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Coexistência de osteoartropatia hipertrófica e mielofibrose Este estudo foi feito no Departamento de Medicina Física e Reabilitação, Faculdade de Medicina da Universidade Cukurova, Adana, Turquia.

Introdução

A osteoartropatia hipertrófica (OAH) é uma condição manifestada por artralgia/artrite, baqueteamento digital e proliferação de periósteo (periostite) nos ossos longos. É classificada como primária (hereditária ou idiopática) ou secundária. A OAH primária é uma condição rara e hereditária observada principalmente em crianças e adolescentes.11 Ahrenstorf G, Rihl M, Pichlmaier MA, Rosenthal H, Witte T, Schmidt RE. Unilateral hypertrophic osteoarthropathy in a patient with a vascular graft infection. J Clin Rheumatol. 2012;18:307-9. A OAH secundária pode ser encontrada em várias doenças sistêmicas, incluindo doenças inflamatórias e malignas. Os achados clínicos se desenvolvem em decorrência do aumento no fluxo sanguíneo periférico, bem como da atividade e proliferação anormal dos fibroblastos.22 Arıkan S, Sen I, Bahceci M, Tuzcu A, Avli M. An interesting case of pachydermoperiostosis with idiopathic myelofibrosis associated with monosomy 22. Int J Dermatol. 2009;48:882-5.

3 Massoud S, Azita A, Najmeh N. Primary hypertrophic osteoarthropathy with myelofibrosis. Rheumatol Int. 2008;28:597-600.
-44 Narayanan S, Mohamed Gani VM, Sundararaju V. Primary hypertrophic osteoarthropathy with hypertrophic gastropathy. J Clin Rheumatol. 2010;16:190-2.

A mielofibrose é uma doença mieloproliferativa crônica caracterizada pela expansão clonal de uma célula tronco hematopoiética/progenitora anormal.55 Barbui T, Finazzi G, Falanga A. Myeloproliferative neoplasms and thrombosis. Blood. 2013;122:2176-84. Existem alguns relatos de caso sobre a coexistência de mielofibrose e OAH. Apresenta-se a seguir um caso de OAH associada a mielofibrose.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino de 65 anos, internado no Ambulatório de Medicina Física e Reabilitação em razão do aumento na dor em ambos os membros inferiores no ano precedente. Havia seis anos ele fora diagnosticado com mielofibrose após a coleta do histórico de saúde, exames de sangue de rotina e biópsia de medula óssea. A aspiração da medula óssea revelou punção seca e o exame de biópsia revelou medula hipoplásica com mielofibrose (fig. 1A, 1 B). O paciente recebeu interferon (IFN) alfa 2 A durante dois anos e sua medula óssea permaneceu em remissão após esse tratamento. Embora a dor do paciente piore aos movimentos, também tem persistido em repouso. O paciente inicialmente se beneficiou da medicação analgésica, mas afirma que sua dor aumentou ao longo do tempo e não se resolvia com esses analgésicos. Ao exame físico, o estado geral do paciente era bom. A pressão arterial era de 125/75 mmHg e a frequência cardíaca era de 78 bpm. Foi observado baqueteamento digital em ambas as mãos. Ambas as tíbias eram dolorosas à percussão e foram palpadas margens irregulares na tíbia. Embora a dor estivesse presente nos tornozelos e joelhos, não foi detectado aumento na temperatura ou sinovite. A amplitude de movimento do quadril, joelho e tornozelo estava dentro dos limites normais bilateralmente.

Figura 1
Biópsia da medula óssea que mostra mielofibrose do tipo reticulina (HE, × 100). Biópsia de medula óssea quemostra mielofibrose do tipo reticulina (reticulina, × 100).

Uma radiografia convencional da região crural mostrou reação periosteal em ambas as tíbias, mais proeminente no lado esquerdo (fig. 2). A cintilografia óssea de corpo inteiro mostrou aumento da atividade na parte distal da tíbia esquerda. Nos exames laboratoriais, a hemoglobina e a contagem de leucócitos e de plaquetas estavam dentro dos limites normais, enquanto o VCM estava diminuído [69,5 fL (normal: 80 a 97)]. O esfregaço de sangue periférico estava normal. Não foi encontrado aumento nos reagentes de fase aguda. A velocidade de hemossedimentação foi de 20 mm/h (normal: 0 a 15) e a PCR estava dentro do intervalo normal [< 0,5 ng/L (normal: 0 a 0,8)]. Os níveis de hormônio paratireóideo, cálcio e 25-hidroxivitamina D3 estavam dentro dos limites normais. Os níveis séricos de IL-6 e TNF alfa estavam dentro da variação normal.

Figura 2
Reação periosteal (periostite) na margem da tíbia(seta preta).

Determinou-se o diagnóstico de OAH secundária associada a mielofibrose. Recomendou-se o tratamento com 15 mg/dia de meloxicam por via oral. Por causa da resposta incompleta após sete dias, foi adicionado 1 mg/dia de colchicina ao tratamento e foi detectada uma diminuição significativa na dor depois de uma semana.

Discussão

A OAH é uma síndrome clínica caracterizada por baqueteamento digital e proliferação periostal especialmente no osso tibial.11 Ahrenstorf G, Rihl M, Pichlmaier MA, Rosenthal H, Witte T, Schmidt RE. Unilateral hypertrophic osteoarthropathy in a patient with a vascular graft infection. J Clin Rheumatol. 2012;18:307-9. A OAH inclui manifestações cutâneas, como espessamento da pele da face e do couro cabeludo, e características faciais grosseiras, juntamente com baqueteamento digital, periostose, acrosteólise e mobilidade articular dolorosa.66 Zhang Z, Xia W, He J, Zhang Z, Ke Y, Yue H, et al. Exome sequencing identifies SLCO2A1 mutations as a cause of primary hypertrophic osteoarthropthy. Am J Hum Genet. 2012;90:125-32.

A OAH pode estar associada a várias doenças, incluindo neoplasias, doenças cardíacas intratorácicas cianóticas, tumores gastrointestinais e doenças inflamatórias do intestino.11 Ahrenstorf G, Rihl M, Pichlmaier MA, Rosenthal H, Witte T, Schmidt RE. Unilateral hypertrophic osteoarthropathy in a patient with a vascular graft infection. J Clin Rheumatol. 2012;18:307-9. Uma das causas raras de OAH secundária é a mielofibrose.

O mecanismo de desenvolvimento da OAH não é totalmente compreendido. Estudos recentes sugerem uma atuação das plaquetas.33 Massoud S, Azita A, Najmeh N. Primary hypertrophic osteoarthropathy with myelofibrosis. Rheumatol Int. 2008;28:597-600. A fragmentação e a agregação plaquetária, assim como a ativação das células endoteliais, levam à liberação de fator de crescimento derivado de plaquetas (FCDP) e outros fatores que induzem à proliferação de tecido conjuntivo e periosteal.33 Massoud S, Azita A, Najmeh N. Primary hypertrophic osteoarthropathy with myelofibrosis. Rheumatol Int. 2008;28:597-600.,77 Kumar U, Bhatt SP, Misra A. Unusual associations of pachydermoperiostosis: a case report. Indian J Med Sci. 2008;62:65-8. O FCDP desempenha um papel importante na patogênese da mielofibrose e da OAH.88 John B, Subhash H, Thomas K. Case of myelofibrosis with hypertrophic osteoarthropathy: the role of platelet-derived growth factor in pathogenesis. N Z Med J. 2004;117:U853. Níveis aumentados de FCDP, fator de crescimento transformante beta (TGF-beta) e fator de crescimento epidérmico (EGF) estão presentes nos grânulos alfa dos megacariócitos na mielofibrose. O aumento nos níveis de TGF e EGF causa excesso de produção de colágeno do tipo III. Esse aumento no colágeno tipo III causa baqueteamento digital e periostite.77 Kumar U, Bhatt SP, Misra A. Unusual associations of pachydermoperiostosis: a case report. Indian J Med Sci. 2008;62:65-8. Também foram relatados níveis plasmáticos aumentados de citocinas pró-inflamatórias, como fator de necrose tumoral-alfa (TNF-alfa), interleucina-6 (IL-6) e fator de crescimento endotelial vascular (FCEV).99 Rendina D, De Fillipo G, Vicencoti R, Soscia E, Siriqnano C, Salvatore M, et al. Interleukin (IL)-6 and receptor activator of nuclear factor (NF)-kappaB ligand (RANKL) are increased in the serum of a patient with primary pachydermoperiostosis. Scand J Rheumatol. 2008;37:225-9. Uma das limitações deste relato de caso foi a falta de exames laboratoriais, incluindo FCDP, TGF e FCEV. No entanto, os níveis de TNF-alfa e IL-6 foram negativos no paciente estudado.

A OAH associada a mielofibrose é rara e há poucos casos descritos na literatura. Yu et al. descreveram dois pacientes do sexo masculino com OAH associada a mielofibrose. Eles sugeriram que a periostite, quando associada a febre e dor óssea, é indicativa de uma doença mais agressiva.1010 Yu JS, Greenway G, Resnick D. Myelofibrosis associated with prominent periosteal bone apposition. Report of two cases. Clin Imaging. 1994;18:89-92. Em vários relatos de caso de OAH associada a mielofibrose encontrou-se elevação nos reagentes de fase aguda.22 Arıkan S, Sen I, Bahceci M, Tuzcu A, Avli M. An interesting case of pachydermoperiostosis with idiopathic myelofibrosis associated with monosomy 22. Int J Dermatol. 2009;48:882-5.,33 Massoud S, Azita A, Najmeh N. Primary hypertrophic osteoarthropathy with myelofibrosis. Rheumatol Int. 2008;28:597-600.,77 Kumar U, Bhatt SP, Misra A. Unusual associations of pachydermoperiostosis: a case report. Indian J Med Sci. 2008;62:65-8. O paciente estudado não teve febre e não houve evidências de aumento de proteínas de fase aguda. Esses pontos podem estar associados ao curso de doença mais brando do caso descrito.

Não há evidências na literatura de que o IFN causa a OAH clinicamente aparente. Mas o tratamento com IFN pode causar baqueteamento digital em alguns pacientes. Houve apenas um relato publicado, que constou de dois pacientes que tinham baqueteamento digital associado ao uso do tratamento com IFN.1111 Alam MT, Sheikh SS, Aziz S, Masroor M. An unusual side effect of interferon alfa 2A: digital clubbing. J Ayub Med Coll Abbottabad. 2008;20:165-6. Foi relatado que o tratamento com IFN provoca a ativação anormal dos fibroblastos e que essa condição pode ser a causa do baqueteamento digital. Nesse relato de caso, foram apresentados dois pacientes que receberam IFN alfa 2 A para o vírus da hepatite C. O baqueteamento digital se desenvolveu após o segundo e o quarto mês de tratamento farmacológico nesses pacientes, respectivamente. Em contraste, o paciente estudado desenvolveu baqueteamento digital e dor nos ossos da tíbia após dois anos de medicação. No entanto, houve uma reação periosteal em ambos os ossos da tíbia, além do baqueteamento digital, o que possibilitou o diagnóstico de OAH.

Não há consenso sobre o regime de tratamento padrão para a OAH. Foi observado um resultado favorável para a combinação de colchicina e meloxicam no caso descrito. Na literatura, há relato de que o pamidronato foi eficaz nas osteoartropatias que não respondiam aos fármacos anti-inflamatórios não esteroides. O tratamento com octreotide também produziu resultados similares.1212 Martinez-Lavin M, Vargas A, Rivera-Viñas M. Hypertrophic osteoarthropathy: a palindrome with a pathogenic connotation. Curr Opin Rheumatol. 2008;20:88-91.

Em conclusão, deve-se verificar a presença de comorbidades e doenças adicionais nos pacientes com dores articulares difusas de causa desconhecida. Além disso, deve-se suspeitar de OAH no paciente com mielofibrose conhecida, quer em período ativo ou em remissão, que apresente dor localizada atípica e baqueteamento digital. No entanto, deve-se considerar que nem todos os achados clínicos podem estar presentes nos casos de OAH secundária ou associada.

  • Este estudo foi feito no Departamento de Medicina Física e Reabilitação, Faculdade de Medicina da Universidade Cukurova, Adana, Turquia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    1 Set 2014
  • Aceito
    2 Nov 2014
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