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Lipoma arborescente de joelho: relato de caso Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux, Brusque, SC, Brasil.

Resumos

Relato de caso de um paciente do sexo feminino de 26 anos que apresentava queixas de dores eventuais e episódios recorrentes de derrame articular no joelho esquerdo havia aproximadamente 10 anos. Após anamnese, exame físico, exames radiográficos e exames de imagem por ressonância magnética foi firmado o diagnóstico de lipoma arborescente de joelho. A paciente foi submetida a tratamento artroscópico para ressecção da lesão. No pós-operatório foi encaminhada para reabilitação fisioterápica, com boa evolução.

Joelho; Lipoma arborescente; Membrana sinovial


Case report of a female patient of 26 years who complained of pain and recurrent episodes of joint swelling in his left knee about 10 years ago. After anamnesis, physical examination and radiographic imaging and magnetic resonance were diagnosed with arborescent lipoma of the knee, and the patient underwent arthroscopic treatment for resection of the lesion. Postoperatively the patient was referred to physical therapy rehabilitation with good evolution.

Knee; Lipoma arborescens; Synovial membrane


Introdução

O lipoma arborescente é uma lesão intra-articular rara, benigna, caracterizada pela substituição difusa do tecido sinovial por adipócitos maduros, que origina uma proliferação vilosa lipomatosa da membrana sinovial.11. Bernardo A, Bernardes M, Brito I, Vieira A, Ventura F. Lipoma arborescente da sinovial. Acta Med Port. 2004;17:325-8.

A condição é tipicamente monoarticular. O joelho é a articulação mais comumente acometida. Sua maior incidência de apresentação é na quarta e quinta décadas de vida, sem predileção por sexo.22. Sailhan F, Hautefort P, Coulomb A, Mary P, Damsin JP. Bilateral lipoma arborescens of the knee: a case report. J Bone Joint Surg Am. 2011;93(2):195-8. O quadro clínico típico apresenta derrames articulares de repetição, muitas vezes de grande volume, e dores difusas intermitentes. No joelho ela comumente atinge a bolsa suprapatelar e é de consistência macia à palpação. O diagnóstico deve ser suspeitado em um paciente com história clínica de derrames articulares frequentes, dores eventuais e aumento de volume na região suprapatelar. A radiografia pode ser normal ou demonstrar alterações inespecíficas, como aumento de partes moles ou até mesmo alterações degenerativas.22. Sailhan F, Hautefort P, Coulomb A, Mary P, Damsin JP. Bilateral lipoma arborescens of the knee: a case report. J Bone Joint Surg Am. 2011;93(2):195-8. A ressonância magnética (RM) é o principal exame diagnóstico. A imagem de uma massa sinovial de arquitetura vilositária, de isointensidade com a gordura subcutânea, é considerada por alguns autores como patognomônica para lipoma arborescente, o que permite o diagnóstico antes mesmo do resultado do exame anatomopatológico.11. Bernardo A, Bernardes M, Brito I, Vieira A, Ventura F. Lipoma arborescente da sinovial. Acta Med Port. 2004;17:325-8. O tratamento recomendado é a sinovectomia aberta ou artroscópica, com raríssimos casos de recorrência da patologia.33. Sumathi S, Khan DM, Annam V, Mrinalini VR. Secondary unilateral monoarticular lipoma arborescens of the knee. A case report with review of literature. Int J Biol Med Res. 2012;3(1):1456-8.

Relato de caso

Paciente feminina, 26 anos, relatou que desde a adolescência apresentava episódios de aumento de volume e dores eventuais no joelho esquerdo, sem evento traumático desencadeante. Negou história de falseios ou bloqueios articulares. Consultou vários médicos e algumas vezes foi submetida à artrocentese, sem diagnóstico. Controlava razoavelmente bem seus sintomas, com fisioterapia, para manutenção do controle muscular e do arco de movimento. No exame físico, apresentava genu valgo bilateral, com aumento de volume no joelho esquerdo (fig. 1). Apresentava ainda massa palpável de consistência mole e indolor na região lateral, sinal da tecla positivo inferindo derrame articular moderado, arco de movimento completo com crepitação audível na flexoextensão e dor à compressão da articulação fêmoro-patelar. As manobras para pesquisa de lesões ligamentares e meniscais foram consideradas negativas, sem outros sinais ou sintomas relevantes. Não apresentava história familiar ou pessoal digna de nota. A radiografia simples do joelho apresentava redução do espaço articular medial, esclerose subcondral e osteófitos reacionais (fig. 2). A RM mostrava volumoso derrame articular, espessamento das membranas sinoviais com realce pelo meio de contraste com aspecto frondoso e conteúdo lipomatoso na região lateral da articulação, além de alterações degenerativas condrais compartimentais e degeneração do corpo do menisco medial (fig. 3). Após avaliação do exame físico e dos exames complementares, a paciente foi submetida à videoartroscopia com uso dos portais ântero-inferiores e ântero-superiores para ressecção da lesão e envio de material para exame anatomopatológico, que confirmou o diagnóstico de lipoma arborescente. Durante a artroscopia observaramse, além de lesões degenerativas compartimentais, sinovite de aspecto pediculado e coloração avermelhada, difusa, com maior predomínio em goteira lateral (fig. 4). Um dreno de sucção foi mantido por 24 horas e coletou o volume aproximado de 350 mL de sangue. A paciente teve alta sem queixas no dia seguinte ao procedimento. Fisioterapia motora foi iniciada logo após a alta hospitalar, visando à manutenção da amplitude de movimento e ao controle muscular, e o apoio de peso foi permitido conforme tolerância. Após 30 dias de cirurgia a paciente foi liberada para suas atividades habituais. Em sua última revisão, com aproximadamente três meses de pós-operatório, encontrava-se assintomática e apresentava derrame articular mínimo. Será acompanhada por RM semestralmente no primeiro ano e anualmente por dois anos.

Figura 1
- Aumento de volume em joelho esquerdo
Figura 2
- Radiografias do joelho esquerdo em AP (A) e perfil que demonstram alterações degenerativas (B)
Figura 3
- Ressonância magnética em cortes sagital (A), coronal (B) e axial (C) que demonstra o aspecto vilositário e lipomatoso da membrana sinovial
Figura 4
- Aspecto macroscópico intraoperatório da lesão (A e B): projeções vilosas difusas de coloração avermelhada localizadas predominantemente em goteira lateral

Discussão

O lipoma arborescente é uma afecção caracterizada por substituição difusa do tecido subsinovial por adipócitos maduros, com transformação vilositária proeminente.44. Kloen P, Keel SB, Chandler HP, Geiger RH, Zarins B, Rosenberg AE. Lipoma arborescens of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(2):298-301. Tem etiologia desconhecida, embora em alguns casos esteja associado a algumas condições, como doença articular degenerativa, diabetes melito, artrite reumatoide e artrite psoriásica, o que faz levantar a hipótese de se tratar de um processo reacional.11. Bernardo A, Bernardes M, Brito I, Vieira A, Ventura F. Lipoma arborescente da sinovial. Acta Med Port. 2004;17:325-8. Cistos poplíteos foram notados em aproximadamente 20% dos casos descritos.44. Kloen P, Keel SB, Chandler HP, Geiger RH, Zarins B, Rosenberg AE. Lipoma arborescens of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(2):298-301. Embora o joelho seja a articulação mais acometida, também há relatos de acometimento em punho,44. Kloen P, Keel SB, Chandler HP, Geiger RH, Zarins B, Rosenberg AE. Lipoma arborescens of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(2):298-301.,55. Gaede EA. Ein fall von synovitis chronicavillosageneralisata. Arch Orthop Unfallchir. 1961;53:315-9. cotovelo,44. Kloen P, Keel SB, Chandler HP, Geiger RH, Zarins B, Rosenberg AE. Lipoma arborescens of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(2):298-301.,66. Levadoux M, Gadea J, Flandrin P, Carlos E, Aswad R, Panuel M. Lipoma arborescens of the elbow: a case report. J Hand Surg Am. 2000;25(3):580-4. ombro,44. Kloen P, Keel SB, Chandler HP, Geiger RH, Zarins B, Rosenberg AE. Lipoma arborescens of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(2):298-301.,77. Laorr A, Peterfy CG, Tirman PF, Rabassa AE. Lipoma arborescens of the shoulder: magnetic resonance imaging findings. Can Assoc Radiol J. 1995;46(4):311-3. tornozelo,44. Kloen P, Keel SB, Chandler HP, Geiger RH, Zarins B, Rosenberg AE. Lipoma arborescens of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(2):298-301.,88. Napolitano A. Lipoma arborescens of the synovial fluid; clinical contribution to a case located at the synovia of the wrist. Prog Med (Napoli). 1957;13(4):109-18. e quadril.44. Kloen P, Keel SB, Chandler HP, Geiger RH, Zarins B, Rosenberg AE. Lipoma arborescens of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(2):298-301.,99. Hubscher O, Costanza E, Elsner B. Chronic monoarthritis due to lipoma arborescens. J Rheumatol. 1990;17(6):861-2. O diagnóstico diferencial do lipoma arborescente de joelho inclui sinovite vilonodular pigmentada, lipoma intra-articular de joelho, condromatose sinovial, hemangioma sinovial e artrite reumatoide.11. Bernardo A, Bernardes M, Brito I, Vieira A, Ventura F. Lipoma arborescente da sinovial. Acta Med Port. 2004;17:325-8.,44. Kloen P, Keel SB, Chandler HP, Geiger RH, Zarins B, Rosenberg AE. Lipoma arborescens of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(2):298-301. Seu curso clínico insidioso, complementado por exames como a radiografia simples e principalmente a RNM, praticamente sela o diagnóstico. Na RNM é possível visualizar uma massa sinovial de arquitetura vilositária de isointensidade com a gordura subcutânea (hipersinal em T1, que é abolido nas sequências com saturação de gordura). Não ocorre captação de contraste pela lesão, o que exclui outros processos inflamatórios ou neoplásicos da sinovial. No entanto, pode verificar-se alguma difusão intra-articular desse contraste para o líquido articular que se insinua entre as projeções vilosas lipomatosas da sinovial e dá origem a pequenas áreas de captação.11. Bernardo A, Bernardes M, Brito I, Vieira A, Ventura F. Lipoma arborescente da sinovial. Acta Med Port. 2004;17:325-8. Atualmente, com o uso mais difundido da RNM, tornou-se mais fácil diagnosticar essa patologia.

A sinovectomia aberta ou artroscópica é considerada curativa pela maioria dos autores. Apesar de poucos casos de sinovectomia artroscópica terem sido publicados, apresentaram boa evolução no período de seguimento de até dois anos,22. Sailhan F, Hautefort P, Coulomb A, Mary P, Damsin JP. Bilateral lipoma arborescens of the knee: a case report. J Bone Joint Surg Am. 2011;93(2):195-8. além de menor morbilidade quando comparados aos casos em que foi feito tratamento convencional aberto.11. Bernardo A, Bernardes M, Brito I, Vieira A, Ventura F. Lipoma arborescente da sinovial. Acta Med Port. 2004;17:325-8. Não foram encontradas maiores dificuldades técnicas para o procedimento artroscópico, talvez pelo fato de a patologia localizar-se na região anterior do joelho. O uso dos portais acessórios ântero-superiores facilitou sobremaneira o procedimento e pouco adicionou em morbilidade ao paciente. Faz-se necessário o uso de dreno de sucção durante um período aproximado de 24 horas após o término da cirurgia, tendo em vista o sangramento que ocorre após o procedimento.

Neste caso descrito, a localização da patologia e a característica monoarticular, bem como a descrição dos sintomas, coincidem com a literatura, apesar de a paciente apresentar uma idade mais baixa. Considerando um tempo de seguimento de aproximadamente três meses, pode-se concluir até o momento que o tratamento proposto foi apropriado, já que se conseguiu fazer uma sinovectomia de toda a lesão sem adicionar o dano de uma cirurgia aberta.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Bernardo A, Bernardes M, Brito I, Vieira A, Ventura F. Lipoma arborescente da sinovial. Acta Med Port. 2004;17:325-8.
  • 2
    Sailhan F, Hautefort P, Coulomb A, Mary P, Damsin JP. Bilateral lipoma arborescens of the knee: a case report. J Bone Joint Surg Am. 2011;93(2):195-8.
  • 3
    Sumathi S, Khan DM, Annam V, Mrinalini VR. Secondary unilateral monoarticular lipoma arborescens of the knee. A case report with review of literature. Int J Biol Med Res. 2012;3(1):1456-8.
  • 4
    Kloen P, Keel SB, Chandler HP, Geiger RH, Zarins B, Rosenberg AE. Lipoma arborescens of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(2):298-301.
  • 5
    Gaede EA. Ein fall von synovitis chronicavillosageneralisata. Arch Orthop Unfallchir. 1961;53:315-9.
  • 6
    Levadoux M, Gadea J, Flandrin P, Carlos E, Aswad R, Panuel M. Lipoma arborescens of the elbow: a case report. J Hand Surg Am. 2000;25(3):580-4.
  • 7
    Laorr A, Peterfy CG, Tirman PF, Rabassa AE. Lipoma arborescens of the shoulder: magnetic resonance imaging findings. Can Assoc Radiol J. 1995;46(4):311-3.
  • 8
    Napolitano A. Lipoma arborescens of the synovial fluid; clinical contribution to a case located at the synovia of the wrist. Prog Med (Napoli). 1957;13(4):109-18.
  • 9
    Hubscher O, Costanza E, Elsner B. Chronic monoarthritis due to lipoma arborescens. J Rheumatol. 1990;17(6):861-2.
  • Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux, Brusque, SC, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2012
  • Aceito
    22 Mar 2013
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