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Grupo de reflexão com profissionais de uma Unidade de Terapia Intensiva Coronariana: um relato de experiência

Reflection group of health care professionals from a Cardiac Intensive Care Unit: a report on experience

Resumo

Objetivo:

descrever uma intervenção grupal realizada com os profissionais de uma equipe de saúde de uma Unidade de Terapia Intensiva Coronariana.

Métodos:

trata-se de um relato de experiência, em forma de narrativa, realizado por uma psicóloga-residente de um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher. Foram realizados cinco encontros, que ocorreram mensalmente, com os diferentes turnos de trabalho.

Resultados:

foram encontradas dificuldades institucionais e resistências da própria equipe, que foram sanadas, ao longo dos encontros, por meio de vínculos com os participantes e da maior apropriação da proposta pelas coordenadoras do grupo e pelos participantes. As atividades realizadas foram intercaladas entre recursos expressivos e momentos mais reflexivos. Foi possível observar transformação na prática profissional dos participantes e na relação com a equipe; maior facilidade na comunicação entre todos e valorização do autocuidado por parte dos profissionais.

Conclusão:

ofertar um espaço de escuta, de troca de experiências e de reflexão propicia grande potencial gerador de mudanças positivas na rotina de trabalho e no bem-estar desses profissionais.

Palavras-chave:
trabalhadores da saúde; saúde do trabalhador; qualidade de vida; psicologia

Abstract

Objective:

to describe a group intervention carried out for a team of health professionals of a Cardiac Intensive Care Unit.

Methods:

a narrative-like report on experience, produced by a resident psychologist from a Women's Health Multidisciplinary Residency Program. Five monthly meetings were held at different work shifts.

Results:

the authors came across institutional difficulties and resistance offered by the group, which were all solved during the meetings while the bonds with participants became stronger and the group members and coordinators increased their ownership of the proposal. The activities inserted expressive features between more reflective moments. The authors could observe changes in the participants' professional practice and in the relationship of the group members; with their communication becoming easier and their professionals' self-care improved.

Conclusion:

offering a space for listening, exchanging of experiences and reflection has great potential for generating positive changes in these professionals' work routine and well-being.

Keywords:
healthcare professionals; occupational health; quality of life; psychology

Introdução

O profissional de saúde, em seu cotidiano de atuação, vivencia situações de sofrimento, angústia e dor. Dessa forma, não está isento do sofrimento psicológico causado por sua prática - o cuidar. A dificuldade para lidar com os problemas da prática pode gerar situações de estresse e reações emocionais pouco adaptativas e causadoras de intenso sofrimento11. Kovács MJ. Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional. Mundo Saúde (Impr.) [Internet]. 2010 [citado em 2015 abr 20];34(4):420-429. Disponível em: <http://bit.ly/2fUPlIk>.
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),(22. Oliveira AEG. Trabalho com grupos no hospital: experiências com pacientes, cuidadores e profissionais. In: Nucci NAG, Faria NJ, organizadores. Psicologia e saúde: reflexões humanistas. Campinas: Alínea; 2014. p. 107-122..

O cotidiano do profissional de saúde é repleto de procedimentos e regras a serem seguidos. Alguns autores11. Kovács MJ. Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional. Mundo Saúde (Impr.) [Internet]. 2010 [citado em 2015 abr 20];34(4):420-429. Disponível em: <http://bit.ly/2fUPlIk>.
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),(33. Contel JOB. Trabalhando com grupos no hospital geral: teoria e pratica. In: Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 497-506.)-(55. Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde. In: Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.141-154. descrevem as situações mais comumente encontradas nos contextos hospitalares: alto grau de complexidade da assistência, número insuficiente de profissionais, grande número de pacientes, carga horária de trabalho excessiva, pressão constante, medo de cometer erros, falta de orientação, relacionamento conturbado com a equipe multiprofissional e falta de tempo para lazer, família, amigos e necessidades pessoais.

De acordo com Macedo et al.44. Macedo PCM, Nogueira-Martins MCF, NogueiraMartins LA. Técnicas de intervenção psicológica para humanização nas equipes de saúde: Grupos Balint e Grupos de Reflexão sobre a tarefa assistencial. In: Knobel E, Andreoli PBA, Erlichman MR, organizadores. Psicologia e humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu; 2008. p. 325-341., o próprio processo de cuidar também gera diversas consequências emocionais devido

ao contato próximo com a dor e o sofrimento; lidar com a intimidade corporal e emocional; ao atendimento a pacientes críticos e terminais; lidar com pacientes difíceis: queixosos, hostis e não aderentes ao tratamento, reivindicadores, depressivos ou apáticos, com sintomatologia psiquiátrica; [...] Lidar com as demandas e expectativas dos pacientes e familiares; estímulos emocionais intensos: piedade, compaixão, amor, culpa, ansiedade, raiva, ressentimentos, identificação (p. 330).

Tais consequências emocionais desencadeadas nos profissionais de saúde também são descritas por diversos autores33. Contel JOB. Trabalhando com grupos no hospital geral: teoria e pratica. In: Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 497-506.)-(66. Araya SB, Mantuliz MCA, Parada VV. Relación entre carga laboral y burnout en enfermeras de unidades de diálisis. Enferm Nefrol [Internet]. 2012 [citado em 2015 abr 14];15(1):46-55. Disponível em: <http://bit.ly/2fo7tpk>.
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. Entre as reações mais citadas, encontramos: estresse, cansaço ou fadiga decorrente da sobrecarga física e emocional, sofrimento psíquico, falta de comunicação mais eficiente, ansiedade, raiva, irritabilidade e sentimentos de insegurança e impotência.

O profissional de saúde atuante em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) possui convivência diária com pacientes em estado agudo e de alto risco, além de vivenciar emergências e mortes. Diante da necessidade de ter respostas ágeis para esses momentos, potencializa-se o estresse causado por sua prática de cuidado e pelas dificuldades institucionais encontradas. Ou seja, trata-se de um setor caracterizado pela alta complexidade do cuidado, que leva, também, a uma complexidade das relações ali existentes77. Martino MMF, Misko MD. Estados emocionais de enfermeiros no desempenho profissional em unidades críticas. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2004 [citado em 2015 set 20];38(2):161-167. Disponível em: <http://bit.ly/2emwtkd>.
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),(88. Oliveira EM, Spiri WC. Dimensão pessoal do processo de trabalho para enfermeiras de Unidades de Terapia Intensiva. Acta Paul Enferm [Internet]. 2011 [citado em 2015 set 20];4(4):550-555. Disponível em: <http://bit.ly/2emynRV>.
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.

Macedo et al.44. Macedo PCM, Nogueira-Martins MCF, NogueiraMartins LA. Técnicas de intervenção psicológica para humanização nas equipes de saúde: Grupos Balint e Grupos de Reflexão sobre a tarefa assistencial. In: Knobel E, Andreoli PBA, Erlichman MR, organizadores. Psicologia e humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu; 2008. p. 325-341. apontam como consequências negativas advindas da vivência do profissional de saúde - que não encontra equilíbrio para todo esse conteúdo vivenciado - o desenvolvimento de problemas de saúde, alterações psicológicas significativas e dificuldades na relação com a equipe de trabalho e com os pacientes. Consequências que podem gerar intenso sofrimento emocional ao profissional, com prejuízos para sua qualidade de vida, bem como para a qualidade da assistência por ele prestada.

Atualmente, a Síndrome de Burnout vem sendo densamente divulgada e discutida, sendo caracterizada, entre os profissionais da área da saúde, como uma "síndrome psicológica decorrente da tensão emocional crônica, vivida pelos profissionais cujo trabalho envolve o relacionamento intenso e frequente com pessoas que necessitam de cuidado e/ou assistência"99. Seligmann-Silva E. Psicopatologia do trabalho. In: Mendes R, organizador. Patologia do trabalho. São Paulo: Atheneu; 1996. p. 46.. De acordo com Araya et al.66. Araya SB, Mantuliz MCA, Parada VV. Relación entre carga laboral y burnout en enfermeras de unidades de diálisis. Enferm Nefrol [Internet]. 2012 [citado em 2015 abr 14];15(1):46-55. Disponível em: <http://bit.ly/2fo7tpk>.
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e Castro e Zanelli1010. Castro FG, Zanelli JC. Síndrome de burnout e projeto de ser. Cad Psicol Soc Trab [Internet]. 2007 [citado em 2015 abr 14];10(2):17-33. Disponível em: <http://bit.ly/2g1bWBY>.
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os sintomas da síndrome apresentam-se em forma de alterações físicas e emocionais, como: exaustão, distúrbios gastrointestinais, alterações do sono, humor depressivo, irritabilidade, ansiedade e desinteresse. Nogueira-Martins55. Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde. In: Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.141-154. aponta como seu principal sintoma a atuação tecnicista do profissional, evitando contato visual com os pacientes, realizando consultas breves, e, inclusive, utilizando-se de apelidos negativos para identificá-los.

Para Macedo et al.44. Macedo PCM, Nogueira-Martins MCF, NogueiraMartins LA. Técnicas de intervenção psicológica para humanização nas equipes de saúde: Grupos Balint e Grupos de Reflexão sobre a tarefa assistencial. In: Knobel E, Andreoli PBA, Erlichman MR, organizadores. Psicologia e humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu; 2008. p. 325-341., a prática do profissional de saúde também permite gratificações, que podem ser vivenciadas por meio da melhora física e cura do paciente, bem como com elogios e gratidão advindos dos pacientes e de seus familiares. Contudo, o convívio com todas as dificuldades já apresentadas, segundo Kovács11. Kovács MJ. Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional. Mundo Saúde (Impr.) [Internet]. 2010 [citado em 2015 abr 20];34(4):420-429. Disponível em: <http://bit.ly/2fUPlIk>.
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, remete o profissional a uma confirmação de sua vulnerabilidade e aos seus receios, que, às vezes, não encontram nem espaço, nem autorização para serem compartilhados.

Diante de tal cenário, pensou-se em uma estratégia para possibilitar a troca de experiências, a fala e a reflexão acerca da prática profissional, objetivando propiciar um momento de cuidado ao trabalhador da área da saúde. Visto que, cuidar do sofrimento do profissional de saúde, para Macedo et al.44. Macedo PCM, Nogueira-Martins MCF, NogueiraMartins LA. Técnicas de intervenção psicológica para humanização nas equipes de saúde: Grupos Balint e Grupos de Reflexão sobre a tarefa assistencial. In: Knobel E, Andreoli PBA, Erlichman MR, organizadores. Psicologia e humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu; 2008. p. 325-341., é de extrema importância, pois são prevenidas as possíveis disfunções profissionais, criando-se condições para a melhoria da assistência ofertada.

Considerando-se a escassa quantidade de material científico publicado acerca da atuação do psicólogo com os profissionais da equipe de saúde dentro do contexto hospitalar, faz-se necessário ampliar o estudo para essa prática, visando obter maior conhecimento, divulgar a atuação já realizada e fornecer subsídios para o desenvolvimento de futuras intervenções a serem desenvolvidas por profissionais interessados pela área. Dessa forma, o presente trabalho teve o objetivo de descrever uma intervenção grupal realizada junto aos profissionais da equipe de saúde de uma Unidade de Terapia Intensiva Coronariana.

Método

Este estudo consistiu em um relato de experiência, que está apresentado na forma de uma narrativa redigida pela autora em primeira pessoa, que, de acordo com Payne1111. Payne M. Terapia narrativa: una introducción para profesionales. Barcelona: Paidós; 2002., é compreendida como uma forma de relatar acontecimentos a partir de um conjunto de ideias e vivências sobre a vida. No caso deste estudo, o foco da narrativa foi a descrição da experiência da autora na condução de cinco encontros grupais com a equipe multiprofissional, composta por fisioterapeutas-residentes, técnicos de enfermagem, enfermeiros, escriturária e equipe de higiene, de uma Unidade de Terapia Intensiva Coronariana de porte pequeno, que contém 12 leitos de um Hospital Universitário misto de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Cada encontro contou com 8 a 10 participantes. As atividades realizadas tiveram como objetivo proporcionar momentos de reflexão, relaxamento, apropriação do fazer ali desenvolvido e fortalecimento do trabalho em equipe, humanização do espaço, melhora da comunicação e valorização de datas comemorativas. Os encontros ocorreram durante os diferentes turnos de trabalho - manhã, tarde e noite - e foram registrados em um caderno ata.

Posteriormente, a narrativa tomada como resultado foi interpretada a partir da confrontação com dados da literatura científica, visando embasar teoricamente o trabalho realizado.

Narrativa

O projeto

Tudo se iniciou com um convite apresentado pela enfermeira executiva da Unidade de Terapia Intensiva Coronariana (UCO) para que fosse desenvolvido um grupo com os profissionais da unidade. Tal pedido foi realizado por ela ao ter notado uma dificuldade em seus funcionários em manterem o bom rendimento e a motivação com suas atividades, sem que a própria saúde mental fosse negativamente afetada por questões relacionadas ao estresse ocupacional. A proposta, inicialmente, foi realizada ao serviço de Terapia Ocupacional (TO) - serviço que está mais presente nessa unidade no momento. Como sou residente de psicologia nessa instituição hospitalar, fui, então, convidada pela residente de TO para pensarmos, conjuntamente, em uma proposta para a criação de um grupo com o objetivo de promover a humanização do cuidado, por meio de trocas interpessoais e vivências com todos os funcionários do setor.

Dessa forma, elaboramos um projeto visando à implantação de um Grupo de Reflexão com os profissionais do setor, que ocorreria em encontros mensais. A proposta inicial seria a de realizar encontros mensais de aproximadamente 40 minutos cada, pensando em não prejudicar a rotina já pré-estabelecida da unidade. Assim, foi programado realizar, em um mês, um encontro que envolvesse alguma atividade expressiva ou manual e, no mês seguinte, a proposta incluiria um momento mais reflexivo. O grupo seria coordenado por nós duas e os participantes seriam todos os funcionários da unidade (higiene, equipe assistencial e escriturária), divididos por seus turnos de trabalho: manhã, tarde e noite.

A princípio, contávamos com uma sala, que era utilizada como depósito de alguns materiais utilizados na unidade, para a realização dos encontros. No entanto, devido a dificuldades institucionais, a função dessa sala foi alterada e foi transformada em mais um leito da UCO. Com isso, perdemos o espaço, e tivemos de nos reorganizar para utilizar outro espaço para a realização do grupo. Essa dificuldade impôs o cancelamento de alguns encontros já previstos.

Essa questão nos levou a refletir sobre os limites institucionais impostos - até sobre as próprias demandas identificadas por seus gestores - quando se trata de atenção à saúde mental dos profissionais da saúde que ali atuam.

Atividades do projeto

As atividades realizadas no primeiro encontro foram: apresentação da proposta, dos integrantes e das coordenadoras do grupo; alongamento e massagem de hemicorpo direito, visando refletir sobre a diferença sentida nos dois lados do corpo e a importância do relaxamento no dia a dia; finalizando com o alongamento e massagem de hemicorpo esquerdo. Nesse mesmo encontro, apresentamos algumas frases, obtidas em diferentes escalas de estresse ocupacional, como ferramenta catalisadora de reflexões acerca das dificuldades vivenciadas no cotidiano profissional, e finalizamos com um vídeo que ensina uma técnica de relaxamento em um minuto como uma alternativa a ser utilizada na rotina de trabalho.

No segundo encontro, realizamos a confecção de uma mandalab b Mandala: diagrama com formações circulares, esféricas ou ovais, com uma grande variedade de formas e temas. Uma representação simbólica da psique humana. Sua melhor simbolização advém do budismo tibetano12. em grupo. A mandala foi dividida em três partes, e cada turno seria responsável por confeccionar uma delas, da maneira como desejasse, para que, posteriormente, a mandala completa fosse exposta. A união das partes da mandala e sua exposição na unidade visava ressaltar a dimensão coletiva do trabalho que ali desenvolvem.

Realizamos a vivência de um "café da manhã com deficiências" - como o recurso disparador no terceiro encontro -, em que foram simuladas situações de deficiência visual; paraplegia; estar acamado e contido no leito; hemiplegia e paciente com acesso venoso periférico, que foram representadas com o uso de contenção do braço; oclusão do olho com faixa; uso de cadeira de rodas e maca; e uso de barbante e suporte para medicação.

No quarto encontro confeccionamos, para a festa junina, flores decorativas e bandeirinhas de papel para enfeitar o espaço da unidade. E, no quinto encontro, realizamos dinâmicas voltadas para a importância de se manter a comunicação com o mínimo de ruídos possíveis. Nesse encontro, expomos a dificuldade encontrada em decorrência da falta de espaço e acordamos com a equipe que os encontros se reiniciariam no próximo ano, junto com a reforma da unidade. Dessa forma, realizamos o encerramento do grupo e oferecemos um feedback aos participantes e à enfermeira executiva da unidade.

Alguns resultados: percepções e participação

Durante a realização dos encontros, foi observada inicialmente a sensação de "estarem sendo avaliados" por nós, sensação que foi trabalhada - por meio do diálogo e expressão de sentimentos presentes no próprio momento do encontro - e superada. Todos os participantes apresentaram postura ativa na realização das atividades expressivas e na organização da sala. As equipes de alguns turnos demonstravam maior organização na realização das atividades em grupo, já outros tinham dificuldade em realizar o trabalho em equipe, permanecendo bastante voltados para o plano individual. Demonstravam também maior interesse e participação durante as atividades expressivas. Chamou-nos atenção a ressignificação e valorização apresentada pelos participantes que apresentavam dificuldade em confeccionar algum material e que, ao finalizarem a atividade, deparavam-se com um produto final considerado, por eles, como bonito. Todos os encontros tiveram um clima bastante descontraído, provavelmente devido ao espaço de relaxamento proporcionado e ao próprio relacionamento interpessoal da equipe que já era de bastante descontração.

Inicialmente, notamos certa dificuldade por parte da equipe em compreender os objetivos e a importância da proposta. Tal resistência era manifestada na forma de brincadeiras irônicas envolvendo o grupo e as atividades, bem como na dificuldade em reunir os participantes, fazendo que os encontros sempre demorassem para começar. Ao longo do tempo, essa dificuldade foi diminuindo, mas não resolvida totalmente.

Foi observada, ainda, uma diferença qualitativa no funcionamento e no rendimento do grupo entre os diferentes turnos de trabalho. Em um dos turnos, era necessária intervenção constante das coordenadoras, no sentido de retomarem a proposta para que os participantes não perdessem o foco, pois existiam conversas paralelas e brincadeiras fora de contexto.

Também notamos certa dificuldade em realizarmos atividades mais voltadas para o âmbito reflexivo. Os encontros ocorriam de maneira mais coesa, harmônica e sem grandes dificuldades quando realizávamos atividades manuais ou expressivas. Quando a proposta era reflexiva, os participantes demonstravam dificuldade em se envolver, permanecendo em silêncio muitas vezes ou apenas concordando com o que era colocado pelas coordenadoras. Pensamos que isso ocorreu devido à dificuldade dos participantes de se desvincularem, naquele momento, de seu fazer prático, do cuidado com os pacientes, e, também, graças à grande potencialidade que os recursos artísticos possuem em proporcionar contato e expressão dos conteúdos latentes e desencadear reflexões.

No decorrer da realização dos encontros, notamos maior apropriação dos participantes em relação ao grupo e aos seus objetivos. Alguns participantes chegaram a solicitar que o grupo acontecesse mais vezes, sugeriram temas e atividades de seu interesse. Após o encerramento de cada encontro, vinham conversar sobre ele e suas impressões, e comentavam com funcionários de outros setores - o que gerou uma solicitação, ainda que informal, para a realização dos grupos em outros setores do hospital.

Por também estarmos inseridas no atendimento aos pacientes dessa unidade, notamos mudanças de comportamento no ambiente de trabalho, como maior compreensão das queixas apresentadas pelos pacientes e diminuição de brincadeiras negativas envolvendo-os, além de relatos de que as reflexões apresentadas tiveram alcance no plano ocupacional e pessoal dos participantes, que eram vistas por eles como positivas e geradoras de mudança. Dessa forma, foi possível observar transformação na prática profissional, na relação com a equipe, maior facilidade na comunicação entre todos e valorização do autocuidado.

Pelo fato de minha atividade neste hospital ocorrer inserida num programa de residência com tempo delimitado, próximo ao final do meu período de atividade, a proposta do grupo foi repassada para a nova psicóloga, para que, assim, o grupo que comecei, de forma lenta e difícil, desse continuidade no atendimento às necessidades dos participantes, visando, futuramente, sua implantação em outros setores.

Discussão

Como apresentado na narrativa, o ponto de partida deste trabalho deu-se a partir do convite e da sugestão da enfermeira executiva da unidade para a elaboração de uma atividade voltada para o cuidado com os profissionais de saúde que ali atuam. De acordo com Oliniski e Lacerda1313. Oliniski SR, Lacerda MR. Cuidando do cuidador no ambiente de trabalho: uma proposta de ação. Rev Bras Enferm [Internet]. 2006 [citado em 2015 ago 15];59(1):100-104. Disponível em: <http://bit.ly/2g1pjSV>.
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, é necessário que seja aberto um espaço para a realização do autocuidado dos profissionais de saúde e também para o desenvolvimento de um olhar para as relações interpessoais que permeiam toda a equipe, espaço que deve ser proporcionado pelas instituições e pelos coordenadores do serviço.

Dessa maneira, é possível observar que a postura da enfermeira executiva da unidade está em sintonia com o que a literatura apresenta sobre o cuidado com a equipe de trabalho e a responsabilização de seus gestores por este cuidado. Nota-se também que a mesma ideia é proposta pela Política Nacional de Humanização (PNH)1414. Brasil. Ministério da Saúde. Humaniza SUS: política nacional de humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2004a [citado em 2016 nov 10]. Disponível em: <http://bit.ly/2eFCaVF>.
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, que reforça a importância da valorização e do cuidado da saúde mental do profissional de saúde para a construção de equipes saudáveis, e, assim, proporcionar humanização da assistência. A PNH1414. Brasil. Ministério da Saúde. Humaniza SUS: política nacional de humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2004a [citado em 2016 nov 10]. Disponível em: <http://bit.ly/2eFCaVF>.
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também afirma que existe a necessidade de oferecer melhores condições de trabalho e ambiência aos profissionais. Dessa forma, é possível pensar que a elaboração da proposta de um grupo possibilitaria um espaço onde seria possível ressignificar o ambiente de trabalho e as relações que ali existem.

Assim, optou-se pela realização de um grupo, pois o mesmo facilita a troca de experiências e possibilita o contato com toda a equipe reunida, sendo possível trabalhar todos aqueles aspectos e dificuldades que foram apresentados na narrativa acima. Segundo Contel33. Contel JOB. Trabalhando com grupos no hospital geral: teoria e pratica. In: Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 497-506., um grupo para profissionais de saúde deve possuir caráter facilitador de diálogo, e nele devem ser trabalhadas as questões - levantadas pelos profissionais do setor - prejudiciais à assistência. O autor pontua ainda que as relações interpessoais devem ser trabalhadas de acordo com as relações observadas na rotina de trabalho e também a partir da maneira como elas se apresentam nos encontros. Corroborando essa ideia, Hernandez et al.1515. Hernández EG, Pereira AMTB, Jiménez BM, González JL. Prevenção e intervenção na síndrome de burnout: como prevenir (ou remediar) o processo de burnout. In: Pereira AMTB, organizadora. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002. p. 227-272. também destacam que as intervenções realizadas com os profissionais de saúde devem englobar as relações que permeiam o próprio profissional e seu local de atuação.

Além das contribuições apresentadas acima, Macedo et al.44. Macedo PCM, Nogueira-Martins MCF, NogueiraMartins LA. Técnicas de intervenção psicológica para humanização nas equipes de saúde: Grupos Balint e Grupos de Reflexão sobre a tarefa assistencial. In: Knobel E, Andreoli PBA, Erlichman MR, organizadores. Psicologia e humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu; 2008. p. 325-341. pontuam os benefícios advindos de se trabalhar em grupo com os profissionais de saúde: melhora da compreensão da visão integral do paciente, diminuição de estresse e ansiedade, melhoria da comunicação entre equipe e paciente, melhoria das relações interpessoais, maior sensação de pertencimento à equipe, desenvolvimento de melhores estratégias para lidar com as dificuldades, dentre outros. Portanto, destaca-se, mais uma vez, a possibilidade de ressignificação do ambiente, das relações de trabalho, das relações com pacientes e familiares e da relação consigo mesmo.

De acordo com a Resolução nº 013/2007 do Conselho Federal de Psicologia1616. Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP nº 013/2007 [Internet]. 2007 [citado em 2015 out 05]. Disponível em: <http://bit.ly/2fAyIxw>.
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, o psicólogo hospitalar pode atuar com a equipe multiprofissional "na forma de grupo de reflexão, no qual o suporte e manejo estão voltados para possíveis dificuldades operacionais e/ou subjetivas dos membros da equipe" (p. 21-22). Dessa maneira, mais um subsídio regulamentar foi encontrado para a prática de atuação apresentada neste trabalho.

Foi utilizada a modalidade de Grupo de Reflexão por ser a forma que mais adequada à proposta, visto que é um formato de grupo que possibilita aos indivíduos reflexão acerca de si mesmos e responsabilização por suas funções e papéis, gerando modificação de comportamentos e condutas. Essa reflexão pode se dar por meio dos temas propostos e da observação e identificação com outros participantes. Além disso, é possível também que o grupo possua caráter terapêutico, mesmo não sendo seu principal objetivo1717. Zimerman DE. Fundamentos básicos das grupoterapias. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2000..

Para Nogueira-Martins55. Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde. In: Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.141-154., a experiência vivenciada no âmbito de trabalho é um instrumento de aprendizado. Sendo assim, é importante considerar que a troca de experiências no momento dos encontros, por si só, pode ser geradora de mudança.

Como apresentado na narrativa, foram encontradas diversas dificuldades durante a realização dos encontros: limites institucionais, como a falta de espaço e resistências da própria equipe; dificuldade em compreender os objetivos e importância da proposta; brincadeiras inoportunas; e demora em reunir os participantes. Tais dificuldades também são mencionadas na literatura científica11. Kovács MJ. Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional. Mundo Saúde (Impr.) [Internet]. 2010 [citado em 2015 abr 20];34(4):420-429. Disponível em: <http://bit.ly/2fUPlIk>.
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),(1313. Oliniski SR, Lacerda MR. Cuidando do cuidador no ambiente de trabalho: uma proposta de ação. Rev Bras Enferm [Internet]. 2006 [citado em 2015 ago 15];59(1):100-104. Disponível em: <http://bit.ly/2g1pjSV>.
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),(1818. Brasil. Ministério da Saúde. Humaniza SUS: grupo de trabalho de humanização: GTH [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2004c [citado em 2015 out 05]. Disponível em: <http://bit.ly/2fAAP4t>.
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)-(2020. Nogueira-Martins MCF. Humanização na saúde: a relação médico-paciente no microscópio. Ser Médico [Internet]. 2002 [citado em 2015 set 20];18(5):27-29. Disponível em: <http://bit.ly/2fAQcKl>.
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.

Nesse sentido, Nogueira-Martins2020. Nogueira-Martins MCF. Humanização na saúde: a relação médico-paciente no microscópio. Ser Médico [Internet]. 2002 [citado em 2015 set 20];18(5):27-29. Disponível em: <http://bit.ly/2fAQcKl>.
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pontua que o processo de humanização é longo, complexo e amplo, e gera insegurança por apresentar mudanças, acarretando em resistência às propostas apresentadas, já que cultura institucional existente é conhecida, e, por isso, considerada segura. Na mesma direção, o Caderno da PNH sobre Grupo de Trabalho de Humanização1818. Brasil. Ministério da Saúde. Humaniza SUS: grupo de trabalho de humanização: GTH [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2004c [citado em 2015 out 05]. Disponível em: <http://bit.ly/2fAAP4t>.
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justifica que os profissionais apresentam essa dificuldade - de envolvimento em novas propostas de trabalho - pela própria rotina, que acaba impossibilitando o vislumbre de novas situações; e, por isso, propõe como alternativa o trabalho em grupo.

Oliniski e Lacerda1313. Oliniski SR, Lacerda MR. Cuidando do cuidador no ambiente de trabalho: uma proposta de ação. Rev Bras Enferm [Internet]. 2006 [citado em 2015 ago 15];59(1):100-104. Disponível em: <http://bit.ly/2g1pjSV>.
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acrescentam ainda sentimentos que podem estar presentes nesses espaços: como o profissional de saúde que se sente intimidado pela presença de toda a equipe multiprofissional: receio acerca de julgamentos e falatórios sobre tal atividade de cuidado não ser considerada uma atribuição de sua atuação profissional. Os autores também levantam a questão de ser uma atividade que não está inserida em sua rotina de trabalho, gerando, portanto, dificuldade em sua inclusão.

Pensando ainda nas resistências apresentadas pelos profissionais de saúde, Kovács11. Kovács MJ. Sofrimento da equipe de saúde no contexto hospitalar: cuidando do cuidador profissional. Mundo Saúde (Impr.) [Internet]. 2010 [citado em 2015 abr 20];34(4):420-429. Disponível em: <http://bit.ly/2fUPlIk>.
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adiciona o não reconhecimento, por parte dos profissionais, de que as dificuldades vivenciadas no processo de cuidar devam ser trabalhadas, já que são consequências da atuação na área de saúde. Como justificativa para tal comportamento, a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS1919. Brasil. Ministério da Saúde. Trabalho e redes de saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009 [citado em 2015 out 05]. Disponível em: <http://bit.ly/2fheH17>.
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aponta que há escassez de espaços oferecidos aos profissionais de saúde para discussão, compartilhamento de experiências e reflexão sobre as mesmas. E, acrescenta que atuar apenas mecanicamente, focado nos procedimentos de sua área de saber, é nocivo à saúde do trabalhador. Reafirma-se, dessa forma, que esses espaços de reflexão são potenciais geradores de saúde.

Dessa forma, é possível pensar que este trabalho ganha ainda mais um objetivo, que é o de demonstrar para os profissionais que as dificuldades vivenciadas atrapalham o seu rendimento e prejudicam sua saúde mental, sendo assim importantes e necessárias de serem observadas, relatadas e trabalhadas. Segundo o texto da Cartilha de Gestão e Formação nos processos de trabalho do Humaniza SUS2121. Brasil. Ministério da Saúde. Humaniza SUS: gestão e formação nos processos de trabalho [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2004b [citado em 2015 out 05]. Disponível em: <http://bit.ly/2fFPOZQ>.
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, é necessário que exista esse movimento de reflexão para gerar novas aprendizagens, desconstruir conceitos ultrapassados e, assim, evitar o trabalho mecanizado em saúde.

Considera-se pertinente destacar que as dificuldades encontradas ao longo dos encontros foram superadas e não interferiram negativamente durante a realização dos mesmos. Compreende-se, no entanto, que a equipe parece não se sentir autorizada a falar de suas dificuldades, sendo necessário, portanto a manutenção de um vínculo que permitisse a expressão de tais elementos. De acordo com Fernandes et al.2222. Fernandes WJ, Svartman B, Fernandes BS, organizadores. Grupos e configurações vinculares. Porto Alegre: AMGH; 2014., vínculos são elos entre o mundo interno do indivíduo e o outro presente na relação. Dessa forma, a partir da criação e manutenção do vínculo é possível acessar esse mundo interno, colaborando, portanto, para a expressão de conteúdos emocionais.

O funcionamento de um grupo também apresenta um aspecto de união das pessoas envolvidas, potencializando, assim, a compactuação da equipe multiprofissional, considerada como um dos fatores de auxílio para o trabalho em saúde e o benefício para a saúde mental dos trabalhadores. O mesmo é apresentado por Nogueira-Martins55. Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde. In: Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.141-154., que afirma que a criação de equipes multidisciplinares visa a troca de informações e vivências, compartilhando, assim, as dificuldades e diminuindo os efeitos do estresse da assistência. Kovács et al.2323. Kovács MJ, Esslinger I, Vaiciunas N, Souza TM. Cuidando do cuidador em UTIs pediátrica e neonatal. Mundo Saúde (Impr.) [Internet]. 2008 [citado em 2015 ago 10]; 32(1):24-30. Disponível em: <http://bit.ly/2fFnWqj>.
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acrescentam ainda que o reconhecimento dos sentimentos, por parte de toda equipe, gera identificação e uma sensação de pertencimento, que também é vista como positiva e minimizadora de estresse.

Foi observado que, na realização dos encontros nos quais ocorriam atividades manuais ou expressivas, o desenvolvimento da atividade, e o próprio desenrolar do grupo, ocorria de maneira mais coesa e participativa, podendo-se pensar, então, no potencial que essas atividades podem alcançar. De acordo com Reis2424. Reis AC. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do psicólogo. Psicol Cienc Prof [Internet]. 2014 [citado em 2015 out 01];34(1):142-157. Disponível em: <http://bit.ly/2fFxOjQ>.
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, técnicas expressivas funcionam como uma ferramenta potencial de acesso à subjetividade dos indivíduos, sendo possível, além do trabalho com esse material subjetivo, impulsionar o desenvolvimento interpessoal entre os participantes de um grupo, graças à ampliação da forma de expressão dos indivíduos.

Assim, fica mais compreensível a dificuldade encontrada pelos participantes quando os encontros eram voltados para o âmbito reflexivo, sem a realização de alguma atividade expressiva como recurso disparador, pois, como dito anteriormente, além do não reconhecimento da necessidade e da possibilidade de expressarem suas vivências e dificuldades, existia ainda a falta de algum recurso que servisse de catalisador dessas emoções.

Foi possível observar transformação na prática profissional, na relação com a equipe, maior facilidade na comunicação entre todos e valorização do autocuidado - como maior compreensão das queixas apresentadas pelos pacientes e diminuição de brincadeiras negativas que os envolvia, além de relatos de que as reflexões apresentadas tiveram alcance no plano ocupacional e pessoal dos participantes, que eram vistas por eles como positivas e geradoras de mudança. Esse resultado também foi observado no estudo de Oliniski e Lacerda1313. Oliniski SR, Lacerda MR. Cuidando do cuidador no ambiente de trabalho: uma proposta de ação. Rev Bras Enferm [Internet]. 2006 [citado em 2015 ago 15];59(1):100-104. Disponível em: <http://bit.ly/2g1pjSV>.
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, que solicitaram avaliação por parte dos participantes e trouxeram como resultado uma mudança positiva observada após a realização das atividades propostas pelas autoras. Também é exposto por Nogueira-Martins55. Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde. In: Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.141-154. que ao cuidar do profissional de saúde, além da prevenção de adoecimento físico e emocional, é notado como resultado o aperfeiçoamento na sua prática assistencial. Macedo et al.44. Macedo PCM, Nogueira-Martins MCF, NogueiraMartins LA. Técnicas de intervenção psicológica para humanização nas equipes de saúde: Grupos Balint e Grupos de Reflexão sobre a tarefa assistencial. In: Knobel E, Andreoli PBA, Erlichman MR, organizadores. Psicologia e humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu; 2008. p. 325-341. acrescentam ainda que os benefícios percebidos costumam ser a melhoria da assistência, das relações interpessoais e maior identificação de dificuldades físicas e emocionais.

O recurso metodológico utilizado - narrativa - possibilitou o relato da experiência de maneira adequada, e estabeleceu um diálogo com subsídios teóricos, sendo eficaz para o alcance do objetivo deste estudo.

Considerações finais

Este relato de experiência apresentou uma estratégia de trabalho grupal em saúde mental com profissionais de uma equipe multiprofissional de uma Unidade de Terapia Intensiva Coronariana, que muitas vezes, não estão acostumados e liberados a pensar e discutir sobre suas vivências e seu autocuidado. O relato ressaltou as dificuldades vivenciadas na demonstração da importância de se cuidar e das dificuldades encontradas para estruturar uma estratégia de cuidado e valorização profissional - dificuldades que foram sanadas ao longo dos encontros, por meio da vinculação com os participantes e da maior apropriação da proposta por parte das coordenadoras do grupo e dos próprios participantes.

Conclui-se que ofertar um espaço de escuta, de troca de experiências e de reflexão possui grande potencial gerador de mudanças positivas na rotina de trabalho e no bem-estar do profissional, além de estar em consonância com os princípios de humanização do Ministério da Saúde, bem como com as diretrizes do Conselho de Psicologia para a atuação na área hospitalar.

Diante da escassez de material, cujo objeto é a prática psicológica com membros da equipe multiprofissional, população-alvo da atuação do psicólogo, são necessárias mais pesquisas e publicações sobre a prática cotidiana da psicologia.

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    Este trabalho não se baseia em tese ou dissertação e não foi apresentado em reunião científica.
  • b
    Mandala: diagrama com formações circulares, esféricas ou ovais, com uma grande variedade de formas e temas. Uma representação simbólica da psique humana. Sua melhor simbolização advém do budismo tibetano1212. Jung CG. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes; 2002..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2016
  • Data do Fascículo
    2016

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2015
  • Revisado
    16 Jun 2016
  • Aceito
    06 Jul 2016
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