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Incidência, fatores de risco e desfechos da extubação não planejada em pacientes adultos em um hospital de ensino com recursos limitados nas Filipinas: um estudo de coorte

RESUMO

Objetivo:

Determinar a incidência, os fatores de risco e os desfechos da extubação não planejada em pacientes adultos.

Métodos:

Conduzimos estudo prospectivo de coorte de pacientes adultos intubados admitidos em ala de atendimento gratuito em um hospital governamental terciário de ensino nas Filipinas. Incluíram-se tanto pacientes em cuidados de terapia intensiva quanto fora dela. Os pacientes foram seguidos até a alta ou até o sétimo dia após a extubação.

Resultados:

Os desfechos dos 191 pacientes incluídos foram: extubação planejada (35%), extubação não planejada (19%), óbito (39%) e alta a pedido (7%). A regressão de riscos competitivos demonstrou que o sexo masculino (OR bruta de 2,25; IC95% 1,10 - 4,63) e a idade (OR bruta: 0,976; IC95%: 0,957 - 0,996) foram fatores basais significantes. O turno da noite (OR bruta: 24,6; IC95%: 2,87 - 211) também teve associação consistente com maior ocorrência de extubação não planejada. Dentre os desfechos após a extubação, ocorreram significantemente mais, entre os pacientes com extubação não planejada, reintubação (extubação não planejada, com 61,1%, versus extubação planejada, com 25,4%), insuficiência respiratória aguda (extubação não planejada, com 38,9%, versus extubação planejada, com 17,5%) e eventos cardiovasculares (extubação não planejada, com 8,33%, versus extubação planejada, com 1,49%). A admissão à unidade de terapia intensiva não se associou com risco menor de extubação não planejada (OR bruta de 1,15; IC95% 0,594 - 2,21).

Conclusão:

Muitos pacientes intubados tiveram extubação não planejada. Os pacientes admitidos em outras unidades, que não a de terapia intensiva, não tiveram tendências mais elevadas de extubação não planejada.

Descritores:
Intubação; Extubação; Cuidados críticos; Países em desenvolvimento; Estudos prospectivos

ABSTRACT

Objective:

We aimed to determine the incidence, risk factors, and outcomes of unplanned extubation among adult patients.

Methods:

We conducted a prospective cohort study of adult intubated patients admitted to the charity wards of a government tertiary teaching hospital in the Philippines. Patients managed in both intensive care and nonintensive care settings were included. Patients were followed-up until discharge or until seven days postextubation.

Results:

The outcomes of the 191 included patients were planned extubation (35%), unplanned extubation (19%), death (39%), and discharge against advice (7%). Competing risk regression showed that male sex (Crude OR: 2.25, 95%CI: 1.10 - 4.63) and age (Crude OR 0.976, 95%CI: 0.957 - 0.996) were significant baseline factors. The night shift (Crude OR: 24.6, 95%CI: 2.87 - 211) was also consistently associated with more unplanned extubations. Among postextubation outcomes, reintubation (unplanned extubation: 61.1% versus planned extubation: 25.4%), acute respiratory failure (unplanned extubation: 38.9% versus planned extubation: 17.5%), and cardiovascular events (unplanned extubation: 8.33% versus planned extubation: 1.49%) occurred significantly more often among the unplanned extubation patients. Admission in an intensive care unit was not associated with a lower risk of unplanned extubation (Crude OR 1.15, 95%CI: 0.594 - 2.21).

Conclusion:

Many intubated patients had unplanned extubation. Patients admitted in nonintensive care unit settings did not have significantly higher odds of unplanned extubation.

Keywords:
Intubation; Airway extubation; Critical care; Developing country; Prospective studies

INTRODUÇÃO

A extubação não planejada (ENP) é a "remoção prematura do tubo endotraqueal por ação do paciente mecanicamente ventilado (autoextubação) ou remoção prematura durante cuidados médicos e de enfermagem (extubação acidental)".(11 de Groot RI, Dekkers OM, Herold IH, de Jonge E, Arbous MS. Risk factors and outcomes after unplanned extubations on the ICU: a case-control study. Crit Care. 2011;15(1):R19.) Estes são considerados os eventos adversos com ocorrência mais comum na unidade de terapia intensiva (UTI),(22 Kapadia FN, Bajan KB, Raje KV. Airway accidents in intubated intensive care unit patients: an epidemiological study. Crit Care Med. 2000;28(3):659-64.) com estimativa de ocorrer em 7% a 22,5% dos pacientes intubados.(33 McNett M, Kerber K. Unplanned exubations in the ICU: Risk factors and strategies for reducing adverse events. J Clin Outcomes Manag. 2015;22(7):303-11.) Estudos mais recentes mencionam incidência mais baixa de ENP, como em um centro da Coreia, que relatou ocorrência de ENP em 0,6% dos pacientes.(44 Kwon E, Choi K. Case-control study on risk factors of unplanned extubation based on patient safety model in critically ill patients with mechanical ventilation. Asian Nurs Res (Korean Soc Nurs Sci). 2017;11(1):74-8.) Considera-se a ENP um indicador da qualidade dos cuidados de pacientes críticos,(55 Curry K, Cobb S, Kutash M, Diggs C. Characteristics associated with unplanned extubations in a surgical intensive care unit. Am J Crit Care. 2008;17(1):45-51; quiz 52.) já que, na maior parte dos estudos sobre ENP, ela se associa a maiores morbidade, mortalidade e custos.(66 Lee JH, Lee HC, Jeon YT, Hwang JW, Lee H, Oh HW, et al. Clinical outcomes after unplanned extubation in a surgical intensive care population. World J Surg. 2014;38(1):203-10.

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-88 Kiekkas P, Aretha D, Panteli E, Baltopoulos GI, Filos KS. Unplanned extubation in critically ill adults: clinical review. Nurs Crit Care. 2013;18(3):123-34.) Contudo, pode haver variação entre diferentes centros, sendo que alguns relataram não ter ocorrido aumento do risco de mortalidade.(11 de Groot RI, Dekkers OM, Herold IH, de Jonge E, Arbous MS. Risk factors and outcomes after unplanned extubations on the ICU: a case-control study. Crit Care. 2011;15(1):R19.,99 Boulain T. Unplanned extubations in the adult intensive care unit: a prospective multicenter study. Association des Réanimateurs du Centre-Ouest. Am J Respir Crit Care Med. 1998;157(4 Pt 1):1131-7.)

Foram publicadas diversas revisões relacionadas à ENP e seus fatores de risco.(88 Kiekkas P, Aretha D, Panteli E, Baltopoulos GI, Filos KS. Unplanned extubation in critically ill adults: clinical review. Nurs Crit Care. 2013;18(3):123-34.,1010 da Silva PS, Fonseca MC. Unplanned endotracheal extubations in the intensive care unit: systematic review, critical appraisal, and evidence-based recommendations. Surv Anesthesiol. 2013;57(1):6-7.,1111 Ai ZP, Gao XL, Zhao XL. Factors associated with unplanned extubation in the Intensive Care Unit for adult patients: A systematic review and meta-analysis. Intensive Crit Care Nurs. 2018;47:62-8.) Embora a maioria dos estudos incluídos nessas revisões tenham sido conduzida em países com recursos mais elevados, a diferença em termos de conhecimento vem sendo lentamente mais tratada em publicações recentes que discutem a ENP nos países em desenvolvimento.(1212 Mpe MJ, Moloto MS, Mphahlele BV. Unplanned extubations in an academic intensive care unit. South African J Anesth Analg. 2004;10(5):17-9.

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14 Kapadia FN, Tekawade PC, Nath SS, Pachpute SS, Saverkar SS, Bhise RA, et al. A prolonged observational study of tracheal tube displacements: Benchmarking an incidence < 0.5-1% in a medical-surgical adult intensive care unit. Indian J Crit Care Med. 2014;18(5):273-7.

15 Kongsayreepong S, Chittawatanarat K, Thawitsri T, Chatmongkolchart S, Morakul S, Wacharasint P, et al. A Multi-Center Thai University-Based Surgical Intensive Care Units Study (THAI-SICU Study): Outcome of ICU care and adverse events. J Med Assoc Thai. 2016;99 Suppl 6:S1-14.
-1616 Shoji CY, Figuereido LC, Calixtre EM, Rodrigues CD, Falcão AL, Martins PP, et al. Reintubation of patients submitted to cardiac surgery: a retrospective analysis. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(2):180-7.) Nesses estudos conduzidos em países com média e baixa renda, a proporção de pacientes intubados que apresentam uma ENP variou entre 0,1% e 10,3%, ou seja, níveis comparáveis aos de pacientes em países com recursos mais elevados.

Os hospitais nos países em desenvolvimento nem sempre conseguem proporcionar os cuidados em condições ideais. Em razão da capacidade limitada das UTIs, pacientes intubados podem ser mantidos nas enfermarias gerais. Os estudos publicados que encontramos deixaram de incluir este fato em suas discussões.

Neste cenário, convém tratar desta deficiência no conhecimento e discutir a experiência dos cuidados de pacientes intubados em condições de escassez de recursos. Nosso objetivo é medir a incidência de ENP em uma enfermaria gratuita de um hospital governamental terciário nas Filipinas. Também comparamos os desfechos em curto prazo após a extubação dos pacientes que tiveram ENP com os desfechos de pacientes que passaram por extubação planejada (EP).

MÉTODOS

Este estudo observacional prospectivo de coorte foi conduzido no Philippine General Hospital (PGH) entre fevereiro e maio de 2017. Com uma capacidade de 1.500 leitos, o PGH é o maior hospital governamental de ensino nas Filipinas. Foram incluídas todas as enfermarias gratuitas e as UTIs, exceto duas enfermarias. As enfermarias não cirúrgicas foram a de medicina interna (duas enfermarias, uma UTI) e neurociências (uma enfermaria, uma UTI). As enfermarias cirúrgicas foram a cirurgia (três enfermarias, uma UTI), neurociências (uma enfermaria, uma UTI) e ginecologia/obstetrícia (três enfermarias, uma UTI). Excluímos do estudo uma enfermaria de oftalmologia e uma enfermaria especial para pacientes com seguro governamental, em razão de estas não lidarem com pacientes intubados. As enfermarias gerais tiveram proporção entre enfermagem e pacientes de 1:13, enquanto nas UTIs esta proporção foi de 1:4.

Foram incluídos no estudo todos os pacientes intubados e conectados a ventiladores mecânicos com idade de 19 anos ou mais, e admitidos a qualquer das enfermarias e UTIs selecionadas. Os pacientes que foram intubados para cirurgia e extubados no centro cirúrgico foram excluídos. Aqueles intubados no pronto-socorro e que receberam alta sem serem transferidos a uma enfermaria ou UTI também foram excluídos do estudo. Finalmente, pacientes intubados quando do início do recrutamento, que tinham história pregressa de ENP durante a mesma admissão, também não foram incluídos, uma vez que nosso interesse se restringia à primeira ENP, e não nos seria possível colher os desfechos após a extubação nestes pacientes.

A equipe tinha como alvo pelo menos 103 pacientes para estimar taxa de ENP de 22%(33 McNett M, Kerber K. Unplanned exubations in the ICU: Risk factors and strategies for reducing adverse events. J Clin Outcomes Manag. 2015;22(7):303-11.) com margem de erro de 8% e alfa de 0,05.

O desfecho principal foi ENP. Os desfechos competitivos foram EP, óbito antes da extubação e alta a pedido (AAP) antes da extubação. Os desfechos após a extubação foram reintubação, insuficiência respiratória aguda, eventos cardiovasculares, infecção hospitalar e óbito. Os diagnósticos na ficha clínica foram utilizados como base para os eventos após a extubação.

Dois tipos de fatores de risco foram considerados, com base na literatura prévia: basal e circunstancial. Os fatores basais incluíram idade, sexo, tipo de enfermaria (cirúrgica versus não cirúrgica), admissão à UTI, razão para a intubação, escore inicial no Simplified Acute Physiology Score (SAPS) II e modo de ventilação (pressão positiva contínua em vias aéreas - CPAP - versus outros modos ventilatórios, como ventilação com controle assistido). Os fatores basais foram coletados para todos os pacientes. A razão para intubação se baseou no diagnóstico e na lista de problemas nas fichas clínicas. Para o escore SAPS II, nenhum dos pacientes tinha resultados de bilirrubina, e os escores foram computados sem este componente.

Os fatores circunstanciais foram: momento da extubação, uso de restrições físicas, uso de sedação nas 24 horas antes da extubação, tipo de fixação utilizada para o tubo endotraqueal e uso de confirmação radiológica da localização do tubo. Estes dados só foram coletados para os pacientes que tiveram EP ou ENP.

Quando da inclusão no estudo, a equipe de pesquisa preencheu formulários de coleta de dados por meio de extração dos dados demográficos e clínicos, a partir da ficha clínica. Residentes e enfermeiros encarregados do paciente foram entrevistados caso faltasse algum detalhe na ficha clínica. Realizaram-se visitas diárias para avaliação do desfecho. ocorresse EP ou ENP, coletavam-se os dados referentes aos fatores circunstanciais. Os pacientes extubados foram então seguidos por 7 dias após a extubação ou até a alta, o que ocorresse primeiro, para avaliação dos desfechos após a extubação.

Análise dos dados

A incidência dos desfechos foi computada pela divisão do número de ENP pelo valor acumulado de pessoas-dias de observação. As densidades de incidência de 3 dias, desde o dia da intubação até o 15º dia após intubação, foram computadas para analisar as tendências.

Os pacientes foram classificados segundo os múltiplos desfechos e descritos com utilização das variáveis demográficas e clínicas. As variáveis categóricas foram comparadas por meio do teste do qui-quadrado. A idade e o escore SAPS II foram comparados com utilização de análise de variância (ANOVA) de uma via, enquanto os tempos de permanência e de intubação foram comparados com utilização do rank-test de Kruskal-Wallis, em razão da não normalidade dos dados.

Devido à presença de múltiplos desfechos, utilizou-se regressão de riscos competitivos para estimar as subhazard ratios (SHRs) para os fatores basais. Devido ao pequeno tamanho do grupo, as AAP foram agrupadas com óbito. Utilizou-se regressão logística para testar quanto à associação de fatores circunstanciais com ENP, com controle para as variáveis basais. Avaliou-se a colinearidade com utilização do comando Collin.

Planejamos conduzir uma análise com inclusão de todos os fatores de risco (modelo completo), porém, devido a questões relativas ao tamanho da amostra, número limitado de eventos e overlifting, também processamos modelos reversos graduais (com limite de p ≤ 0,20), para reduzir o número de termos no modelo. Como análise de sensibilidade, conduzimos também modelos nos quais o SAPS II foi excluído, para permitir a inclusão de todos os pacientes da coorte.

A taxa de falha, definida como reintubação dentro de 48 horas após a extubação, foi computada. Construíram-se curvas de Kaplan-Meier de falha dos desfechos após extubação para os pacientes com ENP e EP. Essas curvas foram comparadas com utilização do método de Gehan-Breslow-Wilcoxon devido à variação das taxas de incidência durante o período de seguimento. Não foram realizadas análises ajustadas devido ao tamanho pequeno da amostra.

Valor de p ≤ 0,05 foi considerado significante. Todas as análises estatísticas foram conduzidas com utilização do programa Stata 12.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Revisão Técnica e de Revisão Ética da University of the Philippines, em Manila.

RESULTADOS

Este estudo registrou 195 pacientes intubados. Quatro pacientes foram excluídos em razão de dados incompletos sobre desfechos, de forma que apenas 191 pacientes foram incluídos na análise. A média de idade dos pacientes incluídos foi de 54 (desvio padrão - DP de 15,5) anos, com ligeira predominância masculina (55,5%). Os pacientes foram praticamente distribuídos de forma equitativa entre condições de UTI (53,9%) e não UTI (46,1%). Um número ligeiramente maior de pacientes foi admitido às enfermarias não cirúrgicas (73,3%) em comparação às unidades cirúrgicas, assim como nas UTIs (55%) em comparação às unidades não intensivas. Apenas 32 (16,41%) foram admitidos por motivos cirúrgicos. Os tempos médio e mediano de permanência foram, respectivamente, de 23,75 (DP de 25,16) e 17 (intervalo interquartil - IQR: 22) dias. O SAPS II médio foi de 49 (n = 143; DP de 0,26) (Tabela 1).

Tabela 1
Características dos pacientes, segundo o desfecho

Extubação não planejada e desfechos competitivos

Em toda a coorte de pacientes (n = 191), ocorreram 65 casos (35%) com EP e 36 pacientes (19%) com ENP. Morreram antes da extubação 74 pacientes (39%), enquanto 14 pacientes (7%) tiveram AAP. Se no denominador contarmos apenas os pacientes vivos por ocasião da alta e não os casos de alta a pedido, 35,0% (n = 103) tiveram ENP. Dentre os 36 pacientes com ENP, a maioria (28; 77,8%) das ENP foi por autoextubação. A duração média e a mediana dos dias de intubação foram, respectivamente, de 12,21 (DP de 10,82) e 8 (IQR de10).

A taxa de incidência de ENP foi de 1,55 por 100 pessoas-dias (intervalo de confiança de 95% - IC95%: 1,11 - 2,14), enquanto a de EP foi de 2,83 por 100 pessoas-dias (IC95%: 2,23 - 3,61). Os pacientes admitidos em condições de UTI tiveram incidência ligeiramente mais elevada de ENP (1,68 por 100 pessoas-dias; IC95%: 1,10 - 2,58) em comparação aos que permaneceram em ambiente que não UTI (1,39 por 100 pessoas-dias; IC95%: 0,83 - 2,30).

As incidências de óbito e AAP foram, respectivamente, de 3,18 por 100 pessoas-dias (IC95%: 2,53 - 3,99) e 0,6 por 100 pessoas-dias (IC95%: 0,36 - 1,01). As densidades de incidência de ENPs e EPs tiveram pico no intervalo entre o 6º e o 9º dias, enquanto o pico de AAP ocorreu no intervalo entre o 9º e o 12º dias.

Fatores de risco para extubação não planejada

Quanto aos fatores basais de risco, apenas idade (0,976; IC95%: 0,957 - 0,996) e sexo masculino (2,25; IC95%: 1,10 - 4,63) tiveram subhazard ratios brutas significantes para ENP. O sexo masculino continuou a ser significante após ajuste com utilização do modelo completo (2,54; IC95%: 1,09 - 5,94) e no modelo gradual (2,39; IC95%: 1,09 - 5,27). Idade foi significante no modelo completo (0,969; IC95%: 0,941 - 0,999) mas não no gradual (0,975; IC95%: 0,950 - 1,00). Admissão ao ambiente de UTI não foi fator significante para ENP tanto na análise bruta (1,15; 9C95%: 0,594 - 2,21) quanto na ajustada (1,04; IC95%: 0,481 - 2,23). As associações encontradas foram coerentes na análise de sensibilidade, embora idade tenha permanecido significante no modelo gradual (Tabela 2).

Tabela 2
Subhazard ratios das características basais para extubação não planejada

Quanto aos fatores circunstanciais, o turno da noite se associou com maior tendência a ENP (24,6; IC95%: 2,87 - 211) e a significância foi mantida após ajuste. Identificou-se que sedação teve associação com diminuição da tendência a ENP (0,052; IC95%: 0,004 - 0,777), enquanto o uso de restrições físicas se associou com tendência maior na análise ajustada com utilização do modelo completo (8,439; IC95%: 1,40 - 51,0). Estes fatores não foram significantes quando se utilizou o modelo gradual ou no modelo em que o SAPS II não foi incluído nas covariáveis (Tabela 3).

Tabela 3
Razões de propensão dos fatores circunstanciais para extubação não planejada

Exploramos se existiam diferenças nas tendências a ENP durante o turno da noite, estratificado segundo a admissão à UTI, e não identificamos diferenças significantes entre as duas ORs (qui quadrado, valor de p = 0,49). Exploramos também se existiam diferenças nas OR para ENP para sedação, segundo o modo de ventilação mecânica (CPAP versus não CPAP), e não identificamos diferenças significantes (qui quadrado, valor de p = 0,08). O número de eventos e a amostra não foram suficientes para testar interações.

Desfechos após extubação

A taxa geral de falha foi de 34,0% com taxa mais baixa para EP (20,9%) em comparação à ENP (58,3%). Isto se traduziu em razão de propensão a falha mais baixa nos casos em que a extubação foi planejada (OR bruta: 0,187; IC95%: 0,078 - 0,458; valor de p < 0,001).

Reintubação (ENP: 61,1% versus EP: 23,9%), insuficiência respiratória aguda (ENP: 38,9% versus EP: 16,4%) e eventos cardiovasculares (ENP: 8,33% versus EP: 1,49%) ocorreram mais frequentemente no grupo com ENP. As curvas de falha para estes três desfechos foram significantemente diferentes (valores de p < 0,05). Não houve diferença significante na ocorrência de infecção (ENP: 27,8% versus EP: 22,4%) ou óbito (ENP: 22,2% versus EP: 11,9%) entre os pacientes com ENP e EP (Tabela 4).

Tabela 4
Ocorrência de desfechos após a extubação, segundo o tipo de extubação

DISCUSSÃO

Neste estudo de coorte em centro único, cerca de 19% dos pacientes intubados admitidos em um serviço gratuito tiveram ENP com densidade de incidência de 1,55 por 100 pessoas-dias. Este achado é coerente com as taxas publicadas, de 7 - 22%,(33 McNett M, Kerber K. Unplanned exubations in the ICU: Risk factors and strategies for reducing adverse events. J Clin Outcomes Manag. 2015;22(7):303-11.) ou 0,1 a 3,6 por 100 dias de intubação.(1010 da Silva PS, Fonseca MC. Unplanned endotracheal extubations in the intensive care unit: systematic review, critical appraisal, and evidence-based recommendations. Surv Anesthesiol. 2013;57(1):6-7.) Quando se removem da equação os casos de óbito e AAP, a ocorrência nestas condições se torna muito mais alta, sendo de 35%. Esta taxa de incidência mais elevada excederia a taxa mais alta de ENP relatada nos países de baixa e média renda.(1212 Mpe MJ, Moloto MS, Mphahlele BV. Unplanned extubations in an academic intensive care unit. South African J Anesth Analg. 2004;10(5):17-9.)

Não esperávamos que as taxas de ENP entre pacientes na UTI e fora da UTI fossem similares. Nossa hipótese era a de que os pacientes na UTI apresentariam taxas mais baixas, já que teriam doença mais grave, e estariam mais fracos e com menor tendência à autoextubação. Outra consideração é que, no ambiente de UTI, espera-se que a capacidade de fornecer os cuidados ideais seja maior. Tratamos da primeira condição fazendo um ajuste quanto à severidade pela utilização do SAPS II nos modelos com multivariáveis e identificamos a ausência de preditor significante de ENP. Embora não tenhamos evidência relacionada à qualidade dos cuidados prestados na UTI ou nas alas comuns, é possível que as enfermarias tenham criado um ambiente que se aproxima dos cuidados na UTI. Nesse centro, os pacientes intubados que permanecem na enfermaria geral são designados para leitos específicos. Estes pacientes são conectados aos mesmos aparelhos de monitoramento que os da UTI, sendo frequentemente visitados por médicos e internos. Estas adaptações podem ter sido suficientes para tratar das questões referentes aos cuidados, como a proporção deficiente de enfermagem por paciente. Pode ser, também, que os residentes tenham não intencionalmente designado os pacientes em menor risco de ENP para a enfermaria geral, em vez da UTI.

Nossos achados relativos aos fatores basais e circunstanciais não foram sempre coerentes com os de abrangente revisão deste tópico conduzida por da Silva et al.(1010 da Silva PS, Fonseca MC. Unplanned endotracheal extubations in the intensive care unit: systematic review, critical appraisal, and evidence-based recommendations. Surv Anesthesiol. 2013;57(1):6-7.) Idade e sexo foram fatores de risco significantes em nosso estudo; entretanto, a idade foi citada como fator significante de risco em apenas 3 de 11 estudos, e sexo foi significante em apenas um dos três estudos revisados. Por outro lado, nosso estudo é coerente com a maioria das publicações incluídas na revisão, que cita restrições físicas como fator de risco para ENP. Dois estudos na mesma revisão também identificaram o turno da noite como fator de risco para ENP. Nosso estudo não identificou proteção consistente provida pelo tipo de material utilizado para fixação do tubo endotraqueal, diferentemente de outros estudos que investigaram o tema. Não encontramos aumento e nem diminuição significante do risco de ENP com uso de sedativos, diferentemente dos estudos citados na revisão.

Nosso estudo concordou com o aumento previamente observado de necessidade de reintubação nos pacientes com ENP,(11 de Groot RI, Dekkers OM, Herold IH, de Jonge E, Arbous MS. Risk factors and outcomes after unplanned extubations on the ICU: a case-control study. Crit Care. 2011;15(1):R19.) porém não confirmamos os achados de aumento do número de mortes ou de infecções, observados em outros estudos.(77 Gao F, Yang LH, He HR, Ma XC, Lu J, Zhai YJ, et al. The effect of reintubation on ventilator-associated pneumonia and mortality among mechanically ventilated patients with intubation: A systematic review and meta-analysis. Hear Lung. 2016;45(4):363-71.,88 Kiekkas P, Aretha D, Panteli E, Baltopoulos GI, Filos KS. Unplanned extubation in critically ill adults: clinical review. Nurs Crit Care. 2013;18(3):123-34.) O fato de não encontramos diferenças pode ser atribuído ao número pequeno de pacientes na amostra e de eventos em nosso estudo.

Este é um dos poucos estudos que avaliou a ENP em hospital com recursos limitados e, até onde sabemos, é o único que incluiu pacientes intubados em cuidados em ambiente externo à UTI. Outro ponto forte deste estudo foi a utilização de regressão de riscos competitivos em vez de regressão logística para avaliar a presença de mais de um desfecho alternativo comum.

Há uma limitação da possibilidade de generalizar nossos achados, já que este ensaio foi conduzido em um único centro nas Filipinas. Além disto, não conseguimos incluir pacientes atendidos e com alta no pronto-socorro. Caso tivessem sido incluídos, nossa incidência teria, provavelmente, sido mais alta.

O tamanho relativamente pequeno da amostra e o número relativamente baixo de eventos levou a um menor poder para encontrar associações significantes. Devido a questões de overfitting relacionadas ao pequeno tamanho de amostra e ao baixo número de eventos, conduzimos análise de sensibilidade e identificamos que a maior parte dos resultados foi robusta. Contudo, nossos achados não devem ser utilizados para concluir que outros estudos previamente publicados sobre fatores de risco para ENP não são significantes para pacientes nestas condições. Um estudo com amostra mais numerosa poderia contornar estas limitações. Entretanto, este estudo pode servir como base para futuros programas de melhoria da qualidade a serem implantados neste hospital.

CONCLUSÃO

Pacientes intubados em enfermarias gratuitas e unidades de terapia intensiva tiveram extubação não planejada. Não se detectaram diferenças entre as taxas dos pacientes admitidos à unidade de terapia intensiva em comparação com os admitidos à enfermaria. As características basais associadas com extubação não planejada foram sexo masculino e pacientes mais jovens. O turno da noite se associou a um maior risco de extubação não planejada. A ocorrência de extubação não planejada aumentou o risco de reintubação, insuficiência respiratória aguda e eventos cardiovasculares, mas não aumentou ou risco de óbito após extubação e infecção.

AGRADECIMENTOS

Este projeto teve suporte financeiro do Department of Science and Technology - Philippine Council for Health Research and Development, por meio de verba regional gerida pelo Metro Manila Health Research and Development Consortium. Agradecemos a Ayra Mae Balingbing, Jennifer Ildefonzo, Joven Arlu Pondevida e Allan Ulitin, pelo auxílio na realização deste estudo.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editor responsável: Luciano César Pontes de Azevedo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2018
  • Aceito
    04 Dez 2018
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