verificaram que, em novilhos da G2 e da G3, a heterose para peso e consumo alimentar acompanhou o grau da heterozigose.

Conclusões

Entre os órgãos, o fígado apresentou maior ímpeto de desenvolvimento com o aumento do peso de abate de vacas de descarte.

A participação relativa dos órgãos vitais e do trato gastrintestinal no peso vivo ao abate e no peso de corpo vazio foi menor nas vacas mais pesadas.

Animais da terceira geração provenientes do cruzamento Charolês ´ Nelore apresentaram maior desenvolvimento do rúmen-retículo e do estômago.

Maior participação de Charolês no genótipo conferiu maior volume de sangue e desenvolvimento dos pulmões e do conjunto dos órgãos vitais no corpo vazio.

Literatura Citada

Recebido: 21/09/05

Aprovado: 29/09/06

Correspondências devem ser enviadas para: fernandokuss@ig.com.br

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  • 1
    Parte da dissertação apresentada à UFSM pelo primeiro autor para obtenção do título de Mestre em Produção Animal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Recebido
      21 Set 2005
    • Aceito
      29 Set 2006
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